Espacios. Vol. 36 (Nº 24) Año 2015. Pág. 24

Uma contribuição para a celeuma sobre a cientificidade da administração

A contribution to about stir the scientific administration

Carlos Otávio SENFF 1; Claudimar Pereira da VEIGA 2; Luciano BENDLIN 3; Emilio EVERS NETO 4; Claudineia KUDLAWICZ 5; Luiz Carlos DUCLÓS 6

Recibido: 28/08/15 • Aprobado: 12/10/2015


Contenido

1. Introdução

2. O objeto de Estudos da Administração

3. Conhecimento Científico e Epistemologia

4. Critérios de Demarcação

5. Considerações Finais

Referências


RESUMO:

O objetivo deste estudo é corroborar com o debate acerca da cientificidade da administração, celeuma que absorve atenção do meio acadêmico para um entendimento maior sobre a questão. Neste sentido, desenvolveu-se um ensaio teórico exploratório, onde foi considerada a evolução histórica desta disciplina, seu objeto de estudos, sua relação com outras ciências, e por fim, os critérios de demarcação da ciência e fundamentos filosóficos de Karl Popper, Thomas Kuhn e Imre Lakatos, ícones da filosofia contemporânea da ciência. Como contribuição de pesquisa, evidencia-se a cientificidade da Administração, já que apresenta áreas de domínio ou linhas de demarcação, são passíveis de falseamento empírico, atende aos pressupostos da ciência paradigmática, e que se ajusta ao modelo dos programas de pesquisa.
Palavras-chave: Administração como ciência; Epistemologia; Critérios de Demarcação.

ABSTRACT:

This study aims to corroborate the debate about scientific management, stir it absorbs attention from academia to a greater understanding of the issue. For the commission has developed an exploratory theoretical essay, which was considered the historical evolution of this discipline, its object of study, its relationship to other sciences, and finally, the criteria for demarcation of science and philosophical foundations of Karl Popper, Thomas Kuhn and Imre Lakatos, icons of contemporary philosophy of science. As a research contribution, highlights the scientific Administration, since it has domain areas or lines of demarcation are amenable to empirical falsification, meets the paradigmatic assumptions of science, and that fits the model research programs.
Keywords: Administration as science; Epistemology; Criteria for the Demarcation.

1. Introdução

A celeuma da ciência da administração permanece no meio acadêmico exigindo maiores considerações acerca da sua cientificidade. Desde que Taylor publicou sua obra Princípios da Administração Científica, causou uma crescente busca por eficiência e eficácia nas organizações industriais inicialmente, abrindo um campo de estudos abraçado por muitos pesquisadores que multiplicaram o conhecimento sobre Administração, tornando-o cada vez mais elaborado, sendo desenvolvido em todos os tipos de organizações.

As principais críticas são originárias de filósofos das ciências puras que alegam a falta de critérios de demarcação científica dos estudos na área. Outras críticas são direcionadas ao posicionamento metodológico adotado em pesquisas da administração. Na opinião de muitos cientistas e filósofos, a ciência da administração se utiliza de conhecimentos de outras ciências, como da economia, da psicologia, da sociologia, da antropologia, entre outras, e por isso não pode ser considerada uma ciência, já que se torna difícil estabelecer qual é o seu objeto de estudos.

Em função da sua significância, decorrente do variado e crescente campo de estudos, esta discussão já foi realizada por muitos pesquisadores, que buscaram estudar o assunto. Porém, são os estudos que abordam a demarcação como critério de definição de ciência, os que mais contribuem para evidenciar com maior nitidez a classificação da mesma. É importante considerar que nem todos os autores concordam com o que estabelece o que é, ou não, ciência, existindo posicionamentos similares e posicionamentos contraditórios entre eles.

Dessa forma, este estudo tem como objetivo corroborar com o debate acerca da cientificidade da administração, considerando a evolução histórica desta disciplina, seu objeto de estudos, sua relação com outras ciências, e por fim, os critérios e fundamentos filosóficos das ciências de Karl Popper, Thomas Kuhn e Imre Lakatos, ícones da filosofia contemporânea da ciência. Sendo assim, este ensaio teórico foi elaborado para responder a questão central: A Administração pode ser considerada uma ciência?

2. O objeto de Estudos da Administração

A administração como práxis pode ser considerada como uma das atividades mais antigas da humanidade, aplicada na mobilização e manutenção dos exércitos, nas organizações políticas e econômicas das sociedades, no comércio, na agricultura, etc. Porém, é no período da Revolução Industrial, na floração de um novo modelo econômico, onde as empresas cresciam de forma acelerada e desorganizada é que se despertou para a necessidade de melhorias no aproveitamento dos recursos utilizados e maximização dos lucros. Justamente neste contexto que Frederick Winslow Taylor, engenheiro americano, desenvolve seu trabalho de análise das tarefas apresentado em sua primeira obra em 1903, intitulada Gerência de Fábrica, que aborda o estudo de tempos e movimentos e técnicas de racionalização do trabalho. Porém, foi em 1911 que o autor apresenta um estudo teórico mais robusto, Princípios da Administração Científica, que além de contemplar a racionalidade do trabalho, aborda questões como a supervisão funcional, o planejamento de tarefas e cargos, a padronização de ferramentas, a meritocracia, entre outros, que possuem a finalidade de melhorar os níveis de eficiência organizacional e como consequência da eficácia.

Em 1916, Jules Henri Fayol, engenheiro francês, publica a obra Administração Geral e Industrial, contribuindo fortemente para marcar os primórdios da Administração como disciplina como apontam Maciel e Silva (2011). A Teoria Clássica da Administração tem seus principais fundamentos nos 14 Princípios Gerais da Administração de Fayol, que com ênfase na estrutura organizacional procura organizar o comando, definir as responsabilidades, estruturar as equipes de trabalho, entre outros. Porém, é a definição das cinco funções da administração que destaca a administração das demais atividades funcionais. O Planejamento, a organização, o comando, a coordenação e o controle são fundamentos para a melhoria da eficiência e eficácia organizacionais, segundo a teoria de Fayol.

