Espacios. Vol. 33 (7) 2012. Pág. 3


Parcerias e desafios de gestão no terceiro setor: Um estudo sobre as entidades de assistência social

Partnerships and management challenges in third sector: a study about social assistence entities

Natalia Fernandes Ferreira 1, Verônica da Costa Sanchez 2 y Adriana Cristina Ferreira Caldana 3

Recibido: 06-12-2011 - Aprobado: 02-03-2012


Contenido

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RESUMO:
Este estudo investiga o estabelecimento de parcerias entre entidades de assistência social e empresas, realizado com todas as entidades cadastradas na Prefeitura de Ribeirão Preto. O levantamento caracteriza as mesmas quanto à causa, serviços prestados, público alvo, vínculo religioso, forma jurídica, parcerias realizadas e atuação de voluntários. Diante dos dados levantados, a causa da educação aparece em primeiro lugar, assumida por 23,5% das entidades entrevistadas. Nota-se também que metade destas entidades diz não possuir qualquer vinculação religiosa, a maioria delas está voltada ao público de crianças e adolescentes (46,2 %), prestando grande variedade de serviços. Todas contam com trabalho voluntário. Apesar de algumas já possuírem parcerias com empresas (35,6%) e com outras ONGs (8,2%), a maior parte das parcerias estabelecidas é com o Estado (49,3%). As empresas parceiras não participam do cotidiano institucional, contentando-se apenas com a prestação de contas dos projetos.
Palavras-Chaves: Ética, ONGs, Parcerias, Responsabilidade Social Empresarial, Terceiro Setor.

 

ABSTRACT:
This study investigates the establishment of partnerships between social entities and enterprises carried out with all these entities registered in Ribeirao Preto city, São Paulo State, Brazil. The survey characterized these entities according to assumed cause, services provided, target audience, religious bond, legal form, partnerships and the participation of volunteers. According to the data, education is the first one taken up by 23.5% of the interviewed entities. It was also showed that half of these entities said they had no religious ties, most of them are dedicated for children and teenagers (46.2%), which provide wide range of services. All of them rely on volunteer work. Although some already have partnerships with companies (35.6%) and other NGOs (8.2%), most of the partnerships are with the Public Sector (49.3%). The partners companies don't participate in entities routine, but follow the accountability of the projects.
Key Words: Ethics, NGOs, Partnerships, Corporate Social Responsibility, Third Sector.


1. Introdução

Este estudo visa analisar questões referentes ao cotidiano de trabalho em entidades sociais, por meio da investigação do estabelecimento de parcerias entre estas organizações sociais (terceiro setor) e empresas privadas lucrativas (segundo setor). É relevante destacar que a realização do estudo das práticas de gestão das ONGs pode favorecer a formação de uma rede de solidariedade crítica, com voluntários e profissionais mais bem preparados para atuarem de acordo com princípios éticos mais amplos (Selli e Garrafa, 2005).

Citando Dowbor (2002), o mesmo argumenta que a questão crucial para sustentabilidade das ONGs deixou de ser a falta de recursos e passou a ser a gestão dos mesmos. Por outro lado, Carvalho (2006) ainda aponta a insuficiência de recursos como o problema mais freqüente na gestão no terceiro setor. Apesar da polêmica mencionada, a discussão sobre recursos é tema frequente nos debates envolvendo as entidades sociais.

Outro grande desafio para essas entidades é a mensuração de seus resultados. Tal desafio alerta para a necessidade contínua de se identificar com clareza os objetivos da instituição, para que, então, sejam construídos mecanismos de avaliação de seus impactos na sociedade, dentro de uma metodologia adequada às suas particularidades (Campelo, 2007). Também convém citar que o estabelecimento de parcerias entre as entidades sociais e as empresas é bastante facilitado quando a entidade possui parâmetros claros de medição de seu desempenho.

O recorte de pesquisa utilizado neste estudo privilegiou a análise das entidades ligadas à assistência social, na cidade de Ribeirão Preto. Diante da diversidade de organizações enquadradas no chamado terceiro setor, optou-se por este grupo de organizações por ser o grupo mais tradicional, comumente marcado pela “resistência” a adoção de técnicas administrativas, com forte atuação de voluntários (Bose, 2004) e que vem ampliando as parcerias com entidades do segundo setor.

