Espacios. Vol. 36 (Nº 05) Año 2015. Pág. 10

Migração e Criminalidade no Brasil

Migration and Crime in Brazil

Felippe CLEMENTE 1; Lora dos Anjos RODRIGUES 2; Viviani Silva LÍRIO 3

Recibido: 17/12/14 • Aprobado: 02/02/2015


Contenido

1. Introdução

2. Revisão de literatura

3. Metodologia

4. Resultados e discussão

5. Conclusão

6. Referências Bibliográficas


RESUMO:
Na medida em que se observa que os principais movimentos populacionais não ocorrem entre países e sim dentro do próprio país e que o nível de desorganização social decorrente pode desencadear aumento da criminalidade, este trabalho tem como objetivo verificar se a migração impacta no aumento do crime. Os resultados mostraram que existe, de fato, uma relação positiva entre estas duas variáveis. Desta forma, fica evidente a necessidade de políticas governamentais que, além de combater a criminalidade com programas de segurança pública, fortaleçam economicamente e socialmente as regiões de forma a reduzir o fluxo migratório. Além disso, faz-se necessários investimentos em infraestrutura capazes de atender às demandas do fluxo "natural" de migrantes.
Palavras-Chave: migração, desorganização social, criminalidade.

ABSTRACT:
It is observed that the major population movements occur within countries and that the social disorganization may trigger increased violence, this study aims to determine whether migration has impact on the increase in violence. The results showed that there is indeed a positive relationship between these two variables. Thus, it is evident the need for government policies that in addition to public safety programs, it strength economically and socially regions in order to reduce migration. Moreover, it is necessary investments in infrastructure able to meet the demands of the "natural" flow of migrants.
Keywords: migration, social disorganization, criminality.

1. Introdução

O termo migração pode ser entendido como o movimento e a realocação de pessoas de uma região para outra (MUNIZ, 2009). Para Santos e Ferreira (2008), o indivíduo migrante é aquele que reside no lugar diferente daquele onde nasceu. No mesmo sentido, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2003) apud ALBUQUERQUE (2001) mensura o total de indivíduos migrantes cruzando informações sobre lugar de nascimento e lugar de residência [4]. Como motivação, Mattos (2010) parte do pressuposto de que o deslocamento espacial da população corresponde, sobretudo, a uma busca de oportunidades econômicas. Outras razões podem surgir (por exemplo, busca de escolas para os filhos, serviços de saúde, etc.), mas, elas dependem de um emprego e nível de renda que permitam a garantia desses objetivos, sendo, portanto, condicionada às condições econômicas.

No campo científico, discute-se muito sobre a mobilidade internacional, especialmente dos países em desenvolvimento para os países desenvolvidos. Entretanto, o que se observa é que os principais movimentos não ocorrem entre países e sim dentro do próprio país. Dados do United Nation Development Report (2009) revelam que a migração interna é quatro vezes maior que a migração internacional.

No Brasil, a região Centro-Oeste apresenta o maior fluxo migratório, com a participação de habitantes não naturais variando em torno 35% do total no período entre 1992 e 2010, conforme apresentado na Figura 1.

Figura 1 –Migração no Brasil – 1992 a 2010

Fonte: Elaborado pelos autores a partir dos dados do IBGE.

Também é elevada a participação de não naturais no total de habitantes das regiões Norte e Sudeste. Nas regiões de destino, as possíveis consequências desse alto índice de mobilidade, como a exaustão dos serviços públicos ofertados, desorganização social e favelização, podem resultar no aumento da criminalidade.

No tocante à criminalidade, segundo o relatório do Mapa da Violência (2013), as maiores taxas de homicídios (por cem mil habitantes) encontram-se nas regiões Norte e Centro-Oeste. Para o Norte, no período entre 2001 e 2011, ocorreu uma variação de 75,9% na taxa de homicídio, passando de 19,9 para 35,1 homicídios. O estado do Pará foi o maior responsável por essa evolução, apresentando uma variação de 165% em sua taxa. A região Centro-Oeste apresentou uma taxa em torno de 34 homicídios a cada cem mil habitantes no ano de 2011. Goiás foi o estado que mais impactou nesse resultado, com um aumento de 69%. Na região sudeste, embora tenha apresentado queda na taxa de homicídio, o estado de Minas Gerais apresentou variação positiva significativa de 66%. Mesmo com a menor taxa de homicídios do país, a região Sul apresentou uma taxa de homicídios elevada relativamente à média dos países europeus, com uma média de 19 homicídios a cada cem mil habitantes no período.

