Espacios. Vol. 37 (Nº 04) Año 2016. Pág. 29

Padrão de consumo das familias do programa governamental bolsa família domiciliadas em Dourados – MS

Standard of consumer the of families of family grant program of the federal government domiciled in Dourados - MS

Gisele Alves Soares ROCHA 1; Emanoel Marcos LIMA 2

Recibido: 02/10/15 • Aprobado: 25/10/2015


Contenido

1. Introdução

2. Revisão Bibliográfica

3. Aspectos Metodológicos

4. Apresentação E Análise Dos Resultados

5. Considerações Finais

Referências


RESUMO:

O objetivo deste estudo é analisar o padrão de consumo, em termos de nutrição alimentar, bem como conhecer o perfil familiar das famílias incluídas no Programa Bolsa Família do Governo Federal. Visando atender o objetivo proposto, o estudo foi desenvolvido por meio de pesquisa explicativa e constituído pela pesquisa qualitativa, a fim de analisar a interação das variáveis envolvidas. Os elementos da amostra da pesquisa foram constituídos por 90 famílias assistidas pelo Centro de Referências da Assistência Social (CRAS), do bairro Jardim Canaa I, na cidade de Dourados/MS. Os resultados obtidos permitiram constatar que, na relação entre a renda das famílias e o padrão de consumo, apesar de inseridos em programas de transferência de renda, a renda obtida não é suficiente para atender às necessidades de adequação ao consumo de acordo com os padrões estabelecidos como alimentação saudável, demonstrando insatisfação quanto ao referido padrão. Concluiu-se então que, as políticas de distribuição de renda são de extrema importância como alternativa na redução das deficiências nutricionais das famílias, bem como contribui para a superação das desigualdades sociais e, consequentemente, da pobreza.
Palavras-Chave: Renda. Pobreza. Consumo Alimentar.

ABSTRACT:

The aim of this study is to analyze the pattern of consumption, in terms of food nutrition, as well as to know the familiar profile of the families included in the Family Program of the Brazilian Federal Government – Bolsa Família. In order to meet the proposed objective, the study was developed through explanatory research and constitutes by the qualitative research in order to analyze the interaction of the variables involved. The elements of the research sample were consisted of 90 families assisted by the "Centro de Referências da Assistência Social" (CRAS), from the neighborhood Jardim Canaa I, in the city of Dourados in the State of Mato Grosso do Sul. The results revealed that in the relationship between household income and consumption pattern, although included in programs of income transfer, the income earned is not enough to meet the needs of the consumption standards established as healthy eating, demonstrating dissatisfaction towards the referred standard. It was concluded then that the policies of income distribution are extremely important as an alternative to reducing families' nutritional deficiencies, as well to contribute to overcoming social inequalities and, consequently, poverty.
Keywords: Income. Poverty. Food Consumption.

1. Introdução

Os resultados do Censo 2010, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2012a), demonstram que a população do Brasil é de 190.755.799 pessoas. Compõem este número 16,27 milhões de pessoas em situação de extrema pobreza, o que representa 8,5% da população. Ainda segundo o IBGE (2012a), do contingente de brasileiros que vivem em condições de extrema pobreza, 4,8 milhões têm renda nominal mensal domiciliar igual a zero, e 11,43 milhões possuem renda de R$ 1 a R$ 70,00.

A questão da carência ou falta de rendimentos, está relacionada a falta de emprego, que não é um problema só do Brasil, mas de todo o mundo. Os dados da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), desenvolvida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2013) revelaram que, na média dos 12 meses de 2012, a taxa de desocupação ficou em 5,5%. Com este resultado, no ano de 2012, os desocupados somaram, em média, 1,3 milhões de pessoas.

Sob o aspecto da distribuição de renda, na economia brasileira, o país vem passando por um processo socioeconômico de expansão do Produto Interno Bruto (PIB) per capita e retração da desigualdade de renda. Este cenário foi desenvolvido a partir dos avanços sociais da década de 2000 a 2010, quando ocorreu aumento da renda média mensal das famílias, em que os salários dos mais pobres foram os que mais aumentaram, demonstrados pelos resultados gerais da amostra do Censo 2010, divulgados pelo IBGE (2012).

O Brasil possui um sistema de política social bastante amplo constituído por pessoas, instituições e programas que visam atender a maioria da população brasileira e em particular os mais pobres. Políticas sociais são adotadas, decorrentes de transformações estruturais no processo de produção e no cenário conjuntural da economia brasileira que decorrem, dentre outros, das políticas de regulação das relações entre capital e trabalho, níveis de renda, avanços na conquista dos direitos sociais da seguridade social e de valorização do salário mínimo (NETTO; BRAZ, 2007).

Estas políticas têm promovido mudanças significativas que ocasionam impactos nas condições de vida das famílias.

