Espacios. Vol. 36 (Nº 15) Año 2015. Pág. 7

O rastreio de sintomas de transtornos mentais através de entrevista eletrônica online em pacientes de um hospital especializado no tratamento da dependência química

Screening of symptoms of mental disorders through online electronic conference in patients of a hospital specializing in the treatment of addiction

Ana Carolina Schmidt de OLIVEIRA 1; Beatriz Oliveira MAZZOCO 2; Hewdy Lobo RIBEIRO 3; Cláudio Jerônimo da SILVA 4

Recibido: 07/04/15 • Aprobado: 23/06/2015


Contenido

1. Introdução

2- Metodologia

3- Resultados e Discussão

4- Conclusões

5- Referências Bibliográficas


RESUMO:

Estudos mostram grande prevalência de comorbidades psiquiátricas entre dependentes químicos. O objetivo do presente estudo foi identificar possíveis comorbidades psiquiátricas em 20 pacientes com no mínimo 30 dias de abstinência do consumo de drogas, que estavam em um hospital de tratamento para dependência química. Foi aplicado um instrumento online de rastreio de sintomas de transtornos mentais, e um questionário referência para os médicos psiquiatras, para avaliar a contribuição dos resultados do instrumento online. As principais classes de transtornos identificadas foram os Transtornos Ansiosos e Transtornos do Humor. As respostas dos psiquiatras revelaram concordância entre o instrumento online e a avaliação clínica durante a internação e na anamnese. Verificou-se a alta presença de sintomas comorbidos nesta população, e que o instrumento "Mind Screen Online Auto Interview Tool" pode contribuir para a anamnese e rastreio de sintomas de transtornos mentais. Futuros estudos são necessários para amostras com menos comprometimento biopsicossocial.
Palavras Chaves: dependência química; comorbidades psiquiátricas; rastreio.

ABSTRACT:

Studies show a high prevalence of psychiatric comorbidities among drug addicts. The aim of this study was to identify possible psychiatric comorbidities in 20 patients with at least 30 days of abstinence from drug use in a hospital treatment for chemical dependency. An online screening tool for symptoms of mental disorders and a reference questionnaire for psychiatrists to assess the contribution of the instrument's results was applied. The major classes of disorders identified were Anxious Disorders and Mood Disorders. The responses of psychiatrists revealed agreement between the online instrument and the clinical evaluation during hospitalization and medical history. There was a high presence of comorbid symptoms in this population, and the "Mind Screen Online Auto interview Tool" can contribute to the history and tracking symptoms of mental disorders. Further studies are required for samples with less biopsychosocial losses.
Word Keys: chemical dependency; psychiatric comorbidities; screening.

1. Introdução

A falta de serviços para atendimento aos dependentes de substâncias psicoativas, e a falta de informações das equipes de saúde são desafios cotidianos do paciente dependente químico em busca de um tratamento adequado, dificuldades que crescem quando este paciente possui comorbidade psiquiátrica (CORDEIRO e DIEHL, 2011).

O uso de drogas e os prejuízos em decorrência deste consumo aumentam as chances de surgimento de outros transtornos mentais. Estudos mostram que o paciente dependente químico apresenta grandes índices de sintomas ou transtornos psiquiátricos, ou seja, comorbidades psiquiátricas (CORDEIRO e DIEHL, 2011; DIEHL e SOUZA, 2012). Inclusive, a ocorrência de comorbidades psiquiátricas nesta população se revela mais regra do que exceção (DIEHL e SOUZA, 2012). De acordo com Cordeiro e Diehl (2011) a cada dois pacientes que buscam tratamento para dependência química pelo menos um terá uma outra doença psiquiátrica.

Esta associação de transtornos psiquiátricos e dependência química piora o prognóstico para ambas as doenças (SILVA et. al., 2009). Um exemplo seria a piora dos sintomas psicóticos, dificultando a adesão da psicoterapia, que resulta em ruim prognóstico para ambas os transtornos.

