Espacios. Vol. 36 (Nº 20) Año 2015. Pág. E-1

O que revelam os conteúdos e as metodologias propostas pelos professores que ensinam a matemática na 1ª e 2ª etapas da EJA em escolas Municipais de Cuiabá-MT

What reveal the contents and the methodologies proposed by the teachers who teach mathematics in the 1st and 2nd stages of YAE in local schools of Cuiabá

Letícia VANIN 1; Marta Maria Pontin DARSIE 2

Recibido: 23/06/2015 • Aprobado: 03/08/2015


Contenido

1. Introdução

2. Conteúdos Matemáticos para a 1ª e 2ª Etapas da Educação de Jovens e Adultos

3. Tendências em Educação Matemática para o Ensino da Matemática na EJA

4. Metodologia da Pesquisa

5. Análises e Resultados

6. Considerações Finais

7. Referências


RESUMO:

O presente trabalho é resultado de uma pesquisa de mestrado que teve como objetivo investigar que concepções revelam os conteúdos e as metodologias propostas pelos professores que trabalham a Matemática na 1ª e 2ª Etapas da EJA em Escolas Públicas de Cuiabá-MT. A metodologia adotada foi a abordagem qualitativa de cunho interpretativo. Como instrumentos de coleta de dados, utilizamos questionários, análise documental e entrevistas. As análises dos documentos escolares e das falas dos professores nos indicam que suas concepções transitam entre as duas perspectivas de Educação, Bancária e Emancipadora. Entretanto, podemos dizer que se aproximam mais da concepção Bancária de Educação.

Palavras-chiave: Educação de Jovens e Adultos, Conteúdos Matemáticos, Escolas Públicas

ABSTRACT:

This work is the result of a master's research aimed to investigate which ideas reveal the contents and the methodologies proposed by teachers working in Mathematics 1st and 2nd Stages of adult education in Public Schools Cuiaba-MT. The methodology was qualitative approach of interpretative. As data collection instruments, we use questionnaires, document analysis and interviews. The analysis of school documents and teachers ' speeches show us that their views transiting between the two perspectives of Education, Banking and Emancipadora . However, we can say that are closer to the Bank of Education conception.
Keywords: Youth and Adult Education, Mathematical Content, Public Schools

1. Introdução

Apresentaremos neste texto algumas considerações sobre os resultados de uma pesquisa de mestrado desenvolvida no Programa de Pós- Graduação em Educação, da Universidade Federal de Mato Grosso, sob orientação da professora Dra. Marta Maria Pontin Darsie, onde nos propusemos investigar que concepções revelam os documentos escolares e as falas dos professores sobre os conteúdos e as metodologias propostas para o ensino e aprendizagem da Matemática na 1ª e 2ª Etapas da Educação de Jovens e Adultos em Escolas Municipais de Cuiabá-MT?

O interesse em discutir e desenvolver a pesquisa na área de estudos da Educação Matemática na Educação de Jovens e Adultos se revelou no ano de 2008, ao iniciar a docência como professora de Matemática da EJA em uma Escola Estadual na cidade de Cuiabá- MT. No decorrer do processo percebi o quanto estava despreparada para trabalhar com o público da EJA, pois não havia recebido no curso de licenciatura em Matemática, nenhuma formação específica para trabalhar com essa modalidade de Educação repleta de especificidades.

Diante desse cenário, decidi buscar formação específica e ao ingressar no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFMT, na linha de pesquisa em Educação em Ciências e Matemática, encontrei o Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Matemática, que realiza pesquisas sobre a temática "Educação Matemática na EJA". Outro fator que contribuiu para a definição do lócus de investigação foi que ao consultar a literatura relacionada ao tema em questão e por meio de levantamentos de pesquisas realizados por Vanin e Darsie (2010), foi possível constatar a pouca produção de pesquisas realizadas em Educação Matemática na EJA no Brasil, principalmente voltadas para o Primeiro Segmento da EJA.

2. Conteúdos Matemáticos para a 1ª e 2ª Etapas da Educação de Jovens e Adultos

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) vem sendo configurada no Brasil como uma modalidade específica da Educação Básica, que visa atender um público de pessoas que não tiveram acesso à Educação ou não a concluíram durante a infância e/ou adolescência em idade regular. Dessa forma, a organização dos conteúdos nas diferentes disciplinas precisa ser repensada quando os educandos são alunos dessa modalidade de Educação. Além disso, no contexto da EJA, os conhecimentos prévios dos educandos devem ser o ponto de partida para a aquisição dos conteúdos matemáticos.

Quanto ao o quê ensinar de Matemática para alunos do Primeiro Segmento da EJA, a Proposta Curricular para o Primeiro Segmento da EJA (2001), organizou os conteúdos matemáticos em quatro grandes blocos: "Números e Operações Numéricas", "Medidas", "Geometria" e "Introdução à Estatística". Os conteúdos e conceitos matemáticos selecionados e sugeridos pela Proposta Curricular para o Primeiro Segmento da EJA seguem no Quadro 1:

Quadro 1 – Síntese analítica dos conceitos e conteúdos matemáticos para o Primeiro Segmento da EJA

BLOCOS

CONTEÚDOS E CONCEITOS

 

 

Números

e

Operações Numéricas

- Números naturais (funções e representações);

- Sistema decimal de numeração;

- Números racionais na forma decimal e fracionária;

- Operações: adição, subtração, multiplicação e divisão;

- Diferentes procedimentos de estimativa;

- Cálculo mental e cálculo escrito.

 

Medidas

- Noção de medida e de proporcionalidade;

- Unidades de medida e relações entre suas diferentes representações;

- Sistemas de medida: tempo, massa, capacidade, comprimento, superfície e valor (sistema monetário).

 

Geometria

- Construção das noções espaciais através da percepção dos próprios movimentos e da representação gráfica do espaço;

- Figuras bidimensionais e tridimensionais (semelhanças, diferenças, e propriedades)

 

Introdução à Estatística

- Procedimentos de coleta, organização, apresentação e interpretação de dados;

- Leitura e construção de tabelas e gráficos.

