Espacios. Vol. 33 (1) 2012. Pág. 48


A Aprendizagem de Executivos do Setor Metalmecânico por Meio de Experiências de Disjunção

The Executive Learning Sector Metalmechanics through experience of disjunction

El aprendizaje de ejecutivos del sector metalmecánico por medio de las experiencias de la disyunción

Claudemir Inacio dos Santos 1, Raphaela Maria de Castro y Silva Vidal 2

Recibido: 17-04-2011. Aprobado: 12-07-2011


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RESUMO:
Este é um estudo qualitativo de casos múltiplos desenvolvido no setor metalmecânico do Estado de Pernambuco. Os resultados demonstram que no trabalho os executivos enfrentam dois tipos de experiências de disjunção: por demandas internas e por demandas externas. Para enfrentar essas experiências, os gestores utilizaram diferentes estratégias: redes de relacionamentos, reflexão sobre as experiências de disjunção e comunidades de prática. O que se pode concluir é que as experiências de disjunção enriquecem o repertório de técnicas dos executivos, propiciando aprendizagem, ampliação dos estoques de conhecimentos e geração de soluções inovadoras, capazes de atender às demandas das organizações em que atuam.
Palavras chaves: Aprendizagem organizacional; aprendizagem de executivos; aprendizagem pela disjunção

 

ABSTRACT:
This is a qualitative and multiple cases study. It has been researched 3 firms of Metal-Mechanical sector located in Pernambuco State. The findings indicate executives face disjunction experiences in their jobs. Those experiences happened by intern and external demands, therefore managers use different strategies: network, reflection about experience of disjunction and community of practice. It is noticed experience of disjunction enlarge executives´ knowledge, resulting learning, bigger knowledge stock and new solutions that will attend to firms´ demands.
Key words: organizational learning; executives´ learning; learning through disjunction

 
RESUMEN:
Se trata de un estudio cualitativo de casos múltiples, desarrolladas en el sector metalmecánico del Estado de Pernambuco. Los resultados muestran que no trabajo los ejecutivos enfrentan dos tipos de experimentos de disyunción por las demandas internas y las demandas externas. Para hacer frente a las experiencias, los administradores utilizan estrategias diferentes: redes sociales, reflexión sobre las experiencias de disyunción y comunidad de práctica. La conclusión es que las experiencias de disyunción enriquecer el repertorio de técnicas para ejecutivos, proporcionando el aprendizaje, incrementar la reserva de conocimientos y generar soluciones innovadoras capaces de responder a las demandas de las organizaciones.
Palabras-clave: Aprendizaje organizacional; Aprendizaje de los ejecutivos; Aprendizaje por la disyunción

Introdução

A sociedade contemporânea é caracterizada por uma grande complexidade e por rápidas transformações econômicas, tecnológicas e sociais. Estas transformações alteram o ambiente de negócios e as organizações oscilam diante das descontinuidades criadas por um nível crescente de competição acirrada, volatilidade, mudanças demográficas, explosão de conhecimentos e meios de comunicação continuamente mais rápidos. A complexidade dessas relações tem causado turbulências e incertezas, exigindo que as organizações busquem um ajustamento contínuo ao ambiente.

A literatura tem destacado que para as organizações se ajustarem continuamente ao ambiente é necessário desenvolver em seus membros a habilidade de aprender.  Diversos autores (DRUCKER, 1976, 2002; WOOD, 2004; DE GEUS, 2006; ARGYRIS, 2006; PHAHALAD; KRISHNAN, 2008) defendem que para enfrentar essas turbulências e incertezas é crucial que as organizações estimulem seus executivos a transformar experiências e conhecimentos em soluções inovadoras, capazes de atender às demandas ambientais.

Para que os executivos transformem experiências e conhecimentos em produtos e/ou em serviços, será necessário compreender o papel da aprendizagem e as relações com o trabalho desenvolvido por esses profissionais. Compreender como as experiências influenciam o trabalho pode melhorar o desempenho de gestores e das organizações. Para isso, as oportunidades para aprender devem estar em toda parte e não mais restritas a salas de aula, e os executivos devem aprender onde passam a maior parte da vida: no trabalho (MARIOTT, 1996). Nessa perspectiva, as organizações podem ser entendidas como centros educacionais por serem capazes de influenciar a aprendizagem e a vida dos executivos.