Em estudo que avaliou comorbidades psiquiátricas em 31 pacientes dependentes de álcool e cocaína/crack utilizando o Mini International Neuropsychiatric Interview (MINI) verificou que 83,9% da amostra apresentaram outro transtorno além da dependência química. Concluiu-se que a intervenção em pacientes com dependentes devem considerar a avaliação de comorbidades (SILA et. al., 2009). Diehl e Souza (2012) consideram que o tratamento considerado mais adequado é realizado através da integração de atenções para o consumo de substâncias e o transtorno mental.

Diante das comorbidades mais prevalentes em pacientes dependentes químicos como transtornos de humor, transtornos de ansiedade, transtornos de personalidade, demência e transtornos alimentares, estudo americano, aponta que o diagnóstico de transtornos de personalidade e transtornos psicóticos possui a tendência de ocorrer nos adultos entre 18-44. Os transtornos alimentares e de controle de impulso são mais comuns nos jovens adultos de 18-24 anos, já adultos com faixa etária 35-44 anos revelam maior taxa em transtornos de humor. Também existe alto índice no diagnóstico de demência para os adultos entre 46-65 anos (GERSING et. al., 2013).

Quando se investiga comorbidades associadas ao uso de maconha, verifica-se alta predisposição para desenvolvimento de algum transtorno psicótico e também transtorno afetivo bipolar, e é sabido que quanto mais cedo o consumo é iniciado, maiores as chances do aparecimento do segundo transtorno (ARIAS et. al., 2013).

No caso da cocaína, transtornos de humor e transtornos de ansiedade foram identificados como as comorbidades mais associadas ao uso desta substância psicoativa. Outro dado importante mostra a relação dos dependentes de cocaína com início precoce com o diagnóstico de transtorno de personalidade antissocial, agorafobia e transtorno de estresse pós traumático (ARIAS et. al., 2013).

Vale ressaltar que o uso de substâncias dificulta o diagnóstico do transtorno mental associado, sendo necessário o treinamento adequado das equipes de saúde mental, além do requisito de pelo menos um mês de abstinência por parte do paciente. Estes aspectos que podem representar um grande desafio em serviços de tratamento para álcool e drogas (CORDEIRO e DIEHL, 2011. DIEHL e SOUZA, 2012).

Sabe-se que as comorbidades mais encontradas são os transtornos do humor, os transtornos de personalidade e os transtornos psicóticos, inclusive a esquizofrenia (DIEHL e SOUZA, 2012). Porém, segundo Diehl e Souza (2012), ainda existem muitas perguntas a serem respondidas neste campo, e novas pesquisas devem ser realizadas para o encontro de intervenções psicoterapêuticas, sociais e farmacológicas mais específicas para as necessidades individuais.

A partir do apresentado, justifica-se a necessidade de estudos que identifiquem o perfil das comorbidades psiquiátricas em dependentes químicos nos diversos tipos de serviços de tratamento desta população, e o estudo de instrumentos que viabilizem o rastreio destes transtornos psiquiátricos.

Os objetivos do presente estudo foram identificar os sintomas de transtornos psiquiátricos em pacientes dependentes químicos através da entrevista eletrônica online de sintomas; e verificar a contribuição dos resultados do instrumento para os médicos psiquiatras de referência.        

2- Metodologia

2.1-Desenho de estudo

A presente pesquisa aconteceu em duas etapas. A primeira um levantamento de sintomas psiquiátricos em pacientes dependentes químicos em tratamento em um hospital especializado no tratamento de dependentes químicos, localizado em São Paulo, Brasil. Trata-se de um estudo transversal, observacional, quantitativo.

Para tanto, foi utilizado um instrumento de rastreio: o Mind Screen (MS), um questionário estruturado online, traduzido e adaptado para população brasileira (disponível em www.globalmindscreen.com.br). O MS é reconhecido como importante ferramenta de rastreio na Austrália onde já é disponibilizado pelo sistema público de saúde custeado pelo estado (Global Mind Screen, 2012 a).

