Espacios. Espacios. Vol. 30 (4) 2009. Pág. 5

Prática Alimentar e as Religiões: Comportamento Funcionalista versus Hedônico

Eating Habits and Religions in Brazil: Utilitarian versus Hedonic Consumption

Hábitos alimenticios y religiosos en Brasil: Consumo utilitario vs consumo hedónico

Maria de Fátima Evangelista Menonça Lima* y Dario de Oliveira Lima-Filho**

Recibido: 18-02-2009 - Aprobado: 10-09-2009


Contenido


RESUMO:
O objetivo desse artigo é buscar entender a prática alimentar de dois grupos de pessoas pertencentes às religiões católica e protestante (adventista), na cidade de Campo Grande-MS. Para tanto, foi conduzido um estudo exploratório-qualitativo com uma amostra de 20 pessoas, sendo 10 de cada grupo. Os dados revelam que: a) as duas religiões possuem caráter funcional-utilitarista durante a semana e hedonista nos fins de semana ou datas especiais; e b) o pressuposto apontado pela literatura, de que os protestantes têm uma prática alimentar funcional-utilitarista e os católicos hedônicos, não foi observado.
Palavras-chave
: cultura alimentar; hábito alimentar; católico; protestante.

ABSTRACT:
The aim of this article is to understand the eating habits of two groups of people who belong to catholic and protestant religions, in the city of Campo Grande, Brazilian Southwest. In order to do so, it was developed an exploratory-qualitative study with a sample of 20 people, being ten in each group. The results showed that: a) Both religions have a utilitarian character during the week and hedonic during the weekends or special dates; and b) the assumption showed by literature that protestant individuals have utilitarian eating habits and that catholic individuals have hedonic eating habits was not observed.
Key-words: food culture; eating habits; catholic; protestant.

 
RESUMEN:
El objetivo de este artículo es entender los hábitos alimentarios de dos grupos de personas que pertenezcan a las religiones católicas y protestantes, en la ciudad de Campo grande, sudoeste brasileño. Por ello, fue desarrollado un estudio exploratorio-cualitativo con una muestra de 20 personas, siendo diez de cada grupo. Los resultados mostraron: a) Ambas religiones tienen un carácter utilitario durante la semana y hedonistas durante los fines de semana o fechas especiales y b) la suposición mostrada por la literatura especializada que los individuos protestantes tienen hábitos alimentarios utilitarios y que los individuos católicos tienen hábitos hedonistas no fue observada.
Key words:
Cultura alimentaria, hábitos alimentarios, católicos y Protestantes

Introdução

A alimentação pode ser compreendida como um fato da cultura material, da infraestrutura da sociedade, do comércio de bens, da história econômica e social; em outras palavras, faz parte da estrutura da sociedade. A alimentação também é um fato ideológico, das representações sociais (religiosa, artísticas e morais). Enfim, a alimentação é um objeto histórico de grande complexidde (Carneiro, 2003).

De fato, a alimentação desempenha um papel importante como atividade humana, por envolver aspectos biológicos, sociais, psicológicos, emocionais, políticos e econômicos, elementos fundamentais na dinâmica da sociedade. Uma das razões é que a alimentação é uma prática de grande absorção de recursos financeiros com montantes superiores a outros setores, como o eletrônico e entretenimento (Proença, 2001).

A prática alimentar constitui-se em um dos grandes desafios dos tempos atuais, pois nota-se a busca de padronização do alimento, menosprezando fatores sócio-culturais dos povos, bem como operações simbólicas envolvidas (Poulan, 2004).

A literatura observa dois tipos de comportamento na prática da alimentação: hedônico e utilitário-funcionalista (Rondinelli, 2006; Weber, 1905 / 1987). Segundo o dicionário eletrônico Priberam (2006), a expressão hedonismo vem do grego hedoné (prazer) e remete ao antigo sistema filosófico que considerava o prazer como único fim da vida; doutrina que considera que o prazer individual e imediato é o único bem possível, princípio e fim da vida moral. Por outro lado, a palavra utilitarismo refere-se a tudo o que visa exclusivamente à utilidade; modo de agir do utilitarista; ou seja, quando se observa somente a alimentação como fonte de sobrevivência do indivíduo.

Em nossa sociedade atual, alimentar-se é um processo complexo, como mostra Carneiro (2003, p. 1-2):

A fome biológica distingue-se dos apetites, expressões dos varáveis desejos humanos e cuja satisfação não obedece apenas ao curto trajeto que vai do prato à boca, mas se materializa em hábitos, costumes, rituais, etiquetas. [...] O que se come é tão importante quanto quando se come, onde se come e com quem se come.

No tocante ao campo das religiões, a alimentação tem um papel importante no dia-a-dia de seus seguidores: permissões, proibições e jejuns são normas religiosas simbólicas comumente absorvidas. As religiões católica e protestante, segundo Max Weber (1905 / 1987), apresentam tendências ao consumo hedônico e funcionalista, respectivamente.

O objetivo deste artigo é buscar desvelar a prática alimentar de seguidores das doutrinas católica e protestante.