     Fonte: (VANIN, 2012, p. 101)

Outro ponto a ser ressaltado é que mesmo que os conteúdos estejam desdobrados em blocos, a classificação em que eles aparecem não deve ser interpretada como recomendação de uma sequência rigorosa, pois de acordo com a Proposta Curricular para o Primeiro Segmento da EJA, "diversas combinações entre os conteúdos são possíveis, dependendo do problema que desencadeará uma situação de aprendizagem e das conexões lógicas estabelecidas entre diversas situações" (BRASIL, 2001, p. 107).

Nesse sentido, os professores devem ser criteriosos ao elegerem os conteúdos para trabalhar com a EJA, pois precisam considerar os conteúdos que apresentam relevância social e os que colaboram para o desenvolvimento intelectual dos alunos desta modalidade de Educação.

Dessa forma, considerando as especificidades da EJA, acreditamos não ser possível o professor ensinar um determinado conteúdo para os alunos dessa modalidade do mesmo modo que ensinariam a um aluno do Ensino Regular. Diante disso, é necessário que os educadores trabalhem e desenvolvam atividades diferenciadas, podendo assim garantir a aprendizagem desse público.

Entretanto, esclarecemos que trabalhar de forma diferenciada não se constitui em facilitar a aprendizagem, pois os contextos de trabalho são situações complexas, inclusive matematicamente tratadas. Também não se estabelece em dar apenas o "básico" aos alunos, mas colaborar para que os alunos possam construir seus conhecimentos a partir de suas experiências pessoais. Dessa forma, de acordo com Cavalcanti (1999), os adultos devem aprender aquilo que realmente precisam saber, ou seja, eles precisam de uma aprendizagem para aplicação prática na vida cotidiana.

Por outro lado, Duarte (1986) ressalta que essa conexão entre a Matemática e as necessidades sociais é legitimamente importante e tem sido destacada por diversos autores. Porém, não se pode perder de vista que o principal objetivo da atividade dos educadores matemáticos é o ensino dessa disciplina, pois às vezes o ensino do conhecimento matemático propriamente dito, ou seja, da Matemática formativa, que inicialmente não é diretamente aplicável, mas que auxilia na construção das estruturas cognitivas que também serão utilizadas em outras áreas do conhecimento acaba sendo deixado em segundo plano. Isso faz com que o ensino seja desenvolvido assistematicamente, não colaborando para a socialização dos conteúdos matemáticos, sob a pena das camadas populares continuarem sem o domínio das ferramentas matemáticas.

Diante disso, as escolas que oferecem a modalidade da Educação de Jovens e Adultos devem ser responsáveis por refletir e estabelecer coletivamente os critérios de escolha sobre o quê se deve ensinar a esse público repleto de especificidades e o lugar que devem ocupar os conteúdos, principalmente porque os estudantes dessa modalidade de ensino apresentam grande expectativa em transformar suas vidas, especialmente em relação ao trabalho.

3. Tendências em Educação Matemática para o Ensino da Matemática na EJA

Na sociedade atual, o mundo do trabalho exige cada vez mais pessoas preparadas para utilizarem diferentes tecnologias e linguagens, além de pessoas capazes de apropriarem-se rapidamente de informações, de resolver e propor problemas em equipe (BRASIL, 1997). Nesse sentido, o ensino de Matemática poderá contribuir à medida que forem exploradas metodologias que priorizem

[...] a criação de estratégias, a comprovação, a justificativa, a argumentação, o espírito crítico, e favoreçam a criatividade, o trabalho coletivo, a iniciativa pessoal e a autonomia advinda do desenvolvimento da confiança na própria capacidade de conhecer e enfrentar desafios (BRASIL, 1997, p. 26).

No entanto, os professores ao organizarem e planejarem o ensino de Matemática para os educandos da EJA necessitam fazer escolhas entre as diversas metodologias que podem ser utilizadas nessa modalidade. Tais escolhas revelam concepções acerca de Educação de Jovens e Adultos, de cultura, de ensino, de aprendizagem e de Matemática, e consequentemente o tipo de formação que terão seus educandos.

Dessa forma, a escolha metodológica não é uma opção neutra, ela contempla escolhas, tendo em vista nossa concepção de homem, sociedade, conhecimento e Educação. Assim, os profissionais que trabalham a Matemática no contexto da EJA têm a responsabilidade de desenvolver e explorar metodologias em sua prática em sala de aula que possibilitem novos caminhos para o conhecimento que os estudantes da EJA já adquiriram ao longo de suas experiências. Deste modo, necessitam promover um ensino contextualizado, para que a aprendizagem torne-se interessante e com significado.

Ademais, o Parecer 11/2000 complementa que as práticas pedagógicas desenvolvidas no contexto da EJA devem ser adequadas às necessidades do seu público, "não podendo se ausentar nem da especificidade da EJA e nem do caráter multidisciplinar e interdisciplinar dos componentes curriculares" (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2000, p. 58).

Nesse sentido, pesquisas brasileiras realizadas no âmbito da Educação Matemática na EJA têm apontado que algumas tendências em Educação Matemática, propostas a partir dos anos 80, e práticas pedagógicas podem contribuir expressivamente no processo de ensino-aprendizagem da Matemática na EJA. Dentre elas destacamos: a Modelagem Matemática, a Resolução de Problemas, a Etnomatemática, os Recursos Tecnológicos, a Metacognição, os Jogos, a História da Matemática e os Projetos de Trabalho.

4. Metodologia da Pesquisa

Nossa pesquisa foi realizada em duas Escolas Municipais de Educação Básica situadas na zona urbana de Cuiabá-MT, cujos nomes fictícios são Escola Bocaiúva e Escola Caju. Na Escola Bocaiúva, temos como sujeitos o professor Ricardo, cuja formação superior é em Engenharia Civil e Pedagogia, que leciona na 1ª Etapa da EJA, e a professora Ana, licenciada em Geografia, que atua na 2ª Etapa da EJA. Na Escola Caju, temos a professora Isabel, que leciona na 1ª Etapa e a professora Maria, que atua na 2ª Etapa da EJA, sendo que ambas possuem formação superior em Pedagogia.