A Teoria da Burocracia, enunciada pelo sociólogo Max Weber em 1909, trouxe valiosa contribuição que se baseia na racionalidade para garantir a máxima eficiência possível no alcance dos objetivos organizacionais. A centralização do comando, a clareza das responsabilidades e tarefas pela definição de rotinas e procedimentos formais, rapidez nas decisões, impessoalidade nas relações, são algumas das contribuições desta teoria.

            Na busca da consideração de fatores que pudessem dar novas explicações para as diferenças de desempenho percebidas entre os indivíduos no trabalho, psicólogos e sociólogos adentraram ao campo das organizações com o pressuposto de que condições gerais e objetivas de trabalho estariam associadas à produtividade (MACIEL; SILVA, 2011). Entre eles, George Elton Mayo, cientista social e médico australiano, foi um dos precursores da Teoria das Relações Humanas, contrariando os postulados de Taylor e Fayol, redirecionando a ênfase nas tarefas e na estrutura para a ênfase nas pessoas, substituindo a concepção de "homo economicus" para "homo social". Com as experiências de Hawthorne  realizadas a partir de 1927 coordenadas por Elton Mayo na fábrica Westerm Electric Company, foram delineados os princípios básicos da Abordagem Humanista, derrubando a preponderância dos fatores fisiológicos sobre os psicológicos. Ou seja, é a capacidade social do trabalhador que estabelece o seu nível de competência e de eficiência, não sua capacidade de executar corretamente os movimentos dentro de um tempo pré-determinado. Outros autores agregaram referencial teórico à abordagem humanista no sentido das relações sociais e psicológicas são: Mary Parker Follet, Kurt Lewin, Hebert Alexander Simon, Abraham H. Maslow, Frederick Herzberg e Douglas M. McGregor.

A Teoria Neoclássica da Administração surge da necessidade de se resgatar os pressupostos da Teoria Clássica e Científica da Administração, como a ênfase na prática da administração, a reafirmação relativa das proposições clássicas, nos princípios gerais de gestão e nos objetivos e resultados. Os autores que contribuíram para seus enunciados foram Peter Drucker, Willian Newman, Ernest Dale, Ralph Davis, Louis Allen e George Terry, entre outros.

Inspirada pelo biólogo Karl Ludwig von Bertalanffy, a Teoria dos Sistemas enfatizou a noção de equilíbrio dos elementos internos das organizações em meio ao seu ambiente externo, trazendo o conceito de sistema aberto, onde um conjunto de partes interagentes e interdependentes que, conjuntamente, formam um todo unitário com determinado objetivo e efetuam determinada função (OLIVEIRA, 2002, p. 35). O pensamento sistêmico traz contribuições importantes para as organizações no seu processo de transformações dos produtos e prestação dos serviços; comunicação entre os colaboradores e sua relação com o cliente.

A Teoria Contingencial surgiu a partir de uma série de pesquisas realizadas para verificar quais os modelos de estrutura organizacionais seriam mais eficazes em determinados tipos de ambiente. A abordagem contingencial explica que existe uma relação funcional entre as condições do ambiente e as técnicas administrativas apropriadas para o alcance eficaz dos objetivos da organização. Essas condições ambientais são contingências consideradas como oportunidades ou como restrições que influenciam a estrutura, os processos internos e o desempenho da organização. As pesquisas de Alfred D. Chandler sobre estratégia e estrutura organizacional trouxeram significativos resultados, demonstrando que a estrutura se ajustou com a estratégia de mercado. Burns e Stalker desenvolveram pesquisa sobre organizações mecanísticas e orgânicas para entender a relação existente entre as práticas administrativas e o ambiente externo dessas organizações.

A Teoria Institucional teve seu início com os postulados de Meyer e Rowan (1977), segundo os quais as organizações são conduzidas a modificar suas as práticas e procedimentos definidos em função dos conceitos e práticas predominantes no ambiente organizacional e sociedade (VEIGA et al., 2014). Dessa forma, muitas organizações incorporam os "mitos" do ambiente institucionalizado, deixando de lado as reais necessidades de trabalho, ou seja, deixando de ser eficientes. As mudanças nas estruturas organizacionais deixaram de ser impulsionadas pela concorrência e necessidade de eficiência, resultando em processos que tornam as organizações mais similares, sem necessariamente serem mais eficientes. Ou seja, as abordagens organizacionais altamente estruturadas proveem um contexto no qual o esforço individual para tratar racionalmente a incerteza e restrições em que diferentes organizações, na mesma linha de negócios, se estruturam no mesmo ambiente institucional, "forças poderosas" emergem levando essas organizações a tornarem-se similares entre si. Essas entidades podem mudar suas metas ou desenvolver novos processos, mas os atores que tomam decisões constroem em sua volta um ambiente que restringe as mudanças, frustrando inovadores individuais que buscam a melhoria no desempenho do processo (DIMAGGIO; POWELL, 1983, p. 148-149).