Vários autores defendem que o ambiente profissional pode oferecer inúmeras oportunidades de aprendizagem. As organizações devem estimular os seus executivos a aprender a interpretar o ambiente, mas para tal é imprescindível entender o papel da aprendizagem dos dirigentes (ARGYRIS, 2006; DE GEUS, 2006). Segundo Prange (2001), o gestor interpreta continuamente o significado de suas ações, e as das outras pessoas, e atribui significados às suas experiências com base nas interações no trabalho. Elkjaer (2001) entende que o ambiente profissional permite experiências ricas para a aprendizagem, pois a ação, a interação e a experiência individual e coletiva são partes integrantes da vida organizacional. Assim sendo, esta investigação considera que a aprendizagem emerge da interação entre indivíduos. Como indicado por Easterby-Smith e Araujo (2001, p. 24-25), “o ponto de partida de uma perspectiva social é a habilidade de indivíduos de aprender, com base em suas experiências, e aprender dos/com outros em ambientes de trabalho”.

O segmento empírico foi desenvolvido em três organizações do setor metalmecânico da Região Metropolitana de Recife. A opção por este setor está relacionada às repercussões da implantação da indústria petrolífera no Complexo Industrial e Portuário de Suape, o que implica em mudanças significativas no ambiente de negócios no Estado de Pernambuco. A inserção de empresas locais como fornecedoras de bens e serviços à cadeia produtiva de petróleo e gás natural poderá colocar os seus dirigentes diante de experiências de disjunção. 

Por tratar-se de uma investigação que busca compreender a realidade de empresas nacionais e os processos de aprendizagem de seus executivos, entende-se que este estudo pode contribuir para o campo da aprendizagem organizacional, notadamente para a aprendizagem de gerentes brasileiros. Nessa perspectiva, duas questões são investigadas neste artigo:

  • Quais as experiências de disjunção vivenciadas pelos executivos no trabalho?
  • Quais as estratégias utilizadas pelos executivos para enfrentar experiências de disjunção no trabalho?

O artigo está dividido em quatro partes, além da introdução e da conclusão. Na primeira discute-se a aprendizagem pela experiência e o trabalho do executivo. Na segunda apresentam-se os procedimentos metodológicos. Na terceira é feita a apresentação dos resultados. Na quarta seção os resultados são discutidos.

Referencial teórico

Aprendizagem pela experiência

O campo da aprendizagem organizacional, desde os anos 1990, tem despertado interesses no âmbito empresarial e acadêmico. Uma das razões para o fato, diz respeito à relevância da aprendizagem para a sobrevivência e desenvolvimento das organizações, especialmente ao se considerar as rápidas transformações no ambiente de negócios.

Ao mesmo tempo em que se constata a representatividade da aprendizagem para as organizações, percebe-se que o fenômeno é entendido sob diferentes perspectivas, não havendo uma definição que possa abranger toda a complexidade do termo (MERRIAM, CAFFARELLA; BAUMGARTNER, 2007). Entre essas abordagens, uma tem oferecido importantes contribuições à literatura sobre a aprendizagem organizacional: o construtivismo. A ênfase do construtivismo está na aprendizagem como um processo de construção de significados a partir da interação do aprendiz com o meio físico e social. Para os construtivistas, o conhecimento deve ser construído por meio das experiências do aprendiz (DEWEY, 1979; CANDY, 1991; MEZIROW, 1991; JARVIS, 1987; 2006).

Merriam, Caffarella e Baumgartner (2007) entendem que o construtivismo engloba uma série de manifestações baseadas em atribuição de significado, entre as quais a aprendizagem pela experiência, que forma o arcabouço teórico do estudo. A opção por essa vertente tem como pressupostos: a) que os executivos constroem conhecimento por meio de experiências e b) que esses profissionais atuam em contextos geradores de experiências: o ambiente de trabalho e o mundo físico e social em que estão inseridos.