Optamos por adotar uma metodologia de pesquisa qualitativa, de cunho interpretativo na análise e triangulação dos dados.        Para a coleta de dados, utilizamos instrumentos diversificados como questionários, entrevistas semiestruturadas e análise documental dos livros didáticos utilizados pelos professores investigados, planejamentos anuais, planos de aula, Projeto Político Pedagógico e cadernos dos alunos dos professores investigados.

Ao buscarmos suporte teórico que pudesse nos auxiliar em uma aproximação com o pensamento dos nossos sujeitos, nos deparamos com duas concepções distintas de EJA e de Matemática. De um lado, encontramos uma perspectiva em que a EJA é compreendida como repositora da escolaridade formal, cuja finalidade é suprir a oferta de ensino para os Jovens e Adultos que não estudaram em idade regular. Já a Matemática é concebida como pronta e acabada, desprovida de significados, em que são considerados apenas os conhecimentos formais. Tal perspectiva, discutida e denominada por Freire, e que elegemos como categoria de nossa investigação chamamos de "Educação Bancária".

Por outro lado, identificamos também outra perspectiva de EJA e de Matemática, que nesta investigação também elegemos como categoria de análise e denominamos, assim como Freire, de "Educação Emancipadora". Nessa perspectiva, a EJA é compreendida como uma modalidade necessária, capaz de incluir e qualificar os educandos para uma efetiva participação na sociedade. Igualmente, tal perspectiva entende que esta modalidade deve considerar a diversidade e as especificidades de seu público, assim como deve ser ofertada com a finalidade de reparar, equalizar, qualificar e emancipar os sujeitos Jovens e Adultos. Já a Matemática é concebida como uma ciência viva, dinâmica e historicamente construída pelos homens a favor dos interesses e das necessidades sociais, que cumpre um importante papel na formação do caráter sócio-educacional dos educandos da EJA. Desse modo, os dados coletados foram analisados e interpretados a partir dessas duas categorias de análise.

5. Análises e Resultados

O que revelam os documentos escolares de Ricardo, Ana, Isabel e Maria quanto aos conteúdos propostos para o ensino e aprendizagem da Matemática na 1ª e 2ª Etapas da EJA

Os professores Ricardo e Ana não elaboraram o Planejamento Anual durante o período investigado. Ricardo também não elaborou planos de aula de Matemática, nos levando a inferir que não compreende que tais documentos devem se constituir como norteadores no trabalho pedagógico a ser desenvolvido na EJA. Ao conversarmos com o professor, ele afirmou seguir os conteúdos e atividades propostas nos volumes 1 e 2 da coleção para a Educação de Jovens e Adultos Gandra (2005) para trabalhar a Matemática na 1ª Etapa da EJA. Já Ana declarou utilizar para ensinar Matemática aos seus alunos da 2ª Etapa da EJA o livro didático de Matemática do Projeto Prosa, indicado para o 3º Ano do Ensino Regular.

Entretanto, isso não se constitui como planejamento anual dos professores investigados, pois de acordo com Vasconcellos (2007, p. 143) "o professor não é sujeito de seu planejamento, à medida que acaba se limitando ao livro, que por sua vez se impõe muito mais em função do forte esquema de divulgação das editoras, do que por sua qualidade pedagógica ou proposta de educação".

Deste modo, como Ricardo não elaborou tais documentos escolares, analisamos apenas o livro didático utilizado e os cadernos de seus alunos. Ao analisarmos tal livro, observamos que o mesmo propõe conteúdos matemáticos referentes apenas aos blocos "Números e Operações Matemáticas" e "Medidas". Observamos os mesmos conteúdos nos cadernos dos alunos do professor, o que já era esperado, pois Ricardo se baseou na coleção Gandra (2005) para propor o ensino da Matemática na Etapa da EJA em que leciona. Entretanto, verificamos a ênfase dada pelo professor nas aulas de Matemática ao bloco de conteúdos "Números e Operações Matemáticas", como mostra o gráfico a seguir:

Gráfico 1 – Distribuição dos blocos de conteúdos nos cadernos dos alunos do professor Ricardo

Fonte: Cadernos dos alunos do professor Ricardo (VANIN, 2012, p. 192)

No que diz respeito ao livro didático adotado por Ana, concluímos que os conteúdos matemáticos apontados no livro são os mesmos preconizados na Proposta Curricular para o Primeiro Segmento da EJA (2001). Por sua vez, embora o livro didático contemple tais conteúdos, o mesmo é recomendado para o Ensino Fundamental Regular. Deste modo, podemos observar a infantilização do ensino da Matemática na EJA.

Em relação aos planos de aula apresentados por Ana, percebemos que ela preocupou-se, de certa forma, em trabalhar os conteúdos preconizados na Proposta Curricular para o Primeiro Segmento da EJA (2001), principalmente no que se refere ao bloco de conteúdos "Introdução à Estatística" e "Números e Operações Matemáticas". Contudo, não localizamos atividades referentes ao bloco de conteúdos "Geometria". Ao abordar a problemática envolvida nessa questão, Passos (2000) declara que diversas são as causas para o abandono do ensino da Geometria, dentre elas destaca-se a reforma do ensino ocorrida com o Movimento da Matemática Moderna, em que o ensino da Álgebra foi priorizado.

Ao analisarmos os cadernos dos alunos de Ana, foi possível verificar a ênfase dada pela professora nas aulas de Matemática a cada bloco de conteúdos indicados na Proposta Curricular para o Primeiro Segmento da EJA (2001), como nos mostra o gráfico a seguir:

Gráfico 2 – Distribuição dos blocos de conteúdos nos caderno dos alunos da professora Ana

 

Fonte: Cadernos dos alunos da professora Ana (VANIN, 2012, pág. 194)

Deste modo, podemos inferir que Ana trabalhou durante o período investigado com atividades dos quatro blocos de conteúdos que a Proposta Curricular para o Primeiro Segmento da EJA (2001) recomenda para o ensino da Matemática na 2ª Etapa da EJA.