Percebe-se nesse conjunto de teorias a multiplicidade de contribuições advindas de outras áreas do conhecimento, como a economia, engenharia, sociologia, psicologia, antropologia e biologia, corroborando para a formação de uma base teórica que não existe isoladamente na área de origem com a finalidade aplicada em Administração. O campo de estudos da Administração é uma interseção de diversas disciplinas que compõem um complexo objeto de estudos. E qual seria o objeto de estudos da Administração? Willmott (2005), aponta que o objeto de análise foi ficando cada vez mais claro, e a partir de seus elementos internos e externos, a organização se destacou como maior objeto de estudos. Segundo Maciel e Silva (2011), a área apresenta um objeto de análise bem definido, como mostra a própria história da evolução do pensamento administrativo, os diversos esforços dos teóricos da administração, desde seus primórdios versaram sobre o mesmo elemento, a organização, com ênfase em diferentes aspectos. Ulrich (1990), afirma que o objeto da Administração não é definido por um ou outro critério de seleção, mas sim de acordo com a perspectiva empregada para se compreender determinado problema dessa área, existindo a possibilidade de delinear o objeto da Administração de uma maneira a partir das ciências econômicas, de outro modo a partir das áreas funcionais da organização. Santos e Santana (2010), afirmam que embora sua atenção esteja na organização, no trabalho e na gestão, ainda não se chegou a uma definição clara quanto ao seu objeto, sugerindo que seu objeto poderia ser definido como gestão do desenvolvimento, pois a administração passa a estudar as organizações como um fenômeno social, tendo uma preocupação mais ampla e não somente na maximização da eficiência produtiva. Hatch (1997), aponta que considerando as diferentes abordagens empregadas para o estudo da Administração, percebe-se que elas não são exclusivas, mas sim complementares e cumulativas nos seus conteúdos, tornando o seu objeto de estudo ainda mais complexo. Corbi (1998) relata que a administração pode se caracterizar como uma ciência social aplicada. Ciência social pelo fato de que os problemas que analisa procedem de ações humanas. Ao contrário da psicologia, o interesse da "ciência da empresa" não é descobrir princípios abstratos do comportamento, mas, aplicar esses princípios para compreender e predizer os comportamentos que correspondem a uma disciplina específica. A administração também pode ser caracterizada como ciência aplicada porque dispõe de instrumentos metodológicos para resolver os problemas das organizações.

Muitos autores afirmam que o objeto da administração está centrado no estudo da organização, trazendo um suporte conceitual para fundamentar isso. No entanto, se percebe que isoladamente a sociologia, a economia, a psicologia, etc, também têm a organização como fonte de estudos específicos de suas áreas do saber, não sendo uma exclusividade da Administração. O ambiente de estudos da administração se dá nas organizações e suas relações com o ambiente, mas são a eficiência e a eficácia organizacionais os enunciados evidenciados em cada teoria formulada, é que proporcionam à Administração um objeto de estudos exclusivo, que nenhuma outra disciplina atende convenientemente.

Mesmo que ainda controverso, percebe-se que a Administração possui um objeto de estudos, restando equacionar sobre se podemos considerá-la uma ciência.

3. Conhecimento Científico e Epistemologia

Para a compreensão maior sobre o cientificidade da Administração se faz necessário primeiramente entender o que é ciência. Quem, a respeito de um saber, pergunta se ela é ou não ciência, está com isso evocando um dos debates que mais ocuparam os filósofos e teóricos da ciência desde o Séc. XIX até meados do Séc. XX, e que ainda se arrasta em alguns ambientes mais conservadores, como aponta Mattos (2009). O autor salienta que é a chamada "questão da demarcação", a demarcação ou linha divisória entre ciência e não-ciência, um critério teórico sustentável, qualquer que seja sua aplicação à prática. Essa discussão acerca da cientificidade das disciplinas das ciências sociais, ocorre em função do posicionamento de alguns filósofos da ciência que alegam que estas não possuem adequação metodológica para se classificarem como tal. Granger (1994), salienta que alguns cientistas não consideram o estudo dos fenômenos dos fatos humanos como ciência porque não possuem a fecundidade e a solidez dos saberes da biologia, da química e da física.

O conhecimento científico difere do conhecimento desenvolvido com o senso comum, o que os gregos clássicos faziam questão de diferenciar. A epistemé, de onde deriva o termo epistemologia, é o conhecimento confiável obtido através de critérios, derivado do grego kripterion que significa pedra de sustentação, alicerce, base, que davam suporte aos juízos de valor sobre determinado assunto, o que a doxa, não sustentava por falta de critérios gerados pelo conhecimento comum. Bachelard (1996, p. 18) aponta essa tradição:

"A ciência, tanto por sua necessidade de coroamento como por princípio, opõe-se absolutamente à opinião. Se, em determinada questão ela legitimar a opinião, é por motivos diversos daqueles que dão origem à opinião; de modo que a opinião está, de direito, sempre errada. A opinião pensa mal; não pensa: traduz necessidades em conhecimentos. Ao designar os objetos pela utilidade ela se impede de conhecê-los."

Faria (2011) aponta que a ciência do conhecimento não é uma unidade, um bloco monolítico. Trata-se de uma totalidade com linhas de demarcação ou áreas de domínio, porque não existe um modelo puro, já que as áreas de domínio podem possuir alguns elementos constitutivos comuns, sendo que o que os diferencia é a combinação e disposição desses elementos. Santos (2004) da mesma forma aponta que o termo epistemologia não possui um sentido único, consistindo em um conceito flexível que varia conforme os pressupostos filosóficos e ideológicos dos críticos de diferentes países e culturas. Houaiss (2001), afirma que a epistemologia está relacionada à questão da reflexão em torno da natureza e dos limites do conhecimento humano.

A definição do conhecimento científico é trabalhada há longa data. Platão trata o conhecimento como "crença verdadeira e justificada" de forma mais abstrata. A visão Aristotélica pressupõe uma visão mais prática da realidade afirmando que é possível compreender qualquer fenômeno da natureza, desde que se conheça suas causas. Grayling (1996) descreve que a epistemologia tem ocupado plano central na filosofia a partir da era moderna com os trabalhos de Descartes (1596-1650) escola francesa do Racionalismo, baseada na razão e de Locke (1632-1704), escola inglesa do Empirismo, baseado na experiência. Francis Bacon (1561-1626), aponta que para desenvolver o conhecimento confiável, o pesquisador deve se destituir de pré-conceitos e juízos, sem apresentar tendências, iniciando o uso de instrumentos para potencializar os sentidos, sendo um dos precursores da ética na pesquisa científica. Emmanuel Kant (1724-1804), em A Crítica da Razão Pura, propõe a mescla da experiência e da razão, apontando que nada pode ser extraído exclusivamente da própria razão através de juízos tautológicos do conhecimento. Augusto Comte (1798-1857), evidencia a necessidade de maiores explicações para validar o conhecimento científico, positivando o conhecimento, surgindo aí o Positivismo. Comte é o autor que utilizou o termo física social pela primeira vez para designar os estudos referentes ao comportamento social, evidenciando sobre as peculiaridades da pesquisa e métodos a serem utilizados para a validação do conhecimento.

