Espacios. Vol. 37 (Nº 04) Año 2016. Pág. 1

Rotinas Administrativas do Sistema Prisional Potiguar

Administrative Routines of Potiguar Prison System

Hiderline Câmara de OLIVEIRA 1; César Ricardo Maia de VASCONCELOS 2; Walid Abbas EL-AOUAR 3; Manoel Pereira da ROCHA NETO 4

Recibido: 22/09/15 • Aprobado: 18/10/2015


Contenido

1. Introdução

2. Referencial Teórico

3. Materiais e Métodos

4. Resultado e Discussão

5. Considerações Finais

Referências


RESUMO:

Este artigo tem como escopo investigar a percepção dos agentes penitenciários que compõem a equipe do sistema penitenciário do Rio Grande do Norte sobre a falta rotinas administrativas nos presídios do estado. A metodologia utilizada fundamentou-se no estudo de casos múltiplos. A coleta de dados foi feita através de questionário semiestruturado aplicados aos agentes penitenciários com observação in lócus. Os resultados apontam que nas organizações prisionais estudadas existem esferas distintas no exercício do poder e que cada gestor define seus critérios de trabalho.
Palavras-chaves: Gestão carcerária; Agentes penitenciários; Organização prisional; Rotinas administrativas.

ABSTRACT:

This article aims investigate the perceptions of correctional officers that are part of The Rio Grande do Norte prison system staff, about the lack of administrative routines in state prisons. The methodology is based on multiple case studies. Data collection was made through semi-structured questionnaire applied to correctional officers with observation in locus. The results show that the prison organizations studied are distinct spheres in power and that each manager sets the criteria for work.
Keywords: Prison management; Correctional officers; Prison organization; Administrative routines.

1. Introdução

A estrutura do Sistema Prisional Brasileiro está sob a jurisdição do Ministério da Justiça e conta com a participação do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) e do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN). Ressalta-se que essa estrutura sofre variações conforme normas e características de cada Estado brasileiro. No artigo 71 da Lei de Execução Penal (LEP), o Sistema Prisional Brasileiro é definido "como órgão executivo da Política Penitenciária Nacional e de apoio administrativo e financeiro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária".

O Sistema Carcerário Brasileiro é regulamentado pela LEP, Lei de nº 7.210, de 11 de julho de 1984, que determina como deve ser executada e cumprida a pena de privação de liberdade e restrição de direitos. Cabe aludir que no Art. 1º da LEP "a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou de decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado" (BRASIL, 2013, p. 109).

De acordo com o Ministério da Justiça (2014), o Sistema Penitenciário Brasileiro é organizado por: Estabelecimentos Penais; estabelecimentos para Idosos; cadeias Públicas; Penitenciárias; colônias Agrícolas, Industriais ou Similares; Casas do Albergado; Centros de Observação Criminológica; Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico. Supostamente, estes estabelecimentos penais são geridos tomando-se por base, o sexo, o tipo de regime de pena privativa de liberdade e o número de vagas. Sendo assim, cada estabelecimento prisional é destinado ao cumprimento de regime de pena específica, pois a pena é, antes de tudo, um poder punitivo, distribuído a uma minoria de infratores, resultado de um processo seletivo que é o processo penal.

Segundo dados do DEPEN (2014), o Brasil dispõe de 1.478 estabelecimentos penais, sendo 1.399 deles reservados à população carcerária masculina, contingente maior no país. Mesmo com todas essas instalações deixa de abrigar a totalidade da população carcerária, aproximadamente 584 mil presos entre homens e mulheres. Salienta-se que esses números excluem a população em regime provisório, ou seja, aqueles que aguardam julgamento. Ainda conforme o DEPEN, o país carece hoje de mais 150 novos presídios com o propósito de aliviar a pressão dos estabelecimentos existentes. Evidencia-se assim, que a prisão na realidade se desenha como depósito de presos.

Pelos fatos expostos e pela realidade vivida no meio, objeto do estudo, consegue-se assegurar que os problemas gerados nas unidades penais do país, inclusive no estado do Rio Grande do Norte faz com que a população carcerária, além de sofrer com a superlotação, padece com a negação de direitos e com a deficiência dos serviços profissionais (falta de assistência social, material, jurídica). Além disso, constata-se de um lado problemas que afetam ou podem afetar a população presa, e do outro, senões de natureza administrativa e de gestão, pois percebe-se na realidade do estado do RN a falta de padronização de procedimentos e de rotinas administrativas próprias que atendam com dignidade as suas necessidades.

Não obstante, constata-se que essa questão de falta de critério administrativo está muito mais relacionada ao comportamento de cada gestor/diretor, que assume o controle do estabelecimento prisional, do que às ordens emanadas dos escalões superiores, neste caso, a Secretaria de Estado da Justiça, Interior e Cidadania, órgão responsável pela administração dos presídios que abrigam os presos já sentenciados. Inclusive, quando nomeados para o exercício do cargo, esses diretores, além de fixarem normas próprias de funcionamento, baixam portarias com novas rotinas de procedimentos administrativos e em alguns casos chegam a transferir, por livre arbítrio, os agentes penitenciários. Portanto, a cada mudança de gestor, novos estilos de gestão são implantados, refletindo diretamente no dia a dia das prisões.

Diante desse contexto, o presente estudo tem como objetivo investigar a percepção dos agentes penitenciários que compõem a equipe do sistema penitenciário do Rio Grande do Norte sobre a falta de padronização dos procedimentos e rotinas nos estabelecimentos prisionais do estado.

2. Referencial Teórico

Partindo da premissa de que a administração dos presídios está a cargo de cada Estado brasileiro, o Sistema Penitenciário do Rio Grande do Norte (SISPERN) está sob a supervisão da Coordenadoria de Justiça da Secretaria de Interior, Justiça e Cidadania com respaldo legal do Plano Diretor do Sistema Penitenciário do Estado do RN, da Lei Estadual nº 7.131, de 13 de janeiro de 1998, que dispõe sobre o Estatuto Penitenciário do estado e dá outras providências; da Portaria nº 064/1997, que aprovou o Regulamento Disciplinar do Sistema Penitenciário do Estado; da Lei de Execução Penal (LEP) e do Código Penal Brasileiro (CPB), ambos em cumprimento a Constituição Federal do Brasil.

