Espacios. Vol. 32 (1) 2011. Pág. 39

Formação de rede e alianças estratégicas no setor da construção civil

Network training and strategic alliances in the civil construction sector

Network training and strategic alliances in the civil construction sector

Fabrício Simplício Maia y Tatiane Silva Tavares Maia


4 Alianças Estratégicas e a Formação da Rede

4.1 A Rede Constru & Cia

Em relação ao processo de formação da rede, vale comentar que, o processo de associativismo em redes de cooperação não começou com a formação da Rede Constru & Cia. Anteriormente, algumas dentre as empresas fundadoras da rede, faziam parte de uma cooperativa. A cooperativa funcionou por alguns anos e seu principal objetivo era realizar as compras em conjunto e, assim, diminuir os custos para cada cooperado. Com o tempo, no entanto, a função da cooperativa foi enfraquecida. Esse fato ocorreu devido a perda de incentivos fiscais em âmbito nacional.

Quanto ao estatuto da cooperativa, pode-se constatar que havia um desestímulo em relação à filiação de novos cooperados. Conforme o estatuto, as empresas associadas arcavam com quaisquer prejuízos da cooperativa e de seus cooperados. Por esse motivo, na percepção dos lojistas varejistas, o estatuto colocava em risco a saúde financeira de suas lojas, de acordo com o depoimento de um dos associados mencionado abaixo:

Ficava bastante complicado trabalhar com a cooperativa porque alguns dos associados não tinham boa estrutura financeira, alguns faliram, e a cooperativa acabou arcando com o ônus. Diante dessas dificuldades, decidiu-se pela descontinuação da cooperativa.” (associado da Constru & Cia ).

Contudo, o associativismo era visto como uma boa alternativa pelas pequenas lojas de materiais de construção. As redes de cooperação começavam naquele momento a ganhar força no cenário nacional. Muitas alianças estratégicas nesse formato apareceram e se apresentavam como um meio de sobrevivência para aquelas empresas.

Diante dessas circunstâncias e com o fim da cooperativa, algumas dentre as antigas lojas cooperadas perceberam nesse formato de aliança estratégia uma oportunidade de se manterem competitivas no mercado.

A rede Constru & Cia surgiu, então, a partir do amadurecimento de um grupo de lojistas que identificaram na estratégia de comprar e vender bem, uma oportunidade de enfrentar a concorrência das grandes redes de materiais de construção. Para vencer a resistência inicial de alguns ex-cooperados, começou-se a trabalhar a idéia de redes de cooperação e o know how de rede, buscando subsídios com as lojas associadas a uma rede de cooperação, a Rede Constru & Cia., no Paraná. A partir de então, o grupo passou a ser formado.

A sobrevivência frente à concorrência apresenta-se como uma necessidade, ou o motivo mais básico para a formação da Rede Constru & Cia. A rede se configurou então, para atender às necessidades das pequenas e médias lojas associadas, tanto no sentido de melhorar a parte operacional do negócio, conforme as expressões dos associados “comprar melhor” e “negociação mais forte”, como também de aprimorar os aspectos mercadológicos. Sendo esse aspecto evidenciado pelos termos “mídia forte”, “estar melhorando as nossas lojas” e “estar fazendo uma televisão” (referindo-se às propagandas em horário nobre nas grandes emissoras).

No que se refere à administração da Rede Constru & Cia pode-se observar que é gerenciada por um processo moderno, onde os serviços estratégicos de administração são efetuadas diretamente pelos associados e afiliados envolvidos. Tais serviços envolvem a administração da marca, gerenciamento de dados, pesquisa de mercado, negociações com parceiros fornecedores, propaganda e marketing, desenvolvimento e pesquisa de técnicas de layout de loja e gôndolas, assessoria e consultoria administrativa e gerencial.

4.2 Rede Constru & Cia na visão dos associados: impactos e benefícios estratégicos

O estudo do caso Rede Constu & Cia permitiu a evidência de dois aspectos importantes que a rede tem conseguido operacionalizar atendendo aos anseios de seus associados. Nas entrevistas com os proprietários dirigentes das lojas pode-se constatar que o atendimento aos aspectos mercadológicos e operacionais é estrategicamente realizado pela rede. Percebeu-se ainda que, de maneira enfática a atuação da rede sobre esses aspectos tem agradado aos associados.

