Espacios. Vol. 28 (3) 2007. Pág. 2

Uso do Poder de Compra Governamental e o Setor Brasileiro de Software e Serviços

Uso del poder de compra gubernamental en el sector brasileño de software y servicios

Use of the power of governmental purchase in the Brazilian sector of software and services

Angela M. Alves*, Cássia Isabel Costa Mendes**, Ana Maria Alves Carneiro da Silva***, Cassio Garcia Ribeiro****, André Tosi Furtado***** y Carolina Vaghetti Mattos******


Contenido


RESUMO:
O artigo objetiva discutir a utilização do poder de compra governamental como instrumento de fomento para o desenvolvimento do setor brasileiro de software e serviços, que apresenta-se como um segmento prioritário da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE). São discutidas as possíveis restrições de legislação, a capacitação do governo na aquisição de software e serviços e, por fim, a capacitação das empresas do setor, especialmente, micro e pequenas empresas, para fornecer para o governo. A metodologia abrange reflexão sobre a utilização do marco teórico desenvolvido no contexto dos estudos da indústria de software e serviços. Ao longo do texto procura-se apontar alguns temas problemáticos com a finalidade de apresentar outras políticas públicas e privadas que poderiam auxiliar o setor tanto, ou mais, que o próprio uso do poder de compra. As conclusões indicam que o poder de compra governamental não é exercido para fazer política industrial do setor de software e serviço em razão da falta de qualificação para aquisição de software, pela inadequação do marco regulatório licitatório e necessidade de revisão da lei de micros e pequenas empresas

ABSTRACT:
The purpose of this article is to discuss the application of the governmental acquisition power as a fomentation instrument to the development of Brazilian software and services field, which presents itself as a major and priority segment of the Industrial, Technological and Foreign Trade Policy. Here are discussed the possible legislation restrictions and constraints, the government competence in software and services acquisition, and finally, the capability of enterprises and companies of this sector, particularly small businesses, in supplying the government. The methodology includes consideration on the utilization of the theoretical mark developed in the context of software and services industry studies. All along the text the aim was highlighting and pointing some problematic issues, in order to present other public and private policies that might help the sector, either as much as or even more than the very utilization of the acquisition power. Conclusions indicate that the governmental acquisition power is not exercised to do industrial policy to the software and services sector, due to a lack of qualification in software acquisition, to an inadequacy of the regulatory licitation mark and in function of the necessity of a revision regarding the small businesses legislation.


RESUMEN:
El artículo tiene como objetivo discutir la utilización del poder de compra gubernamental como instrumento de fomento para el desarrollo del sector brasileño de software y servicios, que se presenta como un segmento prioritario de la Política Industrial, Tecnológica y de Comercio Exterior (PITCE). Son discutidas las posibles restricciones de legislación, la capacitación del gobierno en la adquisición de software y servicios y, por fin, la capacitación de las empresas del sector, especialmente de pequeñas y medianas empresas (PYMEs), para proveer al gobierno. La metodología abarca una reflexión sobre la utilización del marco teórico desarrollado en el contexto de los estudios de la industria de software y servicios. A lo largo del texto, se busca señalar algunos temas problemáticos con la finalidad de presentar otras políticas públicas y privadas que podrían auxiliar al sector tanto o mas que el propio uso del poder de compra. Las conclusiones indican que el poder de compra gubernamental no es ejercido para hacer política industrial del sector de software y servicios en razón de: la falta de calificación para adquisición de software, la inadecuación del marco que regula las licitaciones y la necesidad de revisar la ley de pequeñas y medianas empresas (PYMEs).

Introdução

No campo da política pública, o uso do poder de compra governamental esteve ausente da agenda dos governos brasileiros durante algum tempo. Agora que se pode falar neste tema, em alguns setores corre-se o risco de cair num discurso oposto, ao repetir constantemente que este é o instrumento privilegiado para fomentar o desenvolvimento econômico.

A importância da discussão do uso do poder de compra governamental no setor de software e serviços é evidenciada por Roselino (2006, p.168) que afirma que o setor público constitui em um potencial demandante, devido ao grande volume de informações que necessita processar, as aplicações nas áreas de Saúde, Educação e Assistência Social, bem como na própria gestão do aparato estatal. Além de ser um potencial demandante, “a experiência internacional reforça a percepção de que a demanda do setor público é freqüentemente empregada como instrumento indutor do desenvolvimento e fortalecimento da indústria nacional de software” (id. ibid).

