Espacios. Espacios. Vol. 30 (4) 2009. Pág.19

Pólos e Parques de Alta Tecnologia: a quem interessa a implantação desses arranjos institucionais?

Poles and Parks of High Technology: who it interests the implantation of these institutional arrays?

Polos y parques de alta tecnología: ¿quién es el interesado en la implantación de estos arreglos institucionales?

Rogerio Silva* y Renato Dagnino**

Recibido: 19-06-2009 - Aprobado: 07-09-2009


Contenido


RESUMO:
O objetivo deste trabalho é estudar como os atores agem no processo de elaboração de uma política pública voltada à implantação de um pólo e parque de alta tecnologia (PAT) no Brasil. Para isso, se utiliza artigos científicos, teses, dissertações, artigos de jornais e revistas e relatos de entrevistas. Constata-se que a elaboração de PATs é orientada pelos interesses políticos (politcs) dos poucos atores com ela envolvidos e a Política (policy) que visa à sua implantação está ao serviço de membros da comunidade de pesquisa.
Palabras-chaves:
Parques tecnológicos, centros de alta tecnologia, política de ciência e tecnologia, Brasil

ABSTRACT:
The aim of this study is how the actors act in the process of developing a public policy geared to the deployment of a fleet of Science Parks in Brazil. For this reason, it uses scientific articles, theses, dissertations, articles in newspapers and magazines and reports of interviews. It appears that the development of Science Parks is guided by political interests few of the actors involved with it and Policy that their deployments are designed to serve members of the research community.
Keywords:
Technology parks, centers of high technology, science and technology policy, Brazil

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RESUMEN:
El objetivo de este estudio es cómo los actores actúan en el proceso de desarrollo de una política pública orientada hacia el despliegue de un pólo de alta tecnología (PAT) en Brasil. Para isto, se utiliza artículos científicos, tesis, disertaciones, artículos en periódicos y revistas e informes de entrevistas. Parece que el desarrollo de los PATs se guía por intereses políticos (politics) de algunos de los actores involucrados con ella y la Política (policy) con el fin de sus plantas se encuentran en el servicio de los miembros de la comunidad de investigación.
Palabras clave: Parques tecnológicos, Polos de alta tecnología, políticas de Ciencia y Tecnología, Brasil

Introdução

Este trabalho analisa a política pública do Pólo e Parque de Alta Tecnologia de Campinas (daqui para frente, PATC), São Paulo - Brasil. Seu objetivo é estudar como os atores agem no processo de elaboração dessa Política e o porquê de suas ações.

Dentre as referências consultadas na análise, encontram-se artigos científicos, teses, dissertações e artigos publicados em jornais e revistas locais. Outra fonte de informações são entrevistas com atores que participaram do processo de elaboração da política do PATC.

O trabalho utiliza dois referenciais teórico-metodológicos. O dos Estudos sobre Ciência, Tecnologia e Sociedade (ECTS), com destaque para as abordagens de Dagnino (2007a e 2007b), de Gomes (1995) e de Thomas, Davyt e Dagnino (1997). E o da Análise de Políticas, com destaque para as abordagens de Cavalcanti (2007), de Roth (2006) e de Ham e Hill (1993). O segundo referencial oferece uma metodologia para a análise da elaboração do PATC e, o primeiro, possibilita discutir como as ações do ator dominante no processo influenciam os rumos da Política.

Diferentemente das áreas de finanças, obras públicas, saúde e educação dos governos municipais (e também nas esferas estadual e federal), que recebem vultosos recursos, a de C&T não é disputada por grupos políticos, fazendo com que a comunidade de pesquisa seja o ator dominante na sua condução. O processo de elaboração do PATC tem sido orientado pelos interesses políticos (politcs) de alguns poucos atores com ele diretamente envolvidos e a Política (policy) que visa a sua implantação tem estado ao serviço de membros da comunidade de pesquisa local.

1. O Enfoque da Análise de Políticas

O Enfoque da Análise de Políticas Públicas (EAn), como o termo designa, focaliza a política pública. Mas, o que se entende por política pública? Segundo Roth (2006), uma política pública pode ser definida como um conjunto de um ou vários objetivos coletivos associados, assim como os recursos e as diretrizes para sua implementação, e que teria as instituições e organizações do Estado como fundamentais no processo de sua elaboração. Nesse processo, o Estado teria como função orientar o comportamento de atores individuais, ou coletivos, para modificar uma situação percebida como insatisfatória ou problemática.

Os problemas encontrados quando se tenta definir o que vem a ser política pública sugerem que é difícil tratá-la como um fenômeno muito específico e concreto. A política pública pode, por vezes, ser identificável em termos de uma decisão, mas, muito freqüentemente, ela envolve grupos de decisões ou pode ser vista como pouco mais que uma orientação (Ham e Hill, 1993).

A mesma concepção que possuem Ham e Hill (1993) é apresentada por Cavalcanti (2007). Ainda que sem pretender uma formulação original, ela diz que política pública é um curso de ação, o qual envolve a definição de metas e objetivos e, principalmente, das diretrizes para permitir que eles sejam logrados, escolhido por autoridades públicas para focalizar um problema público. Em alguns casos, as políticas públicas também podem envolver cursos de inação, em que o governo não tem intenção propriamente de resolver um problema público.

