Espacios. Vol. 36 (Nº 16) Año 2015. Pág. 2

Modelos de concessões de rodovias no Brasil e necessidade de regulação no setor

Highway concession models in Brazil and the adjustment of need in the sector

Graciela Aparecida PROFETA 1; Viviani Silva LÍRIO 2; Elke Silva SANTOS 3.

Recibido: 27/04/15 • Aprobado: 23/05/2015


Contenido

1. Introdução

2. Referencial teórico: modelos de regulação

3. Revisão de litaratura: o contrato de concessão e implicações sobre a eficiência

4. Resultados e discussões

5. Consideraçãoes finais

6- Referências


RESUMO:

A oferta privada de infraestrutura no Brasil é caracterizada por falhas de mercado. Neste caso, o Estado interfere via regulação do setor, mas é questionado quanto à eficiência. Então, é importante entender o processo de concessões de rodovias no Brasil e suas características que impactam na eficiência, ainda mais quando existe demanda de 80% de rodovias a serem atendidas. Inferiu-se pelo exame dos contratos e editais que existem deficiências nos mecanismos adotados, geradas pela incompletude dos contratos e possibilidade de captura do regulador. Então, acredita-se que o marco regulatório careça de leis mais específicas para incentivar ganhos de eficiência.
Palavras-chave: modelos de concessão; rodovias, contratos incompletos

ABSTRACT:

The private provision of infrastructure in Brazil is characterized by market failures. In this case, the state interferes via regulation of the sector, but is questioned on the efficiency. So it's important to understand the process of highway concessions in Brazil and its characteristics that impact the efficiency, especially when there is demand for 80% of roads to be met. It is concluded, based on the examination of contracts and notices, that there are deficiencies in the mechanisms adopted, generated by the incompleteness of contracts and the possibility of regulatory capture. Therefore, it is believed that the regulatory framework needs more specific legislation to encourage efficiencies.
Keywords: concession models; highways, incomplete contracts

1. Introdução

A necessidade de recuperar e ampliar a malha rodoviária brasileira impulsionou, nos últimos 20 anos, o mecanismo de concessão no Brasil, em que o Estado cede à iniciativa privada o direito de explorar economicamente um bem público e, em contrapartida, as empresas devem exercer a função de provedor deste bem nos padrões definidos pelo poder concedente. Contudo,  a oferta privada de serviços de infraestrutura  é tipicamente caracterizada por falhas de mercado, como poder de monopólio, assimetria de informação  etc. Neste caso  em que importantes objetivos de política pública, como a modicidade tarifária e o estímulo eficiente a investimentos, podem ser prejudicados, muitas vezes o Estado intervém no setor por meio da criação das Agências de Regulação. Entretanto, a participação destas agências tem sido posta  à prova pela sociedade, em decorrência dos altos custos regulatórios e das dúvidas sobre   sua  atuação  na busca pela eficiência.

Neste sentido, é importante entender o processo de concessões de rodovias no Brasil e seus impactos sobre a eficiência no setor,  ainda mais quando existe uma grande demanda a ser atendida. Segundo dados do Departamento Nacional de Infraestrutura em Transportes (DNIT), até junho de 2014, apenas 12% das rodovias brasileiras eram pavimentadas, logo, existe uma demanda de 80% de rodovias que necessitam de recursos para serem pavimentadas. Além disso, de acordo com a Confederação Nacional de Transportes, em pesquisa realizada em 2013 sobre as condições de rodovias pavimentas, cedidas ou não, avaliou-se uma extensão de 96.714 quilômetros de rodovias federais e estaduais,  e os resultados apontaram que, em 63,8% destas rodovias, foram identificados problemas, tendo,   neste caso, a rodovia sido classificada como péssima (8%), ruim (21,4%) ou regular (34,4%).

Portanto, neste estudo, pretendeu-se averiguar, com base em  análises dos editais e contratos de concessão, elementos nos mecanismos de concessões adotados que podem dificultar a obtenção da eficiência no setor. Especificamente, objetivou-se analisar os modelos de concessões dos governos federal e estadual    dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Paraná e Rio Grande do Sul, que promoveram  concessões de rodovias entre os anos 1994 e 2012. Espera-se, com esta análise, contribuir para as discussões sobre qual mecanismo de concessões deveria ser adotado no Brasil para o  setor de rodovias.

2. Referencial teórico: modelos de regulação [4]

As indústrias de infraestrutura  ou pelo menos a maior parte delas  admitem que alguns segmentos sejam potencialmente competitivos e a discussão centra-se em como promover do melhor modo possível a concorrência nesses segmentos. E  isto tem ocorrido   mesmo em segmentos caracterizados como monopólios naturais, cuja  maioria passou a ser regulada por esquemas ditos incentivados, particularmente pela regulação preço-teto (price - cap). Neste contexto, emerge discussão sobre as complicações decorrentes do conhecimento limitado que os reguladores têm sobre as indústrias que regulam, uma vez que, na prática, o regulador tem menos informação sobre dados chave da indústria do que a empresa regulada. Assim, um assunto crítico é como o regulador pode melhor induzir a empresa regulada a empregar sua informação privilegiada para promover mais fortemente os interesses da sociedade.