Interessante notar que, embora muitas redes de cooperação sejam formadas tendo em foco apenas as compras em conjunto, com o passar do tempo ocorre uma mudança desse foco – de compras para vendas. As empresas associadas à da Rede Constru & Cia, demonstraram estar consciente de que se não conseguirem vender, por investirem em marketing ou por terem “foco no foco de cliente”, de pouco proveito será comprar bem ou mesmo ter acesso a novos fornecedores e conseguir melhores condições de pagamento, por exemplo.

Um dos atrativos da rede de cooperação reside no fato das empresas associadas se conservarem independentes. Porém, a realização de algumas atividades em conjunto é a própria essência da rede de cooperação. No caso da Constru & Cia, as atividades realizadas em conjunto pelas lojas associados são compras, mídia, confecção de uniformes e sacolas.

As lojas varejistas de materiais de construção fazem em conjunto todas as atividades que a rede promove: as campanhas (por exemplo, as campanhas de aniversário da rede), os tablóides e as propagandas na televisão. Fica evidente pelos relatos dos entrevistados que toda a parte mercadológica é delegada à rede, sendo todos esses processos de sua responsabilidade.

A Constru & Cia também repassa para as lojas algumas sugestões de produtos que a rede consegue negociar a um preço melhor ou mais competitivo, e que não são anunciados nos tablóides. Daí então cada loja pode optar por comprar desses produtos ou não. A rede possui um Centro de Distribuição próprio onde funciona todo o setor administrativo e onde são entregues os produtos comprados por intermediação da rede. Por outro lado, as lojas associadas têm independência para realizar atividades individualmente, desde que respeitem os aspectos estabelecidos no estatuto de rede.

Constatou-se que as empresas possuem independência para tratar dos aspectos administrativos de suas lojas. Aspectos tais como a contabilidade e finanças, decisões sobre aspectos da loja, como o portfólio de produtos, o ambiente da loja e o layout mais adequado à região onde estão instaladas. No entanto, principalmente em relação à apresentação da loja, a empresa associada deve obedecer a alguns padrões preestabelecidos pela rede em seu estatuto, como padronização das cores da loja, da fachada e do uniforme dos funcionários.

Tornou-se claro ainda que, estar associado à rede Constru & Cia confere diversos benefícios às lojas. Os entrevistados ressaltaram como benefícios que a rede traz as lojas, os seguintes aspectos: motivação, alavancagem das vendas via participação na mídia televisiva e redução dos custos mediante padronização. Outros benefícios foram ainda evidenciados de maneira pontual, tais como: aumento do portfólio de produtos, melhores preços e formas de pagamento, acesso a novos fornecedores, acesso a novos mercados, existência de um ambiente de confiança entre os associados, compartilhamento de informações, habilidades, competências, conhecimento e treinamento de mão-de-obra. Os programas de treinamento para gerentes das lojas associadas e para os funcionários revelaram-se importantes para os associados entrevistados devido à carência que possuem por qualificação profissional.

“(...) A Rede desenvolve várias atividades, como treinamentos, palestras, cursos, etc, assim favorecendo os parceiros(...)” .(dirigente associado)

Nota-se, contudo, que os benefícios ligados aos aspectos de mercadológicos estão mais presentes nos comentários dos entrevistados. As seguintes expressões dos associados denotam essa observação: “melhorar a loja”, “mídia” (propaganda em meios de comunicação de massa), “layout mais organizado” e “padronização” (referindo-se a fachada, comunicação visual interna, sacolas e uniformes). O aspecto mídia é fortemente destacado entre os benefícios devido ao fato de somente com a associação à rede as pequenas e médias lojas conseguirem realizar atividades de marketing mais efetivas, tais como: propagandas em rádio, televisão e distribuição de tablóides de alcance regional e estadual.

A padronização dos uniformes dos funcionários, das sacolas, das cores com que estão pintados os prédios das lojas e de suas fachadas, que trazem junto ao nome da loja o nome da Constru & Cia, também é apontada entre os benefícios porque contribuiu para a melhoria da apresentação das lojas. Porém, tal padronização, prevista no estatuto da rede, elimina algumas peculiaridades de cada loja, assemelhando cada loja associada às demais.