De acordo com o Art. 2º da Lei Estadual nº 7.131, que rege o Estatuto Penitenciário do Estado, "em todos os estabelecimentos será procedida à separação e triagem dos apenados e internos por sexo, faixa etária, antecedentes e personalidades, grau de periculosidade, quantidade de pena e natureza da prisão". Fato que também está garantido na LEP no Art. 5 ao Art. 7o que trata da classificação da população carcerária. No entanto, como na realidade a superlotação carcerária é aviltante, a classificação preconizada pela LEP acaba não sendo atendida.

A Tabela 1 apresenta detalhes sobre o Sistema Penitenciário do RN e a distribuição da população carcerária.

Tabela 1: População carcerária do RN

Fonte: Infopen, 2012

Cabe observar que que os dados da Tabela 1 mostram o número de presos que está no regime fechado, semiaberto ou aberto, distribuídos nas 14 unidades prisionais em funcionamento no Estado, com o intuito de facilitar o contato dos familiares junto aos reclusos. Sublinha-se que a maioria dos detentos está cumprindo pena privativa de liberdade em regime fechado, o que explica o porquê a maioria dos estabelecimentos penais do SISPERN são penitenciárias. O caput do Art. 83 da LEP define que "o estabelecimento penitenciário, conforme sua natureza deverá contar em suas dependências com áreas e serviços destinados a dar assistência, educação, trabalho, recreação e prática esportiva" (BRASIL, 2013, p.129).

Dessa forma, com base na legislação vigente e na tentativa de cumprir os preceitos legais, os estabelecimentos prisionais que compõem o SISPERN são os seguintes: a Penitenciária Estadual Dr. Francisco Nogueira Fernandes, o Complexo Penal Dr. João Chaves, a Penitenciária ou Colônia Agrícola Dr. Mário Negócio, o Presídio Regional de Pau dos Ferros, o Presídio Estadual do Seridó, as Cadeias Públicas de Natal, de Caraúbas e de Mossoró, a Penitenciária Estadual de Alcaçuz, a Penitenciária Estadual de Parnamirim e a Unidade Psiquiátrica de Custódia e Tratamento, além de 24 Centros de Detenções Provisórias (CDP) distribuídos pelo Estado. E, mais, cabe ao Rio Grande do Norte, por meio dos seus órgãos de Segurança Pública, cumprir a missão de prevenir o crime, reprimir, punir, reeducar a população carcerária e realizar a (re)inserção social da população carcerária.

A Lei nº 7.099 de 16 de dezembro de 1997, que dispõe sobre o Regulamento, a disponibilidade de vagas no Sistema Penitenciário do estado do RN, e dá outras providências (D.O.E – 17/12/97), aduz no art. 1º:

O encaminhamento de presos aos estabelecimentos que constituem o Sistema Penitenciário do Estado fica condicionado à compatibilidade de regime prisional, de acordo com a classificação do estabelecimento penal, e à disponibilidade de vagas, que deverá ser informada diariamente pela Secretaria de Interior Justiça e Cidadania à Vara de Execuções Penais do Estado (RIO GRANDE DO NORTE, 1997, p.1).

Para atender a este dispositivo, os preceitos legais da Administração da Justiça Criminal são compostos por três etapas: a pré-processual, composta pelo inquérito policial; a processual, estabelecida no processo penal; a execução penal, fundada na reclusão para o cumprimento da pena imputada. Além desses passos, antes do apenado ser conduzido para qualquer unidade prisional do estado, os órgãos competentes precisam ter conhecimento da disponibilidade de vagas, bem como a tipificação do regime penal e a natureza de classificação dos estabelecimentos penais.

Tabela 2: Administração penitenciária do SISPERN

Fonte: Infopen (2012).

Com os informes apresentados, constata-se que a força de trabalho disponível para o cumprimento das tarefas, composta por 50 funcionários, é irrelevante.

Conforme dados da SEJUC em 2013, o estado contava com 814 agentes penitenciários, desconsiderando os afastados dos serviços, os exonerados por corrupção e os que estavam em desvio de função. Outro dado degradante é a inexistência de profissionais aptos para o atendimento aos preceitos legais, que de fato não estão sendo cumpridos, ou seja, o que existe é a inobservância do Regimento Único dos Estabelecimentos Prisionais do Estado do Rio Grande do Norte, aprovado em 28 de março de 2011, que em seu Art. 4º cita:

O Sistema Penitenciário do Estado do Rio Grande do Norte tem como finalidade a vigilância, custódia e assistência aos presos e às pessoas sujeitas a medidas de segurança, assegurando-lhes a preservação da integridade física e moral, a promoção de medidas de integração e reintegração socioeducativas, conjugadas ao trabalho produtivo. Parágrafo Único Configura-se, ainda, como finalidade do sistema penitenciário estadual, a fiscalização e assistência ao egresso, garantindo-lhes a promoção de medidas de integração e reintegração socioeducativas. (RIO GRANDE DO NORTE, 2011, p.2).

Portanto, torna-se pertinente questionar que tipo de assistência o Regimento está possibilitando já que os dados mostram que não existem profissionais nas áreas da assistência, educação e/ou da saúde, que possam desenvolver atendimentos e realizar ações de natureza socioeducativas!

Realça-se ainda o não cumprimento do caput do Art. 76 da LEP que aduz: "o quadro do Pessoal Penitenciário será organizado em diferentes categorias funcionais, segundo as necessidades do serviço, com especificação de atribuições relativas às funções de direção, chefia e assessoramento do estabelecimento e as demais funções" (BRASIL, 2014, p. 127).

Os dados apresentam também a falta de pessoas capazes e comprometidas para fazer com que essas organizações possam atingir os seus objetivos. Sobre o tema, Maximiano (1992) salienta que uma organização é uma combinação de esforços individuais que tem por finalidade realizar propósitos coletivos, e por meio dela torna-se possível alcançar objetivos que seriam inatingíveis para uma só pessoa. Na mesma linha de raciocínio, Baily et al. (2000, p. 71) enfatizam, "qualquer sistema para ser eficaz precisa estar em equilíbrio".

Na maioria das organizações penais do Brasil, segundo a literatura especializada, não existe um quadro administrativo e de gestão que seja composto por profissionais em seu métier que tenha exercido a função de agente penitenciário. No RN, em especial, isto é fato comum. Inclusive, já houve época no Estado em que o apoio administrativo era composto por apenados.

Entretanto, durante a coleta de dados deste estudo, diagnosticou-se, como prevê a lei, que muitos agentes penitenciários estão no setor administrativo ou desenvolvendo atividades de secretaria ou de gestão dessas organizações.