A segunda etapa consistiu na aplicação de um questionário estruturado com os médicos psiquiatras referências dos pacientes entrevistados pelo MS, que avaliou as contribuições da ferramenta para a identificação de sintomas.

Ambas as etapas foram analisadas qualitativamente.

2.2- Local de estudo

O hospital especializado para internação de adolescentes e adultos dependentes químicos, localizado em São Paulo ,Brasil, é gerido por uma Organização Social  em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, sendo portanto financiado pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

A equipe multidisciplinar do serviço é composta por psicólogos, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, enfermeiros, técnicos de enfermagem, médicos psiquiatras e médico clínico. O hospital também conta com atendimento odontológico e ginecológico, quadras poliesportivas, oficinas terapêuticas, salas de aula e de atividades em grupo.

O hospital faz parte da rede de assistência ao dependente químico do município de São Paulo, promovendo internações de curta e média duração (de 20 a 60 dias) para desintoxicação e intervenção na crise, além do início da recuperação educacional e da reinserção social do paciente dependente químico. Após esta etapa, o paciente é reencaminhado à rede de serviços ambulatoriais, de acordo com as orientações médicas.

Sua capacidade é de 80 leitos, 50 leitos para adolescentes do sexo masculino, 15 para adolescentes do sexo feminino, dez para adultos do sexo masculino e cinco para adultos do sexo feminino. Os grupos ficam em alas separadas do hospital, conforme normatização do Estatuto da Criança e do Adolescente.

2.3-Seleção da amostra

A amostra de pacientes foi de conveniência. A partir do mês de outubro de 2013, os 20 primeiros casos que atingiram 30 dias de abstinência foram selecionados para a entrevista eletrônica realizada por uma psicóloga especialista em dependência química.

Participaram da pesquisa os pacientes diagnosticados pelo médico com dependência química, através do CID-10, critério para inclusão do paciente no tratamento. Permaneceram em tratamento com abstinência total de trinta dias e no ato das entrevistas, exceto tabaco. A abstinência é validada pela permanência do paciente em regime de internação. Amostra foi de pacientes maiores de dezoito anos, de ambos os gêneros, com aplicação do termo de consentimento livre e esclarecido.

Recusa em participar do estudo, consumo de qualquer tipo de substância psicoativa a menos de trinta dias, exceto tabaco, e algum tipo de prejuízo cognitivo grave representaram critérios de exclusão.

Os médicos psiquiatras entrevistados foram aqueles que são referência dos pacientes do estudo no hopital.

2.4- Instrumentos

O Instrumento Mind Screen

Segundo o site da Global Mind Screen (GMS) (2012), o instrumento foi desenvolvido a partir de 2003, em resposta a uma crescente crise mundial na saúde mental, e à necessidade de abordagem mais eficiente para coleta de dados, análise, tratamento e monitoramento dos pacientes. A missão da GMS é "apresentar ao mundo uma solução simples, efetiva, abrangente e precisa, como suporte ao diagnóstico clínico" (GMS, 2012 a).

A entrevista eletrônica online MS proporciona uma opção de identificação de sintomas do sujeito avaliado, uma vez que possibilita identificar precocemente múltiplos sintomas relacionados aos transtornos da saúde mental. O MS pode identificar sintomas para até 32 transtornos psiquiátricos, o que permite ao profissional uma visão ampla do estado mental do entrevistado (GMS, 2012 a).

De acordo com o estabelecido no CID 10 e DSM IV, o MS identifica e classifica sintomas relacionados à: transtornos do humor, depressão grave, depressão pós-parto, transtorno bipolar, luto prolongado, transtorno disfórico pré-menstrual, transtornos de ansiedade, transtorno de ansiedade generalizada, transtorno obsessivo compulsivo, síndrome do pânico, transtorno de stress pós-traumático, fobias específicas, fobias sociais, transtornos relacionados ao abuso de substâncias, dependência de álcool, dependência de nicotina, dependência de medicação, dependência de drogas ilícitas, transtornos alimentares, anorexia nervosa, bulimia nervosa, compulsão alimentar periódica, transtornos de controle de impulsos, dependência de jogos de azar, comportamento sexual compulsivo, comportamentos adictos, como obsessão por trabalho, exercício e internet, transtorno de déficit de atenção, hiperatividade e transtorno psicótico (GMS, 2012 a).

