Espacios. Vol. 32 (2) 2011. Pág.18

Determinantes da propensão ao endividamento: Um estudo nas mulheres da Mesorregião Centro Ocidental Rio-Grandense

Propensión a determinantes de endeudamiento: Un estudio de la mujer en la región Centrooccidental Riograndense

Determinants of propensity to debt: A study of women in theMesorregião Centro Ocidental Rio-Grandense

Larissa de Lima Trindade*, Kelmara Mendes Vieira**, Paulo Sérgio Ceretta***, Everton Anger Cavalheiro****

Recibido: 20-07-2010 - Aprobado: 17-09-2010


Contenido


RESUMEN:
Este estudio tiene como objetivo examinar los factores determinantes en la propensión al endeudamiento en la región central de la mujer occidental del Río Grande. Para ello, se realizó una encuesta entre 2.500 mujeres. Los datos fueron recolectados a través de cuestionario y analizados a través de análisis factorial, pruebas y análisis estadísticos de regresión. Los resultados muestran siete factores, que son: Condición social, la preocupación, la estabilidad, Placer, Poder, de presupuesto, la ilusión, el materialismo y la voluntad de endeudamiento. Con un 39,1% explicación de las variables explicativas muestran que los factores que interfieren con esta tendencia no sólo son financieros y racional, sino también psicológico y cultural.
Palabras clave: genero, propención al endeudamiento, mujeres
 

ABSTRACT:
This study examines what are the determining factors in the propensity to indebtedness among women in the central region Western Rio Grande. For this, a survey was conducted among 2,500 women. Data were collected through questionnaire and analyzed via factor analysis, statistical tests and regression analysis. The results showed seven factors, they are: Social Status, Concern, Stability, Pleasure, Power, Budget, Illusion, Materialism and propensity to Indebtedness. With 39.1% explanation of the explanatory variables show that the factors that interfere with this tendency are not only financial and rational, but also psychological and cultural.
Keywords:
gender, propención borrowing, women

1. Introdução

Diante do consumo excessivo, muitos indivíduos contraem dívidas e comprometem uma parcela significativa de suas rendas e acabam tornando-se inadimplentes por não cumprirem com seus compromissos financeiros. Nesta concepção, endividados trabalham para quitar suas dívidas por terem pouca ou nenhuma habilidade de lidar com o dinheiro, por não se preocuparem em fazer um planejamento financeiro ou por motivos implícitos em razões sociais ou psicológicas. Muitos desses indivíduos conseguem retomar o equilíbrio de suas vidas, outros necessitam de ajuda e muitos terão que carregar consigo o estigma de eternos endividados (FERREIRA, 2006).

Especificamente no Brasil, o Instituto de Pesquisa de Endividamento do Estado de Fortaleza (PORTAL VIDA ECONÔMICA, 2007) realizou uma pesquisa sobre gênero e endividamento e constatou que as mulheres comprometem mais suas rendas do que os homens e atuam como principal comprador da família, no que diz respeito à alimentação, roupas, acessórios e materiais diversos. Além disso, há evidências indicando que pessoas do gênero feminino apresentam maiores chances de incorrerem em um comportamento compulsivo de compra, aumentando ainda mais a propensão ao endividamento (D’ASTOUS, MALTAIS e ROBERGE, 1990; O’GUINN e FABER, 1989). Como justificativa, a literatura trabalha com a questão sócio-cultural, de que as mulheres recebem desde a infância uma educação mais voltada para as questões de beleza e de apresentação pessoal, o que pode ter uma influência no seu comportamento futuro de compra.

Na medida em que ganham independência financeira às mulheres são obrigadas a tomarem decisões sobre consumo e consequentemente sobre endividamento. Zerrenner (2007) relata que o alto endividamento leva os indivíduos a comprometerem seu orçamento familiar e ainda provoca problemas de ordem psicológica, levando o sujeito endividado à torna-se vulnerável a incidentes tais como: separação, desemprego, problemas de saúde, entre outros e pode chegar a impossibilitá-lo de executar tarefas diárias.

O ato de comprar indiscriminadamente já é considerado uma doença, conhecida por Oneomania, que difere da compra por impulso que ocorre quando o indivíduo é levado a comprar devido a uma atração instantânea pelo produto seja pela embalagem, preço ou apelo da mídia. A Onemania constitui-se em uma doença obsessiva-compulsiva, que segundo o Instituto de Pesquisa do Ambulatório do Jogo Patológico e Outros Transtornos do Impulso (AMJO) é mais comum em mulheres, sendo que no Brasil afeta quatro mulheres para um homem (OLIVATO e SOUZA, 2007).