Quando se diz que o Estado é quem estipula prioridades, metas e objetivos da política pública, se deve ter em conta que, na realidade, intervêm no processo vários atores (sociais, econômicos, comunidade de pesquisa, entre outros) que têm a finalidade de resguardar seus interesses (Roth, 2006).

O EAn focaliza justamente os elementos de caráter político-ideológico atinentes aos atores, às redes que eles conformam e aos ambientes em que se verificam as atividades abarcadas pela política que eles elaboram. Destacando a multidisciplinariedade do EAn, deve-se recorrer às idéias de uma série de disciplinas diferentes a fim de interpretar as causas e conseqüências da ação ou inação do governo (Ham e Hill, 1993). Como neste trabalho o que se analisa é uma política pública de C&T, se recorre aos ECTS para explicitar o processo de sua elaboração.

Para que essa proposta seja levada adiante, o analista de políticas deve dispor de “ferramentas analíticas” capazes de auxiliá-lo. Dentre elas, merece destaque o Policy Cyclo (Ciclo da Política), que permite a decomposição da política pública em momentos. Ele é uma ferramenta útil, pois permite compreender a política por meio de uma análise processual (Frey, 2000).

Segundo esse ferramental, a política é elaborada em um processo cíclico e reiterativo que pode ser dividido em cinco momentos : i) o momento da construção de um problema público; ii) da formulação; iii) da tomada de decisão; iv) da implementação; e v) o momento da avaliação. Todavia, esses momentos não ocorrem de maneira tão ordenada e seqüencial quanto possa parecer (Roth, 2006).

O reconhecimento de um problema público não é um dado objetivo. Todo problema público é construído socialmente. Ele é reconhecido e aceito como tal por meio de conflitos entre os atores sociais, que lutam politicamente (politics) para fazer com que outros reconheçam uma dada situação social como um problema público e para que o governo intervenha para solucioná-lo (Roth, 2006).

Logo, ao definir um problema público se está aceitando a idéia de que se pode intervir sobre ele. E que, portanto, é necessário definir propostas capazes de atender às suas especificidades (Roth, 2006). O momento da formulação é justamente aquele em que as propostas para a resolução do problema público se configuram. Nele, os atores envolvidos na elaboração da política, "conjuntamente" (concordando ou não, barganhando ou não) começam a definir as propostas de políticas que poderão ser viabilizadas pelo poder público (Cavalcanti, 2007).

O momento da tomada de decisão é considerado como aquele em que se elege uma ou mais propostas formuladas para serem implementadas. Esse seria o momento da escolha da proposta de política que melhor resolveria o problema (Cavalcanti, 2007).

No momento da implementação, a política pública, até então quase exclusivamente feita de discursos, se transforma em ações concretas, em realidade palpável. Esse momento é visto, de modo geral, como a “efetivação” da política: quando a solução do problema público é posta em prática.

O momento da avaliação deve ser visto como instrumento (ferramenta) inerente à própria elaboração da política publica. Como tal, ao emitir juízo e valor sobre uma dada política, não considera somente os resultados ou impactos de forma desconectada dos demais momentos. Ou seja, nele o analista deve voltar sua atenção aos demais momentos da elaboração da política, observados de maneira conjunta e indissociáveis (Cavalcanti, 2007; Dias e Dagnino, 2006).

2. O problema público: C&T para o desenvolvimento econômico e social

A questão sobre a utilização do potencial de C&T para o desenvolvimento econômico começou a ser discutida nos países de capitalismo avançado no contexto da publicação do documento intitulado Science: the Endless Frontier (Relatório Busch), elaborado por Vannevar Bush, então diretor do Office of Scientific Research and Development dos EUA (Dias, 2005).

O Relatório Bush, publicado em 1945, destacava a necessidade do apoio governamental às atividades de P&D após o término da Segunda Guerra Mundial. Ele também buscava garantir que a C&T recebesse, em tempos de paz, a mesma atenção que havia recebido durante a Segunda Guerra Mundial (Dias, 2005).

De um modo geral, essa questão também adquiriu relevância entre a comunidade de pesquisa e os poderes públicos brasileiros e dos demais países da América Latina. Esses atores, entre a década de 1960 até meados dos anos de 1980, destacavam que a questão do desajuste entre o âmbito da produção do conhecimento e o de sua aplicação resultava no problema da debilidade da interação entre o potencial de C&T e o desenvolvimento econômico de seus países (Dias, 2005).

No Brasil, uma PCT (Política Científica e Tecnológica) mais ambiciosa foi estabelecida entre os anos de 1960 e meados dos anos de 1980 para solucionar esse problema público apresentado pela comunidade de pesquisa. Todavia, a crise econômica internacional de 1973 abalou as finanças brasileiras, afetando inclusive o financiamento da PCT nacional (ver Gráfico 2.1).

Gráfico 2.1: Repasses do Tesouro Nacional para o FNDCT entre 1970 e 1983 (em US$ milhões)

Grafico 2 1

Fonte: Frischtak e Guimarães (1994).