É possível observar que as regiões com grande número de residentes não naturais coincidem com aquelas que apresentam altos índices de criminalidade no país, o que pode indicar uma possível relação positiva entre essas duas variáveis.

Em geral, o país apresentou aumento expressivo no número de homicídios, mais de 400%, entre 1980 e 2010 (WAISELFISZ, 2013). No cenário internacional, nota-se que os países pertencentes aos continentes Americano e Africano possuem as maiores taxas de criminalidade do mundo. Segundo o relatório da United Nations Office on Drugs and Crime (2012), que evidencia a evolução da taxa média de homicídios por continente, em 2010, ocorreram aproximadamente 25 e 19 homicídios a cada cem mil habitantes, respectivamente, enquanto, na Europa, essa taxa foi de 3 homicídios a cada cem mil habitantes. Além disso, é importante ressaltar que a taxa de homicídios para os continentes Americano e Africano apresentaram tendência crescente entre 2002 e 2010.

Debnath e Roy (2013) constituem um dos poucos trabalhos no cenário internacional que procura evidenciar a ligação entre migração interna e crime utilizando dados da Índia, que possui características regionais socioeconômicas e demográficas muito heterogêneas. A migração interna neste país que vem ocorrendo desde a década de 1990 tornou-se um dos principais objetos de estudo devido aos possíveis efeitos sobre a segurança social e o número de crimes registrados nas regiões com maior fluxo de migrantes. Os autores concluem que, embora não exista uma ligação direta entre migração interna e aumento da criminalidade na Índia, a maior aglomeração urbana decorrente deste movimento evidencia mais facilmente fatores indiretos, como desemprego, falta de acesso à saúde e à educação, que influenciam no aumento da criminalidade regional.

O Brasil possui características demográficas e socioeconômicas bem semelhantes à Índia e, da mesma forma, possui alta mobilidade interna, dada, principalmente, pela desigualdade regional no país. O alto índice de criminalidade também é um fator muito evidente e requer enorme esforço do governo para compreender as razões e as origens desse problema. Conforme destaca Diniz (2005), a violência urbana tem causado perdas intangíveis decorrentes de profundas mudanças na qualidade e no estilo de vida dos brasileiros, sobretudo dos moradores de médias e grandes cidades. Assim, estudar se existe uma ligação entre a mobilidade interna e a criminalidade no Brasil é de fundamental importância para entender se a motivação da criminalidade está ligada com a aglomeração urbana e, com isso, propor políticas públicas direcionadas para a mitigação desse problema. Nesse sentido, pretende-se avaliar se a migração impacta na criminalidade no Brasil, a partir de dados para as cinco grandes regiões no período de 1992 a 2010.

Além da introdução, seguem as seções de revisão de literatura, metodologia, resultados e discussão e conclusão.

2. Revisão de literatura

Os trabalhos científicos sobre migração e criminalidade são muito ambíguos. Enquanto muitos pesquisadores consideram a migração uma importante variável para explicar a criminalidade, outros analisam a migração interna como um importante recurso para o desenvolvimento regional e não necessariamente promove a atividade criminal.

O primeiro grupo evidencia que as ações promovidas pelas transições demográficas são um estímulo à atividade criminal na sociedade. Lee et al. (2001) evidenciam que uma rápida mudança demográfica quebra as redes sociais existentes e dificulta a atuação das instituições que promovem a socialização e a regulação comportamental. Assim, esse ambiente torna-se propício para a atividade criminal. A migração, responsável por essa mudança populacional e por certa instabilidade residencial, pode ser considerada um fator crítico por trás do colapso social e do aumento concomitante da criminalidade. Outro fator destacado pelos autores diz respeito à privação econômica sofrida pelos imigrantes. Dado que a maioria dos migrantes possui uma baixa qualificação profissional, a perspectiva de trabalho diminui. Com isso, de acordo com a teoria da estrutura de oportunidades, essa baixa realização profissional pode levar à frustração, aumentando a probabilidade de envolvimento em atividades econômicas alternativas, como o crime.

Hirschi e Gottfredson (1983) defendem que o aumento da criminalidade é influenciado pela diferença entre as idades e o gênero dos moradores de uma mesma região. O envolvimento de homens mais jovens em crimes contra a sociedade é muito mais alto que o envolvimento das mulheres, por exemplo. Assim, a migração que aumenta o percentual de jovens e homens em uma determinada região pode contribuir indiretamente para o aumento do crime.