Importante também considerar sobre o termo "científico", que dá conotação de algum tipo de mérito ou um tipo especial de confiabilidade. Assim, no sentido popular, o conhecimento científico significa conhecimento provado (CHALMERS, 1993). Lakatos (1979), escreveu que por vários séculos o conhecimento científico significou conhecimento provado pela força do intelecto ou pela força dos sentidos e que se deveria abrir mão das afirmativas não provadas. Assim, a crença era, e talvez ainda seja até hoje para muitos, a de que o conhecimento científico é confiável porque pode ser provado objetivamente. A racionalidade crítica requerida pela ciência é obtida por meio de um rigoroso caminho que só é possível de ser alcançado com uma metodologia precisa de acordo com os objetivos da pesquisa. A metodologia por si não garante a desejada racionalidade, mas é um caminho seguro em busca da sua consecução. Ela não exclui a preocupação crítica, mas facilita os instrumentos para o desenvolvimento da ciência e deve estar presente nos processos de descobrimento (CORBI, 1998).

Corbi (1998), aponta que a finalidade da ciência é ampliar os conhecimentos em torno da natureza, objetos ou de entidades. Segundo o autor, a ciência se classifica em ciências formais e ciências reais. A primeira tem um caráter analítico e trata de objetos ou entidades que não existem na realidade e fundamentam as ciências reais e, assim, antecede-a. As ciências reais, também denominada de empírica e experimental, tratam de objetos ou entidades reais e se subdivide em ciências naturais e ciências sociais. A ciência natural, mais tradicional e discutida pela filosofia, busca a compreensão pelas leis da natureza, enquanto a segunda tem por objetivo conhecer e compreender o comportamento humano. Tanto as ciências naturais quanto as sociais se subdividem em ciência pura, que se interessa pela compreensão dos fenômenos investigados, cujo cerne é a busca do conhecimento e a ciência aplicada, que trata de modificar a realidade, tomando como base os conhecimentos da ciência pura.

Em linhas gerais, epistemologia poderia significar reflexões teóricas sobre conhecimento ou técnica do pensamento que se encontra expresso nos textos, ou seja, método efetivamente utilizado quando o texto foi concebido (FARIA, 2011). Porém, segundo o autor, estas visões são bastante toscas, porquanto ao não disporem de categorias de mediação e de elementos constitutivos destas categorias, acabam por fazer da epistemologia uma concepção primitiva. Assim, é necessário aprofundar mais o conceito, mas não apenas este. É necessário compreender quais elementos constituem e caracterizam cada uma das Dimensões Epistemológicas.

Depois de analisar alguns conceitos sobre ciência e epistemologia, volta-se a questão sobre o julgamento sobre a cientificidade da disciplina da Administração. Desde que a ciência sai da observação material dos fatos, e trata de apreciar e de explicar esses fatos, o campo está aberto a conjecturas. Cada disciplina traz seu pequeno sistema de análises, que quer fazer prevalecer e o sustenta por obstinação. No entanto, não é comum verificar constantemente as opiniões mais divergentes preconizadas e rejeitadas, logo repelidas como erros absurdos, depois proclamadas como verdades incontestáveis? Para as coisas relacionadas com o seu domínio de saber o cientista faz jus a seu título de sábio; no entanto, quando se trata de princípios novos, e coisas desconhecidas, sua maneira de ver muitas vezes é hipotética. Seu posicionamento é muitas vezes carregado de preconceito, e o faz como propensão natural, submetendo tudo ao ponto de vista que ele aprofundou: o matemático não vê prova senão numa demonstração algébrica, o químico relaciona tudo com a ação dos elementos, o economista com a escassez. Equivaler a opinião de um cientista que não conheça sobre Administração é o mesmo que pedir um julgamento de um físico sobre uma questão de música.

Para aqueles que sem um estudo prévio e aprofundado da matéria, se pronunciam pela negativa da disciplina, esquecem que o mesmo ocorreu na maioria das grandes descobertas da humanidade. Franklin quando expôs suas ideias sobre o para-raios para uma douta plateia, foi acolhido com uma explosão de risos; Fulton quando apresentou seus estudos relacionados a marinha à vapor, obteve o escárnio e o sarcasmo da assembleia considerada a elite dos sábios do mundo; Einstein também foi ridicularizado com sua Teoria da Relatividade pelos cientistas da época. A consequência imediata deste processo autorregulador é que se são as leis do próprio discurso científico que determinam o seu desenvolvimento e se o mesmo não tem obstáculos, a conclusão do saber é sempre possível, bastando apenas remover algumas dificuldades meramente formais que, momentaneamente constituem um entrave (FARIA, 2012). Tudo não passa de uma questão puramente técnica, em que a história da ciência é apenas um desenvolvimento, uma evolução que "conduz o conhecimento do erro à verdade" e em que "todas as verdades se medem pela última que aparece" (LECOURT, 1980, p. 12).

Os estudos em Administração se desenvolvem em todos os cantos do mundo, assim como se multiplicam os cursos de formação na área e os de pós-graduação. A produção acadêmica em administração, no mundo todo e, especialmente, no Brasil, está em crescimento, o que se pode confirmar pela observação do crescimento no número de estudos submetidos e publicados em eventos e periódicos da área, bem como no número de dissertações e teses desenvolvidas (WALTER; AUGUSTO, 2008). Segundo Santos (2003), há na administração, a ausência de um consenso metodológico. Essa característica, segundo o autor, está relacionada à multidisciplinaridade da administração, visto que ela interage com o ambiente e se utiliza do conhecimento de outras áreas, como a psicologia, a sociologia, a economia, a ciência política e a antropologia, processo que ocasiona um pluralismo metodológico na área.