Revisão Teórica

Valores Humanos

Valores são crenças partilhadas ou normas de grupos internalizadas pelos indivíduos, adquiridas através do processo de socialização do ser humano. A adoção de alguns valores presume que determinados objetivos ou condutas sejam preferíveis a outra; pode-se dizer que os valores determinam o quê e como nos emocionamos, da mesma forma que a resposta emocional orienta o valor. Por isso, aquilo que uma pessoa ou grupo preconiza como ideal e recomendável pode ser considerado um valor, já que os valores estabelecem as posturas e condutas consideradas positivas e negativas, atribuindo-lhes, também, diferentes níveis de importância (Montenegro, 2001; D’Angelo, 2004).

A importância dos valores em uma sociedade está no fato de que eles guiam ações, comportamentos, julgamentos, comparações, atitudes e objetivos das pessoas e dos grupos, guardando relativa estabilidade ao longo do tempo. Destas definições e características, depreende-se que os valores influenciam o comportamento das pessoas, ajudando a moldar preferências, escolhas e modos de uso dos produtos. Desse modo, quando é colocada a intenção de conhecer os valores do consumo de produtos de luxo, por exemplo, está-se supondo que determinado grupo de indivíduos enxerga nesses objetos elementos congruentes com suas crenças e normas (Montenegro, 2001; D’Angelo, 2004).

As pessoas que vivem em uma determinada sociedade tendem a preservar muitos valores e crenças. As crenças e os valores são transmitidos de pais para filhos e reforçados por importantes instituições sociais – escolas, igrejas, empresas e governo (Spanhol, Lima-Filho & Lima, 2008).

O ponto de partida para a compreensão do comportamento humano é a constatação de que boa parte do que o ser humano faz não pode ser explicado sem buscar as relações da pessoa com outras pessoas e com a natureza, sendo ele produto e produtor dessas relações num processo histórico. Isso significa dizer que o homem é um ser social, pois se constitui nas relações sociais. Nessas relações o sujeito apropria-se da cultura do universo social em que está inserida sua ação (Lane, 1986).

DaMatta (1984) assegura que a cultura é o principal determinante do comportamento da pessoa e que cada cultura é constituída por subculturas, abrangendo: nacionalidade, religião, grupos raciais e regiões geográficas. Dessa forma, é comum que a prática alimentar seja diretamente afetada pela religião em termos dos produtos que são simbólica e ritualisticamente associados à comemoração de vários preceitos e eventos religiosos (Schiffman & Kanuk, 2000).

Hedonismo e Utilitarismo

As noções de hedonismo e utilitarismo vêm da Grécia antiga tendo como seus símbolos, respectivamente, Dionísio, deus do vinho e do prazer, e Apolo, deus do equilíbrio e da razão (Albornoz, 2006).

Hirschman e Holbrook (1982, p. 92) definem hedonismo como os “aspectos multisensoriais, fantasiosos e emotivos da experiência de uma pessoa com um produto”. O hedonismo é referido, preponderantemente, sob sua forma interna, sendo, nesse caso, fortemente dependente da subjetividade do consumidor, devido ao seu caráter “imaginativo” e de “desfrute mental” de prazeres (Campbell, 2001). Utilitarismo é definido como o envolvimento apenas com os benefícios funcionais do produto, como utilidade, praticidade, rapidez e outros (Foxall & Yani-de-Soriano, 2005).

Segundo Okada (2005), as preferências relativas entre alternativas hedônicas e utilitaristas podem reverter-se dependendo de como a situação se apresenta. Uma alternativa hedônica tende a ser mais bem qualificada em relação à alternativa utilitarista quando cada uma é apresentada individualmente, mas a alternativa utilitarista tende a ser preferida quando as duas são apresentadas em conjunto. Para esse autor, as pessoas são motivadas a ter prazer. Entretanto, ter prazer também levanta questões como culpa e a necessidade de uma justificativa. Conseqüentemente, as pessoas estarão mais predispostas a consumir bens hedônicos quando o contexto de decisão lhes permite a flexibilidade de justificar o seu consumo. As alternativas hedonista e utilitarista são benéficas, no sentido de que ambas oferecem benefícios, e de nenhuma espera-se receber, diretamente, dano óbvio.

Assim, tanto os produtos hedônicos quanto os utilitário-funcionalistas oferecem benefícios ao consumidor. Os primeiros no que diz respeito à apreciação experiencial e os últimos na funcionalidade prática. Por causa dessa diferença, há um sentimento de culpa associado com o consumo hedônico. Por causa dessa culpa é mais difícil justificar despesas em produtos hedônicos e mais fácil justificar gastos em produtos funcionalistas.

Intuitivamente, a culpa e a justificativa são conceitos relacionados competindo para explicar a escolha de produtos utilitário-funcionalistas sobre hedônicos. Um sentimento de culpa pode levantar-se antecipadamente ou em conseqüência de fazer uma escolha injustificável. Uma alternativa pode parecer injustificável se houver um sentimento de culpa associado a ele (Okada, 2005).

[inicio] [siguiente]


* Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande/MS. E-mail:
** Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande/MS. E-mail

Vol. 30 (4) 2009
[Editorial] [Índice]