Paixão (1983) apresenta um intrigante modelo que explica a relação entre a criminalidade e as migrações. De acordo com a proposta, movimentos migratórios concentram massas isoladas, carentes de controle social nas periferias dos centros urbanos, sob condições de extrema pobreza e desorganização social. Some-se a isso a exposição a novos comportamentos e valores, juntamente com crescentes aspirações materiais, resulta em uma combinação que, em teoria, favoreceria o aumento da criminalidade. Portanto, a criminalidade encontraria, nas cidades expostas a rápidas mudanças sociais e intensa imigração, ambiente propício à sua expansão. Fatores estruturais controladores desta relação são o tamanho da cidade e a concentração da renda dos moradores, bem como variáveis sócio psicológicas como o isolamento, a impessoalidade e a formação de subculturas periféricas, que vêem na criminalidade fator de mediação de conflitos e diferenças.

Os estudos brasileiros que exploram a relação entre crime e ausência de controle social utilizam medidas indiretas para captar o efeito da migração, por meio do nível de desorganização social. Felix (2002) contribui com o debate sobre os determinantes da criminalidade urbana, adotando uma abordagem eminentemente espacial. A autora aponta uma tipologia criminal/espacial, marcada pela preponderância de crimes contra a pessoa nas partes menos favorecidas das cidades, enquanto os crimes contra o patrimônio abundam nas áreas mais abastadas. A partir de uma análise longitudinal da criminalidade em Marília, no estado de São Paulo, revelou-se uma clara ligação com o tempo de existência dos bairros. Percebe-se que há uma espécie de seletividade temporal, uma vez que, com o passar do tempo e com as melhorias introduzidas nas residências e na vizinhança, de modo geral, há maior envolvimento dos moradores nos problemas da comunidade e exacerbação do sentimento de territorialidade. Consequentemente, a interação social aumenta, fazendo cair distúrbios sociais como a criminalidade urbana, bem como o próprio sentimento de insegurança.

Entretanto existem posições opostas entre os pesquisadores. Butcher e Piehl (2005) evidenciam que os grupos de migrantes não são necessariamente compostos por pessoas de baixa qualificação e sim agregam pessoas com altos potenciais, aspirações e baixas inclinações para o crime. Ousey e Kubrin (2009) levantam uma interessante hipótese acerca da associação negativa entre migração e crime. Regiões com a presença de muitos migrantes pressionam o governo a implementar diversas políticas de controle social, contribuindo, assim, com a queda da criminalidade.

Em termos globais, Kahn e Barbosa (2000) tecem importantes considerações sobre a relação entre as taxas de homicídio e o nível de desenvolvimento dos países. Os resultados revelam uma distribuição em formato de sino, com os países mais pobres e os mais ricos exibindo baixas taxas de criminalidade, enquanto os países intermediários – aqueles considerados em desenvolvimento – são os que apresentam as mais altas taxas de homicídio do planeta. De acordo com os autores, uma combinação explosiva de modernização e urbanização aceleradas, juntamente com altos níveis de desigualdade social seriam os fatores responsáveis pela alta incidência de crimes em países em desenvolvimento.

Percebe-se, assim, que a ligação crime-migração é muito complexa e multidirecional. Portanto, a natureza das ligações entre crime e migração não devem ser pré-assumidas e sim examinadas.

Além disso, observa-se que, para o Brasil, existem trabalhos que analisam apenas medidas indiretas para mensurar a migração e detectar sua relação com a criminalidade. A contribuição deste trabalho é utilizar informações da migração interna brasileira e verificar o seu real impacto sobre o crime no país.

3. Metodologia

3.1. Método de Estimação

Para estimar a influência da migração sobre a criminalidade no país, são utilizados dados das regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul para os anos de 1992 a 2010. Desta forma, especifica-se o modelo para a criminalidade em dados em painel na equação (1):

em que,  refere-se ao nível de criminalidade;  representa a migração;  é um vetor que contém as demais variáveis (de controle) explicativas; ci corresponde às características individuais não observadas e constantes no tempo de cada macro região brasileira e, por fim, é o erro aleatório.

Considerando os efeitos específicos ci como um componente do erro geral da equação, , pode-se escrever:

em que, pressupõe-se ) e .