Faria (2011), a respeito da formação de conceitos enunciada por Adorno (2009), afirma que os conceitos não progridem por etapas até o conceito superior mais universal. Os conceitos fazem parte de uma constelação que ilumina o que há de específico no objeto e o seu entorno (ADORNO, 2009, p. 140). A luz dos conceitos é capaz de iluminar o objeto em análise, mas não de mostrar com total clareza o que ele realmente é. O que não está iluminado também está ali, mas não pode ser observado. Por isso, o objeto é sempre mais do que se pode observar dele (FARIA, 2011). Esta concepção de Adorno indica que os conceitos não são verdades últimas que explicam um objeto, mas apenas uma ideia do que ele seja em si, concepção esta que coaduna com a de Chalmers (1993), que aponta que a melhor condição para o julgamento de avaliar se a teoria pode ser julgada científica ou não, é a posição relativista, que nega os critérios absolutos para esta demarcação, devendo ser julgado a partir da intensidade e alcance de investigação dos seus objetivos.

A pesquisa cientifica é instrumento por excelência para o desenvolvimento da teoria e para a ampliação do conhecimento. Entretanto, tem se tornando cada vez mais comum, em diversos programas de pós-graduação em administração, que a pesquisa seja padronizada, sendo considerado cientifico apenas o que se desenvolve segundo esse padrão (FARIA, 2011). O autor aponta que as implicações da padronização decorrem de uma concepção que considera as técnicas de pesquisa e os modelos de organização e apresentação dos trabalhos como metodologia. O resultado, segundo ele, é que teses e dissertações são produzidas em um mesmo formato, independentemente do objeto que se estuda, do tema e da abordagem. Algumas pesquisas podem se enquadrar nesse formato, mas imputar um padrão universal a todas as demais é forçar que procedimentos incompatíveis epistemologicamente, metodologicamente e teoricamente sejam reduzidos a uma e única representação. A metodologia não é uma sequência de técnicas, mas um conjunto de procedimentos, um processo, que se vale de técnicas diferenciadas (FARIA, 2011).

Entende-se que há uma relação entre epistemologia e metodologia:

"A Epistemologia é a base de toda concepção referente ao relacionamento do sujeito pesquisador com a complexidade do conteúdo de seu objeto de estudo. A dificuldade de compreender a importância desta relação por si mesma desemboca nos problemas que dizem respeito à orientação teórica e metodológica dos trabalhos (FARIA, 2011, p. 6-7). "

Dessa forma, uma pesquisa em administração deve considerar mais que técnicas e que referenciais teóricos pré-existentes, a epistemologia em que se move. As "técnicas compõem o sistema metodológico", mas não se confundem com ele, pois o método é um procedimento vinculado à concepção e à produção do conhecimento e, portanto, à epistemologia (FARIA, 2011). O autor aponta que os diferentes sistemas metodológicos podem se valer de mesmas técnicas, mas não as operam necessariamente da mesma forma. Assim, "é preciso haver uma conciliação necessária entre as técnicas mais apropriadas de pesquisa, a Dimensão Epistemológica e a metodologia nela contida e que lhe corresponde" (FARIA, 2011, p. 9).

Outra razão apontada no estudo de Walter e Augusto (2008) para a dúvida de alguns membros da academia em relação à conceitualização da administração como ciência refere-se à validade e à relevância dos resultados obtidos pelos estudos em administração. No que tange a esses critérios, pesquisas como as de Straub e Carlson (1989), Clark, Floyd e Wright (2006), Hoppen e Meirelles (2005), Walter, Baptista e Augusto (2008), Bertero, Caldas e Wood Jr. (1999), Bertero e Keinert (1994) revelam que os estudos em administração necessitam aperfeiçoar vários aspectos metodológicos e de relevância (WALTER; AUGUSTO, 2008). Dentre esses aspectos, destaca-se a importância de adotar procedimentos metodológicos rigorosos, independente do tipo de estudo realizado ou da posição epistemológica adotada apontam os autores. Faria (2012), nesse sentido, traz contribuição valiosa quando apresenta uma matriz das dimensões epistemológicas constitutivas, as quais são caracterizadas por elementos que compõem as Áreas de Domínio Epistemológico, como orientação epistêmica e áreas das Ciências Sociais e Aplicadas e das Humanidades. Com esta proposta o autor espera que seja possível oferecer uma visão de conjunto das diversas formas como o conhecimento científico em estudos em Administração é produzido, opondo-se ao mito de uma única e verdadeira forma de produção do saber, às crenças de que existem melhores formas que outras para se fazer estudos em Administração e às concepções de que cada Dimensão Epistemológica, por serem únicas, são constituídas por elementos também únicos. A finalidade do autor é de oferecer uma proposta que auxilie os pesquisadores em Administração a terem uma noção, embora básica, do processo epistemológico que guia suas pesquisas.

Para Faria (2012), como filosofia da ciência, a epistemologia seria um campo de pesquisa da filosofia que estuda os fundamentos, pressupostos e implicações filosóficas da ciência, estando diretamente relacionado à ontologia ao tentar explicar a natureza das afirmações e conceitos científicos e a forma como são produzidos: (i) os meios para determinar a validade da informação; (ii) a formulação e uso do método científico; (iii) os tipos de argumentos usados para chegar a conclusões; (iv) as implicações dos métodos e modelos científicos para as ciências. Este conceito parte do princípio de que todas as ciências possuem uma filosofia subjacente (FARIA, 2012). Segundo o autor, do ponto de vista das pesquisas em Administração a epistemologia não se ocuparia de quaisquer conhecimentos, mas daqueles que têm por objeto o saber científico, tecnológico e filosófico. Deste modo, portanto, a epistemologia deve ser reconhecida e referida como o estudo sistemático do conhecimento, que se vale tanto da ciência, quanto da tecnologia e da filosofia (FARIA, 2012).