Esta pesquisa buscou conhecer mais profundamente a realidade das variáveis comportamentais, que determinam o processo de endividamento nas mulheres da Mesorregião Centro Ocidental Rio-grandense, principalmente a influência dos valores, da renda, das variáveis demográficas, do trabalho e da cultura. Neste sentido tem-se como objetivos: identificar os perfis femininos mais representativos na região pesquisada; medir a propensão ao endividamento; identificar as diferenças de propensão ao endividamento nas mulheres da Mesorregião pesquisada; determinar a influência dos fatores comportamentais no processo de endividamento.

A Mesorregião Centro Ocidental Rio-grandense foi à região escolhida tendo em vista a diversidade cultural e a colonização dos sujeitos pesquisados. Com uma população de 541.027 habitantes espalhados pelos 31 municípios esta região apresenta uma diversidade de culturas, basicamente em função da colonização que é de prevalência de italianos e alemães, o que contribui para os objetivos da pesquisa.

Destaca-se que o tema é atual e constitui a agenda de discussão dos meios empresarial, acadêmico e governamental. Do ponto de vista empresarial, os bancos e instituições financeiras se lançaram, principalmente nestes últimos anos, na conquista da compreensão do comportamento da dívida.  Sob o olhar do governo e das políticas públicas, há o interesse de desenvolver o mercado de crédito como forma de incentivar a inclusão social, reduzir desigualdades e contribuir para o crescimento econômico do país. No âmbito acadêmico este estudo é foco das teorias de consumo do Marketing, das Finanças e da Teoria dos Jogos (CARVALHO, ABRAMOVAY, 2004).

2. Fundamentação Teórica

Segundo Ferreira (2006), endividamento tem origem no verbo endividar-se e significa fazer ou contrair dívidas. Para o Observatório de Endividamento dos Consumidores da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (2002), o endividamento é definido como sendo um saldo devedor de um indivíduo e este pode resultar apenas de uma dívida ou de mais do que uma simultaneamente. (ZERRENNER, 2007). As causas do sobreendividamento apontadas pelo referido Observatório são a marginalização e a exclusão social, os problemas psíquicos, o alcoolismo, a dissolução das famílias, as perturbações da saúde física e mental dos filhos e das famílias endividadas. Mas os problemas não afetam apenas o indivíduo e seus familiares afetam também a economia, já que a proliferação dos casos de incapacidade de realização dos compromissos financeiros afeta, além do volume de crédito o crescimento da economia.

Na pesquisa realizada por Kosters et al (2004) sobre as causas do endividamento em cincos países distintos, o desemprego foi a principal causa deste problema na França (42%), Alemanha (38%) e Bélgica (19%). Nos Estados Unidos o uso do cartão de crédito foi a principal causa (63%), já na Áustria, a má gestão orçamentária atinge 26% dos entrevistados (Zerrener, 2007). No Brasil a Sociedade de Proteção ao Crédito (SPC) e o Instituto de Economia Gestão Vidigal (IEGV) realizam pesquisas trimestrais sobre inadimplência, no relatório de dez anos de 1997 a 2007 o desemprego aparece em todos os anos como a principal causa da inadimplência (SERASA EXPERIAN, 2007). Para Casado (2001, p. 7), o superendividamento é “fruto da sociedade de massas, onde o consumo é cada vez mais incentivado através de publicidades agressivas, geradoras de falsas necessidades”.

Segundo Katona (1975), existem três razões que explicam por que uma pessoa pode gastar mais do que ganha: (i) baixa renda, de modo que nem sequer são cobertas as despesas essenciais, (ii) alta renda, combinada com um forte desejo de gastar, e (iii) uma falta de vontade para economizar (independentemente da renda). Seu estudo é relevante, pois discute a origem dos problemas de crédito não somente a partir de fatores econômicos, mas também, por motivações psicológicas e comportamentais.

Moura (2005) criou uma escala de atitude para o endividamento. Esta escala foi desenvolvida especialmente para o contexto de grupos brasileiros de baixa renda. A escala compreende três dimensões: impacto sobre a moral na sociedade - que engloba o patrimônio, valores e crenças encontrados em sociedade que tem uma influência sobre a atitude do indivíduo em relação ao endividamento; preferência no tempo - inclui a escolha dos indivíduos entre valor e tempo (adiar ou não adiar planos de consumo) e grau de auto-controle - inclui a capacidade para gerir os próprios recursos financeiros, a tomar decisões financeiras e de manter o indivíduo (ou família) orçamento sob controle.