O ano de 1976, como observado no Gráfico 2.1, foi aquele em que os recursos federais para o FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) mais tiveram queda desde a década anterior. Em 1977 os recursos voltaram a subir, porém, não alcançaram os mesmos níveis registrados até 1975. Entre os anos de 1978 e 1983 a tendência foi de queda dos investimentos federais destinados à C&T.

A partir de meados da década de 1970 os recursos federais para a C&T se reduziram drasticamente. O governo federal começou a retirar o problema público da debilidade da interação entre o potencial de C&T e o desenvolvimento econômico de sua agenda.

A diminuição dos recursos governamentais para a C&T, associada a essas mudanças na PCT, estimulou a comunidade de pesquisa a procurar novas fontes de financiamento para manter suas atividades (Brisolla et alli, 1997). Nesse contexto, as instituições de P&D tiveram que se reestruturar de forma a propor novas atividades, procurar fontes alternativas de receita e repensar o escopo de suas atribuições.

Já em meados dos anos de 1980, a discussão empreendida pela comunidade de pesquisa foi sobre a centralidade do setor produtivo como difusor de novos produtos e de processos intensivos em conhecimento e em tecnologia para o desenvolvimento econômico nacional.

Essa discussão deu origem a uma nova questão, que a comunidade de pesquisa queria que os poderes públicos enfrentassem: a de que a competitividade dos países estava fortemente atrelada a uma relação de simbiose entre a competência na produção industrial e sua competência em atividades intensivas em conhecimento e tecnologia (Reis Velloso, 1994).

Para membros da comunidade de pesquisa brasileira tanto os governos (federal, estadual e municipal) como os empresários deveriam investir no desenvolvimento de novas tecnologias, como microeletrônica, e em modelos de gestão, tal como vinham fazendo os países de capitalismo avançado, para que alcançassem o desenvolvimento econômico.

Essa questão foi apresentada em termos diferenciados em relação à anterior. Todavia, o problema público construído pela comunidade de pesquisa continuou o mesmo: a debilidade da interação entre o potencial de C&T e o desenvolvimento econômico.

Para a resolução desse problema foi proposto, por membros da comunidade de pesquisa, um conjunto de atividades que deveriam ser mantidas pelo Estado, tais como financiamento das atividades de P&D, transferência de recursos a fundo perdido às empresas, fiscalização e regulação de atividades na área da C&T e a prestação de serviços às empresas.

O Gráfico 2.2 ajuda a mostrar que os argumentos da comunidade de pesquisa, de certa forma, tiveram relevância para o poder público federal. Entre os anos de 1984 e 1988 houve um aumento dos repasses do Tesouro Nacional à C&T.

Gráfico 2.2: Repasses do Tesouro Nacional para o FNDCT entre 1984 e 1991 (em US$ milhões)

Grafico 2-2

Fonte: Frischtak e Guimarães (1994).

Apesar do poder público federal reconhecer o problema público, as propostas para a sua resolução foram deixadas ao cargo da comunidade de pesquisa, como era natural que ocorresse numa área politicamente marginal (Dagnino, 2007a). O Quadro 2.1 mostra o momento da construção do problema público nos períodos da década de 1960 até meados dos anos de 1980 e meados dos anos de 1980 até o presente.

Quadro 2.1: Momento da Construção do Problema Público
que envolveu os Pólos e Parques de Alta Tecnologia no Brasil

Quadro 1

Fonte: elaborado pelo autor.

Em Campinas, a percepção de que havia um crônico distanciamento entre a pesquisa e a produção fez com que o poder público do município de Campinas passasse a se preocupar em promover a utilização do potencial de C&T local (Dagnino, 2007b). Esse potencial passou a ser compreendido como indutor de uma industrialização baseada nas empresas de alta tecnologia, que possibilitaria o desenvolvimento econômico do município e da região de Campinas.

Membros da comunidade de pesquisa de Campinas, sobretudo da Unicamp, assumiram o processo de elaboração da política pública que deveria colocar esse potencial de C&T a serviço da produção industrial do município e da região. No início dos anos de 1980 a idéia de criar um PAT (Pólo e Parque de Alta Tecnologia) em Campinas foi encontrando um ambiente favorável junto ao poder público municipal e a alguns membros do governo do estado de São Paulo.

Nos anos de 1980, a aproximação entre a comunidade de pesquisa e o poder público estadual foi possível, entre outras coisas, devido à presença de membros dessa comunidade, como o professor Saul D’Avila , no governo. Ou seja, a aproximação entre a esfera estadual com membros da comunidade de pesquisa, na implantação de PATs como política pública, foi possível devido à presença de fazedores de política de origem acadêmica, que ocupavam cargos de destaque, nas instâncias governamentais que envolviam essa política.

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* Doutorando em Política Científica e Tecnológica pela UNICAMP, Campinas, Brasil. E-mail: rogerio.silva@ige.unicamp.br
** Professor Titular do Depto. de Política Científica e Tecnológica da UNICAMP, Campinas, Brasil. E-mail: rdagnino@ige.unicamp.br

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