Destacam-se, no âmbito das políticas sociais, os programas assistenciais, que consistem em o beneficiário receber um valor monetário sem ter contribuído diretamente para financiá-lo ou sem alguma forma de contrapartida.

Existem, também, ações estatais voltadas à proteção social como, por exemplo, a cesta básica, instituída com o objetivo de minimizar o dispêndio familiar em relação ao consumo nutricêutico familiar do trabalhador, e sob a perspectiva de segurança alimentar.

Os maiores programas assistenciais de transferência de renda são o Benefício de Prestação Continuada da Lei Orgânica da Assistência Social (BPC-LOAS) e os Benefícios Eventuais de Proteção Social Especial (PSE) (MDS, 2012).

Além disso, destaca-se também o Programa Bolsa Família (PBF), instituído em 20 de outubro de 2003 pela Medida Provisória n. 132, convertida na Lei n. 10.836 de 09 de janeiro de 2004, cujo mecanismo de transferência direta de renda consiste na ajuda financeira às famílias em situação de pobreza e vulnerabilidade social. Esse Programa contribui significativamente para reduzir as disparidades sociais.

Diante das questões apresentadas, o presente estudo buscou responder à seguinte questão de pesquisa: O padrão de consumo, das famílias incluídas no Programa Bolsa Família (PBF) do Governo Federal e domiciliadas na cidade de Dourados – MS é suficiente para suprir suas necessidades nutricionais?

O presente estudo tem por objetivo analisar se o padrão de consumo, das famílias incluídas no Programa Bolsa Família (PBF) do Governo Federal e domiciliadas na cidade de Dourados – MS, está de acordo com o modelo estipulado pelo Procon/DIEESE.

Este estudo foi estruturado da seguinte forma:  primeiramente é apresentada a introdução, que contempla a contextualização, as justificativas do estudo, bem como a apresentação do objetivo geral; na sequencia o referencial teórico, os aspectos metodológicos, descrição e análise dos dados e finalmente as considerações finais.

2. Revisão Bibliográfica

A revisão bibliográfica, ou revisão de literatura, trata-se do texto, logicamente ordenado, que se parece com uma paráfrase ou resenha crítica do material consultado. Tem por finalidade, dentre outras, destacar e resumir as ideias já formuladas por outras pessoas, compará-las com alguns autores, descrever a evolução de conhecimentos sobre o tema, mostrar as contradições, reafirmar comportamentos ou interpretações.

Nesse sentido, deve esclarecer os pressupostos teóricos que dão fundamentação à pesquisa e expor as contribuições proporcionadas por investigações anteriores: "[...] essa revisão não pode ser constituída apenas por referências ou sínteses dos estudos feitos, mas por discussão crítica do 'estado atual da questão'." (GIL, 2006, p. 162).

2.1. O Estado

A atual Constituição Federal - CF (1988) selou um processo democrático, estabelecendo princípios fundamentais, direitos e garantias, e cuidando de temas como a organização do Estado e seus poderes, princípios da ordem econômica, financeira, sociais e ambientais. Nela ficou determinado que o Estado, na condição de agente normativo e regulador da atividade econômica, exercerá as funções de fiscalizador e incentivador dos agentes econômicos ao efetuar planejamento que pode ser normativo ou institucional.

Em seu artigo 6º, a CF dispõe sobre o ordenamento jurídico brasileiro e versa que: "São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados."

Dessa forma, o papel do Estado é de vital importância para a obtenção de qualquer forma de desenvolvimento, seja social, econômico e ou ambiental. Segundo a determinação constitucional, o Estado deve viabilizar a aplicação do princípio da igualdade visando à justiça social.

Nesse contexto, Gonçalves (2006) conceitua o Estado como a sociedade civil politicamente soberana e internacionalmente conhecida, que tem como objetivo principal o bem comum aos indivíduos e comunidades que estão sob seus cuidados. Assim, o Estado pode ser compreendido como agente normativo e regulador da atividade econômica, atuando por meio dos órgãos administrativos pré-estabelecidos na determinação das políticas adotadas para gerir a nação.

2.1.1 O Estado e as políticas públicas

Existem diversos estudos sobre a influência do Estado no sentido de promover desenvolvimento, bem como desencadear ações que visem à concretização dos princípios constitucionais que garantam os direitos fundamentais dos cidadãos.

Para Teixeira (2002, p. 2), "[...] políticas públicas são as diretrizes norteadoras de ação do poder público; regras e procedimentos para as relações entre poder público e sociedade; mediações entre atores da sociedade e do Estado." Observa-se, assim, que essas diretrizes coadunam-se para estabelecer ações que serão desenvolvidas pelo Estado no intuito de promover o desenvolvimento, criar alternativas de geração de emprego e renda, e demais demandas dos diversos setores da sociedade.