Sobre o assunto, o artigo 75 da Lei de Execução Penal define que:

O ocupante do cargo de diretor de estabelecimento deverá satisfazer os seguintes requisitos: I - ser portador de diploma de nível superior de Direito, ou Psicologia, ou Ciências Sociais, ou Pedagogia, ou Serviço Social; II - possuir experiência administrativa na área; III - ter idoneidade moral e reconhecida aptidão para o desempenho da função. Parágrafo único - O diretor deverá residir no estabelecimento, ou nas proximidades, e dedicará tempo integral à sua função (BRASIL, 2013, p. 20).

Assim, conforme a legislação vigente, com ênfase no Regimento Interno de cada unidade prisional, cada categoria profissional possui função específica. Observou-se durante a coleta de dados, que essas funções são exercidas conjuntamente com a vice-direção; ação respaldada pela Lei nº 7.097, de 16 de dezembro de 1997, que cria o Grupo Penitenciário e os cargos de Agente Penitenciário do Estado e o de Diretor de Unidade Penal e dá outras providências. Sobre o assunto determina o seguinte no caput do art. 1º:

Ficam criados e incluídos na Tabela I, Partes I e II do Quadro Geral de Pessoal do Estado – Secretaria de Interior, Justiça e Cidadania – Grupo Ocupacional Penitenciário, 06 (seis) cargos de Diretor de Unidade Penal, de provimento em comissão, e 250 (duzentos e cinquenta) cargos de Agente Penitenciário, de provimento efetivo, com remuneração prevista no anexo a esta Lei. Parágrafo único – Os cargos de Agente Penitenciário têm atribuições correspondentes à carceragem das cadeias públicas e estabelecimentos prisionais do Estado. (RIO GRANDE DO NORTE, 1997, p. 1).

No art. 2º da mesma Lei Estadual é definido que: "O Grupo Ocupacional Penitenciário, a que se refere o art. 1º desta Lei, compreende as categorias funcionais que exercem atribuições, de natureza específica e especializada, nas organizações prisionais do Estado" (RIO GRANDE DO NORTE, 1997, p.1). Ainda com base no Regimento Único dos estabelecimentos penais do RN, no caput do Art. 19, define as competências do Diretor (a) de uma organização prisional que são, dentre elas:

I - Dirigir, coordenar e orientar os trabalhos técnicos, administrativos, operacionais, laborais, educativos, religiosos, esportivos e culturais da Unidade respectiva; II - Adotar medidas necessárias à preservação dos Direitos e Garantias Individuais dos presos; [...]. V - Assegurar o normal funcionamento da Unidade, observando e fazendo observar as normas da Lei de Execução Penal e do presente Regimento Geral [...]. (RIO GRANDE DO NORTE, 2011, p.6).

Com relação às atribuições dos agentes penitenciários nas organizações penais do SISPERN é possível perceber funções de cunho administrativo, voltada para a parte burocrática, de natureza de controle, vigilância e disciplina e, por fim, as funções de portaria e recepção. Quanto as funções administrativas desenvolvidas por esses profissionais, essas se apresentam como segue:

  1. Atualizar o prontuário do apenado, arquivando cópias de documentos pessoais, e, identificar os visitantes no momento de suas chegadas. Nesse instante verifica-se a Carteira de Identidade, Cadastro de Pessoas Físicas - CPF, Nada Consta, Comprovante atualizado de residência, Certidão de Casamento e de nascimento de filho (a), dentre outros.
  2. Solicitar a declaração negativa da polícia interestadual (Polinter). Isso ocorre quando chega a ordem de progressão de regime e/ou livramento condicional para algum apenado; digitar documentos, como: ofícios e atestados de permanência carcerária, normalmente solicitados pela família e/ou advogados e muito utilizados no caso de auxílio reclusão para filhos dos apenados; providenciar declaração de remissão de pena, que serve para os apenados que trabalham e/ou estudam; conceder atestado de conduta carcerária, que relata o nível (Bom, Regular, Ótimo e/ou Excelente) de comportamento carcerário nesta unidade até a data da sua emissão;  liberar a ordem de serviços quando recebe a alimentação para a unidade prisional; elaborar portarias internas.
  3. Atualizar diariamente a lista de lotação, o cadastro dos visitantes, a declaração de remissão das carteiras de identificação dos visitantes; guia de saídas médicas; guias para audiências, entre outras.
  4. Atentar para o controle, vigilância e disciplina voltada para a manutenção da segurança e da ordem interna da organização. Esta função é dirigida por um chefe da guarda, nomeado por ato discricionário do gestor, que garante ao agente receber uma gratificação para a sua execução.

Com efeito, na concepção de Foucault (1979, p. 107):

A disciplina é um conjunto de técnicas pelas quais os sistemas de poder vão ter por alvo e resultado os indivíduos em sua singularidade. É o poder de individualização que tem o exame como instrumento fundamental. O exame é a vigilância permanente, classificatória, que permite distribuir os indivíduos, julgá-los, medi-los, localizá-los e, por conseguinte, utilizá-los ao máximo. Através do exame, a individualidade torna-se um elemento pertinente para o exercício do poder.

Em virtude das denúncias do abuso de poder, de corrupção e envolvimento extra prisão com apenados, em 2 de outubro de 2004, o Governo do Estado criou a Comissão Especial de Processo Administrativo (CEPA), órgão que regula o comportamento de todos os agentes penitenciários do Rio Grande do Norte. Desde essa data já foram recebidas 221 denúncias sobre condutas inadequadas, o que resultou na instauração de 158 processos administrativos disciplinares e mais sete sindicâncias internas. Desses 158 processos, 124 deles foram concluídos, dentre os quais apenas 23 servidores terminaram sendo expulsos do Sistema Penitenciário Estadual – faltam concluir 34 que estão em curso (CEPA, 2011).

Mas com tudo isso, ainda Foucault (1979, p. 72-73),

[...] o sistema penal é a forma em que o poder como poder se mostra de maneira mais manifesta? Prender alguém mantê-lo na prisão, privá-lo de alimentação, de aquecimento, impedi-lo de sair, de fazer amor, é a manifestação de poder mais delirante que se possa imaginar. [...]. A prisão é o único lugar onde o poder pode se manifestar em estado puro em suas dimensões, mas excessivas e se justificar como poder moral.