Existem alguns mecanismos   comumente  adotados na regulação de monopólio. O primeiro deles trata da regulação pela taxa de retorno (TIR), considerado o regime regulatório mais tradicional,  também conhecida por regulação por custo do serviço. Neste regime, o regulador define o preço, como, por exemplo, a tarifa básica de pedágio,  de modo a conciliar os interesses dos consumidores e os da firma regulada. Basicamente, o regulador especifica uma taxa permitida de retorno sobre o investimento da empresa, e ajusta os preços conforme os custos para assegurar uma oportunidade razoável de retorno. Em outras palavras, o preço seria definido de acordo com o custo unitário c e uma taxa de retorno ("justa") s permitida pelo órgão regulador, conforme a Equação (1):

em que  e  denotam, respectivamente, a quantidade do fator capital e o nível de produção naquele período. Portanto, o elemento crucial desse regime refere-se à determinação de qual seria essa taxa de retorno "justa" sobre o capital investido. Geralmente, para determinar qual deva ser esse custo do capital oferecido para que as firmas se sintam motivadas a investir na indústria, os reguladores utilizam-se de modelos financeiros,  como o Capital Asset Price Model (CAPM) [5]. Então, o nível de receita requerido para a firma entrar no mercado pode ser aproximado pelo produto entre o custo do capital e o nível de estoque de capital que devem ser incorporados aos custos operacionais.  Por fim, hipóteses sobre o comportamento da demanda permitirão a definição do nível tarifário [6].

Todavia, de acordo com Resende (1997), a regulação por taxa de retorno não fornece incentivos adequados à eficiência produtiva da firma regulada. De fato, a firma sabe que, independentemente, do seu nível de custo, ela obterá um retorno "justo". Desta forma, pode-se dizer que esse sistema de regulação sofre com o perigo do risco moral, uma vez que as firmas reguladas podem gerar gastos desnecessários. Além disso, a firma também não é incentivada a reduzir os seus custos no longo prazo, pois os benefícios de tal esforço não seriam apropriados pela firma.

Uma das alternativas mais usuais à regulação por taxa de retorno é a regulação preço cap,  preço máximo, em uma simples tradução, que se constitui na definição de um preço-teto para os preços médios da firma, corrigido de acordo com a evolução de um índice de preços ao consumidor, menos um percentual equivalente a um fator  de produtividade, repassado ao usuário, para um período prefixado de anos. Esse regime regulatório foi originalmente adotado na Inglaterra como uma alternativa ao método de tarifação pela taxa interna de retorno.

O objetivo desse tipo de regulação era eliminar os riscos e custos da ação reguladora, por isto era visto  como um método tarifário de regra simples e transparente que poderia proporcionar o maior grau de liberdade de gestão possível para as empresas em regime de monopólio natural, além de estimular ganhos de produtividade e sua transferência para os consumidores, redução do risco de captura das agências reguladoras, entre outros benefícios.  Entretanto, na prática, determinar o valor mais adequado para o "fator X" é uma tarefa árdua que requer do regulador   elevado nível de conhecimento do setor regulado.  Além disso, é improvável que a estrutura de custos da empresa regulada e das potenciais taxas de ganho de produtividade seja de conhecimento comum [7].

Neste caso, para garantir um X pequeno, a empresa regulada poderia afirmar que seu potencial de redução de custos e a taxa de ganho de produtividade também eram baixos. Na realidade, o regulador se vê obrigado a pesar as evidências disponíveis, por mais limitadas que possam ser, e fazer o seu melhor julgamento sobre um valor razoável para o fator X. Esse é um modelo de regulação usado no setor de energia no Brasil.

Mesmo que, quase sempre, a regulação é implementada em configurações de monopólio, também, frequentemente, é implementada em outros ambientes. Consequentemente, a concepção da política de regulação  muitas vezes deve levar em conta a influência das forças competitivas. Neste cenário, surge o regime de regulação da competição yardstick, também conhecida como regulação de desempenho, que consiste em uma forma de regulação via incentivos adaptada em casos de monopólios naturais. Trata-se de um instrumento que pretende fomentar a redução de custos entre empresas, reduzir a assimetria de informação e estimular a eficiência econômica. Sob competição yardstick, um fornecedor monopolista em uma localidade é disciplinado pela comparação de suas atividades com as atividades de monopolistas que operam em outras localidades. 

Para ilustrar o mecanismo proposto pela competição Yardstick [8], assume-se  que existam n mercados idênticos e independentes, cada um abastecido por um monopolista separado. Neste caso, o regulador procura maximizar o excedente total gerado nos n mercados, assegurando que cada produtor obtenha lucro não negativo. Cada empresa age para maximizar seu lucro, tomando como dadas as ações previstas das outras firmas. Portanto, pressupõe-se que conluio não ocorre neste cenário de competição Yardstick.

Apesar de seu conhecimento limitado, o regulador pode explorar a simetria dos ambientes para alcançar o resultado de informação perfeita (completa). No resultado de informação completa, o preço em cada mercado é igual ao custo marginal de produção percebido (pi = ci) e cada empresa se compromete  a reduzir custos fixos até o ponto em que a despesa marginal e a redução associada ao custo marginal de operação sejam iguais, ou seja, Q(ci) + F '(ci) = 0. Diante disso, o que se constata é que oregulador pode garantir o resultado de informação completa como um único equilíbrio de Nash simétrico entre os monopolistas no contexto de competição yardstick por fixação de preços de cada firma igual à média dos custos marginais de outras empresas,  oferecendo um pagamento por transferência a cada empresa igual à redução do custo médio das despesas das outras firmas.

Por fim, cabe salientar três desvantagens [9] dessa forma de regulação de monopólios. Primeiro, pode ser difícil especificar de forma completa todas as dimensões relevantes do desempenho, principalmente se o período de contrato for longo. Segundo, uma firma pode se negar a suportar custos de investimento irrecuperáveis, se houver  alguma chance significativa de que seu contrato termine antes do valor total do investimento poder ser recuperado. A terceira desvantagem diz respeito à vantagem que a empresa incumbente tem (como conhecimento superior de demanda e condições de custo, por exemplo) em relação às outras competidoras, o que pode limitar a intensidade da concorrência no futuro para disputar novas licitações para o direito de servir naquele mercado.