Quanto aos documentos escolares de Isabel e Maria, observamos em seus planejamentos do 1º e 2º bimestre suas intenções em trabalhar com seus alunos conteúdos matemáticos sugeridos pelos documentos oficiais que regularizam a EJA a nível nacional. Entretanto, ao analisarmos os planos de aula de Isabel, percebemos que a professora propôs a seus alunos no período investigado somente atividades relativas aos blocos "Números e Operações Matemáticas" e "Geometria". Esses mesmos conteúdos foram observados nos cadernos dos alunos da professora, como podemos analisar no gráfico a seguir:
Gráfico 3 – Distribuição dos blocos de conteúdos nos cadernos dos alunos da professora Isabel

Fonte: Cadernos dos alunos da professora Isabel (VANIN, 2012, pág. 242)

Da mesma forma, ao analisarmos os planos de aula elaborados por Maria, percebemos que a professora trabalhou com seus alunos apenas conteúdos relativos ao bloco "Números e Operações Matemáticas". Identificamos também nos planos de aula elaborados pela professora que o livro didático "Caderno do Futuro", foi o principal apoio no planejamento de suas aulas de Matemática no período investigado. Todavia, tal livro é indicado para o ensino da Matemática no 5º Ano do Ensino Regular, caracterizando assim a infantilização do ensino nessa modalidade, pois as atividades não se relacionam em sua maioria com a realidade e as necessidades dos Jovens e Adultos. Além disso, o livro propõe somente atividades referentes ao bloco "Números e Operações Matemáticas", o que é um problema para o ensino dessa disciplina no contexto da EJA, haja vista a necessidade dos educandos Jovens e Adultos relacionados a conhecimentos estatísticos, geométricos e métricos.

Ao analisarmos os cadernos de seus alunos, também localizamos apenas este mesmo bloco de conteúdos, como podemos observar no gráfico a seguir:

Gráfico 4 – Distribuição dos blocos de conteúdos nos CA da professora Maria

Fonte: Cadernos dos alunos da professora Maria (VANIN, 2012, pág. 244)

Entretanto, talvez o destaque dado pela professora ao bloco "Números e Operações Matemáticas" esteja relacionado ao período em que as informações foram coletadas.

O que revelam as falas de Ricardo, Ana, Isabel e Maria quanto aos conteúdos  propostos para o ensino e aprendizagem da Matemática na 1ª e 2ª Etapas da EJA

Posteriormente a análise dos conteúdos propostos nos documentos escolares, passamos a investigar através dos questionários (Q3-A e Q3-B) e das entrevistas (E), o quê os professores expõem em suas falas sobre os conteúdos propostos para o ensino e aprendizagem da Matemática na 1ª e 2ª Etapas da Educação de Jovens e Adultos.

Ricardo, Ana e Maria revelaram contemplar os quatro blocos indicados pela Proposta Curricular para o Primeiro Segmento da EJA (2001). Já Isabel revelou que propôs no período investigado três dos quatro blocos de conteúdos indicados pelo mesmo documento.

Durante as entrevistas, os professores declararam que trabalharam o bloco de conteúdos "Números e Operações Matemáticas", ao exporem que priorizam o ensino das quatro operações fundamentais da Matemática e que trabalharam o ensino da aritmética vinculado às necessidades básicas do dia a dia de seus alunos:

A prioridade na 1ª Etapa da EJA é os alunos dominarem as quatro operações matemáticas... (E – Ricardo).

A primeira e grande prioridade são as quatro operações. Não tem como você partir para nada mais, se não tem o conhecimento de somar, dividir, multiplicar e de subtrair... (E –Ana)

A soma, o troco que também eles usam muito. Os números que eles precisam preencher fazer ... e a gente vai trabalhando assim as necessidades bem básicas deles, do dia a dia." (E – Isabel)

As quatro operações, porcentagem, panfleto de lojas ....  (E – Maria)

O bloco "Geometria" foi contemplado segundo Ricardo, ao afirmar que trabalhou com seus alunos poliedros e superfícies: "eu trabalho com poliedros e tal, porque na verdade quando você fala de uma coisa prática.... A superfície, tem a linear... e tem o volume. (E - Ricardo). Ana ao citar que trabalhou a partir das frações o reconhecimento de figuras geométricas: "a figura geométrica dá pra trabalhar assim como a fração." (E- Ana). Isabel, ao afirmar que prioriza tal conteúdo, pois faz parte do dia a dia dos estudantes da EJA e Maria: "começamos a trabalhar mais geometria devido a umas provinhas Brasil que nos andamos vendo, e aí foi cobrado muito." (E – Maria)

O bloco "Medidas" foi trabalhado, segundo os professores, ao afirmarem que ensinaram a seus alunos medidas de comprimento e de massa, dentre outras em situações práticas do dia a dia:

Se eu for esticar uma massa de um salgadinho, que eles estão fazendo em uma mesa, que tamanho? Vão dar quantos? Então, tudo está relacionado a medidas, a volume... (E - Ricardo)

Comecei com eles centímetros, milímetros, metros, quilômetros, tudo assim com problemas, não aquela coisa assim calculada, mais lida em interpretação oral... (E- Ana)

De medidas sim. O peso, a gente pesa eles no início do ano, todo mês eu trago o aparelho de pressão para verificar a pressão, a fita métrica e assim eu faço desde o começo do ano... (E – Isabel)

Metro e litro e parei aí. Não sei se vai dar tempo daqui pra frente, mas metro e litro sim. (E – Maria)

E por fim, o bloco "Introdução a Estatística", ao declararem que trabalharam com interpretação de tabelas e gráficos relacionando-os às questões do cotidiano de seus alunos, como por exemplo, o ensino de porcentagem, cálculo de juros e valores de salário:

Nesse nível que eu estou eu posso trabalhar, mas muito ainda superficial. Mas também pode se trabalhar com gráficos. Eu posso mostrar um gráfico de produção... Não há dificuldade de eles entenderem, porque eles já fazem esses cálculos no cotidiano... (E – Ricardo).

Eu já cheguei a trabalhar com eles tabelinha. Ah vamos transferir esta tabela no gráfico.  (E – Ana)

Porcentagem, panfleto de lojas... Você faz o cálculo lá pra eles do porque do juro... então, vai mostrando. (E – Maria)

Isabel, ao afirmar que "não, não trabalhei ainda, esse já é para terceira e quarta série" (E - Isabel), nos leva a inferir que não compreende que os conteúdos estatísticos podem ser trabalhados desde a 1ª Etapa da EJA, pois de acordo com a Proposta Curricular para o Primeiro Segmento da EJA (2001), o que varia é apenas o nível de complexidade.