Dessa maneira, o sujeito acaba sendo efeito do poder que é visualizado facilmente na realidade da vida cotidiana das prisões. Todavia, isso só ocorre porque o próprio aparato institucional permite, pois, de certa forma, se isso não acontecesse, possivelmente às prisões explodiriam diante de tantos conflitos, revoltas, relações desequilibradas, rebeliões, corrupção e não a efetivação dos direitos humanos.

3. Materiais e Métodos

Quanto a metodologia adotada, do ponto de vista dos seus objetivos (Gil, 2002) é vista como exploratória, pois visa proporcionar maior familiaridade com o problema a fim de torna-lo esclarecedor. Além disso, o estudo foi acompanhado pela observação assistemática que não é apenas uma das atividades mais difusas da vida diária, mas um instrumento básico da pesquisa científica. Sobre o assunto, Quivy e Compenhoudt (2008, p. 18) salientam que é preciso

circunscrever as análises empíricas no espaço geográfico e social, e no tempo. Se o trabalho tiver por objeto um fenômeno ou um acontecimento particular, os limites da análise ficam automaticamente definidos. Caso contrário, o campo de análise deve ser claramente circunscrito, baseado no bom senso do investigar.

Outrossim, a pesquisa é tida como descritiva, pois, além de descrever as características de determinada população ou fenômeno, envolve técnicas padronizadas de coleta de dados. Quanto aos procedimentos técnicos ela se caracteriza como estudo de casos múltiplos, visto que, como salienta Yin (1989), a investigação de casos múltiplos é um método potencial de estudo quando se deseja entender um fenômeno social complexo, onde se exige um maior nível de detalhamento das relações entre os indivíduos e as organizações. E mais, o autor se posiciona atestando que a utilização de casos múltiplos, mais de um, permite a observação de evidências em diferentes contextos, pela replicação do fenômeno, sem necessariamente se considerar a lógica de amostragem. Sob a mesma ótica, Duarte (2005, p. 219) enfatiza que "deve-se ter preferência por este estudo quando se pretende examinar eventos contemporâneos, em situações onde não se podem manipular comportamentos relevantes", como é o caso desta investigação científica.

E mais, para este trabalho se fez igualmente necessário definir e delimitar as técnicas que melhor pudessem responder aos objetivos propostos. Entre elas se destacam a observação registrada no diário de campo, à aplicação de entrevista semiestrutura e à análise documental. Após a escolha dessas técnicas foi possível selecionar e dividir as etapas do processo de investigação de forma sistemática com vistas à compreensão do objeto de estudo. Nessa direção, Guerra (2006, p. 24) pontua que a "produção científica resulta da ação dos investigadores que interagem a empiria, formulando conceitos que se relacionam entre si e produzam conhecimentos articulados".

Sobre à análise documental foram averiguados os parâmetros legais que amparam o Sistema Penitenciário Brasileiro, como a Constituição Federal de 1988, o Código Penal e, principalmente, a Lei de Execução Penal (LEP). Aliás, inúmeros outros documentos sobre a matéria foram também investigados. Entre eles se destacam: as legislações estaduais (leis específicas e complementares), Decretos, Portarias, Regimentos Internos dos estabelecimentos prisionais do Rio Grande do Norte e Plano Diretor do Sistema Penitenciário do Rio Grande do Norte (SISPERN).

Retornando ao ponto de vista dos objetivos, a técnica adotada para a coleta de dados foi o uso da entrevista, que para Fontana e Frey (1994, p. 361) "é uma das mais comuns e poderosas maneiras que utilizamos para tentar compreender nossa condição humana". E, para Gil (1999, p.115) "é uma forma de interação social, isto é, uma forma de diálogo assimétrico, em que uma das partes busca coletar dados e a outra se apresenta como fonte de informação".

O público alvo da pesquisa foram os agentes penitenciários de duas unidades penais situadas uma no interior do estado e outra na grande Natal, ambas destinadas ao cumprimento de pena em regime fechado. A unidade situada no interior conta com uma equipe de 74 agentes, sendo 24 mulheres e os demais homens, todos distribuídos em serviços administrativos; 4 estavam afastados por problemas de saúde. Acentua-se que essa unidade tem mais 500 apenados. Já a unidade da grande Natal conta com aproximadamente 70 agentes, sendo 15 femininas que trabalham só em dia de visita intima e social, pois esta unidade só abriga homens e hoje sua população atinge um universo de mais de 700 apenados.

Outrossim, mesmo conscientes dos limites do método adotado, o estudo elegido foi de natureza qualitativa, já que, concordando com os dizeres de Schneider (2007), este tipo de abordagem "prefere os dados "naturais" e faz referência ao significado (meaning) e aos processos (este último é compartilhado com à análise dos sistemas)". Outra, à abordagem qualitativa vai além do simples registro, da análise, da classificação e da interpretação dos fenômenos em estudo, buscando a identificação dos fatores determinantes. Seu objetivo é aprofundar o conhecimento da realidade, porém, sem rechaçar dos dados quantitativos que também deram sustentação à análise pretendida.

4. Resultado e Discussão

Nesta seção tem-se a pretensão de apresentar e refletir sobre os resultados do estudo que teve como propósito investigar a percepção dos agentes penitenciários que compõem a equipe do sistema penitenciário do Rio Grande do Norte sobre a falta de padronização de procedimentos e rotinas nos estabelecimentos prisionais do estado. Sobre o contexto, Spink (2004, p. 93) esclarece que "fazer ciência é uma prática social e, como em qualquer forma de sociabilidade, seu sucesso e legitimação estão intrinsecamente associados à possibilidade de comunicação de seus resultados. " Isto posto, é o que ora se procede!

4.1. Rotinas de uma organização prisional

A mudança organizacional, como qualquer alteração significativa, articulada, projetada e operacionalizada por um staff apoiado pelo poder decisório da empresa tende a estabelecer expectativas de desenvolvimento até então ignoradas.

Entretanto, no caso específico das organizações prisionais esse tipo de apoio administrativo inexiste; o que prevalece nas muitas das vezes é o abuso pleno de poder. E é nesse sentido que surge o estudo analítico de Foucault para com as companhias. Segundo Silveira (2005) foi a partir desse exame minucioso das organizações feito pelo filósofo que surgiu a noção de que as firmas são espaços privilegiados em que o poder disciplinar está presente de forma marcante, pois é esse mesmo poder que doutrina corpos e individualidades, impondo normas sobre o que quer adestrar e garantir através da vigilância e da sanção normalizadora. Assim, tais observações revela a ideia de que as organizações são locus de poder disciplinar.