3. Revisão de litaratura: o contrato de concessão e implicações sobre a eficiência [10]

O contrato de concessão é peça chave para que ocorra a transferência da exploração de um serviço público a um ente privado, que receberá em troca um pagamento por prestar esse serviço, sendo que este pagamento deve obedecer à regra da modicidade tarifária. De acordo com Marolla (2011), o contrato de concessão garante os legítimos objetivos de lucro do concessionário e a modicidade tarifária, visto ser  fonte de direito e obrigações para as partes.

Na defesa do interesse público, os contratos impõem diversos poderes-deveres ao concedente. Segundo Marolla (2011), tais poderes são conhecidos como cláusulas exorbitantes, por conferirem à administração pública, prerrogativas que o particular não tem. A este ponto, cabe uma consideração sobre a questão da alteração unilateral do contrato e os efeitos sobre o equilíbrio econômico-financeiro (EEF). Segundo Amaral (2005  apud MAROLLA, 2011) [11], existem duas espécies de eventos que alteram a equação econômico-financeira inicialmente estabelecida. A primeira delas decorre do poder de alteração unilateral do contrato pela administração pública e a segunda espécie corresponde ao conjunto de circunstâncias externas ao contrato, alheias à vontade das partes e imprevisíveis quando da contratação, capazes de alterar o equilíbrio entre vantagens e obrigações inicialmente estabelecido. Ademais, em caso de alteração unilateral, o Poder Concedente  deve, em contrapartida, garantir a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato.

Questões inerentes ao desequilíbrio econômico-financeiro,  por rompimento unilateral do contrato ou fatores exógenos,  como os relacionados à demanda, comportamento macroeconômico do setor, entre outros, são entendidos como  riscos associados ao negócio. No tocante a esse assunto, Marolla (2011) destaca que a divisão de riscos, sejam eles ordinários ou extraordinários [12], é aplicada aos contratos de concessão, de modo que a garantia do EEF não seja uma proteção ilimitada para o particular contra toda espécie de insucesso econômico ou diminuição das perspectivas de lucro.

É interessante notar que os riscos associados aos contratos de concessões, além de influenciarem na qualidade do serviço prestado, o que afeta o usuário, também trazem consequências negativas para aos investidores e para o Poder Concedente,  podendo implicar redução do investimento, queda de qualidade do serviço prestado e, em uma situação extrema, suspensão do serviço. De  acordo com Moreira (2007 [13] apud MAROLLA, 2011), muitas vezes o poder concedente aumenta o risco dos contratos de serviços públicos, em razão da falta de uma cultura relativa a projetos de longo prazo, unida a pressões populares que levam a  intervenções nas cláusulas regulamentares da concessão ou ao  descumprimento de obrigações a cargo do Poder Público, gerando ônus que serão suportados pelos concessionários e até mesmo pelo usuário. Logo, esses riscos e incertezas induzem os concessionários a incluir  perspectiva de perdas no preço que compõe  a proposta para fazer frente aos ônus que suportarão, o que eleva a tarifa a ser cobrada pelo serviço prestado.

Isto porque, nesse tipo de acordo, surgem os problemas relacionados ao incentivo para a busca da eficiência, mais precisamente, os relacionados à assimetria de informação, o que pode implicar   falha da regulação no setor. O problema surge da dificuldade que o regulador apresenta em estabelecer regras ou incentivos contratuais que estimulem as empresas a atuar  de forma a atingir a eficiência desejada. Entretanto, é possível reduzir os riscos do negócio via, por exemplo, realização de planejamentos mais detalhados da concessão, com o desenvolvimento de minuciosos estudos técnicos, nos quais sejam  determinados  e quantificados os riscos a cargo do concessionário.

Assim, a eficiência do contrato firmado entre regulador e regulado para a  realização dos serviços licitados nos padrões predeterminados em troca de uma remuneração justa para o concessionário  é função da capacidade do ente regulador de controlar os diversos tipos de falha de regulação, como, por exemplo, a captura do regulador. No caso do Brasil, de maneira geral, os modelos de concessões implementados abrangem as esferas públicas federal, estadual e municipal   e se sustentam no princípio do equilíbrio econômico-financeiro, pactuado e assegurado pelos contratos de concessão de rodovias.

4. Resultados e discussões

4.1 Modelo federal de concessão de rodovias

As primeiras seis concessões federais abrangeram 1.482,4 km e foram feitas  entre 1994 e 1998, com prazos variando entre 20 e 27 anos,  sendo  reguladas diretamente pela Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT. Em 2007, foi feita  uma segunda etapa de licitação de concessões federais, abrangendo mais 2.600,8 km, e prazo de 25 anos. Um ano depois, em 2008, foi lançada a segunda fase da segunda etapa de licitação, que concedeu um lote de 680,6 km de rodovias, também pelo período de 25 anos. Em 2013, o programa de concessões federais iniciou a terceira etapa, com a licitação de mais 3.873 km de rodovias.  

Para todas as concessões feitas  pelo governo federal, o vencedor da licitação foi aquele que apresentou a menor tarifa básica de pedágio. Além disso, segundo Duarte (2012), nos contratos de concessão de rodovias federais brasileiras, a regulação pela taxa interna de retorno (TIR) foi o mecanismo usado para o estabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro inicial expresso no valor da tarifa básica de pedágio (TBP), determinado na proposta econômica vencedora do leilão. Como destacado nas discussões sobre o regime de tarifação pela TIR, a principal restrição desse método diz respeito à sua possível incapacidade de gerar incentivos para uma atuação eficiente.  