Contudo, verificamos que Ricardo e Isabel buscam sempre trabalhar com conteúdos matemáticos utilitários, cuja aplicação se dá apenas na vida prática. Em nenhum momento, tais professores mencionaram a função formativa desta disciplina, que também é responsável pelo desenvolvimento de capacidades intelectuais para a estruturação do pensamento, o que vai além dos aspectos práticos de tal conhecimento (DUARTE, 1986).

O que revelam os documentos escolares de Ricardo, Ana, Isabel e Maria quanto às metodologias propostas para o ensino e aprendizagem da Matemática na 1ª e 2ª Etapas da EJA

Ao analisarmos a referência de aproximadamente uma lauda e meia que o PPP- Bocaiúva faz à EJA, percebemos que o mesmo não apresenta elementos suficientes para a organização do trabalho pedagógico da Matemática, principalmente em relação ao como ensinar essa disciplina aos estudantes da 1ª e 2ª Etapas da EJA. Em relação às metodologias, observamos que o PPP indica apenas que é necessário "ter como regra metodológica a contextualização, considerando a heterogeneidade de público: jovens, adultos e idosos com suas diversas experiências de trabalho, de vida social e cultural" (PPP- Bocaiúva, p. 17).

Quanto aos planejamentos anuais de Ricardo e Ana, não podemos concluir quais eram as metodologias que os professores pretendiam trabalhar no período investigado com seus alunos, pois eles não elaboraram o referido planejamento. Do mesmo modo, Ricardo não elaborou os planos de aula de Matemática, justificando-se seguir as atividades de Matemática da coleção Gandra (2005). Contudo, adotar e seguir as atividades da coleção não se estabelece como planos de aula, pois o professor deixa de aproximar o ensino da Matemática com a realidade dos alunos.

Percebemos ainda, que alguns exercícios são apresentados na coleção como problemas. Porém, como podemos observar na Figura 1, tais exercícios não sinalizam problematizações, pois de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais, "só há problema se o aluno for levado a interpretar o enunciado da questão que lhe é posta e a estruturar a situação que lhe é apresentada" (BRASIL, 1997, p. 33).

Desse modo, os "problemas" propostos na coleção são considerados problemas padrões, pois não se constituem em desafios para os educandos Jovens e Adultos e podem ser facilmente resolvidos pela aplicação simples das operações matemáticas.

Outro ponto a ser considerado ao analisarmos a coleção é em relação às ilustrações gráficas, que mesmo retratando muitas vezes situações cotidianas dos adultos não são adequadas para EJA, pois são infantilizadas como podemos observar a seguir na Figura 1:
Figura 1: Ilustração gráfica de atividade de que envolve a operação subtração

 

Fonte: GANDRA (2005, p. 193)

Em relação à metodologia, as autoras da coleção destacam a utilização de jogos como uma sugestão para favorecer a exploração dos conteúdos matemáticos desenvolvidos (GANDRA, 2005). No entanto, ao analisarmos os volumes 1 e 2 da coleção não encontramos nenhuma atividade referente a utilização de jogos para o ensino da Matemática. Observamos ainda, pequenos trechos sobre a história dos números e a história do dinheiro, sendo uma tentativa das autoras de trazer aspectos referentes à História da Matemática, mostrando que os conceitos matemáticos são uma criação humana e decorrem de uma época histórica, dentro de um contexto social e político. Contudo, somente em duas ocasiões a coleção traz tais aspectos.

Da mesma forma, o livro utilizado por Ana (PADOVAN, 2008), apresenta atividades infantilizadas para a realidade da EJA, não proporcionando assim atividades relacionadas ao mundo do trabalho, às questões políticas e sociais, dentre outras tantas ligadas ao contexto dos educandos dessa modalidade de ensino. Percebemos também que o livro didático em questão apresenta exercícios comuns, não sendo considerados problemas matemáticos de acordo com a concepção do autor Polya (2003).

Diante disso, observamos que a indicação da contextualização e do mundo trabalho como referência para a proposta curricular da escola investigada, preconizada no Projeto Político Pedagógico da Escola Bocaiúva não é contemplada no livro didático adotado pela professora, pois o mesmo é recomendado para o ensino da Matemática na infância.

Em relação aos planos de aulaapresentados por Ana, observamos que a professora praticamente não expõem de forma explícita as metodologias a serem empregadas durante as aulas de Matemática, com exceção de um plano de aula, em que a professora citou que iria utilizar o jogo Dominó da Multiplicação. Em alguns planos de aula, percebemos que Ana preocupou-se em utilizar o cotidiano dos alunos na elaboração das atividades matemáticas, como por exemplo, o preenchimento de tabelas com informações referentes aos familiares dos educandos, como a altura, o peso e o número do calçado. Em outros planos, a professora trabalhou apenas as operações fundamentais, sem contextualizá-las, como por exemplo,  "arme e efetue".

Quanto aos problemas que Ana trabalhou com seus alunos, também podemos inferir que os mesmos são considerados problemas padrões que foram retirados do livro didático (PADOVAN, 2008), não se constituindo em desafios para os estudantes Jovens e Adultos.

Desse modo, podemos inferir que o que está recomendado no PPP- Bocaiúva sobre a cidadania e a contextualização se efetiva em partes no trabalho da professora com a 2ª Etapa da EJA, pois Ana preocupou-se, em alguns momentos, em elaborar atividades matemáticas vinculadas ao contexto em que vivem os educandos Jovens e Adultos. Além disso, a professora utilizou jogos como estratégia facilitadora do ensino e aprendizagem da Matemática, sendo esta uma maneira diferente e prazerosa de se aprender tal disciplina.    Entretanto, ao não encontrarmos registros nos planos de aula de que Ana teria considerado as experiências e os conhecimentos prévios de seus alunos, a professora nos leva ao entendimento de que suas aulas geralmente são expositivas e que o livro didático é o principal suporte para o desenvolvimento de sua prática pedagógica de Matemática na EJA.