Nos meandros do sistema prisional a população carcerária e seus familiares ficam por vezes à mercê das determinações originadas por abuso de poder dos operadores do sistema - situação que provoca revolta e indignação dos apenados e dos seus parentes, até porque sempre há exceções e regalias para determinados reclusos, portanto, o que triunfa é a desigualdade no tratamento. Sobre a matéria, Berger (2007, p. 101) destaca que "as instituições proporcionam métodos pelos quais a conduta humana é padronizada, obrigada a seguir por caminhos considerados desejáveis pela sociedade. E o truque é executado ao se fazer com que esses caminhos pareçam aos indivíduos como os únicos possíveis".

Aliás, é exatamente isso que acontece com a realidade das organizações prisionais do RN, em que os operadores de cada estabelecimento prisional tentam mostrar a população carcerária de quem é o poder e o controle daquela unidade, deixando claro da possibilidade de sanções para àquele que não se adequar às rotinas institucionais, caprichos pessoais ou regras de cada gestor.

Conforme informação recebida pela Ouvidora do cidadão e do Sistema Penitenciário em 2012 é que estava em fase de elaboração o Manual de Padronização do SISPERN que vai determinar e melhor definir normas gerais, ou seja, as regras de visitação, seleção para o desenvolvimento de atividades, projetos e ações para o processo de reinserção, entre outras questões que envolvem e estão diretamente ligadas as formas de gerir os estabelecimentos prisionais potiguar. Isso se deve ao fato de que não existe uma padronização de normas e procedimentos administrativos para as unidades prisionais do RN e o que de fato existem são critérios pessoais de procedimentos.

Sendo assim, cada gestor estabelece diferentes critérios gerenciais voltados exclusivamente aos interesses pessoais, gerando conflitos com os demais gestores e com a população carcerária como um todo. Destaca-se que cada gestor, ao assumir a função determina novas regras de procedimentos, iniciando-se assim todo um novo processo de adaptação a nova administração.

Ademais, as gestões das unidades determinam, através de Portaria Interna, uma relação de produtos e materiais de uso pessoal que podem entrar no estabelecimento prisional. Inclui-se nesse mesmo instrumento regulador a quantidade de cada um desses insumos. O Quadro 1, relacionado à unidade localizada na Grande Natal, espelha a relação de objetos e alimentos liberados para o apenado em dia de visita.

Quadro 1: Objetos e alimentos liberados para o apenado em dia de visita

PRODUTOS

QUANTIDADE

OBSERVAÇÃO

Açúcar ou adoçante

Um quilo ou um frasco

 

Água sanitária

Um litro

Embalagem transparente

Banana

Uma dúzia

 

Maça

Meia dúzia

 

Barbeador

Duas unidades

Descartável

Biscoito doce

400 gramas

Dois pacotes

Biscoito salgado

500gramas

Um pacote

Bolo

300 gramas

Sem recheio e cobertura

Chocolate

Uma barra

 

Cigarro

Cinco carteiras

 

Creme dental

Duas unidades

 

Desodorante creme

Um pequeno

 

Detergente líquido

Livre

Embalagem transparente

Doce (leite, goiaba e banana)

600 gramas

Embalagem transparente

Isqueiro

Duas unidades

Embalagem transparente

Maionese

Uma unidade de 400gramas

 

Nescafé

100 gramas

 

Ovos

Meia dúzia

Cozidos

Papel higiênico

Quatro rolos

 

Presunto

300 gramas

Fatiado

Queijo

300 gramas

Fatiado

Rapadura

300 gramas

 

Refrigerantes

Dois litros

Guaraná, coca-cola, laranja e uva

Sabão em barra

Uma unidade

Verde ou azul

Sabão em pó

Meio quilo

Embalagem transparente

Sabonete

Duas unidades

 

Salgados

Cindo unidades

Pastel ou coxinha

Shampoo

300 a 500 ml

Embalagem transparente

Fonte: Penitenciara de Natal, 2014.

Durante o processo de observação foi identificado que a definição dos materiais que podem entrar no presídio varia muito de gestor para gestor, bem como da equipe dos agentes penitenciários. Não obstante, dependendo do grau de relacionamento entre o apenado, o visitante e o agente, esse último permite a entrada de insumos outros que não os constantes da "lista oficial", o rol liberado pelo gestor do órgão.

Com base na Portaria n°1 de 03 de julho de 2014, O Diretor da Penitenciária do Seridó no uso de suas atribuições legais e em conformidade do preconizado pelo artigo 4o do Regimento Interno, RESOLVE:

Art. 1o – Fica determinado que DURANTE O PERÍODO EM QUE ESTEJA SENDO MINISTRADO O CURSO DE PEDREIRO, os PRESOS MATRICULADOS -TURNO MATUTINO - deverão ser soltos de suas celas, impreterivelmente, às 07:00hs e retornem às 11:00hs, nas segundas, terças, quintas e sextas.

Art. 2o – Fica determinado que DURANTE O PERÍODO EM QUE ESTEJA SENDO MINISTRADO O CURSO DE SALGADEIRO, os PRESOS MATRICULADOS - TURNO NOTURNO - deverão ser liberados, impreterivelmente, às 17:00hs e retornem às 20:00hs, nas segundas, terças, quintas e sextas.

Na Portaria no 2 de 03 de julho de 2014, O Diretor da Penitenciária do Seridó no uso de suas atribuições legais e em conformidade do preconizado pelo artigo 4o do Regimento Interno, RESOLVE:

Art. 1o – Fica determinado que DURANTE O PERÍODO O PERÍODO DE AULAS, os presos matriculados no PROGRAMA BRASIL ALFABETIZADO - TURNO MATUTINO - deverão sair de suas celas, impreterivelmente, às 07:00hs e retornem às 11:00hs, nas segundas, terças, quintas e sextas.

Art. 2o – Fica determinado que os presos matriculados conforme Resolução 48 - TURNO VESPERTINO, deverão ser soltos de suas celas, impreterivelmente, às 14:00hs e retornem às 16:00hs, nas segundas, terças, quintas e sextas.