Para Mucci (2011), as concessões federais, de modo geral, são caracterizadas por sistema de pedagiamento do tipo aberto, com tarifação bidirecional,  de acordo com  a categoria do veículo. O reajuste anual da Tarifa Básica de Pedágio (TBP) é calculado com base na variação da inflação. Neste modelo, cabe à concessionária o risco do tráfego e dos quantitativos de serviço, além de ser obrigada a prestar garantias e a contratar seguros. 

No caso das tarifas federais, de acordo com informações dos relatórios anuais da  ANTT sobre as concessões de rodovias, em valores de 2012, a tarifa básica média federal das concessões da primeira etapa (1995/1997) foi de R$ 8,52 a cada 100 km. Já para a segunda etapa (2008/2009), foi de R$ 4,65 a cada 100 km; ou seja, deságio de aproximadamente 45% em relação à primeira etapa. Existem algumas explicações para tais diferenças  que não recaem especificamente sobre o modelo de concessão adotado, mas sim em razão de fatores exógenos ao processo de concessão. Por exemplo, para o caso das concessões da primeira etapa, o risco regulatório era muito alto, uma vez que a legislação para concessões era recente, e a regulação do setor estava associada à política governamental vigente.  Além disso, na época, ainda não existia uma agência reguladora do setor. A instabilidade política era grande e se temia  que os governos interviessem unilateralmente nos contratos.

Além das questões referentes ao marco regulatório, segundo Campos Neto e Soares (2007), para as concessões da primeira etapa, algumas condições da economia brasileira influenciaram diretamente na determinação das tarifas iniciais de pedágio, como, por exemplo, a elevada taxa básica de juros, a SELIC, que,  naquela época, era superior a 18% ao ano em termos reais, o que repercutia diretamente no custo de oportunidade do capital e nos financiamentos internos. Ainda em relação às diferenças das concessões feitas  na primeira e na segunda fase da segunda etapa, Rosa (2010) destaca que as licitações da fase II se diferenciam da fase I apenas pela redução da taxa interna de retorno de projeto para 8,50% a.a.  e pela inserção do fluxo de caixa marginal para o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato quando ocorrerem novos investimentos à exceção dos previstos no Programa de Exploração de Rodovias - PER.

Quanto à terceira etapa de concessões federais, em 2013,  apesar de o ambiente econômico e regulatório/institucional ser similar ao da segunda etapa (2007/2009), houve  avanços. De acordo com Guerreiro et  al. (2013), as novidades apresentadas nos editais de licitação da terceira etapa, para alguns lotes, como o da BR 101, foram a incorporação do fator X e a substituição da  taxa de remuneração, com base  na TJLP e na inflação, pela taxa com base  na metodologia do custo médio ponderado de capital - WACC[12]. Em relação ao fator X, entende-se que sua incorporação  representou um esforço para tentar dividir com os usuários  os ganhos de produtividade esperados pela gestão privada. Além disso,  estas mudanças sinalizaram a adoção de um sistema de regulação do tipo preço-cap.

Nos contratos da terceira etapa, notou-se também, como ponto positivo, a maneira pela qual  o governo federal procurou incentivar as concessionárias a aproveitar   melhor as receitas extraordinárias, ou seja, aquelas que não decorriam da cobrança de pedágio, como as receitas publicitárias, por exemplo. A intenção do governo era  que as empresas buscassem aumentar tais receitas de modo a reduzir as tarifas de pedágio. Para tanto, parcela da receita advinda da receita extraordinária seria revertida à modicidade tarifária, no momento da revisão anual da tarifa básica. A outra parte  poderia ser apropriada pela empresa sem nenhum desconto.

Quanto à revisão do reajuste tarifário, de modo geral, para os contratos firmados na primeira etapa, o índice escolhido para este reajuste foi o índice geral de preços do mercado - IGPM. Porém, segundo Campos Neto e Soares (2007), o fato de este índice ter apresentado variações maiores do que o Índice de Preço ao Consumidor Amplo – IPCA  levou à desconfiança de que os contratos firmados naquela época poderiam favorecer as empresas vencedoras das licitações. Em função disso, o governo federal reviu os estudos de viabilidade para as concessões da segunda etapa e, sob a alegação de que o ambiente regulatório havia mudado ao longo dos 15 anos, adotou o IPCA como o índice que determinava os reajustes anuais. Com isso, a partir da segunda etapa, os valores das tarifas foram significativamente reduzidos em relação às perspectivas anteriores.

4.2  Modelos de concessões estaduais e a eficiência no setor

No caso do estado da Bahia, segundo Nascimento de Mello (2007), o governo viu a necessidade de expansão e conservação dos 217 km da rodovia BA-099, conhecida como Estrada do Coco. Todavia, não dispunha de recursos para as obras, e a alternativa foi repassar à iniciativa privada o direito de explorar o trecho por um período de 25 anos. A Concessionária Litoral Norte S.A. – CLN foi a vencedora do edital de Licitação sob modalidade de concorrência, de responsabilidade do departamento de infraestrutura de transportes da Bahia - DERBA, órgão do governo do Estado. Segundo Souza de Sá (2004), o critério utilizado para definir o vencedor da licitação  foi o da menor participação percentual do Estado na realização das obras de duplicação e o menor período de sua execução.