De acordo com Amatuzzi (2007, p. 8-9), o termo experiência tem um significado geral que se desdobra em duas possíveis direções: a) o conhecimento adquirido com a prática e b) a vivência emocional, que é subjacente ao conhecimento acumulado. Foi nessa acepção que muitos acadêmicos desenvolveram seus trabalhos sobre a aprendizagem pela experiência, entre os quais podem ser salientados Dewey e Jarvis. Segundo Dewey (1980, p. 13), a experiência é “uma relação entre um indivíduo e seu contorno físico e social”. Já para Jarvis (2006, p. 27), “experiência é a interseção da pessoa com a vida no mundo”.

Dewey (1980, p.116) descreve a aprendizagem como um “processo contínuo de reorganização e reconstrução da experiência”. Em função disso, ele formulou dois princípios: o da continuidade e o da interação. O primeiro remete à influência que uma experiência tem sobre as subsequentes, uma vez que toda experiência toma algo das experiências prévias e modifica de algum modo as posteriores. Dewey denomina essa influência de continuum experiencial, que é representado pelo fluxo: situação > problema > indagação > reflexão > nova situação. Já o princípio da integração demonstra que uma experiência só ocorre porque o aprendiz está inserido em um ambiente e aí interage com outros indivíduos e com objetos ali existentes.  Logo, pode-se afirmar que a aprendizagem pela experiência é simultaneamente histórica e social e apresenta dimensões longitudinais e transversais, pois ocorre durante toda a vida humana e em todas as situações em que os indivíduos agem e interagem entre si e com o mundo físico que os rodeia (DEWEY, 1979).

Dewey (1979) advoga que há uma conexão orgânica entre experiência e aprendizagem. Essa conexão possibilita experiências educativas e outras deseducativas. Uma experiência é educativa quando permite ao sujeito refletir sobre uma situação e aprender. Por outro lado, uma experiência deseducativa ocorre quando o indivíduo não consegue refletir sobre a situação, o que limita a sua aprendizagem. Também pode ser deseducativa a experiência que mantém o indivíduo preso à rotina, desencorajando-o a buscar experiências novas: “Daí, o problema central da educação alicerçada em experiência: a seleção das experiências presentes, que devem ser do tipo das que irão influir frutífera e criadoramente nas experiências subsequentes” (DEWEY, 1979, p. 16-17).

A partir das ideias de Dewey, outros pesquisadores desenvolveram estudos sobre a aprendizagem pela experiência. Kolb (1984) propôs um modelo chamado de Experiential Learning Theory (ELT), estabelecendo ligações entre educação, trabalho e desenvolvimento pessoal. Kolb entende que o ambiente de trabalho pode ser é um espaço capaz de aprimorar e complementar a educação formal. Para isso, segundo o autor, é necessário que o indivíduo reflita e explore novas formas de perceber as situações e o que podem aprender.

O modelo de Kolb (1984) ocorre em quatro fases: a) experiência concreta: exige que o sujeito tenha abertura e interesse para se envolver em situações novas; b) observação reflexiva: permite que o sujeito reflita sobre as experiências novas e possa observá-las de diversas perspectivas; c) conceituação abstrata: diz respeito às habilidades analíticas por meio das quais observações, ideias e conceitos podem ser integrados em teorias; e d) experimentação ativa: é o uso dessas teorias para tomar decisões e resolver problemas.

Kolb é questionado por Peter Jarvis, que, em seu artigo, de 1987, Meaningful and meaningless experience: toward an analysis of learning from lie, considera o modelo muito simplista para explicar um fenômeno complexo como o da aprendizagem. Para Jarvis, a aprendizagem tem origem na própria vida e necessariamente se inicia com uma experiência em um contexto sócio-cultural-temporal: “a aprendizagem é a transformação das experiências em conhecimentos, habilidades e atitudes” (JARVIS, 1987, p. 164).