Cabe ressaltar que inclusive à alimentação para adentrar na unidade prisional requer autorização superior. Nesse caso, O Vice-Diretor da Penitenciária Estadual do Seridó no uso de suas atribuições legais e em conformidade do preconizado pelo artigo 4o do Regimento Interno, RESOLVE:

Art. 1o – Fica autorizada a entrada das frutas abaixo relacionadas, apenas para as gestantes custodiadas nesta unidade.

Art. 2o – A entrada das frutas será permitida apenas uma vez por semana, e na quantidade abaixo especificada.  

Quadro 2: quantitativo de frutas

Quantidade

Frutas

10

Bananas

01

Mamão pequeno

02

Laranjas

02

Pêras

01

Cacho de uva pequeno

Fonte: Portaria 08 de 15/07/2014 – Rio Grande do Norte.

Na oportunidade destaca-se que os caputs dos artigos deixam claro que as frutas são permitidas apenas para as mulheres gestantes. Assim, os demais apenados e mulheres não gestantes não podem e não devem se beneficiar das mesmas regalias, pois, nas refeições da unidade, as frutas não fazem parte do cardápio.

Ademais, percebe-se que os diretos são por categoria e não para todos, o que fere o disposto no artigo 41 da LEP. Afinal, o Art. 1o da Portaria nº 10 de 24 de outubro de 2014, assinada pelo Diretor da Penitenciária Estadual do Seridó, traz em seu bojo: "Fica determinado que a partir desta data, só poderão fazer refeições nesta Penitenciária os servidores que estão lotados nesta Unidade".

De mais a mais, por inúmeras vezes uma das pesquisadoras presenciou devolução ou armazenamento de produtos e/ou alimentos que não estivessem dentro do padrão estabelecido, e ao término da visita às vezes eram devolvidos as famílias dos apenados. Identificou-se ainda que praticamente toda semana algum tipo de mudança era realizada com base no bel-prazer da gestão.

Durante as visitas, entre as indagações feitas pelos pesquisadores, algumas recaíram sobre as atuações dos agentes, e, em uma delas, esses foram perguntados se estavam de acordo com a padronização das rotinas e procedimentos administrativos das organizações prisionais do estado. 75% deles disseram estar de acordo com a padronização e 25% foram contrários.

Dos agentes que responderam afirmativamente, disseram SIM, porque:

A partir do momento que existe uma padronização das normas administrativas, concomitante a isso terá uma padronização do trabalho desenvolvido no âmbito das unidades prisionais, contribuindo dessa forma para que não hajam condutas diferentes para situações análogas. (Agente do presídio da Grande Natal);

Isto facilitaria em muito os visitantes, já que hoje cada unidade faz suas próprias regras. (Agente da unidade do Interior do estado).

Dos agentes que responderam negativamente, disseram NÃO, porque:

É fato que a padronização facilitaria em muito o controle e a organização nas unidades prisionais. Contudo, não podemos conceber, mesmo o nosso estado sendo tão pequeno, que uma padronização seria possível. Primeiro, porque a elaboração de muitas normas hoje fica a discricionariedade das direções locais. Segundo, deve ser levado em conta os costumes, os hábitos locais e as necessidades impostas pelo ambiente, por exemplo se analisarmos as unidades de uma ponta a outra do nosso Estado há de se encontrar objetos que são permitidos em uma unidade e não em outra. Nesta unidade, por exemplo, é proibida a entrada de ventiladores. Indago: será que nas unidades de Mossoró, tendo conhecimento da temperatura local é pertinente tal proibição? Aqui as únicas vestimentas masculinas permitidas a adentrarem no recinto são peças de bermudas azuis claras e camisas brancas; é possível fazer isso em Alcaçuz? (Agente da penitenciária do interior do estado).

Observa-se no depoimento que o agente reconhece que a padronização facilita o controle e a organização da prisão, mas, argumenta sobre as particularidades de cada região, inclusive os aspectos culturais de cada unidade penal, além de deixar claro a proibição da entrada do ventilador. Ressalta-se ainda que a unidade referenciada está localizada no Seridó, uma região quentíssima no RN.

Além disto, quando indagados se consideravam que essa falta de padronização das normas administrativas dificultava o trabalho na prestação de serviços dos agentes das unidades prisionais, obteve-se os seguintes testemunhos:

Sim! Com toda certeza, até porque acredito não ser possível administrar o sistema penitenciário sem a existência de normas administrativas padronizadas, que visam, acima de tudo, facilitar e valorizar o trabalho realizado pelos atores sociais envolvidos nesta realidade social, respeitando-se os direitos à cidadania e a dignidade do preso. A uniformização dos procedimentos se constitui num instrumento relevante para execução da pena. (Agente feminina do presídio da Grande Natal).

Como já observado, entendo que a falta de padronização das normas administrativas dificulta sim o trabalho dos serviços. Contudo, já fiz as observações sobre o tema, acrescento ser possível que a COPAE, em conjunto com as direções das unidades do Estado, poderiam ter uma padronização mínima daquilo que fosse possível e viável e que não viesse a gerar transtornos. Caso tenha eu a desconheço. (Agente da penitenciária do interior do estado).

Com certeza, e os mais prejudicados são os visitantes e os próprios servidores que prestam serviço em uma unidade. E, quando vai para outra unidade tudo já muda. (Agente do presídio de Natal).

Sublinha-se que sempre que indagado acerca do número de vezes que o agente penitenciário já presenciou mudanças nas normas administrativas da unidade em virtude da substituição do diretor da penitenciária ou presídio, todos disseram cinco vezes ou mais, sempre destacando a maioria desses agentes se encontra na mesma unidade há mais de cinco anos.

Isto posto, ao dar entrada em qualquer organização prisional, o apenado inicia gradativamente um processo de sofrimentos e limitações, possibilitando, inclusive, a transformação da sua personalidade e conduta. Toda esta mudança ocorre desde os procedimentos de admissão, ou seja, desde a descrição dos dados de identificação ao agente penitenciário, da obtenção de fotografias (frente, dos dois lados, das cicatrizes corporais, das tatuagens e dos ferimentos caso existam no momento da sua entrada), impressões digitais e o recebimento do número de prontuário para sua identificação. Além disto, em algumas prisões também é necessário cortar os cabelos, vestir uniformes, andar com as mãos para trás, de cabeça baixa, sem poder olhar para os gestores, equipe de funcionários, autoridades e visitantes.