Faria (2012) aponta que as diferentes Dimensões Epistemológicas encontram-se entre dois pólos: o empirismo ou experimentação e o racionalismo ou racionalidade. Segundo o autor, chama-se de Dimensão Epistemológica o conjunto de elementos constitutivos independentes necessários para descrever o espaço epistêmico específico que se está definindo. Uma Dimensão necessita considerar (i) cada uma das extensões e do alcance que se devem levar em conta nas relações entre seus elementos constitutivos e entre estes e os objetos do conhecimento sobre os quais se debruçam; (ii) que a dimensão é condicionada pelos elementos que a constituem, pela combinatória entre estes elementos e pela dinâmica de relacionamento desta combinatória na construção do conhecimento (FARIA, 2012). O autor defende que do ponto de vista das ciências sociais aplicadas existem seis dimensões epistemológicas clássicas: positivismo, funcionalismo, estruturalismo, fenomenologia, pragmatismo e materialismo histórico. A Dimensão Epistemológica é, sem dúvida, a única garantia de coerência na produção e desenvolvimento do conhecimento, porquanto é a partir desta instância que se estabelece o diálogo entre teorias, entre disciplinas e entre as ciências. Isto significa que o pesquisador não deve sobrepor dimensões ou importar elementos constitutivos de uma dimensão em outra, pois cada dimensão é única (FARIA, 2012).

Verificados os conceitos de ciência e epistemologia com seus fundamentos para a disciplina da Administração, entende-se que cada pesquisa deve assumir sua condição epistemológica como um estado inicial para, a partir dela, arguir os conceitos que utiliza (FARIA, 2012). 

4. Critérios de Demarcação

Compreender a percepção de consagrados filósofos da ciência é de extrema importância para clarear os aspectos sobre a cientificidade da Administração. A partir dos critérios de demarcação do que é ciência de Karl Raimund Popper, Thomas S. Kuhn e Imre Lakatos, para a verificação do falseamento, da formação do paradigma e dos programas de pesquisa respectivamente, buscou-se responder a questão.

4.1. Karl Raimund Popper

Segundo Popper (2004), o método das ciências naturais como aquele das ciências sociais, consiste em experimentar possíveis soluções para certos problemas, tanto os iniciais quanto os que surgem ao longo do processo de descoberta das verdades. As soluções são teorizadas e criticadas. Através das tentativas experimentais (tentativa e erro), se consolida e fortalece um pressuposto ou se descarta o mesmo. A objetividade da ciência repousa na objetividade do método crítico afirma Popper (2004, p. 16). O autor ainda aponta o equívoco na tese sobre objetividade científica e o mito do caráter indutivo utilizado largamente nas ciências naturais. Segundo o autor, é um erro admitir que a objetividade de uma ciência dependa da objetividade do cientista. O que pode ser descrito como objetividade científica é baseado unicamente sobre uma tradição crítica que, a despeito da resistência, frequentemente torna possível criticar um dogma dominante (2004, p. 23). A objetividade repousa  unicamente sobre uma crítica recíproca de cooperação e competição entre os pesquisadores. Com relação ao problema da liberdade da ciência no envolvimento em juízo de valores, o autor aponta que é impossível eliminar os interesses extra científicos e evitar sua influência na pesquisa; seja nas ciências naturais ou sociais. O que é possível e importante segundo o autor, é a diferenciação entre os interesses que não pertencem à pesquisa para a verdade e para o puro interesse científico da verdade, que não é o único princípio. "A relevância, o interesse, a significância são valores igualmente científicos" (2004, p. 24). Segundo o autor, a pureza da ciência é um ideal inalcançável, mas é um ideal para o qual devemos lutar/ buscar por intermédio da crítica. O cientista objetivo ou isento de valores é dificilmente o cientista ideal, "sem paixão não se consegue nada, a paixão pela verdade não é uma metáfora", aponta o autor.

O método falsificacionista é, segundo Popper (2004), aplicável a todas as ciências (naturais ou sociais). Neste sentido, o método de falsificação não visa provas factuais paras as teorias, apenas favorece a dedução no campo da lógica, demarcando o que é ou não ciência.

O método denominado de análise situacional elaborado por Popper quando trata das ciências sociais, é segundo Marin e Fernandes (2002) o método mais objetivo para estas ciências. O princípio da racionalidade exclui toda a característica psicológica e subjetiva das análises acerca das diferentes situações dos indivíduos, assumindo um postulado metodológico de difícil questionamento (dificilmente falsificável), diminuindo ou excluindo as discussões acerca da aceitação de um determinado princípio da racionalidade na ciência econômica, como apontam os autores.

Popper entretanto, caracteriza um espaço para debate crítico acerca dos resultados obtidos com os diferentes modelos explicativos, não importando quais são os princípios utilizados aos diversos contextos, mas ressaltando a discussão crítica dos resultados derivados destes modelos, desde que conduzida nas linhas do falsificacionismo e do racionalismo crítico. Marin e Fernandes (2002), concluem que a visão socrática de Popper é a mais adequada para conduzir os debates acerca dos resultados de seus modelos, estimulando avanços no pensar das situações econômico-sociais.

Maciel e Silva (2011) ressaltam a complexidade do objeto de análise que a administração envolve e comentam que ela é marcada tanto por teorias falseáveis quanto por teorias não falseáveis, em função de questões comportamentais que podem se basear em tautologias. Mesmo assim, pode-se considerar que suas teorias são na maioria falseáveis utilizando-se uma base empírica, o que demarca a disciplina da Administração como ciência.

4.2. Thomas S. Kuhn

Segundo Kuhn (1998), uma revolução científica ocorre quando um novo paradigma substitui o outro existente. Para a compreensão deste processo, o autor organizou uma estrutura lógica construída pelo amadurecimento do conhecimento; portanto, uma evolução longitudinal. Inicialmente na fase pré-paradigmática, ocorrem divergências entre os pesquisadores, princípios teóricos são enunciados, questiona-se o que deve ser explicado, definem-se regras e métodos, há uma descrição detalhada do objeto de estudo, além da busca de compreensão das inter-relações existentes entre as variáveis conhecidas. A maturidade deste processo conduz a fase científica, com a acomodação do que é, e do que não é. Nesta fase de ciência normal, o que o autor denomina paradigma, é que se estabelecem os princípios teóricos fundamentais e auxiliares. Paradigma é tido como um padrão, um modelo científico de referência, que serve de suporte para outras pesquisas, gerando ramificações e aprofundando o conhecimento acerca de uma realidade. O autor se refere a este padrão como um quebra-cabeça, e à medida que se encaixam as regras, os pressupostos e as relações, o paradigma estabelecido é um frutífero campo onde o pesquisador deve persistir. Porém, quando muitas peças não se encaixam sem explicações coerentes, e se estabelece uma crise na comunidade de pesquisa, é momento de partir para novo paradigma, iniciando a busca de novas concepções para as verdades que se desejam encontrar, desencadeando assim, uma revolução científica. É um processo cíclico e contínuo que nunca é absoluto e definitivo.