“(...) Com a filiação a Rede foram necessárias, na organização, mudanças. Pois havia a necessidade de uma padronização em tudo, tipo no layout, nos uniformes dos funcionários, nas fachadas. Tudo é padronizado. (...)”. (dirigente associado)

Em relação às campanhas promocionais, é importante salientar que se dirigem a atenção dos consumidores à marca da Constru & Cia. Todas as promoções estão voltadas para o fortalecimento da marca da rede e do seu slogan: Constru & Cia – construindo em boa companhia.

“(...) Nós temos hoje uma boa mídia, que nunca conseguiríamos sozinhos. E podemos comprar melhor, para ter melhores condições a oferecer aos nossos clientes. (...)”.(dirigente associado)

A idéia essencial reside na união para juntar forças dos pequenos varejistas e conquistar vantagem competitiva frente às grandes lojas. No entanto, ao passo que as campanhas promocionais ficam a cargo da rede, percebe-se que as lojas deixam de realizar atividades que promovem sua marca individual, ou passam a fazê-las com menos freqüência, apenas na região onde estão inseridos.

Pode-se observar que os lojistas consideram desnecessário investir individualmente em atividades promocionais, diante do custo elevado que acarreta. Há preferência de se apoiar na rede, a qual já possui todo o aparato para fornecer tais serviços a seus associados.

Porém, as empresas associadas reconhecem que dessa forma – com as propagandas em conjunto e com a padronização da apresentação das lojas - a marca Constru & Cia consolida-se cada vez mais na mente do consumidor, assumindo o papel da bandeira de cada loja associada.

Tornou-se evidente que há impactos para os associados de se privilegiar a marca Constru & Cia em detrimento da marca individual de cada loja. Os entrevistados mostraram-se conscientes a respeito dessa situação conforme relato abaixo:

“[...] no começo a gente acha um pouco estranho. Porque a gente perde a nossa identidade. Hoje, quando a pessoa fala” eu vou na...”, ele não fala ”eu vou na Metta” (e sim) “eu vou na Constru & Cia”. Então no começo foi um pouco estranho, mas a gente vê que o caminho seria esse. Então todo mundo hoje é como se fosse uma empresa com várias filiais. Mas, como se diz, o pessoal aos poucos vai absorvendo, vai convivendo com aquilo e acaba aceitando naturalmente. É uma coisa que acostuma. Aquela identidade quase desaparece”. (dirigente associado)

No que se refere a regras operacionais de funcionamento a padronização da apresentação das lojas revela-se como um impacto, mas, percebido como necessário, até mesmo de forma extrema conforme expressou um dos entrevistados:

Eu prefiro ver ela (a loja) igual às outras do que eu não ver ela mais. Isso aí é obrigação: entrou na rede, tem que seguir o padrão; se você sair, tem que tirar”. (dirigente associado)

Nota-se, assim, que as empresas estão cientes quanto ao enfraquecimento das marcas individuais das lojas. Porém, não consideram tal situação como algo negativo, embora reconheçam que em um possível desligamento da rede seria muito oneroso para o supermercado voltar a trabalhar a marca varejista na linha de material de construção.

O grande problema a princípio foi a ofuscação do nome (marca), onde notamos que todos os meios de comunicação falam da Constru & Cia, e, esquece de falar das filiadas." (dirigente associado)

“No meu ponto de vista, veio fortalecer a marca com a massificação na mídia, pois é a Irriga Constru & Cia, isso ”fecha”. (dirigente associado)

Sucesso! Pois nossa marca acompanha a rede”. (dirigente associado)

Para os entrevistados, a substituição da bandeira de loja pela bandeira da rede é uma tendência, e estarem associados a uma marca forte – a marca Constru & Cia - confere credibilidade às suas lojas perante os consumidores e os fornecedores. Por isso, os entrevistados percebem o fortalecimento da marca da Constru & Cia como uma necessidade para as lojas associadas.