Segundo Jarvis, a aprendizagem é a força motriz da existência humana, por meio da qual a sua essência emerge e é educada: “Aprender é fundamental para a condição humana e para a sociedade, estando diretamente relacionado com a maneira pela qual os seres humanos existem no mundo e o mundo neles” (JARVIS, 2006, p.6). Dessa forma, o ser humano aprende a tornar-se pessoa. No decorrer da vida e contextualizado em seu mundo, o indivíduo passará por diversas situações e agirá de algum modo às experiências. No centro desse processo (Figura 1) não está somente o que é aprendido, mas em que o indivíduo está se transformando, que é o resultado das dimensões emoção, pensamento/reflexão e ação. O aprendiz tem experiências, sentimentos e emoções e é por seu intermédio que ele aprende.

Conforme Jarvis (1987; 2006), a existência permite que estoques de conhecimentos sejam formados pelo aprendiz, e que estes ajudam a interpretar as experiências. Contudo, esses estoques podem ser inadequados para dar sentido a experiências novas. Quando existe um desnível entre os estoques de conhecimentos e as experiências novas, ocorre uma experiência de disjunção. Para o autor, existem várias maneiras de um sujeito relacionar-se com o mundo, e essas maneiras giram em torno de dois eixos: harmonia ou disjunção. Viver em harmonia é um estado de não aprendizagem. Na vida em harmonia as experiências do aprendiz são tomadas como certas, e ele pouco reflete sobre as situações e nada aprende.  

(Próximo ciclo de aprendizagem)

Figura 1: A transformação da pessoa por meio da aprendizagem
Fonte: Adaptado de Jarvis, 2006, p. 23

Viver em disjunção, por sua vez, é um estado de aprendizagem. Há disjunção quando o sujeito percebe que não está apto a responder às exigências de uma situação nova e se questiona sobre a situação e sobre o seu significado. Jarvis (2006) alerta que pode haver situações de disjunção que levem o sujeito a não querer refletir, e a comportar-se da maneira que lhe é familiar. É possível também que um sujeito viva uma experiência de disjunção, reflita sobre isso, mas opta por rejeitá-la, e nada aprende. Outro tipo de experiência de disjunção, segundo Jarvis (2006), é quando o sujeito reflete sobre a situação, mas discorda do resultado da reflexão e por isso também nada aprende.

Para o entendimento do modelo de Jarvis, é fundamental a ideia de que toda experiência ocorre em um contexto sócio-cultural-temporal, e que somente o aprendiz pode atribuir significados às suas experiências, o que só ocorre se houver reflexão. Jarvis advoga que as habilidades são adquiridas por meio da interação entre experimentação e reflexão até serem internalizadas, gerando uma pessoa mais experiente. Observa-se que aqui há um elo entre passado e futuro, o que o aproxima do continuum experiencial de Dewey. Ao atribuir significado às experiências por meio da reflexão, Jarvis se aproxima do modelo de Kolb.

Outros autores também destacam a importância da reflexão para a aprendizagem. Para Mezirow (1991), a reflexão pode transformar o processo de aprendizagem e delimitar as estruturas de significado construídas por um sujeito. Schön advoga que o desenvolvimento da reflexão permite ao executivo lidar com situações de mudanças e incertezas “a reflexão tem sido vista como uma poderosa ferramenta para a aprendizagem de executivos” (1983, p.59). Este autor defende que na reflexão o indivíduo considera suas experiências como plataforma para criar novos conhecimentos e melhorar suas ações. Daudelin (1996) entende que na reflexão o sujeito comparadas as práticas atuais com as do passado. Ao refletir, ele busca descobrir uma maneira melhor de realizar uma ação diante de uma nova prática. Merriam; e Caffarella (1999), por seu turno, consideram que a reflexão desempenha um papel essencial no processo de aprendizagem, pois permite ao sujeito utilizar seus conhecimentos para enfrentar situações novas. A próxima seção trata do trabalho do executivo.

O trabalho do executivo

Desde a Escola Clássica de Administração que a função do gestor tem sido descrita por prever, organizar, coordenar, comandar e controlar tal como proposto por Henri Fayol em seu livro Administration industrielle et générale, publicado em Paris em 1916 (FAYOL, 1984). A Escola Clássica considerava que o mais importante para um executivo era aperfeiçoar os sistemas de trabalho, melhorando, em consequência, os níveis de controle.