Ressalta-se que há tarifa diferenciada aos sábados, domingos e feriados, aproximadamente 50% superior à tarifa dos  dias úteis. Esse tipo de cobrança é considerada onerosa, uma vez que cobra mais caro pelo mesmo serviço prestado nos dias úteis. A explicação dada pelas concessionárias e também pelas agências reguladoras que autorizam este tipo de diferenciação é que  tarifa mais   cara nos feriados e fins de semana tem o objetivo de subsidiar valores mais baratos nos  dias úteis, em que  o fluxo de veículos é menor. 

Chamam a atenção os moldes como ocorreu a concessão do trecho (BA 099), que coloca o Estado como parte responsável pelas obras de duplicação da estrada. Neste caso, além do pedágio pago, o usuário ainda subsidia, via impostos, o financiamento público da melhoria da estrada. Ainda, conforme o modelo de concessão adotado, todos os riscos associados ao tráfego ficam a cargo da concessionária, sem que ocorra alteração nos encargos ou no equilíbrio inicial. Logo, destaca-se que, em caso de aumento do fluxo de veículos, o que pode ter ocorrido  no período analisado, dados o crescimento econômico do país e o aumento de renda da população, a concessionária pode ter se comportado de forma oportunista, devido à assimetria de informação, e ter retido os ganhos de receitas, sem repasse ao usuário via redução de tarifas. Se isto ocorreu, a eficiência na prestação do serviço, sob o ponto de vista do bem-estar do usuário, deixou de valer.

Quanto aos reajustes tarifários, segundo os termos do contrato, eles  deveriam ocorrer anualmente e em conformidade com uma série de índices técnicos como terraplenagem, serviços de consultorias, construção civil etc., divulgados pela Fundação Getúlio Vargas- FGV,  e também com a inflação, representada pelo IGP-M.  Vale lembrar que este indicador foi bastante criticado, uma vez que, segundo Campos Neto e Soares (2007), ele  apresentava variações maiores do que o IPCA, o que pode ter levado a valores superestimados das tarifas. Com isso, as empresas podem ter tido ganhos reais de receitas que nem sempre foram compartilhados com os usuários. Fato relevante também diz respeito às receitas extraordinárias, por exemplo, as oriundas de publicidade e multas que, de acordo com o contrato de concessão, poderiam ser preservadas pela empresa sem nenhum repasse ao usuário ou ao estado da Bahia.

O modelo de concessão do estado do Rio de Janeiro  é considerado o mais oneroso do país, uma vez que receita que o Estado arrecada por meio da cobrança de outorga pela concessão da via  é integralmente coberta pela tarifa de pedágio paga pelo usuário. A vencedora do leilão da rodovia dos Lagos-Vialagos   foi a concessionária do grupo CCR, que ofereceu o maior valor de outorga e por isso recebeu o direito de explorar o trecho, manter e conservá-lo durante um prazo de 25 anos. De acordo com Marinho (2006), o valor ofertado pela outorga foi de 61,2 milhões de reais, o que equivalia, na época, a 7% do valor da receita líquida estimada durante a concessão. Além disso, o modelo adotado no Rio de Janeiro  imputa mais um ônus ao usuário  por permitir  cobrança de tarifa dia/sazonal, ou seja, em feriados e fins de semana o valor da tarifa é maior.

À exceção dos valores da tarifa, segundo Serman (2008), houve ganhos de qualidade da rodovia após a concessão, uma vez que os usuários passaram a desfrutar de maior conforto e segurança. Após a concessão, a rodovia foi duplicada e ampliada em mais 26 km, com isso a rodovia dos lagos ou Vialagos ganhou ares mais modernos e com maior segurança, rapidez nas viagens e atendimento médico e mecânico, transformando-a na moderna Rodovia dos Lagos. As melhorias refletem o bom desempenho alcançado na pesquisa CNT (Confederação Nacional dos Transportes) de rodovias para o ano de 2013, em que a RJ-124, em termos de estado geral, foi classificada como boa.

Quanto aos riscos, o contrato de concessão previu que a Vialagos os assumisse integralmente, incluindo os de redução de tráfego. Além disso, o contrato garantia o equilíbrio econômico-financeiro, podendo reajustar as tarifas para mais ou para menos se fosse necessário.  Ainda, em relação ao reajuste tarifário, ele  deveria ser anual e obedecer à regra contratual, que se baseava   nos principais índices setoriais divulgados pela Fundação Getúlio Vargas- FGV. Observou-se que o desenho do contrato para a Vialagos e para as concessões da primeira etapa do programa federal, com exceção da Ecosul, não contemplava o índice de inflação na fórmula de revisão de tarifas.

Quanto às receitas extraordinárias, não houve clareza sobre a apropriação da concessionária. O contrato não discriminou a regra de apropriação e distribuição de receitas entre concessionária e usuários. Tal situação ocorreu também com a CLN na Bahia. É interesse notar que, por coincidência ou não, ambas as concessionárias atuam em áreas com grande potencial turístico, com circulação de pessoas de toda parte do país e diferentes níveis de renda. Logo, a exploração do marketing e  propaganda ao longo dos trechos cedidos poderia trazer ganhos significativos de receitas para as concessionárias, e redução de tarifas para o usuário. Portanto, a falta de incentivo à exploração dessas receitas ou mesmo a omissão do ente regulador quanto à apropriação, pode ter gerado falha na garantia da eficiência no setor, uma vez que pode ter deixado de ofertar o produto a um preço mais barato.