Destarte, na opinião de Camargo (1990, p. 135-136),

O presidiário perde sua auto-imagem assim como perde alguns dos seus direitos fundamentais, como votar, responsabilizar-se pelos filhos, manter habitualmente relações heterossexuais. Perde a sua privacidade e, na maioria dos presídios, de modo absoluto: está permanentemente exposto aos olhares dos outros, no pátio, no dormitório coletivo, no banheiro sem porta, deve conviver intimamente com companheiros que não escolheu, muitas vezes indesejáveis; as suas visitas são públicas, a sua correspondência é toda lida e censurada.

Entretanto, em conformidade com o Estatuto Penitenciário do SISTERN a Classificação deverá se configurar com base nos artigos 17o, 18o e 19o respectivamente:

Art. 17º. Os segregados serão classificados segundo o sexo, faixa etária, antecedentes, personalidade, quantidade de pena, medida de segurança ou outra providência judicial-administrativa, natureza da prisão e regime de execução, para o tratamento específico que lhes corresponda e para orientar a individualização da pena.

Art. 18º. Os exames de classificação têm por objetivo separar os segregados em razão da sua conduta e antecedentes, para orientar a sua reabilitação e posterior reinserção social.

Art.19º. Para efeito de triagem, serão realizados exames médicos e psiquiátricos, psicológicos, de avaliação pedagógica, bem como quaisquer outras que se façam necessárias. Parágrafo único – Os dados coletados serão encaminhados ao cadastro do Centro Especializado de Observação e Triagem, que orientará a sua aplicação (BRASIL, 1998, p.112).

Outrossim, quando os agentes penitenciários foram questionados sobre as normas administrativas e se essas estavam relacionadas com a gestão de cada diretor/decisor, obteve-se os seguintes depoimentos:

Sim, as normas estão ligadas diretamente a gestão de cada diretor. Cada um vai fazer aquilo que acha ou pensa ser o correto. (Agente feminina).
Pode-se sim pensar "num mínimo passível de ser padronizado", contudo, esta somente pode ser realizada após longo estudo em todas as unidades prisionais juntamente com a COAPE. O interessante é destacar que os perfis dos gestores tem muito haver com a condução dos trabalhos na penitenciária. As normas podem variar conforme o interesse do diretor. Existem aqueles que são diretores através de indicações políticas, pouco sabem sobre o sistema e, portanto, tendem a impor normas mais amenas, mais fáceis de serem cumpridas pelos apenados. Normalmente há um relaxamento do rigor, muitas vezes esperando permanecer no cargo por mais tempo. Outros são nomeados diretores por gostarem de trabalhar no sistema e automaticamente são tendenciosos a criarem normas mais rígidas que coíbam o exagero de benefícios aos presos assim como tornar a pena mais árdua. Existem também aqueles que tentam cumprir as leis que são cobradas pelos superiores sem observar a impossibilidade da execução de certos trabalhos por parte do staff sendo clara a crise vivida no sistema, torna-se meio que "perseguidor".  (Agente da penitenciária do interior do estado).
Claro que sim, se existem normas o diretor deveria executar, mas muitos ignoram algumas. (Agente da penitenciária de Natal).

Por fim, perguntou-se aos agentes se esses poderiam citar fatos ainda não narrados sobre o que presenciavam em dia de visita nas unidades onde trabalham. Dois deles relataram que:

Tudo no que diz respeito a alimentação (massa para cuscuz, biscoito, açúcar, doce, carne de charque, arroz, chocolate, leite, pão, queijo, comida pronta...dentre outras) e material de higiene (sabonete, perfume, desodorante, papel higiênico, desinfetante), adicionado de roupas desde que fossem de cores claras era permitido. Lembro que mesmo quando um agente não permitia a entrada de alguma coisa, ainda assim, a pessoa ia até a direção e conseguia a permissão. (Agente feminina). (É permitido para os internos o uso de camisas brancas, calções azuis, sandálias brancas, sabonete liquido, gel dental...e, para os visitantes o uso de camisas brancas, calça legue clara (feminino), calça clara (masculino). (Agente do presidio de natal).

Dessa maneira, percebe-se a diferença de comportamento de cada uma das unidades estudadas. As normas exigidas para os internos são igualmente, depois de adaptadas, requisitadas aos visitantes. Ainda assim, torna-se necessário que todos passem pelo processo de adaptação dos novos procedimentos administrativos, com destaque para aqueles apenados quando transferidos de uma para outra unidade penal.

Nessa perspectiva, a dinâmica no cotidiano prisional é regida por configurações próprias constituídas por indivíduos que estabelecem suas próprias leis, códigos, mensagens, linguagens, padrões culturais, ordens, regras e um poder paralelo no universo carcerário, distinguindo-se em grupos específicos, isto é, no grupo dos aliados e amigos e no grupo dos inimigos dos gestores decisores; circunstâncias já consolidadas como verdadeiras nos estabelecimentos penais do Estado do Rio Grande do Norte. Este fato se torna cada vez mais rotineiro e normal dentro dos estabelecimentos penais, tanto no estado do RN, como também no país em sua totalidade.

5. Considerações Finais

A realidade vivenciada nas prisões tem mostrado a não efetivação da essência das Leis (LEP, CPB, CFB) em todas as esferas do cumprimento da pena de reclusão, bem como no tratamento correto à pessoa presa, aos familiares, aos amigos e aos visitantes outros. Efetivamente, o que vem ocorrendo na realidade do espaço prisional é o inverso do que preceitua o aparato legal e social, prejudicando assim, sobremaneira, todos aqueles que por um motivo ou por outro caíram na luta pela vida.

Nesse sentido, a prisão cria uma sociabilidade muito particular que põe em comunicação constante os sujeitos que nela vivem, que vão tecendo laços sociais de um modo ou de outro e, consequentemente, vão construindo seus significados, códigos linguísticos e estilo de vida que dão sentido à dinâmica do cotidiano prisional. Um espaço com uma teia de relações, ações, condutas, normas e regras diárias, que favorecem a produção da sua própria clientela, como enuncia a teoria foucaultiana.

Referências

BAILY, P.; FARMER, D.; JESSOP D.; JONES (2000). Compras – Princípios e Administração. Tradução Ailton Bomfim Brandão. São Paulo: Atlas.

BERGER, P. L. (2007). Perspectivas sociológicas: uma visão humanística. 29ed.- Petrópolis: RJ: Vozes.

BRASIL (2010). Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988. – ed. 16. –São Paulo: Rideel (Coleção de leis Rideel).