O MS também coleta outras informações relacionadas ao histórico do entrevistado, como ferimentos no crânio, históricos de abusos emocionais, físicos ou sexuais, bem como informações relativas ao histórico familiar, medicação atual, histórico de medicação e efeitos colaterais (GMS, 2012 a).

O MS conta ainda com um modelo de Plano de Tratamento de saúde mental que pode ser preenchido pelo profissional responsável, em conjunto com o avaliado, porém para os fins desta pesquisa esta ferramenta não foi utilizada (GMS, 2012a).

Para melhor compreensão dos procedimentos da pesquisa, encontra-se abaixo um exemplo de como cada caso foi interpretado individualmente:

Figura 1: Procedimentos

Questionário para Psiquiatra de Referência

O questionário estruturado aplicado nos médicos psiquiatras referência dos pacientes participantes do estudo foi criado para a presente pesquisa, encontra-se no quadro 1 abaixo. As questões foram elaboradas de acordo com o que o instrumento potencialmente pode contribuir para o profissional neste contexto.

Quadro 1 Questionário para Psiquiatras

Prezado Dr. (a) Psiquiatra, com base nos seus atendimentos com o paciente ________________, gostaríamos que avaliasse os resultados do Mind Screen (MS):

a - A Senhora / Senhor acha que os sintomas rastreados pelo  instrumento MS puderam contribuir para anamnese mais completa?

(  ) sim    (  ) não

b - Os sintomas rastreados pelo MS estão compatíveis com a sua avaliação clínica durante a internação?

(  ) sim    (  ) não

c - Os sintomas rastreados pelo MS estão compatíveis com os sintomas apresentados pelo paciente nos últimos 7 dias?

(  ) sim    (  ) não

d - Tiveram sintomas registrados pelo MS que não foram avaliados na anamnese clínica da internação?

(  ) sim    (  ) não

e - Tiveram sintomas registrados pelo MS que não foram verificados nos últimos 7 dias?

(  ) sim    (  ) não

3- Resultados e Discussão

Inicialmente vale destacar as limitações do estudo, e as percepções dos pesquisadores diante da aplicação do instrumento Mind Screen. Um fator que ficou evidente foi a dificuldade de pacientes com altos prejuízos biopsicossociais decorrente do consumo de drogas, e baixa escolaridade, perfil da enfermaria, na compreensão de algumas questões do questionário, principalmente naquelas que podem ser confundidas com comportamentos não patológicos, como por exemplo, confundir o "conversar com Deus" com um sintoma psicótico. O auxílio do aplicador para a compreensão mínima da pergunta foi um viés, uma vez que interferiu nas respostas.

3.1 Perfil

Apesar de uma pequena amostra, verificou-se ser importante a análise do perfil do paciente entrevistado, ainda mais em um contexto socio-histórico de aumento de número de vagas em enfermarias psiquiátricas especializadas, sendo toda informação sobre esta população atendida relevante, principalmente neste hospital do estudo, um dos serviços de referência do município de São Paulo, participante dos programas governamentais de tratamento do usuário de drogas.

Dos 20 pacientes participantes: 12 eram do sexo masculino, oito do feminino; o mais novo possuía 21 anos e o mais velho 50 anos; um possuía ensino técnico, um superior completo, nove possuíam o segundo grau incompleto, nove segundo grau completo; 14 estavam desempregados, e 6 classificaram a situação ocupacional como outro.

Quanto à substância que motivou o tratamento (gráfico 1), a maioria dos participantes se identificaram como usuários de múltiplas drogas, incluindo crack.