Este pensamento perdurou até o início da década de 1930, quando estudos organizacionais mostraram que o trabalho gerencial vai além do aperfeiçoamento de sistemas de controle (MOTTA; VASCONCELOS, 2006). Uma contribuição seminal para a melhor compreensão do trabalho gerencial foi dada por Chester Barnard, com o lançamento do livro As funções do executivo, que apresenta uma teoria global do comportamento cooperativo nas organizações, ampliando, desse modo, as ideias estabelecidas por Fayol. Para Barnard (1979, p.214), “as funções essenciais do executivo consistiriam em prover o sistema de comunicação, promover a garantia de esforços e em formular e definir o propósito da organização, criando formas de incentivos e de recompensas que levem os indivíduos a cooperar”.

Segundo Drucker (1980), o gestor tem três funções básicas: a sobrevivência da empresa, a organização e o uso eficiente dos recursos humanos e a comunicação. Em relação à sobrevivência, o gestor deve decidir em que negócio a firma estará empenhada. Quanto aos recursos humanos, o gerente deverá fazer com que as pessoas trabalhem em conjunto para um fim comum. Enquanto na comunicação, o executivo deverá compreender que sua atividade é pública, pois representa a organização perante a sociedade. Observa-se que a concepção de Drucker lança luzes sobre a função pública do gestor. Para o autor, o trabalho do gerente vai além das fronteiras internas, o que representa um avanço em relação à Barnard.

Uma contribuição relevante para a discussão sobre o trabalho do executivo foi dada por Henry Mintzberg com The Nature of Managerial Work (1973). Para o autor, o trabalho do executivo está envolvido por quatro mitos: a) o trabalho do gerente é planejado e sistemático. Os resultados das pesquisas realizadas por Mintzberg demonstram que o trabalho gerencial é caracterizado pela intensidade, brevidade, variedade e descontinuidade, e os executivos são mais orientados para a ação do que para o planejamento sistemático; b) o gestor não executa tarefas de rotina. De acordo com Mintzberg (1986), o executivo envolve-se em questões da rotina, como cerimônias, negociações e processamento de informações que ligam a organização ao ambiente. Essas situações permitem ao dirigente estabelecer redes de relacionamentos e ter acesso a informações que só se tornam acessíveis pelo cargo que ocupa; c) os executivos necessitam de sistemas gerenciais de informação. Conforme Mintzberg (1986), a mídia verbal é a preferida dos gerentes e eles usam intensamente telefonemas, reuniões e conversam nos corredores; d) a administração está se transformando em ciência e profissão. Mintzberg (1986, 1994) argumenta que o trabalho do executivo ainda é pouco conhecido para que seja uma ciência, já que a ideia de ciência envolve procedimentos sistemáticos. A complexidade, brevidade, fragmentação e o aspecto multidimensional do trabalho gerencial são obstáculos para caracterizá-lo como profissão, argumenta o autor.

Mintzberg (1986, 1994) advoga que os executivos exercem seus papéis a partir da autoridade formal e do status do cargo. A partir desses elementos o executivo exerce outros papéis: a) interpessoais, que incluem o relacionamento com funcionários, a liderança da sua unidade e a manutenção de uma rede de contatos internos e externos. Essa rede de contatos forma uma cadeia de obtenção de informações e um canal permanente de comunicação com pessoas, e de quem o executivo depende direta ou indiretamente para realizar o seu trabalho. O autor destaca que a comunicação tem papel primordial no que o gerente faz: “a comunicação é seu trabalho [...] A informação não é, sem dúvida, um fim em si mesma. É um insumo fundamental para a tomada de decisões” (MINTZBERG, 1986, p.23); b) informacionais, disseminando informações internamente e sendo um articulador entre a organização e o público externo; e c) decisórios, que é o ápice do trabalho do executivo, momento em que as informações reunidas são vitais para decidir em que os recursos serão alocados e em que direção a organização caminhará. Os papéis decisórios dependem da habilidade do gestor para se comunicar (papéis interpessoais) e para obter informações (papéis informacionais). Mintzberg (1994) considera que ao assumir um cargo um gestor traz consigo valores, experiências, habilidades e conhecimentos que, juntos, determinam o seu estilo gerencial. Conforme Zollo e Winter (2002), um dos mecanismos da aprendizagem é a capacidade do aprendiz articular diferentes valores, experiências, habilidade e conhecimentos para cumprir uma tarefa ou, no caso de gerentes, uma agenda de trabalho.