Hoje temos preços mais competitivos, pois temos acesso a produtos líderes no mercado e isso significa maior qualidade(...)”.(dirigente associado)

O estabelecimento da marca, com a bandeira da rede, nos tornou assim a melhor loja de varejo da região”. (dirigente associado)

Cabe destacar que as empresas estudadas, a partir de integradas em rede, demonstraram melhor desempenho, aperfeiçoamento de suas atividades. Esses aspectos contribuíram para que tais empresas se tornassem mais competitivas. Este salto significou ainda para essas pequenas e médias empresas maior participação de mercado e de maneira ampla desenvolvimento econômico. Para tudo isso, o desafio central reside em se ajustar aos impactos, sobretudo, ocasionados pela diminuição da expressão da marca individual. Aspecto que pode, contudo ser superado, conforme se pode perceber no relato dos entrevistados, com a consideração dos avanços promovidos pela competição e compartilhamento em rede de cooperação.

Após 5 anos de parceria, houve um grande crescimento no faturamento, quase dobrou a receita, onde antes eu estava estagnado. (...) Nossa tendência é crescer, pois podemos notar isto em nossa loja”. (dirigente associado)

“(...) a Constru & Cia é muito forte hoje, em nível político, econômico também. Tem à força de compras, a gente consegue comprar muito bem (...). Então, como a rede está com uma perspectiva boa de crescimento, está se estruturando, é vantagem sim estar levantando a bandeira da rede. (...) A gente acredita muito na rede”. (dirigente associado)

Diante do progressivo fortalecimento da rede Constru & Cia, as empresas estudadas demonstraram que a possibilidade das lojas associadas abandonarem por completo suas marcas e assumirem unicamente a marca da rede é grande, sendo essa uma forte razão para se unirem e trabalharem a marca Constru & Cia.

O interessante considerando essa possibilidade das lojas associadas assumirem unicamente a marca de rede é que todos os associados entrevistados declararam que esse assunto não havia sido pauta de nenhuma das reuniões quinzenais da rede. Porém, as respostas consistentes e o contato com outras redes de cooperação de materiais para construção civil que estão tomando essa iniciativa são indicações de que a idéia está começando a se concretizar.

Corroborando Uzzi (1997), tornou-se evidente nesse estudo que a confiança que as lojas associadas têm na Rede Constru & Cia, os motiva a trabalhar a marca da rede de modo a fortalecê-la. Tal confiança advém da crença no crescimento da rede, não apenas em número de associados, mas também em seu desenvolvimento pautado na melhoria das lojas já associadas.

Cada vez ganhando mais espaço, cada vez crescendo mais. (...) a gente tem trabalhado sempre com o pé no chão, a gente tem sempre buscado crescer e outra, sempre tentando levar junto todos os associados. Então, quer dizer, é uma coisa que a gente não deixa ninguém de fora, todo mundo está crescendo junto. Então eu acredito que a tendência nossa às vezes não é talvez crescer tanto em número de lojas, mas melhorar cada vez mais as lojas que a gente tem. Então melhorar o máximo”. (dirigente associado)

Brilhante! Não penso em sair, penso em ampliar ainda mais minha participação”. (dirigente associado)

Ampliar os negócios através de aumento de filiais da COMACON, com o fortalecimento da marca(...)”.(dirigente associado)

Os entrevistados afirmaram que a Rede Constru & Cia não é somente importante para as lojas associadas. No Brasil são cerca de 150 redes e a tendência é de crescimento despontando em outros Estados. As redes constituem um setor novo e, juntas, representam grande percentual do faturamento no setor de construção civil (HALPIN & WOODHEAD, 2004).

No caso estudado constatou-se o potencial que as redes possuem de criar vantagem competitiva para as pequenas e médias empresas e de evoluir para criar e compartilhar maior conhecimento estratégico em benefício do desenvolvimento de seus associados. Tornou-se claro assim que, a formação dessa rede de cooperação conseguiu transpor os obstáculos causados por restrições econômicas e financeiras a que estão submetidas às empresas de pequeno porte, e contribuir ainda para o desenvolvimento da região onde estão inseridas.

Vislumbrando um segundo momento dessas relações entre associados na rede pode-se prever um desenvolvimento nas relações conforme perspectiva de evolução de redes como apresentada por Chen e Chang (2004), pautadas em relações de “embeddedness” ou imbricação, possibilitando a capacidade de inovação incremental e, adicionalmente a inovação radical, amparadas por laços diversos construídos pelos próprios associados até mesmo com outras redes em novas associações.

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