Ainda destaca-se nos estudos de Moura (2005) a influencia do materialismo no processo de endividamento. A autora utilizou a escala de Richins (2004) adaptada ao contexto brasileiro, que aborda três dimensões para o materialismo. A primeira dimensão refere-se à centralidade, ou seja, a importância que os bens materiais exercem na vida do indivíduo, assim quanto maior é o apego aos bens, maior é a manifestação da dimensão. A segunda refere-se à satisfação e ao bem-estar proporcionado pela aquisição de bens, ou seja, a felicidade alcançada com o materialismo. Já a terceira, o sucesso, isto é, o valor do bem é definitivo para a aquisição de status social. Os bens são valorados não por quanto geram de satisfação na vida, mas sim, pelo seu custo.

No Brasil, destaca-se ainda o estudo de Panchio (2006) que, visando identificar a influência do materialismo no endividamento dos consumidores de baixa renda da cidade de São Paulo, constatou que, além de variáveis financeiras, variáveis comportamentais explicam tal comportamento. Os indivíduos mais jovens tendem a ser mais materialistas que os mais velhos; que adultos analfabetos tendem a ser menos materialistas que adultos tardiamente alfabetizados; e que gênero, renda e raça não se associam com materialismo. Entre as demais análises, elaborou-se um modelo de regressão logística para distinguir indivíduos possuidores de carnê de crediário dos não possuidores, com base no materialismo, em variáveis sócio-demográficas, em hábitos de compra e em hábitos de consumo. O modelo proposto confirma o materialismo como variável comportamental útil na previsão da probabilidade de um indivíduo endividar-se para consumir, em alguns casos fazendo quase dobrar a chance de ocorrência deste evento.

Compreender os fatores comportamentais que orientam as decisões dos indivíduos não é uma tarefa fácil, pois estes envolvem muita subjetividade e incerteza, entretanto são peças fundamentais para justiçar as mesmas. Panchio (2006) destacam que, apesar de herdarmos do modelo Platônico a idéia de razão absoluta, muitas vezes, decidimos com base em informações incompletas, que podem nos levar a muitos erros, e, isto não significa sermos irracionais. De fato, por maior que seja a racionalidade, ela sempre estará apoiada na intuição, nos valores e em outros fatores comportamentais do indivíduo. Livingstone e Lunt (1992) destacam que é complexo o número de variáveis que podem explicar o endividamento, tais como: sexo, etnia, educação, história familiar, renda, número de cartões de crédito, utilização do cartão de crédito e de títulos de dívida, bem como variáveis psicológicas, como: locus de controle, autoestima e valores.

Para Moura (2005) o aumento das dívidas dos indivíduos, seja por razões de recessão ou otimismo, gerou o aumento de pesquisas sobre o débito em diversas áreas. Portanto pode-se ultimar que o problema do endividamento, exige uma visão multidisciplinar. A Sociologia focaliza seus estudos aos fatores demográficos, como idade, gênero, circunstâncias familiares e classe social, a Economia preocupa-se mais com as relações econômicas, e, a Psicologia focaliza o processo de tomada de decisão e os valores. O importante nesta temática é utilizar as variáveis simultaneamente, identificando a magnitude de cada uma.

A decisão de tomar empréstimos, bem com a utilização de cartão de crédito, também já foram estudadas pelas Finanças Comportamentais e provaram influenciar as decisões, limitando a racionalidade do indivíduo. Segundo Block-Lieb e Janger (2006) no pagamento em dinheiro o limite de poder de compra é tangível, ao contrário da utilização do cartão de crédito. O uso desse meio magnético, por exemplo, pode causar uma dissonância cognitiva nos consumidores, já que estes não sentem em seu bolso o peso de pagar à vista, e a fatura só chega em dias ou semanas.

O experimento de Soman (2001) suporta a proposição de que a dissonância cognitiva pode levar o usuário de cartão de crédito a gastar mais do que aqueles que pagam à vista. Block-Lieb e Janger (2006) reforçam a heurística da ancoragem através do uso do cartão de crédito, destacando que os indivíduos só se perguntam se o valor da parcela cabe em seu bolso, isso exige um mínimo de cálculo, porém impede com que o indivíduo tome consciência do custo do crédito ao final do período.

O excesso de confiança pregado pela teoria das finanças comportamentais é um viés que faz com que as pessoas se endividem substancialmente, pois estes subestimam a probabilidade que eventos negativos que interrompam sua renda futura aconteçam, tais como perda de emprego ou redução substancial da renda (ZERRENNER, 2007).

Muitos autores já pesquisaram a influência da cultura no dinheiro entre eles destacam-se: Jain e Joy (1997), Roca (2006), Reibstein, Burgoyne e Edmunds (2007), Falicov (2001) e Ards e Myers (2001). Jain e Joy (1997) desenvolveram um estudo etnográfico com imigrantes asiáticos residentes no Canadá, com o objetivo de identificar o comportamento destes frente às decisões de comprar e poupar, destacando a cultura Hindu, presente nos 36 profissionais pesquisados. De acordo com o Hinduísmo, os indivíduos devem tomar decisões financeiras segundo uma visão de longo prazo, pensando sempre no futuro da família e dos filhos, o que os tornam mais tolerantes a riscos. Os autores confirmaram a influência da cultura Hindu nos entrevistados e reforçaram a teoria de que a cultura é um fator determinante no comportamento financeiro dos indivíduos.