1.1 Caracterização do Terceiro Setor Brasileiro

Na formação do terceiro setor brasileiro, começam a se destacar alguns aspectos que talvez permitam compreender a dificuldade de definição de sua gestão e de sua importância no desenvolvimento da sociedade. Para fins de conceituação, é interessante notar que o termo terceiro setor é desenvolvido em relação àquilo que ele não é, pois é composto por organizações que não estão inseridas no primeiro setor - Estado, e que tampouco podem ser enquadradas como organizações do setor produtivo, com fins lucrativos - segundo setor (Scaico, Nogueira e Fischer, 1998). Assim, como aponta Fischer (2002, p. 45), o terceiro setor é o “espaço composto por organizações privadas, sem fins lucrativos, cuja atuação é dirigida a finalidades coletivas ou públicas”.

O primeiro setor é entendido como aquele no qual todas as origens e destinações de recursos são públicas, ou seja, é o campo das ações realizadas pelo Estado. Já o segundo setor baseia sua imagem no capital privado e os seus recursos são revertidos para o benefício privado (Madeira e Biancardi, 2003).

O terceiro setor abrange uma diversidade de organizações que, por sua vez, abrem espaço para inúmeras possibilidades de trabalho. Neste grupo de organizações estão incluídas, por exemplo, Organizações Não Governamentais (ONGs), Organizações de Base Comunitária (OBCs) e toda uma gama de instituições, dentre elas igrejas, universidades e hospitais comunitários, que podem ser categorizadas como Organizações Sem Fins Lucrativos (OSFL) e não governamentais, que tem como objetivo gerar serviços de caráter público. Outra denominação existente é a de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), que possui legislação própria (Lei 9790/99) e requer uma maior fiscalização do Estado (Comunidade Solidária, 2002).

Segundo a Associação Brasileira de ONGs (ABONG), criada em 1991, o conceito de ONG é constituído pela vontade autônoma de mulheres e homens, que se reúnem com a finalidade de promover objetivos comuns de forma não lucrativa. Existem na legislação brasileira quatro formas institucionais para a constituição de uma organização sem fins lucrativos e que se caracterizaria como uma ONG: associação, fundação, organização religiosa e partido político (ABONG, 2011).

As parcerias entre entidades do terceiro setor e empresas do segundo setor facilitam a implantação de novos mecanismos de gestão nas ONGs e também geram inúmeros ganhos para as empresas parceiras, envolvidas com práticas de responsabilidade social corporativa (RSC). Entretanto, as organizações do terceiro setor ainda necessitam criar formas de gestão apropriadas às suas necessidades, sendo que as práticas de gestão utilizadas pelo segundo setor nem sempre cabem para estas entidades. Pelo lado das empresas, as parcerias estabelecidas necessitam estarem alinhadas com os objetivos estratégicos da organização.

1.2 Responsabilidade Social Corporativa (RSC)

No Brasil, o movimento de RSC surgiu no início da década de 1960, como uma série de iniciativas de movimentos empresariais que tinham como idéia negar a concepção individualista e de lucro como os únicos fins das empresas. Já nas décadas de 1970 e 1980, outros movimentos surgiram, tais como a Fundação Instituto de Desenvolvimento Empresarial e Social (Fides) e o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase). Durante a década de 1990, iniciativas importantes como a criação do Instituto Ethos de Empresa e Responsabilidade Social, fundado para promover as práticas voltadas para negócios em parcerias com as comunidades e que hoje atua com o objetivo de conscientizar as empresas a gerirem seus negócios de forma socialmente responsável (Saraiva, 2002)

Foi também a partir da década de 1990 que começaram a surgir debates acerca das estratégias necessárias para trabalhar na questão social. Neste mesmo período várias ações que estimulavam à solidariedade e a participação cidadã se fortificaram com o estímulo de leis, por exemplo, a Lei n°9.608 que regulamenta a prática do voluntariado, e a Lei n° 9.790 que qualifica as organizações da sociedade civil. Tais leis entraram em vigor no mesmo período em que as idéias de “responsabilidade social e ética empresarial” tornaram-se assunto no meio corporativo e começaram a influenciar as atitudes de negócios.

Atualmente, segundo análise feita por Formentini e Oliveira (2003), as empresas são cobradas pela suas atuações responsáveis pelos consumidores que possuem consciência de seus direitos e, portanto, exigem uma postura social efetiva. Todas as diferentes partes interessadas (stakeholders), e os próprios consumidores em particular, estão se tornando cada vez mais exigentes, e se preocupando não só com a aquisição dos melhores produtos e serviços a preços inferiores, mas também se preocupando com a questão da produção e da comercialização estarem de acordo com os padrões éticos desejáveis pelos consumidores (Alcaniz, Cáceres e Perez, 2010).