Partindo da ideia de que a heterogeneidade não observada é correlacionada com pelo menos uma variável explicativa, têm-se a violação do pressuposto de exogeneidade estrita, fundamental a para consistência do estimador de Mínimos Quadrados Ordinários (MQO). Neste sentido, toma-se primeira diferença na equação (1) a fim de eliminar a heterogeneidade dos dados:

(2)

em que, o erro aleatório [5].

Entretanto, a aplicação do estimador de MQO ainda resulta em estimativas viesadas, pois, espera-se que haja correlação diferente de zero entre o termo de erro e a migração , na medida em que há relação de simultaneidade entre esta e a variável dependente. Portanto, é necessário considerar que a relação de interesse neste estudo, também, pode ocorrer no sentido oposto, com a criminalidade constituindo estímulo à migração. Segundo Wood et al. (2010), em uma pesquisa com latino americanos, a probabilidade de considerar a migração para os Estados Unidos é maior entre as famílias que possuem algum membro vítima da violência no ano anterior à pesquisa. Para Sanchez (2006), os emigrantes da América Latina vêem neste país, além de oportunidade de prosperidade econômica, uma opção de saída imediata da exposição à violência. Corroborando essa ideia, Hiskey, Malone e Orcés (2014) observam que, dentre a população da América Central, a migração torna-se uma estratégia possível diante a percepção de insegurança. Assim, evidencia-se a existência de simultaneidade entre violência e migração e, portanto, a necessidade de utilizar o método de variável instrumental de Mínimos Quadrados de Dois Estágios (MQ2E) para tratar a endogeneidade decorrente.

Neste ponto, é necessária uma variável observada ∆zit exógena que sirva de instrumento para ∆y2it. A escolha da variável ∆zit será válida desde que seja, também, correlacionada com ∆y2it. Portanto, a variável instrumental deve atender os seguintes pressupostos para que o estimador produza estimativas não viesadas e consistentes (WOOLDRIDGE, 2002):

A partir do modelo estrutural em (1), a mecânica do método consiste, no primeiro estágio, em estimar a forma reduzida como segue:

em que, é o vetor de variáveis exógenas e o coeficiente da variável instrumental deve ser não nulo,. O segundo estágio consiste em estimar a equação (2) de interesse substituindo a variável endógena  por seu valor estimado na equação (3).

3.2. Dados

Para captar a influência da migração sobre a taxa de criminalidade, as variáveis do modelo (2) são especificadas da seguinte forma:

∆y1it representa a variação no número de homicídios (por cem mil habitantes);

∆y2it é a variação no total de residentes não naturais (participação percentual %);

∆X'it agrega as variáveis: variação do grau de urbanização (%), variação do índice de GINI, variação da taxa de analfabetismo (%), variação da taxa de desemprego (%);

z1t é uma variável instrumental dummy que recebe valor 1 para as regiões Norte, Centro-Oeste e Sudeste maiores receptoras de migrantes;

z2it é a variável instrumental PIB per capita.

As informações correspondentes à migração foram coletadas na base de dados do IBGE, que contabiliza o estoque de migrantes pela soma de residentes não naturais. Nesta pesquisa, ao trabalhar com as variáveis em primeira diferença, tem-se a variação no total de migrantes por ano, assim, uma variável que representa o fluxo anual de migrantes. Para as demais variáveis, as informações foram obtidas na base do Sistema Único de Saúde (DATA-SUS). Todas as informações foram coletadas ao nível de grande região do Brasil no período de 1992 a 2010, contabilizando um total de 95 observações na amostra.

Na medida em que se observa endogeneidade entre as variáveis migração e criminalidade, a variável instrumental foi criada com o intuito de verificar se as regiões receptoras de migrantes têm maior criminalidade. Assim, a variável instrumental é uma dummy que recebe valor 1 para as regiões Norte e Centro-Oeste, que apresentam maior participação de residentes não-naturais, e o valor 0 para as demais regiões brasileiras. O uso de dummies para representação da migração é comum na literatura. Santos e Ferreira (2008) construíram uma variável dummy que assume valor 1 se o indivíduo é migrante e 0 se o indivíduo é não-migrante com o objetivo de analisar o impacto da migração interestadual sobre a distribuição da renda regional brasileira. Da mesma forma, Dantas (2013) constrói uma variável dummy que assume valor 1 quando o indivíduo é imigrante e valor 0 caso contrário para analisar o efeito da migração sobre o diferencial de renda entre os imigrantes e não-migrantes nordestinos com os dados do Censo de 2010. Para a outra variável instrumental, espera-se que quanto maior o crescimento do PIB per capita maior a migração, neste caso, motivada pela perspectiva de ganhos econômicos.