Gráfico 1 Droga que motivou o tratamento

Em trabalho    que analisou o perfil sócio-demográfico dos pacientes do programa de álcool e drogas do Ambulatório Médico de Especialidades – AME, um importante serviço de tratamento para dependentes químicos de São Paulo, Brasil, no período de agosto de 2010 a maio de 2011, os autores verificaram que 81% dos pacientes eram do sexo masculino; 46% eram solteiros; a média de idade foi 37 anos; 32,9% ensino médio completo; e 44,3% estavam desempregados. Estes dados revelam uma coerência com o perfil identificado na presente pesquisa.

Este mesmo estudo obteve como resultado 56,6% de dependência do álcool, 44,4% de dependência de cocaína ou crack, e 19,7% de dependência de maconha (MEIRELLES et. al., 2015), mostrando também uma relevante prevalência destas substâncias.

Dados do II Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (LENAD) de 2013 que contou com uma amostra representativa da população brasileira de 4607 indivíduos de 14 anos de idade ou mais entrevistados em suas casas entre novembro de 2011 e março de 2012, revelaram que a dependência de álcool na população foi de 6,8%, sendo 10,5% entre os homens e 3,6% entre as mulheres (LARANJEIRA, 2013). O uso frequente de maconha no último ano, foi presente em 3% da população adulta, e a dependência em 40% dos usuários (INPAD, 2013). Já em relação à prevalência da dependência de cocaína (intranasal e fumada) foi de 0,6% na população e de 41,4% entre os usuários (INPAD, 2013; ABDALLA et al, 2013). A alta prevalência de pessoas dependentes de álcool apresenta um impacto nas internações para dependência química, sendo que no presente estudo um quarto dos participantes eram dependentes desta substância. A dependência de cocaína (intranasal e fumada), apesar de menos prevalente na população geral brasileira, foi mais prevalente no tratamento de internação do presente estudo, possivelmente devido à gravidade das consequências desta dependência.

3.2 Sintomas identificados

Os sintomas identificados em cada paciente, verificados através dos relatórios gerados automaticamente ao final da aplicação do MS, foram relacionados aos seguintes transtornos:

Tabela 2 – Sintomas relacionados aos Transtornos Mentais

Sintomas relacionado aos Transtornos

N

%

Anorexia nervosa

2

10

Dependência alucinógena

1

5

Dependência de álcool

10

50

Dependência de analgésico

1

5

Dependência de cocaína

7

35

Dependência de crack

12

60

Dependência de droga maconha

5

25

Dependência de exercício

1

5

Dependência de nicotina

11

55

Dependência de sexo

3

15

Dependência de trabalho

2

10

Dependência de tranquilizantes

3

15

Fobia específica

3

15

Fobia social

6

30

Síndrome de sofrimento ou dor da perda não resolvida

2

10

TDAH

8

40

Transtorno alimentar (binge)

2

10

Transtorno bipolar

6

30

Transtorno de ansiedade generalizada

7

35

Transtorno de pânico

5

25

Transtorno de stress pós-traumático

5

25

Transtorno depressivo maior

7

35

Transtorno disfórico pré-menstrual

1

5

Transtorno obsessivo compulsivo

8

40

Transtorno psicótico

8

40

Quando agrupamos por classe de transtorno, encontramos o seguinte:

Gráfico 2: Classes de transtornos

Os números da frequência são maiores que o da amostra, pois um mesmo paciente pode ter apresentado mais de um tipo de transtorno da mesma classe. Isto indica que muito provavelmente o paciente de fato apresenta um diagnóstico dentro desta classe.

A partir do gráfico 2 observa-se que as classes mais predominantes são: Transtornos de Ansiedade e Transtornos de Humor. É possível fazer uma relação dos sintomas encontrados com as comorbidades psiquiátricas mais prevalentes em dependência química, relatadas em literatura.

Os resultados do presente estudo estão de acordo com o verificado por Scheffer e Almeida (2010) em estudo realizado com trinta e dois dependentes químicos, com idade média de 27 anos, maioria com ensino fundamental completo, do sexo masculino, poliusuários, através do Mini International Neuropsychiatric Interview (M.I.N.I Plus), que apontou grande frequência de transtornos de humor associados aos pacientes dependentes químicos.