O espaço que o tema da RSC tem tomado dentro das empresas fez com que o International Organization for Standardization (ISO) iniciasse o desenvolvimento da norma ISO 26000 (Castka e Balzarova, 2007). Essa norma seria a representação da consciência global quanto às práticas de RSC, o que reforça a crença das empresas de que um posicionamento baseado na estratégia social prevê não só o aumento geral no desempenho econômico e social, mas também traz consigo uma melhora no desempenho financeiro da organização. A norma ISO 26000 foi publicada em novembro de 2010 e se propõe a ser um guia que não contem normas a serem seguidas, mas um entendimento comum a respeito das boas práticas de RSC (Instituto Ethos de Responsabilidade Social, 2010).

As práticas de RSC em muitas organizações já atingiram um nível estratégico que chega a relacionar o desempenho social com o financeiro (Carrol e Shabana, 2010), proporcionando uma economia justificada para o investimento social, já que contribui para a criação de valor para a organização (Sanchez e Sotorrio, 2007). Além do valor gerado, Rumsey e White (2009) apontam que as estratégias filantrópicas geram um grande nível de satisfação para os envolvidos, sendo que as práticas de RSC facilitam até mesmo a contratação de profissionais mais qualificados (Castka e Balzarova, 2007). Argandona (2004) também argumenta que o comportamento ético nos negócios ajuda a reduzir os custos de transação, melhorando assim a eficiência.

            Tendo em vista o crescimento do conceito de RSC e a necessidade das entidades sociais do terceiro setor em se estruturarem e obterem recursos, o presente estudo teve como objetivo caracterizar tais entidades, quanto às suas práticas de gestão e parcerias realizadas com o segundo setor – empresas, identificando suas possíveis dificuldades.

2.  Material e Métodos

O levantamento partiu da lista de noventa e duas (92) entidades cadastradas no site oficial da Prefeitura de Ribeirão Preto. A partir destas informações, foram realizadas quarenta e oito (48) entrevistas por telefone, semi-estruturadas, com profissionais e voluntários das entidades. Essa redução ocorreu porque as entidades que cobravam por seus serviços prestados foram excluídas da amostra inicial de noventa e duas (92) entidades.

Na fase seguinte da coleta, dezoito (18) entidades foram selecionadas e visitadas pelas pesquisadoras. Esta seleção observava, principalmente, se a instituição realizava parcerias com empresas e com o Estado e se aceitavam participar do estudo e receber as pesquisadoras. As entrevistas presenciais, semi-estruturadas, seguiam os seguintes eixos pré-estabelecidos, que sofriam alterações conforme o andamento das entrevistas, de forma a se adaptarem melhor ao contexto de cada uma das entidades visitadas: I. Dados de Caracterização; II. Orçamento Anual; III. Estrutura Funcional; IV. Fluxograma dos Serviços Prestados; V. Fontes de Recursos e VI. Parcerias.

As entrevistas foram realizadas com o gestor principal da entidade ou com alguém, indicado por este, que pudesse prestar todas as informações necessárias. A partir da realização do mapeamento, via telefone, de todas as entidades ligadas à assistência social, em Ribeirão Preto, foram gerados os primeiros gráficos, construídos a partir da freqüência de respostas.

Já a segunda entrevista (presencial) gerou uma análise mais complexa das realidades presentes nas entidades. Os dados dessas 18 entrevistas, realizadas nas instituições selecionadas, foram transcritos para um protocolo de análise e tabulados, segundo a similaridade de conteúdo e analisados segundo uma triangulação desses dados coletados nas entrevistas com outras informações advindas de fontes secundárias (documentos institucionais, sites e etc.). As análises de conteúdo permitiram a interpretação dos resultados por meio da construção de categorias temáticas (Bardin, 2008), o que pode ser observado na discussão dos resultados.

3.   Resultados e Discussão

3.1 Análise do Levantamento Inicial

Os resultados abaixo apresentam os números de respostas, transformados em porcentagens, observados em cada um dos itens investigados.

No gráfico 1 observa-se o percentual de todas as causas mencionadas pelas Entidades de Assistência Social de Ribeirão Preto. Nas 48 entidades investigadas, o item causa assumida surgiu 81 vezes, pois determinadas entidades possuíam mais de uma causa assumida. Desse modo, os percentuais representam o número de vezes que aquela causa foi citada em relação ao total de vezes que alguma causa foi mencionada. Este levantamento identificou 17 categorias para as causas assumidas pelas entidades pesquisadas, além de circunstâncias em que este dado não foi informado.

Grafico 1 – Causas Assumidas

Pode-se notar que a causa mais freqüente está vinculada à educação (23,5%), seguida da causa assistência social (22,2%) e da saúde (18,5%). Tais dados refletem as principais carências sociais da população, apontando as lacunas deixadas pelos deveres do Estado (Poder Público) e que são preenchidas pela atuação das entidades do terceiro setor.