Espera-se, que a variável "variação do grau de urbanização" esteja negativamente correlacionada com o número de homicídios, pois regiões com organização espacial maior tendem a ser menos violentas. Kahn (2008) utiliza como proxy para a desigualdade social a variável desordem urbana e indica alta conexão com a criminalidade. A política de "tolerância zero" e a teoria das "janelas quebradas" ficaram mundialmente conhecidas nos anos 1990 depois que a cidade de Nova Iorque começou a combater nas ruas os sinais exteriores de "desordem". A desordem, segundo essa teoria, aumenta a sensação de insegurança da população, contribui para a degradação da vizinhança e acaba por trazer crimes violentos para a área. Postula-se assim, na literatura criminológica, a hipótese de uma forte conexão direta entre desordem, insegurança subjetiva e criminalidade.

 Para as variáveis "variação do índice de GINI [6]", "variação da taxa de analfabetismo" e "variação da taxa de desemprego" espera-se sinal positivo, pois são variáveis promotoras de grande instabilidade social, na medida limitam as oportunidades do indivíduo e potencializam a criminalidade. De acordo com Souza (2002), na sociedade da informação e do conhecimento que vivemos, a baixa escolaridade é um fator de exclusão social, e a criminalidade é apenas um das manifestações dessa exclusão. Para a taxa de desemprego, Kahn (2008) mostra que a literatura criminológica concorda que taxas elevadas de desemprego entre jovens da baixa escolaridade, durante um longo período, aumentam a criminalidade nos municípios. Um estudo feito para a Região Metropolitana de São Paulo evidenciou uma forte correlação estatística (R2=0.52) entre as séries de desemprego e de roubos no Estado. Isso significa que quase metade da variação encontrada na série histórica roubo pode ser explicada pelas variações na taxa de desemprego.

4. Resultados e discussão

As estatísticas descritivas sobre os dados da pesquisa podem ser observadas na Tabela 1. A média do fluxo de migração foi de 23,32%. Essa variável apresentou variabilidade muito grande entre as regiões, sendo o Nordeste a que apresentou a menor participação de residentes não naturais no total da população (7%) e o Centro-Oeste a maior (54,56%). A variável que representa a criminalidade possui média de 35 homicídios a cada 100.000 habitantes, alcançando o valor máximo de até 62 homicídios na região Sudeste. Nota-se, também, que o menor valor na amostra, 12 homicídios para a região Nordeste, é quatro vezes superior ao número de homicídios na Europa apresentado no relatório da United Nations Office on Drugs and Crime (2012).

De forma geral, as outras variáveis explicativas também mostram grande dispersão com o valor máximo muito superior ao mínimo, indicando importante heterogeneidade, visto que estes valores diferem bastante entre as regiões brasileiras.

Tabela 1 – Estatística descritiva das variáveis

Variável

Média

Desvio Padrão

Mínimo

Máximo

Morte por Homicídio

35,05

13,06

12,2

62,7

Migração

23,32

12,78

7,00

54,56

Grau de Urbanização

79,99

9,21

61,7

92,95

Taxa de Analfabetismo

12,52

7,05

4,95

32,74

Índice de Gini

0,57

0,036

0,488

0,668

Taxa de Desemprego

7,89

2,24

3,69

15,69

Variável Instrumental 1

0,60

0,49

0

1

Variável Instrumental 2

8812,25

5463,21

1889,29

22364,42

Fonte: Dados da pesquisa.

Neste ponto, são analisados os resultados estimados sobre a relação entre criminalidade e migração. Inicialmente, para dar robustez estatística à relação de simultaneidade indicada nos trabalhos de Wood et al.(2010), Sanchez (2006) e Hiskey, Malone e Orcés (2014), executou-se o teste de Durbin-Wu-Hausman (DWH), que confirma a migração como variável endógena, como observado na Tabela 2.

Também, no primeiro estágio, observa-se que as variáveis explicativas da migração apresentam coeficientes significativos estatisticamente e com sinais esperados. A escolha dos instrumentos foi, em parte, satisfatória, na medida em que apenas um deles apresentou-se significativo. A variável dummy captou o efeito da diferença regional sobre a migração, indicando que as regiões Norte e Centro-Oeste têm maior probabilidade da ocorrência de indivíduos não naturais. Já a variável PIB per capita mostrou-se não significativa, possivelmente, devido ao fato de que, na tomada de decisão, os migrantes consideram outros fatores de desenvolvimento além do nível da renda como, por exemplo, existência de vagas de empregos e infraestrutura social. Corroborando com estes resultados, o teste de exogeneidade para averiguação da validade do instrumento verifica que pelo menos um instrumento é válido (Cameron e Trivedi, 2009).