Em concordância com estes resultados, Silva et. al. (2009) investigaram 31 pacientes através do instrumento MINI, com idade de 20 a 56 anos, maioria do sexo masculino, dependentes de álcool, cocaína e crack, e obtiveram como resultados que as comorbidades mais frequentes foram Episódio Depressivo Maior (25,8%), Transtorno de Humor Induzido por Substância (22,6%) e Fobia Específica (19,4%). O que reforça a importância de estratégias de intervenção que levem em consideração estas comorbidades nesta população.

Em revisão da literatura, Duailibi et. al. (2008) verificaram os mesmos resultados: que o perfil do usuário de cocaína e crack no Brasil envolve comumente comorbidades psiquiátricas, sendo depressão e ansiedade as mais frequentes.

Em pesquisa descritiva, Silva et. al. (2010) realizaram o perfil dos dependentes químicos em uma unidade de reabilitação de um hospital psiquiátrico. A amostra foi de 30 usuários, e a metodologia foi entrevista. As idades variaram de 26 a 33 anos, sendo que metade estavam empregados. Entre os entrevistados, 11 tinham diagnóstico de transtorno mental antes da internação, sendo os mais frequentes o Transtorno Afetivo Bipolar e a Depressão.

Formiga et. al. (2009) verificaram que entre os 118 dependentes químicos internados em uma unidade em Porto Alegre em 2006, que 55,9% não apresentavam comorbidade psiquiátrica, 1,7% transtorno psicótico, 13,9% transtorno do humor, 1% TDAH. Segundo Tamm et al (2013) o TDAH frequentemente ocorre concomitante à dependência química e está associado à piores resultados de tratamento.

Já o estudo de Capistrano et. al. (2013) identificou em pesquisa que realizou a análise de 350 prontuários de pacientes internados no ano de 2010 em um hospital psiquiátrico, que entre os 13,4% dos dependentes químicos que apresentavam alguma comorbidade psiquiátrica, 45% apresentavam diagnóstico de transtornos esquizofrênicos e 41% transtornos de humor.

Este resultado é diferente do verificado na literatura e no presente estudo. Segundo Zaleski et. al. (2006), as comorbidades mais prevalentes em dependência química são os transtornos de humor e ansiedade, citando que estudos de prevalência revelam a depressão entre 30% a 50% dos casos.

Segundo Boschloo et. al. (2012) estudos tem apontado o consumo de álcool (abuso ou dependência) como fator de risco para depressão e ansiedade. Em estudo que teve como objetivo determinar se o abuso, dependência e gravidade da dependência de álcool representa fator de risco para o curso de transtornos depressivos e/ ou ansiosos, os autores verificaram em uma amostra de 1369 indivíduos com depressão e/ou ansiedade que entre os dependentes de álcool que estavam abstinentes ou em uso, a persistência destes transtornos foi significativamente maior no follow up de dois anos, do que entre aqueles que nunca tiveram problemas com a substância, ou aqueles que faziam apenas abuso.

3.3 Contribuições para o profissional psiquiatra

A partir da análise das respostas dos psiquiatras diante de cada caso, foi possível verificar que:

  1. Questão A - 95% das respostas dos psiquiatras foram que os sintomas rastreados pelo MS puderam contribuir para anamnese mais completa do paciente. Esta porcentagem pode significar que de alguma forma, mesmo que o sintoma não esteja apresentado no momento, o médico pode investigar o sintoma a partir dos resultados do MS, ainda que o sintoma não esteja relacionado à hipótese diagnóstica feita pelo médico inicialmente.
  2. Questão B - 60% das respostas dos psiquiatras foram que os sintomas rastreados pelo MS não foram avaliados na anamnese clínica da internação.
  3. Questão C- 80% das respostas dos psiquiatras foram que os sintomas rastreados pelo MS estavam compatíveis com os sintomas apresentados pelo paciente nos últimos sete dias.
  4. Questão D - 60% das respostas dos psiquiatras foram que os sintomas rastreados pelo MS estavam compatíveis com a avaliação clínica durante internação.
  5. Questão E - 55% das respostas dos psiquiatras foram que os sintomas rastreados pelo MS não foram verificados nos sete dias anteriores à aplicação do questionário médico.