Quanto as religiões assumidas pelas entidades ligadas à assistência social, em Ribeirão Preto. Nas 48 entidades pesquisadas, 24 mencionam que não possuem qualquer vínculo religioso (50%). Entretanto, a vinculação com a doutrina espírita está presente em 20,8% das entidades investigadas, seguida da religião católica (10,4%) e da evangélica (8,3%). Não foi possível detectar este vínculo em 5 das entidades participantes da amostra (10,4%). As demais religiões não foram mencionadas.

O gráfico 2 apresenta o público alvo atendido por estas entidades. Assim como ocorreu com as causas, as 48 entidades atendem mais de um público alvo. Assim, o item público alvo surgiu 78 vezes, e foi possível identificar 8 categorias diferentes de público atendido, além da categoria não informado. Os percentuais representam o número de vezes que aquele público foi citado em relação ao total de vezes que algum público alvo foi detectado.

Gráfico 2 - Público Alvo

   A maior parte das entidades está voltada para o atendimento de crianças e adolescentes (46,2%). A categoria outros (26,9%) engloba uma grande variedade de públicos, tais como: famílias, comunidades carentes, jovens e adultos, aprendizes, portadores de câncer, usuários e dependentes de drogas.

   Quanto a Forma Jurídica as entidades estudadas foram classificadas, em sua maioria como Associação (47,9%), 39,6% disseram ser apenas Sociedade Civil Sem Fins Lucrativos e 14,6% não informaram sua forma jurídica. Nota-se que as entidades ligadas à assistência social de Ribeirão Preto parecem, não estruturadas o suficiente para o requerimento de formas jurídicas mais específicas, tais como a de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). Algumas delas chegaram a mencionar que a burocracia para obter tal qualificação pode superar o benefício oferecido.

   Outro aspecto que pode ser identificado neste levantamento foi a diversidade de serviços prestados por estas 48 entidades, empatados em segundo lugar (11,4%) ficaram os serviços ligados à arte-educação e orientação social, em terceiro lugar aparece serviços ligados à orientação médico psicológica (10,5%). O item citado como outros (15,2%), que aparece em primeiro lugar, envolve grande variedade de serviços, tais como: atendimento religioso, distribuição de alimentos, distribuição de medicamentos, transporte de pacientes e medicamentos, hospedagem, oficinas culturais, orientação profissional, formação religiosa (moral), atividades técnico-científicas e apoio técnico profissional.

   Pela análise do gráfico 3 conclui-se que a maior parte das entidades realiza parcerias estratégicas: 49,3% destas são com o primeiro setor, 35,6% com empresas do segundo setor e 8,2% com outras outras entidades do terceiro setor.

Gráfico 3 – Parcerias

O gráfico aponta que as formas captação de recursos das entidades provêm das três esferas: municipal, estadual e federal. Apesar de algumas entidades já possuírem parcerias com empresas privadas (35,6%) e com outras ONGs (8,2%), a maior parte dessas parcerias estabelecidas ainda estão concentradas com o Estado (49, 3%), o que se mostra em conformidade com pesquisas anteriores (Bose, 2004; Fischer, 2004; Carvalho, 2006).

3.2 Análise das Entrevistas Presenciais

Percebe-se que as entidades desempenham um importante papel na área social, muitas vezes, são responsáveis por suprir as lacunas deixadas pelos serviços deficitários prestados e de responsabilidade governamental. O caso do sistema de ensino e educação pode exemplificar esta realidade. O relato feito pelas entidades assistenciais aponta, de forma crítica, que o Estado, ao invés de investir na educação, por meio da construção de escolas e preparação de profissionais especializados, prefere dar apoio e financiar tais entidades sociais. Assim, conclui-se que o mesmo caminha para ausentar-se de sua responsabilidade e a trabalhar apenas como órgão de apoio e financiamento.

Em entrevista, uma das principais entidades da cidade afirmou que 80% de sua demanda por financiamento é suprida com a ajuda da Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto. Isso ocorre desde o ano de 1993, quando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) que define e regulariza o Sistema de Educação Brasileira, tornou obrigatório ao poder público fornecer educação infantil para toda a população. Assim, se o poder público não contribui com a educação a partir de suas próprias ferramentas (por exemplo: escolas), o faz a partir de parcerias com entidades que tem a “educação” como principal causa assumida. Assim, ainda que a população continue carente no que diz respeito ao sistema de educação infantil, torna-se mais vantajoso ao Governo Municipal fazer parceiras e repasses, já que o valor monetário que é repassado para tais Entidades custeia apenas salários e obrigações sociais, não suprindo as necessidades de alimentação, sindicatos e outros materiais utilizados nas atividades das entidades, e fica mais barato ao Estado custear esses serviços (salários e obrigações das entidades) do que arcar com todo um sistema de educação municipal composto por escolas e professores, por exemplo. Apesar da sua suposta “boa vontade” do Estado, as parcerias predominantes nas entidades (49,3% são também as mais trabalhosas. Foi ressaltada a dificuldade e a burocracia para a aprovação dos projetos e para a disponibilização de verba.