O segundo estágio estima, de fato, o modelo de criminalidade. A variável que representa a migração apresenta impacto positivo e significativo, captando, conforme esperado, a principal relação de interesse. Dessa forma, um aumento de 1% na migração aumenta em 0,84% a variação no número total de homicídios.

Tabela 2 – Resultado das estimações1

Variável

First Stage

MQ2E

Morte por Homicídio

-

DEP

 

Migração

DEP

0,836*

 

 

(5,07)

Grau de Urbanização

0,356*

-1,274*

 

(3,88)

(-8,46)

Taxa de Analfabetismo

-0,231NS

-0,6947*

 

(-1,06)

(-3,30)

Índice de Gini

114,337*

56,421NS

 

(2,48)

(1,11)

Taxa de Desemprego

-1,202*

1,347*

 

(-2,05)

(2,59)

Variável Instrumental 1

12,195*

-

 

(6,91)

 

Variável Instrumental 2

0,0001NS

-

 

(0,28)

 

Constante

0,187NS

0,137NS

 

(0,27)

(0,15)

R2

0,816

0,771

Teste de Endogeneidade da variável migração (χ2)

0,637NS

-

Teste de Exogeneidade dos instrumentos (χ2)

0,019NS

-

*Significativo a 5%; NS Não Significativo; DEP: variável dependente.
1. É importante lembrar que as variáveis estão em Primeira Diferença.
Fonte: Dados da Pesquisa.

O desemprego apresentou o maior impacto, pois a criminalidade aumenta cerca de 1,35%, dado aumento de 1% na variação da taxa de desemprego, evidenciando que a ausência de oportunidade econômica pode gerar instabilidade social. O fato de a variável grau de urbanização apresentar coeficiente negativo e significativo confirma a ideia em Paixão (1983) de que a desorganização social impacta na criminalidade. Diferentemente do esperado, o Índice de Gini não apresentou impacto significativo e a taxa de analfabetismo, embora significativa, apresentou sinal negativo. Isso pode ser explicado pelo fato de que o analfabetismo esteja mais fortemente correlacionado com outros tipos de crimes que o homicídio. Pensando, a princípio, em uma motivação puramente econômica, a saída esperada à menor oportunidade de emprego, dada a baixa qualificação da mão-de-obra, se enquadraria na categoria de furto ou roubo.

5. Conclusão

Este trabalho teve como objetivo avaliar se a migração impacta na criminalidade no Brasil, fundamentada na ideia de que rápida transição demográfica dificulta a atuação das instituições que regulam o espaço e a interação social. Além disso, a possibilidade de privação econômica e social, decorrente da falta de infraestrutura para receber um novo fluxo populacional, e a concentração nas periferias, também, podem desencadear aumento na criminalidade.

Os resultados mostraram que existe de fato uma relação positiva entre criminalidade e migração. As outras variáveis também foram determinantes na criminalidade na medida em que possuem uma relação com a migração no sentido de falta de organização social.

Desta forma, fica evidente a necessidade de políticas governamentais que além de combater a criminalidade com programas de segurança pública, fortaleçam economicamente e socialmente as regiões de forma a reduzir o fluxo migratório. Além disso, faz-se necessários investimentos em infraestrutura capaz de atender às demandas do fluxo "natural" de migrantes.

Uma sugestão para trabalhos futuros seria a realização de uma análise mais desagregada a nível municipal para um melhor direcionamento e efetividade das políticas.

6. Referências Bibliográficas

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1. Doutorando em Economia Aplicada no Departamento de Economia Rural da Universidade Federal de Viçosa (DER/UFV), Brasil. E-mail: felippe.clemente@ufv.br

2. Doutoranda em Economia Aplicada no DER/UFV, Brasil. E-mail: lora_anjos@yahoo.com.br

3. Professora Associada ao DER/UFV, Brasil. E-mail: vslirio@ufv.br

4. Lugar de residência é o local onde o indivíduo foi recenseado.

5. (ci - ci) = 0

6. O Índice de GINI indica o nível de desigualdade regional no país.

Vol. 36 (Nº 05) Año 2015
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