Ademais, Mintzberg propõe um conceito de executivo: “executivo é a pessoa encarregada da organização ou de uma de suas subunidades: chefes de seção, supervisores, chefes de departamento, gerentes, presidentes de empresas e de nações” (1986, p. 8-9). A ênfase do conceito é o trabalho em si mesmo e não a nomenclatura do cargo. Entende-se que esse conceito é suficientemente amplo para superar as barreiras de nomenclaturas, visto que cada organização tem uma denominação para seus cargos. Neste estudo adota-se o conceito de executivo de Mintzberg, e usa-se indistintamente executivo, gerente, gestor, dirigente.

A visão de Mintzberg sobre a brevidade, fragmentação e variedade do trabalho gerencial é corroborada por Kotter (2000), que fez um levantamento das atividades de um gerente geral e chega a conclusões semelhantes. Em seu estudo, Kotter introduziu os conceitos de agenda e de redes de relacionamentos. A agenda refere-se aos planos de curto, médio e longo prazo sobre planejamento, finanças, recursos humanos, entre outros. A seleção dos temas está relacionada ao que o gestor julga importante para o seu trabalho. Já a redes de relacionamentos viabiliza a execução da agenda. Ele afirma (p.132-133) que para entender o executivo, é necessário considerar a natureza complexa do trabalho gerencial e o nível de incerteza, a diversidade e o volume de informações potencialmente relevantes a que um gestor tem acesso. Destaca também que o gerente deve aprender a lidar com o ambiente humano, pois o seu trabalho depende de pessoas sobre as quais exerce pouco ou nenhum controle.

O estudo de Lucena (2001) analisa varejistas de confecções em Florianópolis. O autor concluiu que o contexto do trabalho exigia que os dirigentes se envolvessem com tarefas em diferentes áreas: compras, contabilidade, finanças, recursos humanos, marketing, entre outras. Ele afirma (2001, p.137) que essa gama de atividades é um indicador de que os gestores atuavam em todos os setores de suas empresas, desempenhando diferentes papeis: a) interpessoais, nas interações com outras pessoas (funcionários, sócios, fornecedores, clientes, outros profissionais; b) informacionais, ao disseminar informações sobre produtos, tecnologia de fabricação; e c) decisórios, relacionadas às estratégias adotadas por suas empresas.

Já o estudo elaborado por Motta (2004), evidencia a dificuldade em estabelecer com exatidão limites, atribuições, prioridades e expectativas para o trabalho do executivo: "Atualmente já se aceita tratar a função gerencial como extremamente ambígua e repleta de dualidades, cujo exercício se faz de forma fragmentada e intermitente” (2004, p. 20). Em função disso, o autor afirma que o mundo moderno exige dos dirigentes grande capacidade de negociação entre interesses e demandas múltiplas, além da capacidade de integração de fatores organizacionais a cada dia mais ambíguos e diversos. Para ele, a ambiguidade e as mudanças ambientais contribuem para que as decisões dos gestores tenham um conteúdo intuitivo, envolvendo a articulação de experiências pessoais e profissionais, valores, conhecimentos e atitudes.

Nessa perspectiva, Schön (1983) tem discutido o caráter intuitivo do trabalho gerencial. De acordo com este autor, os gerentes têm consciência da dimensão comum do trabalho profissional, crucial para o desempenho gerencial e que não pode ser reduzida a técnicas analíticas. Muitas vezes, os executivos “estão conscientes de que mesmo as técnicas gerenciais estão no domínio do não-racional, do intuitivo, do artístico” (Schön, 1983, p. 239). Na próxima seção apresentam-se os procedimentos metodológicos utilizados.