Quanto às parcerias com o segundo setor, essas foram apontadas como umas das mais vantajosas, apesar da pequena quantia financeira que ainda existe disponível nas empresas para essas causas. Foi possível observar durante as visitas e análise de entrevistas que essas parcerias modificam a estrutura e o funcionamento da entidade ao aumentarem o capital disponível, por exemplo, permitem atuação com um maior número de trabalhadores qualificados, atividades mais estruturadas e condições melhores de trabalho para os funcionários e para a população beneficiária. Assim, o presente estudo demonstrou mais claramente que as parcerias geram diversos benefícios para as entidades sociais, já que os benefícios gerados para as empresas foram consolidados em pesquisas anteriores (Sanchez e Sotorrio, 2007; Rumsey e White, 2009; Carroll e Shabana, 2010).

Outro ponto investigado no trabalho foram as possíveis dificuldades encontradas quando da  arrecadação de verbas. No entanto, a partir do momento em que existe a parceria entre os setores, sejam elas parcerias ONGs/Estado ou ONGs/Empresas, as entidades disseram não perceber nenhuma desvantagem, mas reconhecem que a questão é que ainda existe grande dificuldade para o estabelecimento dessas. Muitas vezes, o segundo setor (empresas) já possui algumas parcerias pré-estabelecidas com entidades sociais, parcerias antigas ou que ocorre por “apadrinhamento”, situação que é quase impossível de modificar.

É esse estabelecimento de parcerias com somente uma parcela das entidades (os possíveis “apadrinhamentos”), que é conhecido dentro os entrevistados como “Parcerias das Empresas com os Grupos de Elite”, já que as entidades beneficiadas são as mesmas instituições que possuem voz ativa nos órgãos governamentais, além de fazerem parte dos conselhos responsáveis pelo repasse de verbas e pela aprovação de projetos das entidades em geral em conselhos como o Conselho Municipal da Criança e do Adolescente (CMDCA).

Essa questão dos “Grupos de Elite” é uma terminologia que busca caracterizar algumas grandes entidades sociais que possuem um marketing forte e/ou uma causa de forte apelo social, facilitando a formação de parcerias com algumas empresas. Um dos pontos para a intitulação dessas entidades como “Grupos de Elite” refere-se às destinações diretas de verbas que, normalmente, passam por avaliação do CMDCA que, na maioria dos casos observados, beneficiam somente tais entidades.

Outra denominação que surge nesse mesmo contexto é a de algumas entidades que são apadrinhadas por “Grandes Damas da Sociedade”, essas entidades de elite que surgem com uma política de parceiras muito fechadas e que não dispõem de fazer trocas de informações, não trabalham em prol de uma aliança benéfica de recursos tangíveis e intangíveis entre todo o terceiro setor.  Da mesma forma, o Estado que é obrigado, desde 2003, pela LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), a prestar assistência em educação infantil a toda população, faz seu repasse às entidades sociais que têm seus projetos aprovados pelo CMDCA, o que torna visível a diferença de aprovação às entidades que possuem a ajuda ou “apadrinhamento” dessas “Grandes Damas da Sociedade” comparada a outras entidades que não foram “apadrinhadas”.  Vale ressaltar que essas “Grandes Damas da Sociedade” costumam trabalhar como voluntárias, sendo que o voluntariado é marca constante nas entidades visitadas, dado que confirma pesquisa anterior (Bose, 2004).

Os dados marcam a ascendência das parcerias principalmente com o Estado, sendo que poucas vezes foram mencionadas parcerias com outras ONGs (terceiro setor) e com empresas privadas (segundo setor).  Estes dados podem indicar ainda a existência de um espaço significativo para o crescimento dessas parcerias, possibilitando o surgimento de uma rede que promova a participação dos diferentes atores na resolução dos problemas sociais enfrentados.

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1 Universidade de São Paulo. E-mail: nfferreira@fearp.usp.br, natyff@hotmail.com
2 Universidade de São Paulo. E-mail: vcsanchez@fearp.usp.br
3 Universidade de São Paulo. E-mail: caldana@fearp.usp.br


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