Nesse sentido, Bucci (2002) contribui com a afirmação de que as políticas públicas são um conjunto de programas de ação governamental visando a coordenar os meios, a disposição do Estado e as atividades privadas para realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados. Desse modo, o Estado, através de ações que contemplam o interesse público e diante do poder que a sociedade atribui aos entes federados, deve tomar decisões em prol do bem comum.

Nessa perspectiva de definições ideológicas de políticas públicas, Santos (2010) destaca sua importância como instrumento de desenvolvimento regional. Segundo o autor, sua utilização em prol do desenvolvimento regional é uma percepção global, pois a identificação da impossibilidade de as próprias regiões, por si só, fomentarem seu desenvolvimento justifica tais ações do governo. O autor menciona ainda:

E, neste aspecto, é importante considerar também, que o contexto regional modificou-se em relação a como era percebido entre as décadas de 1950 e 1980 pelo Estado. A leitura que se faz de região, após o processo de liberalismo econômico, é que cada uma, dentre as várias regiões possuem seus próprios aspectos e expectativas. Apontando seu próprio modelo de desencadeamento político, social, gestor e produtivo. Intercalando-se, simultaneamente, aos interesses da iniciativa privada e pública, e porque não, da sociedade civil. (SANTOS, 2010, p. 58).

Assim, as políticas públicas são aplicadas de forma determinada, buscando um espaço geográfico específico e um público previamente definido, onde o grupo ou organização possa ser afetado pelas ações que alcancem os objetivos previamente fixados em um quadro geral de ações, o que permite distingui-la de uma ação isolada (SILVA et al., 2003 apud MULLER, 2007).

2.1.2 Políticas públicas implementadas

Demo (2002) afirma que, do ponto de vista do Estado, as políticas públicas são consideradas como políticas sociais, e são caracterizadas como proposta planejada de enfrentamento das desigualdades sociais.

O Brasil apresenta uma expansão considerável de políticas públicas de transferência direta de renda para a população pobre; os benefícios se dividem em modalidades direcionadas a públicos específicos.

Três políticas públicas se destacam no âmbito de transferência de renda, são elas: o Benefício de Prestação Continuada (conhecido como BPC-LOAS ou, simplesmente, BPC); Benefícios Eventuais de Proteção Social Especial (PSE) e o Programa Bolsa Família (PBF). As principais características destes programas são apresentadas no quadro a seguir:

BENEFÍCIO

CONCESSÕES

Benefício de Prestação Continuada (conhecido como BPC-LOAS ou, simplesmente, BPC)

 

Garante a transferência mensal de 1 (um) salário mínimo vigente ao idoso, com idade de 65 anos ou mais, e à pessoa com deficiência, de qualquer idade, com impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

Benefícios Eventuais de Proteção Social Especial (PSE)

 

Caracterizam-se por seu caráter suplementar e provisório, prestados aos cidadãos e às famílias em virtude de nascimento, morte, situações de vulnerabilidade temporária e de calamidade pública.

Destinam-se a famílias e indivíduos em situação de risco pessoal ou social, cujos direitos tenham sido violados ou ameaçados. Para integrar as ações da Proteção Especial, é necessário que o cidadão esteja enfrentando situações de violações de direitos por ocorrência de violência física ou psicológica, abuso ou exploração sexual; abandono, rompimento ou fragilização de vínculos ou afastamento do convívio familiar devido à aplicação de medidas.

O Programa Bolsa Família (PBF)

 

Trata-se do programa de transferência mensal de renda que surgiu, no final de 2003, a partir da unificação de uma série de programas pré-existentes, bastante inspirado pelo programa de renda mínima vinculado à educação, o Bolsa Escola. Esse programa consiste na ajuda financeira às famílias pobres, que são definidas como: aquelas que possuem renda per capita de R$ 70,00 até R$ 140,00 e extremamente pobres com renda per capita até R$ 70,00.

Quadro 1 - Principais programas de transferência de renda no Brasil
Fonte: Elaborado pelos autores com base em MDS (2013)

O Brasil, ainda de acordo com o MDS (2013), apresenta uma expansão considerável de políticas públicas de transferência direta de renda para a população pobre; os benefícios se dividem em modalidades direcionadas a públicos específicos.

Deste modo, o Programa Governamental PBF, por ser a população-alvo desta pesquisa, será abordado de forma mais abrangente em uma seção específica.

Muitas pesquisas, aqui no Brasil, foram desenvolvidas procurando investigar o padrão de consumo das famílias brasileiras.