Ao analisarmos os cadernos dos alunos de Ricardo, observamos que o professor trabalhou com atividades matemáticas relacionadas à alfabetização, como por exemplo, quantidade de letras e sílabas das palavras. Percebemos também a ênfase dada pelo professor à exercícios que visam a fixação das operações fundamentais da Matemática, principalmente a adição e a subtração, bem como, em alguns casos, problemas com enunciados infantilizados.  Observamos também que na maioria das vezes as aulas de Ricardo foram expositivas, e que a principal metodologia por ele utilizada foi baseada na resolução de exercícios.

Quanto às metodologias presentes nos cadernos dos alunos de Ana, observamos que a professora privilegiou à resolução de cálculos envolvendo as quatro operações, bem como problemas padronizados envolvendo o Sistema Monetário em sua maioria retirados do livro didático (PADOVAN, 2008), tornando, muitas vezes, o ensino da Matemática nessa Etapa da EJA sem relação com o cotidiano dos Jovens e Adultos. Ana também realizou algumas atividades envolvendo interpretação e organização de tabelas e gráficos relacionados ao mundo do trabalho e ao dia a dia dos educandos Jovens e Adultos. Em uma das aulas, percebemos que Ana utilizou como recurso didático o Ábaco para trabalhar o valor posicional dos números, sendo este um importante instrumento para o ensino da Matemática.

Todavia, não encontramos indícios nos cadernos dos alunos de Ana e Ricardo de que tenham realizado, no período investigado, um trabalho efetivo envolvendo a Resolução de Problemas, a Modelagem Matemática, a Etnomatemática e Projetos de Trabalho.

Quanto aos documentos escolares de Isabel, após realizarmos a análise dos planejamentos e dos planos de aula de Matemática elaborados pela professora, bem como dos cadernos dos seus alunos, os dados nos apontaram certa contradição entre o que a professora investigada planejou trabalhar com o que efetivamente propôs para seus alunos.    

Tais contradições foram reveladas principalmente no que se refere à metodologia Projetos de Trabalho, pois nos planejamentos bimestrais, Isabel registrou que iria propor atividades relacionadas com a temática do Projeto da Escola Caju. Entretanto, não encontramos atividades que se aproximassem da temática do Projeto citado em seus planejamentos bimestrais como também problematizações que relatassem o efetivo desenvolvimento de Projetos de Trabalho em suas aulas de Matemática. Além disso, não encontramos indicações nos documentos escolares de Isabel de que ela tenha utilizado no período investigado importantes perspectivas metodológicas no ensino da Matemática na 1ª Etapa da EJA, como por exemplo, a Resolução de Problemas, a Modelagem Matemática, a Etnomatemática, bem como a utilização de recursos tecnológicos.

Em alguns planos de aula de Isabel, observamos o registro de que as atividades seriam desenvolvidas pelos alunos em grupos, e que também pretendia utilizar jogos como metodologia de ensino. Além disso, percebemos que a professora tentou trazer para suas aulas alguns elementos da História da Matemática, bem como propôs atividades não infantilizadas e situações práticas vividas no trabalho e no dia a dia da vida doméstica dos Jovens e Adultos.

Ao analisarmos os documentos escolares de Maria, os dados nos revelaram também contradição entre o que foi proposto pela professora nos planejamentos bimestrais elaborados no período investigado e o os registros dos planos de aula e dos cadernos dos alunos quanto às estratégias e metodologias propostas para o desenvolvimento das aulas de Matemática. Nos planejamentos bimestrais, Maria delineou que iria trabalhar com a metodologia Projetos de Trabalho proposta pela Escola Caju, tendo por objetivo explorar conceitos matemáticos. Além disso, projetou que utilizaria sólidos geométricos, textos didáticos, panfletos entre outros recursos didáticos nas aulas de Matemática. Porém, ao observarmos os planos de aula e os cadernos dos alunos da professora investigada não localizamos atividades referentes à temática do Projeto indicado e nem apontamentos quanto à utilização de jogos e de recursos didáticos no ensino dessa disciplina.

Quanto ao livro didático que Maria se apoiou para ensinar a Matemática na 2ª Etapa da EJA, observamos que o mesmo é recomendado para o ensino de tal disciplina no Ensino Regular, caracterizando assim a infantilização do ensino nessa modalidade. Entretanto, mesmo utilizando um livro didático indicado para o Ensino Regular, Maria teve o cuidado de propor atividades do livro que não apresentassem enunciados infantilizados.

Além disso, os dados documentais nos revelaram que Maria privilegia em suas aulas a resolução de exercícios envolvendo as quatro operações, bem como problemas padronizados e de aplicação.  Do mesmo modo, não encontramos indicativos nos documentos escolares de que Maria teria utilizado relevantes perspectivas metodológicas e estratégias diversificadas capazes de estimular a curiosidade, a imaginação e o envolvimento dos educandos em suas aulas.      Portanto, Maria propõe o ensino da Matemática de forma exata e mecânica, não fazendo relações à vida dos seus alunos e ao mundo do trabalho, revelando dessa forma, concepções que se sustentam em um modelo Bancário de Educação.

O que revelam as falas de Ricardo, Ana, Isabel e Maria quanto às metodologias propostas para o ensino e aprendizagem da Matemática na 1ª e 2ª Etapas da EJA

Notamos que Ricardo tem se remetido aos ideais do modelo educacional Emancipador, quando declara que o modo como ensina Matemática para os alunos da 1ª Etapa da EJA é diferente do jeito que ensina para os alunos do Ensino Regular, pois reconhece que os estudantes Jovens e Adultos trazem para a unidade escolar uma bagagem de conhecimentos oriundos de suas experiências de vida:

Exatamente com adultos tem que levar em consideração a bagagem que ele já tem... porque que ele já tem idade, já viveu várias experiências, trabalhou... (E- Ricardo)

Essa aproximação se evidência também, ao destacar que as metodologias mais eficazes no ensino e aprendizagem da Matemática na EJA são as que consideram tais saberes, que são advindos das experiências de vida dos estudantes, pois estes são significativos para a construção das aprendizagens de seus alunos:

São várias as metodologias... Como eu disse tem que aproveitar o que eles já têm, então tem que construir a partir do conhecimento que eles já têm, que eles já trazem do cotidiano, do dia a dia... (E – Ricardo)

Ou ainda, quando explicita a compreensão de que a Matemática ensinada na 1ª Etapa da EJA deve estar ligada aos contextos dos educandos e que os conteúdos matemáticos devem ser vinculados às experiências de vida dos alunos e a outras áreas de conhecimento:

Usar exemplos do cotidiano, do viver dos alunos, ou seja, as atividades praticadas naturalmente no dia a dia. (Q3- B-1- Ricardo)

Ana remete-se a visão de um modelo Emancipador de Educação Matemática quando revela a compreensão de que o ensino da Matemática deve ser contextualizado. A concepção Emancipadora também pode ser observada, quando a professora afirma que devemos utilizar metodologias de ensino que respeitem a realidade dos estudantes, sendo esta considerada o ponto de partida para o processo de ensino e aprendizagem da Matemática na EJA:

Trazer pra sala de aula aquilo que ele vive. É o salário do mês,... Então é trazer mesmo pra dentro da sala essa questão da vida do adulto. (E – Ana)

Aproxima-se também de tal concepção ao afirmar que faz uso em suas aulas de jogos e recursos didáticos, que podem facilitar a aprendizagem de conceitos matemáticos.

Por outro lado, notamos que as falas de Ricardo e Ana se remetem a uma visão Bancária de Educação, quando destacam apenas o aspecto utilitário da Matemática, não sinalizando a necessidade do aspecto formativo dessa ciência:

A diferença está na maneira de apresentar o conteúdo/ exercícios, que tem que ser mais prático. (Q3-B-3- Ricardo)

Usar exemplos do cotidiano, do viver dos alunos, ou seja, as atividades praticadas naturalmente no dia a dia. (Q3- B-1- Ricardo)

Sobre essa temática, Fonseca (2007) declara que além da dimensão utilitária da Matemática, os estudantes da EJA compreendem, solicitam e apreciam também sua dimensão formativa, onde os aspectos formativos adquirem um caráter de atualidade, num resgate de um vir a ser sujeito de conhecimento que precisa realizar-se no presente.

Ana aproxima-se também do mesmo modelo, quando demonstra uma visão preconceituosa da cognição dos Jovens e Adultos, nos levando ao entendimento de que compreende que a capacidade de aprendizagem dos adultos é inferior à capacidade das crianças que estudam no Ensino Regular: "Mas é, é muito lento. O adulto, a mente dele, sei lá, não é que é difícil de entender, ele é mais lento que a criança. A criança depois que ela entende (estalo com os dedos) pode descansar que ela caminha sozinha." (E – Ana).

Esse modelo é ainda destacado quando a professora afirma que o principal recurso metodológico que deve ser utilizado no processo de ensino da Matemática na 2ª Etapa da EJA deve ser a fala do educador, nos levando a compreender que suas aulas são expositivas e centradas na transmissão de informações: "A principal metodologia mesmo é o discurso... Tem que falar". (E- Ana)

 E finalmente, quando os professores não compreendem que a Etnomatemática, a Resolução de Problemas, a Modelagem Matemática, a História da Matemática, os Projetos de Trabalho, e a utilização dos Recursos Tecnológicos, constituem-se como importantes perspectivas metodológicas para o ensino da Matemática na EJA.

Isabel se aproxima do modelo Emancipador ao declarar que o modo como ensina Matemática para os alunos da EJA é diferente do jeito que ensina para os alunos do Ensino Regular, pois compreende que os alunos da EJA já possuem conhecimentos da prática cotidiana: "sim, os alunos da EJA já têm a prática oral..." (Q3-B-3- Isabel). Aproxima-se também, ao compreender que o processo de aprendizagem dos conhecimentos matemáticos pelos adultos se dá a partir dos aspectos relacionados ao dia a dia, e também, que a utilização de jogos e materiais concretos nas aulas pode facilitar a aprendizagem matemática.

Na verdade eles já têm essa aprendizagem da prática. Eles são pedreiros, empregadas domésticas... e aí a gente tem que trabalhar com dominó, fazer bingo, com materiais concretos para ele tá assimilando melhor. Tornar a aula mais prazerosa senão eles têm mais dificuldade. (E – Isabel)

 Ou ainda, quando menciona que estimula o diálogo e considera a confiança como algo que deve ser prezado na EJA para que se tenha uma aprendizagem efetiva com adultos: "primeiro a confiança que eles têm que depositar, a gente passar esta troca para eles, pra eles se abrir... são pessoas que tem a família desestruturada e aí você tem que tirar tudo aquilo da cabeça dele pra eles terem uma aprendizagem melhor" (E – Isabel).

Maria remete-se ao modelo Emancipador, ao considerar os conhecimentos prévios dos estudantes no processo de ensino dos conhecimentos matemáticos e ao revelar que introduz os conceitos relacionando-os com exemplos concretos do dia a dia e com o ambiente escolar.

É levar do conhecimento dele, dando exemplos do dia a dia de um trabalho que eles estão fazendo, por exemplo, eu ganho um salário mínimo. Tá, então vamos trabalhar com a porcentagem... Então sempre mostrando exemplos concretos do dia a dia. Essa é a melhor maneira. (E – Maria)

Também é perceptível a manifestação de Maria pautada nos pressupostos de tal modelo, ao compreender que o lúdico é uma das formas mais adequadas de ensinar Matemática na 2ª Etapa da EJA, e que os jogos e os materiais concretos seriam os recursos didático-metodológicos mais apropriados no processo de ensino de tal disciplina.