Estas porcentagens podem revelar tanto que os sintomas que não foram apresentados na anamnese ou nos últimos 7 dias não tinham sido identificados pelo psiquiatra, como que o paciente não apresentou ou verbalizou o sintoma no momento da anamnese ou nos últimos 7 dias. A compatibilidade do instrumento com a avaliação psiquiátrica na anamnese ou nos últimos 7 dias demonstra que o instrumento possui a sensibilidade para identificar sintomas de fato presentes, que podem ser confirmadas pela avaliação médica, podendo inclusive ampliar a avaliação possibilitando a verificação de sintomas não antes identificados.

A concordância de que o MS colaborou para a anamnese (a) e que houveram sintomas que o psiquiatra não tinha visto (d) foi presente na maioria das respostas dos psiquiatras (n=12). Ou seja, o MS contribuiu com a apresentação de outros sintomas a serem avaliados pelo médico. Pode-se também criar a hipótese de que pelo instrumento apresentar informações compatíveis com a anamnese, seu uso pode ser considerado neste momento inicial do tratamento.

Em relação aos sintomas apresentados nos últimos 7 dias, que foram identificados pelo Mind Screen, houve concordância com os sintomas rastreados pelo Mind Screen e pela avaliação clínica durante a internação.

4- Conclusões

A presente pesquisa identificou a alta prevalência da presença de sintomas de Transtornos Mentais em pacientes dependentes químicos internados, mesmo após 30 dias de abstinência.

Foi possível criar a hipótese de que quando o paciente apresenta muitos sintomas relacionados a diversos transtornos mentais dentro de uma classe de transtorno, isto não significa que apresente todos os transtornos, mas indica ser provável apresentar algum transtorno dentro desta classe.

Em relação ao questionário aplicado com os profissionais, pode-se concluir que o instrumento Mind Sceen contribuiu para suas avaliações clinicas, tanto para anamnese, quanto para avaliação da última semana; e que os resultados do Mind Screen foram compatíveis com suas avaliações do paciente, indicando a possibilidade do uso do instrumento desde a entrada.

Para futuras pesquisas, ressaltam-se as seguintes necessidades:

  1. Realizar pesquisas envolvendo o instrumento Mind Screen com populações mais escolarizadas, com menos prejuízos biopsicossociais.
  2. Coletar diagnósticos médicos em prontuário, para comparação com os sintomas dentro das classes de transtornos mentais identificados no Mind Screen.
  3. Elaboração de novas perguntas relacionadas ao instrumento para psiquiatras e psicólogos, com o objetivo de validação.
  4. Estudos envolvendo a autoaplicação do instrumento Mind Screen.
  5. Comparação do instrumento com outro padrão ouro, como SCID.
  6. Estudo com dependentes químicos em outros ambientes de tratamento, a fim de verificar a prevalência de sintomas de transtornos mentais em pacientes com diferentes níveis de comprometimento e gravidade da doença.

5- Referências Bibliográficas

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1. Especialista em Dependência Química pela Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Brasil. E-mail: carolschmidt0811@gmail.com

2. Mestranda pelo Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Brasil. E-mail: beatrizmazzoco@hotmail.com

3. Mestre em Administração pela Universidade Paulista, Brasil. Médico Psiquiatra Clínico e Diretor Técnico do Hospital Lacan de São Bernardo do Campo. E-mail: lobo@vidamental.com.br

4. Doutorado em Psiquiatria pela Universidade Federal de São Paulo, Brasil. Professor Afiliado da Universidade Federal de São Paulo, Brasil. Brasil. E-mail: claudiojeronimo@uniad.org.br


Vol. 36 (Nº 15) Año 2015

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