O estado de São Paulo  tem  o mais amplo programa estadual de concessões de rodovias no Brasil. Segundo a Agência de Regulação de Transporte do Estado-ARTESP (2014a), desde 1998, já foram transferidos à iniciativa privada 5.315 km de rodovias, que seriam exploradas por períodos de 20 e 30 anos. As concessões paulistas seguem o marco regulatório definido no Programa Estadual de Desestatização, criado pela Lei no 9.361/1996, que serviu de instrumento à implantação do Programa de Concessões Rodoviárias do Estado, lembrando que na época o Estado ainda não tinha instituído a ARTESP, que só entrou em operação em 2002.

Segundo Rosa (2009), o modelo adotado pelo governo paulista  para a primeira etapa (1998 e 2000) teve por base    concessões onerosas, em que  o Estado estabelece o preço da tarifa de pedágio a ser cobrada ao usuário, os investimentos e os serviços a serem realizados pelo concessionário, em troca, o concessionário faz o pagamento da outorga. Como critério para licitação, foi definida  a oferta de maior outorga, já para a segunda etapa, o critério utilizado foi o  da menor tarifa em concessão onerosa,  cabendo destacar  que, na segunda etapa, mesmo sob concessão onerosa, o modelo procura incentivar a redução da tarifa.

Quanto às analises dos contratos da primeira e segunda fase do programa paulista, de maneira geral, eles detalham as regras básicas do edital, regulam a execução do programa, especificando obras e serviços a serem executados e condições que as concessionárias devem cumprir durante todo o prazo de concessão. No caso das regras de reajustes e revisões tarifárias definidas nos contratos, segundo Cardoso et  al. (2012), o Estado seguiu o modelo tarifário de regulação pela TIR, em que o equilíbrio econômico-financeiro seria restabelecido por meio de medidas compensatórias como adiamento/antecipação do cronograma de obras,  aumento/diminuição do prazo de contrato e aumento/diminuição nas tarifas.

Além disso, o que se observou foi que, para os contratos da primeira etapa, o reajuste tarifário incorporava o índice de inflação medido pelo IGP-M; já para os contratos da segunda etapa, o índice de inflação escolhido foi o IPCA. Em relação isso,  a escolha do IGP-M pode ter determinado ganhos de receitas às concessionárias e ônus aos usuários, visto que o IGPM apresenta variações maiores do que o IPCA. No que concerne à qualidade do serviço prestado, novamente foram  verificadas   pouca clareza em relação aos padrões a serem seguidos e   falta de parâmetros para julgamento. Quanto aos riscos associados ao negócio, eles foram inteiramente de responsabilidade da vencedora da licitação. É interessante observar também que os contratos das concessões paulistas autorizavam as concessionárias a se apropriar das receitas extraordinárias, sem nenhuma contrapartida para a modicidade tarifária.

Por fim, salienta-se que, de acordo com a ARTESP (2014b), em pesquisa feita pela CNT em 2013, das 20 melhores rodovias do Brasil, 19 são paulistas e fazem parte do Programa de Concessões Rodoviárias do governo de São Paulo. Todavia, se, por um lado, o programa paulista é conhecido como o que oferece melhores rodovias aos usuários, inclusive em relação aos serviços de assistência,   por outro lado, é conhecido como o de maiores valores de pedágio.  

No que tange ao estado do Paraná, segundo o Governo do Paraná [15] (apud KARAM e SHIMA,  2007), a condição da malha rodoviária no Estado era precária em virtude da ausência de investimentos necessários à manutenção das rodovias e da redução da capacidade de aplicação de novos recursos. Neste contexto, surge o Programa de Concessão de Rodovias do Paraná, que abrangeu 2.035,5 km de rodovias, que deveriam ser administradas, mantidas, operadas e ampliadas pelo setor privado, por um período de 24 anos.

No modelo paraense, a vencedora do leilão foi a empresa que ofertou o maior trecho sem cobrança de pedágio. Ou seja, a concessionária vencedora do leilão foi a empresa que ofertou a maior quantidade de quilômetros referente aos trechos de acesso às rodovias em concessão, que deveriam também ser  mantidos e conservados pela concessionária. Portanto, na proposta paranaense, além de incluir a responsabilidade de recuperação, manutenção e conservação dos trechos pedagiados, foi delegada às concessionárias a assunção de trechos de acesso às rodovias principais, sem cobrança do pedágio. Logo, o modelo paranaense implica   necessidade de maiores investimentos por parte das concessionárias.

Diante disso, destaca-se que o usuário acaba sendo duplamente penalizado, uma vez que, além de contribuir para a recuperação, manutenção e conservação dos trechos onde ocorre a efetiva cobrança do pedágio, ainda é responsabilizado pelos recursos necessários à recuperação e manutenção e conservação dos trechos de acesso. Neste sentido, segundo Karam e Shima (2007), houve pressão popular quanto aos preços, o que culminou no rompimento unilateral do contrato e conflitos entre Estado e concessionária, e isto causou prejuízos para as partes, rompendo com a harmonia necessária ao processo,  fazendo com que os investimentos ficassem restritos aos serviços de operação, conservação e manutenção dos trechos concedidos. Também  há de ressaltar, a este ponto, que a falta de uma agência reguladora, implantada em 2002 e regulamentada somente em 2012, pode ter contribuído para tais conflitos, dado que a inexistência do órgão regulador pode ter facilitado a captura do governo pelos grupos organizados de usuários que pressionaram pela redução da tarifa.

Os contratos de concessão, além de trazerem cláusulas que garantem a prestação do serviço, também devem contemplar a questão da sua qualidade. No caso do modelo paranaense, verificou-se, mais uma vez, pouca clareza em relação aos padrões a serem seguidos, principalmente por não existirem parâmetros predefinidos, o que dificulta o julgamento da qualidade do serviço prestado. Esta falha  pode ter comprometido a eficiência do setor no que diz respeito à oferta de um produto adequado  que atenda às questões de segurança e  conforto aos usuários.