Os estudos de Roca (2006) trazem a relação de dinheiro e religião, que durante décadas, foi vista pelos cientistas sociais como coisas incompatíveis. Em contrapartida, o autor, mostra que dinheiro sempre esteve presente na religião. A partir de um estudo desenvolvido no Brasil, o autor mostra a influência do dinheiro na religião, na política e na modernização.  O autor estudou indivíduos da igreja Neo-pentencostal brasileira e identificou que o dinheiro, além de ser utilizado como forma divina, também e meio de promoção política e forma de gerar mais dinheiro.

A alta ou baixa religiosidade dos indivíduos reflete-se de uma maneira geral em seus valores, ideologia e comportamento (LA BARBERA e ZEYNER, 1997). Em relação ao materialismo, indivíduos intensamente religiosos tendem a valorizar qualidades espirituais e dar menor valor aos bens e às posses, apresentando comportamentos de compra mais racionais e menos impulsivos (LA BARBERA e ZEYNER 1997). Nessa mesma direção, Keng et al. (2000) encontraram níveis de materialismo mais baixos entre os cristãos do que entre os indivíduos sem afiliação religiosa. De maneira próxima, o materialismo apresentou associação negativa com os valores orientados para a coletividade, entendidos como os valores ligados à religião, à família e à comunidade (BURROUGHS e RINDFLEISCH, 2002).

Falicov, assim como Ards e Myers (2001) analisaram as relações entre raça e dinheiro, e o mito de que a comunidade negra americana tem maiores taxas de poupança e menores acessos ao crédito do que os brancos. Ambos os estudos trazem assuntos como a “discriminação do crédito”, “a cor do dinheiro”, bem como a relação da “cor nas decisões financeiras”. Apesar de não acharem nenhuma significância estatística nesse mito, os autores sustentam que as diferenças observadas no mercado de crédito entre negros e brancos é atribuída à diferença de acumulação de riqueza. Os autores destacam ainda a influência do mito na própria comunidade negra na busca do crédito.

Várias pesquisas têm estudado os comportamentos dos indivíduos de diferentes descendências para verificar a influência destas. Por exemplo, Zinkhan e Karan (1990) examinaram diferenças no comportamento de risco em estudantes de descendência espanhola e americana e entre homens e mulheres em ambas as amostras. Os resultados indicaram que os alunos espanhóis se mostraram mais propensos do que os americanos.

Assim de acordo com as teorias sobre o tema elaborou-se um quadro resumido dos pressupostos que se espera do comportamento dos fatores comportamentais estudados.

Quadro 1 – Pressupostos do comportamento dos fatores do estudo.

Fatores

Dimensões

Estudo

Expectativa na propensão ao endividamento

Valores

Status Social

 Schwartz(1992), Moura (2005); Panchio (2006)

Positiva

Preocupação

Negativa

Estabilidade

Positiva

Prazer

Positiva

Poder

Negativa

Orçamento

Positiva

Ilusão

Negativa

Renda

Maior renda

Brusky e Fontana (2002)

Faag, Hallhan e Mckenzie (2003)

Negativa

Menor renda

Positiva

Aspectos demográficos

Mais velhos

Furnham (1984) e Panchio (2006)

Negativa

Mais jovens

Positiva

Maior grau de instrução escolar

Furnham (1984) e Panchio (2006)

Negativa

Menor grau de instrução escolar

Positiva

Casados

Sung e Hanna (1996); Fagg, Hahhan e Mckenzie (2003)

Negativa

Solteiros

Positiva

Raça branca

Falicov, Ards e Myers

(2001)

Negativa

Raça negra

Positiva

Fatores

Dimensões

Estudo

Expectativa na propensão ao endividamento

Trabalho

Empregados

 Perrelli  e Toneli (2008)

Cavalieri e Fernandes (1998)

Positiva

Desempregados

Negativa

Cultura

Católicos

Roca (2006)

Negativa

Outras religiões

Positiva

Ascendência estrangeira

Zinkhan e Karan (1990)

Negativa

Ascendência brasileira

Positiva

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* Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Campus Pato Branco/PR E-mail:laritrin@yahoo.com.br
** Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). E-mail: kelmara@smail.ufsm.br
*** UFSM. E-mail: ceretta@smail.ufsm.br
***
* Universidade de Santa Cruz do Sul. E-mail: eacavalheiro@hotmail.com

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