BRASIL. Código Penal (1999). 5.ed. São Paulo: Rideel, (Col. de Leis Rideel. Série Compacta)

______. Lei de Execução Penal (LEP) nº 7.210, de 11 de julho de 1984. São Paulo: Rideel, 2014 (Série Compacta).

______ (1995). Ministério da Justiça. Censo Penitenciário. Brasília.

______ (2002). Projeto de Segurança Pública para o Brasil. Brasília: Instituto Cidadania. Fundação Djalma Guimarães.

DUARTE, M. Y. M. (2005). Capítulo 14. In: Métodos e Técnicas de Pesquisa em Comunicação. (Org.) DUARTE, Jorge & BARROS, Antônio. São Paulo: Atlas, p. 215-235.

FLICK, U (2004). Uma introdução à pesquisa qualitativa. 2.ed. Porto Alegre: Bookman.

FONTANA, A.; FREY, J. (1994). Interviewing: the art of science. In: DENZIN, N. K.; LINCOLN, Y. S. Handbook of qualitative research. Thousand Oaks: Sage, p. 361-376.

FOUCAULT, M. (1987). Vigiar e punir: nascimento da prisão. 26.ed. Tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis: Vozes.

______ (2008). Nascimento da biopolítica: curso dado no collège de France 1978-1979. São Paulo: Martins Fontes.

GIL, A. C. (2002). Como elaborar projetos de pesquisa. 4.ed. São Paulo: Atlas.

______ (1999). Métodos e técnicas de pesquisa social. 5.ed. São Paulo: Atlas.

GOFFMAN, E. (1974). Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva.

GUERRA, I. C. (2006). Pesquisa qualitativa e análise de conteúdo: sentidos e formas de uso. Estoril/Portugal: Principia.

GUIMARÃES, G. T. D. et al. (Orgs.) (2002). Aspectos da teoria cotidiana: Agnes Heller em perspectiva.  Porto Alegre: EDIPUCRS.

QUIVY, R.; CAMPENHOUDT, L. V. (2008). Manual de investigação em Ciências Sociais. Trad. João Minhoto Marques, Maria Amália Mendes e Maria Carvalho. Lisboa: Gradiva.

RIO GRANDE DO NORTE (Estado) (2008). Plano Diretor do Sistema Penitenciário do. Departamento Penitenciário Nacional – SEJUC. Natal.

RIO GRANDE DO NORTE (Estado). Secretaria de Estado, da Justiça e da Cidadania. Coordenadoria de Administração Penitenciária. Relatório Anual de Atividade da Penitenciaria Estadual de Parnamirim – PEP. Parnamirim, 2007, p.1-7.

_______. Secretaria de Estado, da Justiça e da Cidadania.  Coordenadoria de Administração Penitenciária. Cartilha do Agente Penitenciário, 2005, p.1-11.

______. Lei complementar nº 289 de 03 de fevereiro de 2005. Institui o fundo Penitenciário do Estado do Rio Grande do Norte (FUNPERN) e dá outras providências. Diário Oficial do Estado, Natal, n.10917, 04 fev.2005.

RIO GRANDE DO NORTE (Estado). Secretaria de Estado, da Justiça e da Cidadania.  Coordenadoria de Administração Penitenciária. Relatório anual de atividade da Penitenciaria Estadual de Parnamirim – PEP. Parnamirim, 2004, p.1-6.

______. Secretaria de Estado, da Justiça e da Cidadania.  Coordenadoria de Administração Penitenciária. Regimento Interno Penitenciaria Estadual de Parnamirim – PEP. Parnamirim, 2004.

______. Lei complementar nº 256 de 13 de novembro de 2003. Dispõe a transferência da administração do Sistema Penitenciário do Estado para a Secretaria de Estado do Trabalho, da Justiça e da Cidadania – SEJUC e dá outras providencias. Diário Oficial do Estado, Natal, n.147, nov. 2003.

RIO GRANDE DO NORTE (Estado). Plano Estadual de Segurança Pública do RN. Natal, 2003.

______. Lei Complementar nº 7.097 de 16 de Dezembro de 1997.  Cria o Grupo Penitenciário e os cargos de Agente Penitenciário do Estado e de Diretor de Unidade Penal, e dá outras providências. Diário Oficial do Estado, Natal, 17 dez. 1997.

______. Lei nº 7.131 de 13 de Janeiro de 1998. Dispõe sobre o Estatuto Penitenciário do Estado, e dá outras providências. Diário Oficial do Estado, Natal, 14 jan. 1998.

______. Lei nº 7.099 de 16 de Dezembro de 1997. Regulamento a disponibilidade de vagas no Sistema Penitenciário do Estado, e dá outras providências. Diário Oficial do Estado, Natal, 17 dez.

1997.

______. Portaria nº 064/97 – GS/SEIJC – 02 de Outubro de 1997. Aprova o Regulamento Disciplinar do Sistema Penitenciário do Rio Grande do Norte. Diário Oficial do Estado, Natal, 09 out. 1997.

_______. Portarias nº 001, 02, 08 e 10/2014 – GS/SEIJC – 03 de julho de 2014. Sistema Penitenciário do Rio Grande do Norte.

SCHNEIDER, D. K. Méthodes qualitatives en sciences sociales. http://tecfa.unige.ch/guides/methodo/quali/quali.book.pdf - Acessado em: 10/06/2015

SILVEIRA, R. A. Michel Foucault (2005).  Poder e análise das organizações. Rio de Janeiro: editora FGV.

SPINK, M. J. (1993). O Conhecimento no Cotidiano. As representações sociais na perspectiva da Psicologia Social. São Paulo: Brasiliense.

YIN, R. K. (1989). Case Study Research: Design and Methods. Newbury Park: SAGE Publications.


1. Doutora em Ciências Contábeis pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) - Professora do MPPOT da Universidade Potiguar - UnP/RN/Brasil - hiderlinec@hotmail.com
2. Doutor em Administração pela Université Pierre Mendes France - Grenoble II - Professor do PPGA/MPA da Universidade Potiguar - UnP/RN/Brasil - cesar.vasconcelos@terra.com.br - Corresponding author
3. Doutor em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) - Professor do PPGA/MPA da Universidade Potiguar - UnP/RN/Brasil - walidbranco@gmail.com
4. Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) - Professor do MPA da Universidade Potiguar - UnP/RN/Brasil – manupereira@unp.br


Vol. 37 (Nº 04) Año 2016

[Índice]

[En caso de encontrar algún error en este website favor enviar email a webmaster]