Por fim, segundo Karam (2005), o governo paranaense utilizou a taxa interna de retorno  como modelo de regulação tarifária. Além disso, a autora destaca que o Estado realizou os processos de licitações embasados em estudos pouco detalhados e isto pode ter sido a causa de uma taxa interna de retorno da ordem de 22%, que, se por um lado, reduz o risco das concessionárias, por outro, onera o usuário,  sinalizando   para a possibilidade de captura do poder concedente. Neste caso, a presença de uma estrutura regulatória é  ainda mais necessária.  

No modelo de concessões gaúcho, o critério de escolha das propostas foi o mesmo adotado no Paraná, qual seja, o de maior oferta de extensão de trechos mantidos sem cobrança de pedágio. Com base nesse modelo de concessão, o Estado concedeu 1.788,1 km de extensão rodoviária à administração privada. O órgão responsável pelas concessões foi o Departamento Autônomo de Estrada e Rodagem do Estado (DAER/RS), que adotou o prazo de 15 anos para todas as concessões realizadas (RECK, 2012).

Cabe destacar que, no Estado gaúcho, o processo de concessão de rodovias  se deu quase que simultaneamente à criação da agência reguladora do serviço concedido, a Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul - AGERGS, que ocorreu em 1997.  Então, pode-se dizer que o modelo gaúcho difere do modelo paraense em relação à adoção da regulação tradicional, e isso pode permitir que este modelo seja  mais eficiente do que o paranaense. 

Quanto à qualidade, ao analisar os contratos de concessões firmados entre as vencedoras dos leilões e o estado do Rio Grande do Sul, observou-se novamente pouca clareza em relação aos padrões a serem seguidos e não se verificou  definição de parâmetros para realizar julgamentos quanto à qualidade do serviço prestado. Além disso, conforme Mucci (2011), em decorrência das alterações unilaterais dos contratos pelo Poder Concedente que afetaram o EEF, houve redução dos investimentos inicialmente acordados durante o período. Tal fato ocasionou uma significativa redução da qualidade das rodovias, prejudicando os usuários.

Em relação ao risco do negócio, de acordo com Reck (2012), houve   incidência de risco político e de risco regulatório, que culminaram em alterações tarifárias.  Em relação ao risco político, a revisão tarifária foi decorrente do aumento, em 2002, da alíquota do imposto sobre serviços de qualquer natureza- ISS pelos municípios por onde passam as rodovias cedidas. No caso do risco regulatório, os descumprimentos contratuais, realizados pelo Poder Concedente, fizeram com que as tarifas fossem reajustadas novamente para os valores contratualmente firmados, de modo a compensar os desequilíbrios contratuais do período anterior. Ademais, em relação aos reajustes anuais da tarifa básica de pedágio, segundo Souza Júnior (2007), o modelo gaúcho, que seguiu o regime de regulação tarifário pela TIR, definiu em seus contratos as regras de reajuste,  que  se baseiam em uma cesta de índices setoriais e na inflação dada pelo IGPM.

5. Consideraçãoes finais

O que se inferiu pelo exame dos contratos e editais de concessão de rodovias para o modelo federal e para os estaduais é que, de modo geral, eles optaram pelo modelo de regulação tarifária pela TIR. Como mencionado, neste regime, os preços deveriam remunerar os custos totais e conter uma margem que proporcionasse uma taxa interna de retorno atrativa ao investidor. Logo, neste sistema, qualquer alteração do EEF, dado um aumento nos custo de serviço contratado, por exemplo, deveria refletir em revisão da tarifa com o propósito de manter a taxa interna de retorno inicial.

A  dificuldade deste método consiste em justamente definir a taxa interna de retorno que proporcione à empresa nível apropriado de ganho sobre o investimento sem prejuízo para os usuários, uma vez que o regulador deverá ter pleno conhecimento das funções custo e demanda do mercado, exigindo grande quantidade de informação, o que implica  altos custos regulatórios. Neste sentido, torna-se difícil a tarefa de criar mecanismos de incentivos para que as firmas atuem de forma mais eficiente, reduzindo custos,  gerando, assim, prejuízos ao usuário.  

Ainda em relação aos modelos federais e estaduais,   o primeiro procurou recriar, via leilão, um ambiente competitivo de modo a escolher a empresa que ofertasse o melhor preço, neste caso, a tarifa mais barata. Este mecanismo se aproxima de um mecanismo de mercado. Contudo ao instituir uma agência reguladora, a ANTT, como um mecanismo de regulação no setor, o governo federal também adotou uma postura intervencionista, na tentativa de garantir a eficiência neste tipo de mercado, caracterizado por monopólios naturais.

No caso dos estados, apesar de se criar um ambiente competitivo,  a ideia não era garantir a melhor oferta em menores tarifas. O que se verificou ao examinar os modelos estaduais, na verdade, foi uma busca por receitas oriundas das outorgas e menor contraprestação do Estado na oferta do bem. Novamente, os modelos estaduais também não abriram mão de um mecanismo regulador, exceto o modelo do Paraná. Portanto, no caso dos modelos de concessão no Brasil, parece que a ação regulatória tradicional, via órgão regulador,   juntamente com mecanismos alicerçados  na ideia de leilões, competição pelo mercado,   têm sido o formato mais usado para a oferta de infraestrutura rodoviária.