No campo de estudos da Administração, que possuiu pouco mais de um século, a complexidade, quantidade e qualidade dos estudos é crescente em função da dinâmica de mudanças no cenário socioeconômico num quebra-cabeças constante. Não há consenso em se determinar um paradigma dominante para a área ou se ela ainda se encontra em sua fase pré-paradigmática. Para Santos (apud DAMKE; WALTER; SILVA, 2010), há grupo que argumenta que a administração possui seus paradigmas e, portanto, ela é uma ciência, enquanto outros defendem que ela ainda está em sua fase pré-paradigmática.

De acordo com o exposto, verifica-se o posicionamento divergente de alguns autores sobre a visão paradigmática de Kuhn. Maciel e Silva (2011) apontam que qualquer tentativa de afirmar a existência de um paradigma em administração seria arbitrário e não veem como apontá-la como ciência a partir da perspectiva de paradigma. De outro lado, Damke, Walter e Silva (2010) apontam para a possibilidade da existência de um paradigma aceito pela comunidade científica em administração: o da "eficiência e eficácia". A multiplicidade de opiniões, o interesse crescente nesta área de estudos, as discussões geradas exclusivamente nesta disciplina e a corroboração do enunciado das teorias da Administração atestam que há um paradigma, classificando a Administração como ciência no critério de Kuhn.

4.3. Imre Lakatos

Aparentemente Lakatos (1979), mais ataca a posição de Kuhn do que expõe a lógica de Popper. Inicialmente concorda com Kuhn quando faz objeções ao falseacionismo ingênuo e quando destaca a continuidade do crescimento científico e a tenacidade de algumas teorias científicas. Mas, em contraposição, destaca que Kuhn erra ao pensar que se deixar de lado o falseacionismo ingênuo também põe de lado todas as classes de falseacionismo. Diz que Kuhn opõe objeções a todo programa de pesquisa popperiano e exclui a possibilidade do crescimento racional da ciência. Na visão de Kuhn não pode haver lógica, mas psicologia da descoberta e que para ele, na ciência sempre existem anomalias e incoerências e, por isso, em períodos normais, o paradigma dominante assegura um padrão de crescimento até que é derrubado por uma crise.

Lakatos (1979) aponta que crise é um conceito psicológico e continua dizendo que cada paradigma contém seus próprios padrões, que cada um traz uma racionalidade nova. Assim, "de acordo com a concepção de Kuhn, a revolução científica é irracional, uma questão de psicologia das multidões" (1979, p. 221). Com o colapso do justificacionismo, Popper criou novos padrões científicos, não justificacionistas. Mas, Kuhn "fez vistas grossas" ao falseacionismo sofisticado de Popper e ao programa de pesquisa que ele iniciou. Popper substituiu o problema da racionalidade clássica pelo crescimento crítico falível. A crítica destrutiva não elimina um programa, "mas só a critica construtiva pode, com a ajuda de programas de pesquisa rivais, obter êxitos reais; e os resultados espetaculares e dramáticos só se tornam visíveis a posteriori e através da reconstrução racional" (1979, p. 222).

Lakatos (1979) afirma que o falseacionismo dogmático é insustentável em função de duas suposições falsas e um critério rigoroso de demarcação entre o científico e não científico:

A primeira suposição de que há uma fronteira entre as proposições teóricas (ou especulativas) e as proposições fatuais (ou observacionais). O autor chama de "psicologia da observação" àquela que é feita com base numa "mente pura", guiada unicamente pelos sentidos, sem os preconceitos formados por uma teoria. Logo, não é possível crer em observações realizadas unicamente com base nos sentidos, puras, não teóricas, como por exemplo as observações de Galileu, que dependia da credibilidade do telescópio e da teoria ótica do telescópio.

A segunda suposição, que se uma proposição satisfaz ao critério psicológico de ser fatual (ou observacional), ela é verdadeira, ou seja, é possível afirmar que foi demonstrada a partir de fatos. Lakatos (1979) descreve que "nenhuma proposição fatual pode ser provada a partir de uma experiência, e só podem derivar de outras proposições, não se podem derivar de fatos". O autor descreve de forma enfática que não se pode provar teorias nem refutá-las e complementa incisivamente que "a demarcação entre as 'teorias' francas, não-provadas, e a 'base empírica' forte, provada, não existe: todas as proposições da ciência são teóricas e incuravelmente falíveis" (1979, p. 120-121).

Quanto ao critério de demarcação, em que uma teoria será científica se tiver uma base empírica", Lakatos (1979) afirma que mesmo que as experiências pudessem provar relatórios experimentais, o seu poder de refutação ainda assim seria restrito e que "são exatamente as teorias científicas mais admiradas que simplesmente falhem em proibir qualquer estado observável de coisas" (1979, p. 121). O autor aponta que a psicologia depõe contra a primeira, a lógica contra a segunda e o julgamento metodológico depõe contra o critério de demarcação.

O programa de pesquisa defendido por Lakatos é composto por um núcleo rígido "irrefutável" por conta do seu cinto protetor, que compreende uma série de pressupostos ou hipóteses que podem ser modificadas por decisão dos membros do programa de pesquisa e conferem a legitimidade do seu núcleo. As heurísticas do programa de pesquisa delimitam a ação do pesquisador. A heurística negativa faz com que o núcleo irredutível fique livre de ataques protegendo-o de ser falseável e a heurística positiva fortalece o núcleo sofisticando o cinturão protetor. Na prática da Administração, os pesquisadores usam as teorias baseadas em pressupostos e hipóteses para resolver os problemas da prática profissional fortalecendo o núcleo direcionador, validando dentro do critério de demarcação do autor, a Administração como ciência.