Outro fator que torna o governo um importante comprador para este setor é o seu volume de compra tendo em conta seus diversos níveis. Ao todo, o país é composto por 5562 municípios, 27 unidades da federação, governo federal e autarquias.

Este artigo tem por objetivo discutir se o desenvolvimento do setor de software no  Brasil passa pelo uso do poder de compra governamental. Para tanto, o artigo está dividido em quatro seções, além desta introdução e da conclusão. Inicialmente é realizada uma revisão bibliográfica sobre a racionalidade e os mecanismos de intervenção da política de compras governamentais. A segunda seção apresenta o as possíveis restrições de legislação relativas a compras governamentais. A terceira seção trata da capacitação das empresas do setor, especialmente, micro e pequenas empresas (MPES), para fornecer para o governo. O tema da quarta seção é a capacitação do governo na aquisição de software e serviços. Por fim, algumas reflexões à guisa de uma conclusão.

1. Política de Compras Governamentais: racionalidade e mecanismos de intervenção

Por estimular o desenvolvimento de determinados segmentos industriais, a utilização do poder de compra do Estado deve ser entendida como uma política de corte seletivo - também conhecida como política vertical. As políticas industriais e tecnológicas seletivas privilegiam deliberadamente indústrias específicas, normalmente aquelas com vantagens competitivas dinâmicas e com potencial para crescer e ganhar mercados.

É importante ressaltar que, quando se decide utilizar o poder de compras do Estado como um mecanismo indutor do desenvolvimento da produção doméstica de determinados bens e serviços, aceita-se que, eventualmente, irá se pagar um sobrepreço temporário em favor do desenvolvimento da produção nacional (MOREIRA e MORAES, 2002). Frente à exacerbação da competitividade inter-firmas e entre os países, à elevação dos custos de P&D, ao recrudescimento dos riscos inerentes ao investimento inovativo, tendo em vista o encurtamento do ciclo de vida dos produtos (e dos processos), entre outros, a utilização do poder de compra do Estado para estimular determinadas indústrias locais e, concomitantemente, fomentar a capacitação tecnológica e a geração de empregos nessas indústrias, torna-se cada vez mais relevante (FERRAZ e COUTINHO, 1995).

Um exame da literatura que trata da política de compras governamentais revela que este é um instrumento de política pública que pode ser utilizado para alcançar múltiplos objetivos, tais como:  a) Aumentar a demanda agregada; b) Estimular a atividade econômica e a geração de empregos; c) Aumentar a competição entre empresas domésticas incitando-as a se engajarem em atividades de P&D; d) Remediar disparidades regionais; e) Promover a criação de empregos em segmentos marginais da força de trabalho de um país, entre outros (ROLFSTAM, 2005).

Edquist e Hommem (1998) trabalham com a idéia de que a política de compras governamentais pode ser não apenas uma modalidade de política industrial, como também um instrumento de estímulo à inovação. Estes autores dão ênfase aos nexos entre a política de compras governamentais e as várias teorias da inovação, destacando as aquisições do setor público que contribuem para o desenvolvimento da interação usuário-fornecedor.

De acordo com Edquist e Hommem (1998), há duas modalidades de política de compras governamentais: a política de compras governamentais simples e a política de compras governamentais de cunho inovativo. A política de compras governamentais simples ocorre quando as autoridades públicas compram produtos simples e prontos (ready made products) como canetas ou papéis, ou seja, quando não ocorre atividade de P&D para o atendimento da demanda pública. Por outro lado, a política de compras governamentais de cunho inovativo (government technology procurement) é aquela na qual uma agência do governo encomenda um produto ou sistema que não existem no mercado. Um trabalho adicional ou o desenvolvimento de uma nova tecnologia é requerido para satisfazer a demanda do comprador. Segundo Edquist e Hommem, “Este é o tipo ideal de compras governamentais” (1998, p. 4).

Diferentemente do que é apregoado pela corrente econômica hegemônica, segundo a qual os mercados são considerados mecanismos efetivos para a articulação e a satisfação da maioria das necessidades econômicas ou demandas da sociedade, o ponto de partida para a aplicação de uma política de compras governamentais de cunho inovativo deve ser a satisfação de necessidades sócio-econômicas genuínas, as quais dificilmente poderiam ser garantidas pelo mercado. Logo, destaca-se a ineficiência de uma agenda de política de compras governamentais que coloca o mercado como principal ator para a promoção do desenvolvimento econômico, social e tecnológico de um país.