Além disso, no que diz respeito às diferentes regras adotadas nas concessões rodoviárias, dependendo do Poder Concedente, a duração do contrato se modifica, os indexadores utilizados para a correção monetária se alteram e o critério para a escolha do vencedor  também. Tais diferenças, obviamente, implicam   diferenças nos valores das tarifas básicas de pedágio e nos padrões de qualidade do serviço prestado  e, consequentemente, nos níveis de eficiência de cada modelo.

Especificamente, em relação às diferenças entre os modelos de concessões e seus efeitos sobre as tarifas, Velloso et  al. (2012) destacam que  tarifas baixas implicam receitas futuras baixas, portanto, baixa taxa interna de retorno (TIR) do projeto. Similarmente, um alto valor pago pela outorga implica despesas esperadas altas e, também, TIR baixa. Portanto, leilões que levam a tarifas baixas ou o pagamento de elevados valores de outorga induzem o concessionário a aceitar uma TIR baixa. Todavia, o setor privado é maximizador de lucro e racionalmente não aceitará implementar um projeto associado a TIR abaixo de seu custo de oportunidade. Desta forma, com base nesse argumento, os vencedores de tais leilões, que supostamente aceitaram uma TIR baixa, somente irão executar o projeto se puderem renegociar os termos do contrato posteriormente, requerendo tarifas mais altas e/ou revendo o cronograma de investimentos. Isso, na verdade, se trata de comportamento oportunista, viabilizado pelas características do negócio.

Portanto, é necessária forte estrutura regulatória, respaldada em legislação e agências de fato independentes, tanto do ponto de vista orçamentário e político, para assegurar incentivos adequados do setor privado, mas também para proteger o interesse dos consumidores, dadas as assimetrias de informação. Com base nisso, o que se pode  concluir é que mesmo que o processo de licitação via leilões (mecanismo de mercado) garanta a escolha da empresa mais eficiente, não há como negar que o sucesso desse mecanismo, para o caso dos modelos de concessões de rodovias no Brasil, está condicionado à existência de um marco regulatório (leis, contratos e agências) forte, devido, principalmente, à característica de incompletude dos contratos de concessão de serviço público.

Por fim, pode-se ainda afirmar que no Brasil, até então, existem deficiências no processo de concessão de rodovias, seja ele federal ou estadual, e que estas deficiências ocorrem em razão de  pontos de frouxidão no sistema de concessões, como, por exemplo, a falta de critérios quanto aos padrões de qualidade dos serviços prestados, a pouca transparência quanto à composição do órgão gestor da agência reguladora e da origem dos recursos que compõem o orçamento das agências. Por causa destes pontos de frouxidão no marco regulatório e da  característica de incompletude dos contratos, é que se acredita   que o marco regulatório brasileiro carece de leis mais específicas para o setor, para que os problemas da captura regulatória e assimetria de informação sejam suavizados e, consequentemente, gerem ganhos de eficiência.

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1 Professora Adjunta do Departamento de Economia da Universidade Federal Fluminense - Campos dos Goytacazes-RJ-MG. E-mail: graciela_profeta@yahoo.com.br

2. Professora Associada, Departamento de Economia Rural da Universidade Federal de Viçosa-MG. E-mail: vslirio@ufv.br

3. Advogada- E- mail: elkesilvasantos@yahoo.com.br

4. Salienta-se que a elaboração desta seção teve como referencia básica o estudo de Armstrong e Sappington (2005).

5. Uma discussão geral de modelos para determinação do custo do Capital pode ser encontrada em Grout (1995).

6. Segundo Cave e Mills (1992), em um cenário de múltiplos produtos a determinação da estrutura tarifária requererá a alocação de custos comuns entre os diferentes produtos, o que, na prática, pode-se revelar especialmente difícil.

7. Além disso, para Armistrong e Sappington (2005), na prática, há uma incerteza considerável (para ambos, regulador e firma) sobre como a demanda de consumo e a tecnologia se desenvolvem ao longo do tempo.

8. A discussão a seguir é baseada em Shleifer (1985).

9. Williamson (1976) discute essas desvantagens potenciais em mais detalhes e  Prager (1989), Zupan (1989a, 1989b) e Otsuka (1997) avaliaram o grau em que esses problemas potenciais surgem na prática. Armstrong e Sappington (2005) discutem alguns remédios para reduzir os efeitos danosos de tais desvantagens.

10. Não há pretensão alguma em esgotar o assunto e tampouco propor soluções para os problemas levantados. Na verdade, o que se pretende com esta subseção é tão somente entender como algumas características do contrato  -  equilíbrio econômico, risco, incentivos e  incompletude, entre outras -   afetam a eficiência no setor regulado.

11. AMARAL, A, C C. Breves notas sobre o reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos de obras públicas. Comentários Cintra do Amaral, comentário 127, 2005.

12. Os riscos identificados durante o planejamento da concessão como ordinários seriam transferíveis ao concessionário, ao passo que os riscos considerados extraordinários permaneceriam sob responsabilidade do poder público.

13. MOREIRA, E. B. Riscos, incertezas e concessões de serviços púbicos. Revista de Direito Público da Economia - RDPE, Belo Horizonte, ano 5, n. 20, out. / dez. 2007.

14. Refere-se à  weighted average cost of capital erepresenta uma média ponderada das taxas de retorno do serviço da dívida e do capital próprio, no qual o peso da ponderação é igual ao percentual de cada tipo de financiamento, seja ele de capital próprio ou de terceiro na estrutura de capital da empresa.

15. PARANÁ. Secretaria de Estado dos Transportes. Sistema rodoviário estadual 1995. Curitiba,1995.


 

Vol. 36 (Nº 16) Año 2015

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