5. Considerações Finais

Este artigo teve como objetivo corroborar com o debate acerca da cientificidade da Administração como disciplina, que ainda é um celeuma que permanece no meio acadêmico exigindo maiores esclarecimentos e considerações. Para o cometimento foram pesquisados a evolução histórica desta disciplina, seu objeto de estudos, sua relação com outras ciências, e por fim, os critérios e fundamentos filosóficos das ciências de Karl Popper, Thomas Kuhn e Imre Lakatos, ícones da filosofia contemporânea da ciência.

A discussão iniciou com um levantamento histórico das teorias na área, percebendo-se a multiplicidade de contribuições advindas de outras áreas do conhecimento, como a economia, engenharia, sociologia, psicologia, antropologia e biologia, corroborando para a formação de uma base teórica que não existe isoladamente na área de origem com a finalidade aplicada em Administração. O campo de estudos da Administração pode ser considerado uma interseção de diversas disciplinas que compõem um complexo e único objeto de estudos. Muitos autores como Willmott (2005), Maciel e Silva (2011), Ulrich (1990), Santos e Santana (2010), Hatch (1997), Corbi (1998), entre outros, afirmam que o objeto da administração está centrado no estudo da organização, trazendo um suporte conceitual para fundamentar isso. No entanto, se percebe que isoladamente a sociologia, a economia, a psicologia, etc, também têm a organização como fonte de estudos específicos de suas áreas do saber, não sendo uma exclusividade da Administração. O ambiente de estudos da administração se dá nas organizações e suas relações com o ambiente, mas são a eficiência e a eficácia organizacionais os enunciados evidenciados em cada teoria formulada, é que proporcionam à Administração um objeto de estudos exclusivo, que nenhuma outra disciplina atende convenientemente. Damke, Walter e Silva (2010) partilham da possibilidade da existência de um paradigma aceito pela comunidade científica em administração: o da "eficiência e eficácia".

Com relação aos parâmetros relacionados aos conceitos do que é ciência, pode-se afirmar que a Administração pode ser considerada uma ciência, já que apresenta áreas de domínio ou linhas de demarcação. Nesse sentido, Farias (2011) aponta que não existe um modelo puro, já que as áreas de domínio podem possuir alguns elementos constitutivos comuns, sendo que o que os diferencia é a combinação e disposição desses elementos. No caso da Administração existem consolidadas pesquisas diretas e indiretas acerca do objeto mencionado, amplia-se o volume de livros e de trabalhos de natureza técnico-científica publicados, bem como ao aumento da oferta de cursos de graduação e pós-graduação stricto sensu que tem refinado as pesquisas na área; no entanto, se percebe a necessidade de aprimorar os aspectos metodológicos e de relevância (WALTER; AUGUSTO, 2008). Cabe ressaltar que se os estudos desenvolvidos nesta disciplina não fossem importantes por si mesmos para a formação do conhecimento da realidade, entende-se que já teriam se retraído ou finalizados. Dentre esses aspectos, destaca-se a importância de adotar procedimentos metodológicos rigorosos, independente do tipo de estudo realizado ou da posição epistemológica adotada apontam os autores, ressaltando-se nesse sentido a contribuição valiosa de Farias (2012), quando apresenta uma matriz das dimensões epistemológicas constitutivas, as quais são caracterizadas por elementos que compõem as Áreas de Domínio

Epistemológico, como orientação epistêmica e áreas das Ciências Sociais e Aplicadas e das Humanidades. Os estudos dos critérios de demarcação epistemológica do que é ciência de Karl Raimund Popper, Thomas S. Kuhn e Imre Lakatos, para a verificação do falseamento, da formação do paradigma e dos programas de pesquisa respectivamente, auxiliou na percepção dos aspectos sobre a cientificidade da Administração desses conceitos.

Nos critérios analisados dos três consagrados filósofos da ciência, verificou-se a cientificidade da Administração. Nos critérios de Popper, se observa que os estudos dessa área são passíveis de falseamento empírico, conforme o falseacionismo sofisticado; que a administração atende aos pressupostos da ciência paradigmática de Kuhn, apesar de não existir consenso sobre em que etapa se encontra; e que se ajusta ao modelo dos programas de pesquisa apresentados por Lakatos.

Tendo em vista os aspectos apontados e discutidos neste ensaio, reafirma-se a posição de que a administração gera conhecimento científico, podendo ser considerada uma ciência. Entretanto, ressaltando o valor dessa ciência aplicada, torna-se importante provocar debates de natureza epistemológica, e promover nesta comunidade científica o senso de responsabilidade para a construção de um conhecimento racional, sério e refinado, formando teorias e pressupostos que possam aproximar da realidade, trazendo contribuições que sejam relevantes e melhorem a gestão das organizações, melhorando sua eficiência e eficácia.

Como sugestão para pesquisas futuras, apesar de tantas evidências da cientificidade da Administração, surge a necessidade de ampliar o escopo da discussão por meio de entrevistas a pesquisadores da área de Administração e outras áreas para analisar os posicionamentos desses indivíduos sobre o tema e as vertentes teóricas nas quais se embasam. Além disso, ampliar o suporte sobre o objeto de estudos da área é de fundamental importância, pois se tem constatado que apesar das mudanças no contexto, o objeto de análise se mantém.

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1. Universidade do Contestado – UnC e Pontifícia Universidade Católica do Paraná – Brasil – e-mail: carlos.senff@gmail.com
2. Pontifícia Universidade Católica do Paraná e Universidade Federal do Paraná – Brasil – e-mail: claudimar.veiga@gmail.com
3. Universidade do Contestado – UnC – e-mail: bendlin@unc.br
4. Universidade do Contestado – UnC – e-mail: emilio@unc.br
5. Pontifícia Universidade Católica do Paraná – Brasil –e-mail: kclaudineia@gmail.com

6. Pontifícia Universidade Católica do Paraná – Brasil –e-mail: luiz.duclos@pucpr.br


 

Vol. 36 (Nº 24) Año 2015

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