Procedimentos metodológicos

Este trabalho pode ser caracterizado como de natureza qualitativa, uma vez que buscou capturar opiniões, sentimentos, crenças, atitudes e comportamentos dos respondentes. De acordo com a literatura consultada (GODOY, 1995; MERRIAM, 1998; YIN, 2005; MATTOS, 2006; STRAUSS; CORBIN, 2008), a pesquisa qualitativa é o procedimento metodológico mais adequado para compreender a realidade social. Assim, este trabalho analisa o fenômeno da aprendizagem segundo a perspectiva dos gerentes estudados.

A estratégia metodológica foi o estudo de caso, em função da compatibilidade entre este tipo de pesquisa qualitativa e a descrição rica dos casos (MERRIAM, 1998). Os casos são delimitados pelas empresas estudadas. Cada organização representa uma unidade de análise, ou um caso, o que permite afirmar que este é um estudo qualitativo de múltiplos casos (MERRIAM, 1998; GODOY, 1995; YIN, 2005).

A identificação das firmas foi feita por meio do Cadastro Industrial de Pernambuco 2007/2008, publicado pela Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco (FIEPE). Os critérios para a escolha foram: 1) certificação de qualidade; 2) acessibilidade; e 3) tamanhos. O Quadro 1 caracteriza as organizações pesquisadas. Já para os respondentes os critérios foram: 1) ter no mínimo dois anos como executivo; 2) ter experiência gerencial na empresa pesquisada; e 3) não distinguir idade, gênero, formação acadêmica, nacionalidade.

Casos

Características

Metalúrgica

ENGEMAN

CODISTIL

Ano de fundação

1966

1983

1979

Nº de empregados

60

400

520

Área de atuação

Local

Nacional

Nacional

 

 

Principais

produtos

  • Equipamentos leves
  • Serviços de

      manutenção

  • Fornecimento de

       mão-de-obra

  • Serviços de manutenção
  • Representação comercial
  • Equipamentos pesados
  • Serviços de manutenção

 

Certificação

  • INMETRO
  • ISO 9001:2001
  • ISO 14001:2001
  • ISO 18001:2001 OHSAS
  • ISO 9001:2001

Quadro 1 - Características das organizaçõe
Fonte: Dados da pesquisa, 2009

A entrevista semiestruturada foi o principal instrumento para a coleta de dados. Foram realizadas doze entrevistas entre maio de 2008 e fevereiro de 2009, com duração média de 80 minutos, que foram transcrita integralmente. Também foram realizadas observações, buscando descrever de forma mais aprofundada o contexto de atuação dos informantes.

A análise dos dados envolveu a construção de categorias, que “são temas que capturam alguns padrões que se repetem de forma predominante nos dados coletados” (MERRIAM, 1998, p.179). As categorias foram nomeadas a partir do que os dados refletiram, e a identificação de padrões foi feita pelo método da comparação constante, que levaram à formação de categorias derivadas dos dados e sustentadas pelo fenômeno (STRAUSS; CORBIN, 2008). A análise do material empírico identificou as experiências de disjunção vivenciadas pelos informantes e as estratégias utilizadas para enfrentar essas experiências.

Sendo este um estudo de múltiplos casos, utilizou-se o método de análise cruzada de casos (cross-case analysis) para identificar similaridades e diferenças entre as organizações investigadas (MERRIAM, 1998; PATTON, 2002; YIN, 2005; STRAUSS; CORBIN, 2008). Na apresentação das evidências foram utilizados quadros (displays), o que permite o cruzamento e uma melhor visualização dos achados (MILES; HUBERMAN, 1994). Na próxima seção são apresentados os resultados


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1. Universidade Federal de Pernambuco, Departamento de Ciências Administrativas.E-mail: claudemir.santos@ufpe.br
2. Faculdade Santa Helena em Recife-PE. E-mail: fafavidal@hotmail.com


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