Assim, os produtos e sistemas que são desenvolvidos - e a mudança técnica que permite sua provisão - como resultado da política de compras governamentais de cunho inovativo, devem ser criados com o objetivo de solucionar problemas específicos, que o mercado, por si só, não daria conta (EDQUIST e HOMMEM, 1998).

Há numerosos exemplos históricos que corroboram a eficiência e a importância da política de compras governamentais, sobretudo no que diz respeito às compras governamentais de cunho inovativo. A Suécia, em particular, é um país que oferece muitos exemplos de colaborações entre o setor público e o setor privado, nas quais as encomendas governamentais demandaram esforço inovativo por parte do setor privado (EDQUIST e HOMMEM, 1998; FRINDLUND, 1997).

A respeito da política de compras governamentais de cunho inovativo, pode-se subdividi-la em três variantes, de acordo com o usuário final do produto ou sistema encomendado e com o papel desempenhado pelo setor público nessas aquisições, a saber: 1ª) Entidade governamental é o usuário final do produto ou sistema demandado; 2ª) Usuário final do bem ou serviço encomendado é a população, num contexto em que a entidade governamental atua de modo a maximizar os benefícios da população; 3ª) Produto ou sistema é destinado inicialmente ao setor público e, posteriormente, à população.

Na primeira modalidade o setor público - representado por uma empresa estatal, sociedade de economia mista, instituto público de pesquisa, autarquia, fundação etc. - encomenda um produto ou sistema para uso próprio. Aqui, a política de compras governamentais é um caso sui generis de relação usuário-fornecedor, na medida em que o usuário final é o próprio setor público, o qual apresenta um poder de compra de grande envergadura e, em alguns casos, competência tecnológica de fronteira.

Na segunda variante da política de compras governamentais de cunho inovativo, o setor público atua como catalisador,  coordenador e fonte técnica para beneficiar os usuários finais, que nesse caso é a população de um país. Aqui, apesar de não ser o usuário final do produto ou sistema encomendado, o setor público  define aos fornecedores um padrão tecnológico. As demandas dos consumidores são expostas ao setor público, que por sua vez as repassa às empresas fornecedoras. Logo, nessa variante, o Estado utiliza seu poder de regulamentação tomando como ponto de partida demandas e problemas da sociedade.

A terceira e última variante é caracterizada pelo uso dual de um produto, artefato ou equipamento, ou seja, algo que inicialmente fora desenvolvido em função de uma demanda do setor público, mas que com o tempo acaba tendo uma destinação comercial. Aqui, cabe destacar o caso da política de compras do Departamento de Defesa do Estados Unidos para os setores aeronáutico, de computadores, de software entre outros, da qual se extrai inúmeros exemplos de spin-offs, ou seja, de transferência ao mercado civil de tecnologias que originalmente foram concebidas para atender a uma demanda do setor militar[1].

Em resumo, a partir da análise da política de compras governamentais, depreende-se que a demanda do setor público de um país, dominado por objetivos sociais, econômicos, políticos, militares, entre outros, pode estimular ou retrair a inovação no seio do tecido produtivo local.

É importante frisar que o poder de compra do setor público pode ser benéfico à inovatividade das indústrias locais, na medida em que dissipa muita das incertezas e riscos concernentes à concepção de uma nova tecnologia ou sistema (GREGERSEN, 1992), assim como, pode criar oportunidades de desenvolvimento partilhado (EDQUIST e HOMMEM, 1998) e de aprendizagem interativa.

Antes de analisar se o poder de compra governamental está sendo utilizado como política para estimular a inovação no setor de software, que pode ser irradiada daí para outros setores dado seu caráter transversal na economia, a próxima seção examina a legislação brasileira para analisar se ela é permite e/ou estimula este papel.

[1] De acordo com Furtado (2005, p. 2) “Essas transferências ocorrem tanto intra-setorialmente (nuclear militar para o civil, aviação militar para a civil, espacial militar para a civil) como intersetorialmente (espacial para telecomunicações, nuclear para medicina, militar para eletrônica)”.

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* Centro de pesquisas Renato Archer, Campinas, Brasil. Email: alvesam@gmail.com
** Email: cassia@cnptia.embrapa.br
*** Email: anamaria.carneiro@gmail.com
**** Email: cassio@ige.unicamp.br
***** Email: furtado@ige.unicamp.br
****** Email: carolina.mattos@gmail.com

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