Por outro lado, notamos que as falas das professoras também se remetem a uma visão tradicional de EJA. Isabel ao contemplar apenas o papel funcional do ensino de Matemática:

Quando sai, por exemplo, o aumento do salário mínimo... Aí fizemos a conta do salário mínimo. A gente faz tudo isso com eles... porque não adianta você cumprir o que a Secretaria quer, se ele não consegue assimilar o que ele vem buscar. Ele vem buscar a ansiedade dele, do dia a dia... (E – Isabel)

Notamos que Isabel prioriza um ensino de Matemática contextualizado e significativo para a 1ª Etapa da EJA, pois valoriza as vivências e os conhecimentos prévios de seus educandos. Todavia, tal ensino é simplista, voltado apenas às necessidades sociais imediatas de seus alunos. Dessa forma, podemos inferir que a professora nega a seus educandos o direito de acesso aos saberes historicamente construídos. Sobre essa prática, Duarte declara:

O objetivo aí é o de que a matemática não seja vista separada dos problemas                        sociais. Essa vinculação entre a matemática e as necessidades sociais é realmente importante e tem sido destacada por vários autores. No entanto, não se pode perder de vista que o objetivo central da atividade daquele que se propõe a ensinar matemática é o ensino desta. [...] Assim, as camadas populares continuam sem o domínio dessa ferramenta cultural (1986, p. 9).

Maria se aproxima da perspectiva Bancária, quando cita que a diferença do modo como ensina Matemática para seus alunos da 2ª Etapa da EJA está na quantidade de conteúdos, pois trabalha os mais importantes, devido ao tempo ser reduzido na EJA: " a diferença é que trabalho o mais necessário, pois o tempo é bem corrido" (Q3-B-3- Maria).

Remete-se também a mesma perspectiva, quando não revela a compreensão de que os alunos da EJA necessitam de um trabalho pedagógico diferenciado devido às suas especificidades. A perspectiva Bancária é percebida ainda quando Maria declara que propõe muitos exercícios de fixação, nos levando a um entendimento de que para ela a aprendizagem ocorre pela repetição: "bom, no primeiro momento quando o aluno já tá sabendo as quatro operações, a gente procura fazer muitos exercícios de fixação" (E – Maria).

E finalmente, quando Isabel e Maria não compreendem que a Etnomatemática, a Resolução de Problemas, a Modelagem Matemática e a História da Matemática, os Projetos de Trabalho, e a utilização de Estratégias Metacognitivas e os Recursos Tecnológicos, constituem-se como importantes perspectivas metodológicas para o ensino da Matemática no Primeiro Segmento da Educação de Jovens e Adultos.

6. Considerações Finais

Ao analisarmos os documentos escolares e as falas dos professores, podemos dizer que em vários momentos encontramos contradições entre as falas dos professores investigados e o que encontramos ao analisar os seus documentos escolares. Tais dados revelaram que os conteúdos matemáticos indicados pela Proposta Curricular para o Primeiro Segmento da EJA (2001) e pela Matriz Curricular da EJA de Cuiabá foram concebidos e trabalhados em sua totalidade somente pela professora Ana. Ricardo, Isabel e Maria, propuseram parcialmente os conteúdos matemáticos preconizados nos mesmos documentos. Assim, os professores nos levam ao entendimento de que não compreendem a importância no que se refere aos conteúdos dos blocos "Geometria", "Medidas" e "Introdução à Estatística", para o ensino e aprendizagem da Matemática no contexto da Educação de Jovens e Adultos.

Diante disso, percebemos que apesar dos professores compreenderem que os estudantes da EJA são adultos, que já têm experiências de vida e que já estão inseridos no mercado de trabalho, muitas vezes, isso não foi levado em consideração na elaboração dos documentos analisados, pois conteúdos matemáticos importantíssimos foram excluídos, como é o caso dos blocos referentes à "Geometria", "Medidas" e "Introdução à Estatística". A ausência desses conteúdos provoca-nos preocupação, pois negligenciar esses conteúdos é negar-lhes a possibilidade de uma aprendizagem mais eficiente.

Diante disso, os dados revelaram que as concepções dos quatro sujeitos da pesquisa transitam entre às perspectivas Bancária e Emancipadora de Educação sobre os conteúdos propostos para o ensino e aprendizagem da Matemática na 1ª e 2ª Etapas da EJA. Todavia, Ricardo, Isabel e Maria demonstram que suas concepções tendem à perspectiva Bancária.

Quanto às metodologias propostas para o ensino e aprendizagem da Matemática na 1ª e 2ª Etapas da EJA, os dados nos revelaram que, de maneira geral, as concepções de nossos sujeitos se aproximam mais da perspectiva Bancária de Educação Matemática, com exceção da professora Isabel, pois na maioria das vezes, as metodologias não passaram de exercícios repetitivos e problemas padrões retirados de páginas de livros didáticos, solicitando mais a memorização e fixação, do que de fato a construção dos conceitos.

Outro ponto a ser considerado é que, em alguns casos, os livros didáticos que os professores utilizaram para planejar o ensino da Matemática na EJA são indicados para o ensino dessa disciplina no Ensino Regular, caracterizando assim, a infantilização do ensino nessa modalidade. Contudo, deixamos claro que não temos a intenção de emitir juízo de valor ao trabalho docente dos sujeitos de nossa pesquisa, pois esses se esforçam muito para que seus alunos aprendam, além do que, são muito atenciosos e dedicados às suas profissões. O que ocorre é que sob o enfoque inovador, os dados nos revelaram que as metodologias propostas pelos professores não apresentam aspectos diferenciados das práticas pedagógicas convencionais.

De maneira geral, observamos que a Matemática muitas vezes é deixada em segundo plano na 1ª e 2ª Etapas da EJA. A Matemática aparece nas Propostas, nos documentos oficiais e nas falas dos professores, mas na prática nem sempre os quatro grandes blocos de conteúdos matemáticos estão sendo contemplados. Assim, além de ser dada pouca importância a tal disciplina na fase de alfabetização dos Jovens e Adultos, o pouco que se trabalha é dado em uma perspectiva tradicional, por uma metodologia que valoriza a aplicação, a repetição e a memorização, onde o conhecimento, geralmente, é transmitido de forma estática, em que os educadores passam para o quadro-negro aquilo que julgam ser importante para os alunos.

Referências

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1. Licenciada em Matemática, Mestra em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso. Email: leticiavanin@yahoo.com.br

2. Doutora em Educação pela USP, Professora no Programa de Pós-Graduação em Educação na UFMT, Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática – PPGECEM, curso de doutorado da Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática – REAMEC.


 

Vol. 36 (Nº 20) Año 2015
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