  1. Coelho; Aguiar e Fernandes (1998), investigaram o padrão de consumo de alimentos das famílias brasileiras, por meio da estimação de um modelo com variáveis de resposta qualitativa, incluindo dezoito tipos de alimentos, com base nos dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) realizada em 2002/2003 pelo IBGE. Os resultados da estimação indicaram que a probabilidade de aquisição dos produtos básicos variou negativamente com a renda mensal familiar, enquanto as carnes, leite e demais produtos mostraram influência positiva da renda.
  2. Doria (2013), desenvolveu estudo cujo objetivo foi verificar as transformações no padrão de consumo das famílias brasileiras, analisando o processo de distribuição de renda que ocorreram nos últimos dez anos em favor das famílias pobres e comparando as transformações ocorridas na renda com o crescimento do consumo. Os resultados apontaram melhorias mais intensas em acesso ao esgoto, água encanada e educação do que nos padrões de consumo. Além disso, o estudo demonstrou redução nas despesas no domicilio de: fumo, educação e recreação e crescimento em despesas com habitação, transportes e ativos.  
  3. Chaim e Teixeira (1996), analisaram a estrutura de consumo alimentar, tendo por base o Inquérito do Consumo Alimentar, realizado pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas e Alimentação (NEPA-UNICAMP) em 1994 para o município de Campinas. Nas analises, os autores verificaram a relação entre a renda per capita familiar e os tipos de alimentos consumidos, assim como os tipos de equipamentos varejistas de alimentos utilizados. Os resultados revelaram que o gasto em gêneros alimentícios permanece em torno de 70% para todas as classes de renda estudadas.

2.3. Renda familiar

Renda familiar, segundo o IBGE (2012a), trata-se do somatório da renda individual dos moradores do mesmo domicílio. A renda familiar per capita é calculada dividindo-se o total de renda pelo número de moradores de uma residência.

Para o Ministério de Desenvolvimento Social - MDS (2012), os rendimentos que entram no cálculo da renda bruta mensal são aqueles provenientes de: salários; proventos; pensões; pensões alimentícias; comissões; pró-labore; outros rendimentos do trabalho não assalariado; rendimentos do mercado informal ou autônomo; rendimentos auferidos do patrimônio.

Conforme Pesquisa de Orçamentos Familiares - POF – 2008/2009 (IBGE, 2012b), classificam-se em termos de renda também as providas pelo Estado, advindas de programas sociais federais ou transferência de renda, por exemplo, Bolsa Família, Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social (BPC-LOAS) e Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI).

Sob o aspecto da transferência de renda proporcionada pelo Estado, Silva et al. (2004, p. 15, 19) afirmam que:

[...] a transferência de renda mostra-se como parte integrante do sistema de proteção social brasileiro e parte da hipótese de que os sistemas de proteção social são formas institucionais que todas as sociedades humanas desenvolvem para enfrentar as vicissitudes de ordem biológica ou social que coloquem em risco parte ou a totalidade de seus membros.

Assim, ainda de acordo com Silva et al. (2004, p. 19), esses programas são compreendidos "[...] como aqueles que atribuem uma transferência monetária a indivíduos ou famílias", de forma compensatória, com vistas a romper com o "[...] ciclo vicioso que aprisiona grande parte da população brasileira nas amarras da reprodução da pobreza".

2.4. Alimentação e nutrição

O Glossário Temático de Alimentação e Nutrição, elaborado pelo Ministério da Saúde (2006), conceitua alimentação como sendo o processo biológico e cultural que se traduz na escolha, preparação e consumo de um ou vários alimentos. Sob o aspecto da nutrição, como o estado fisiológico que resulta do consumo e da utilização biológica de energia e nutrientes em nível celular.

No âmbito da alimentação saudável, de acordo com o Glossário, consta:

Alimentação saudável, fem. sin. alimentação equilibrada. Padrão alimentar adequado às necessidades biológicas e sociais dos indivíduos e de acordo com as fases do curso da vida. notas: i) deve ser acessível (física e financeiramente), saborosa, variada, colorida, harmônica e segura quanto aos aspectos sanitários. ii) esse conceito considera as práticas alimentares culturalmente referenciadas e valoriza o consumo de alimentos saudáveis regionais (como legumes, verduras e frutas), sempre levando em consideração os aspectos comportamentais e afetivos relacionados às práticas alimentares. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, Glossário Temático de Alimentação e Nutrição, 2006, p. 15)

Ainda disposto no referido Glossário, encontra-se o que é uma alimentação saudável e como se pode alcançá-la no cotidiano, identificando-se, ainda, alguns princípios básicos que devem reger a relação entre as práticas alimentares e a promoção da saúde e a prevenção de doenças.

Sob o aspecto de alimentação saudável, Brillat-Savarin (1825 apud MINISTÉRIO DA SAÚDE, Glossário Temático de Alimentação e Nutrição, 2006, p. 15) afirma: "Deixe que a alimentação seja o seu remédio e o remédio a sua alimentação. O destino das nações depende daquilo e de como as pessoas se alimentam."

De acordo com Martins (1982), os estudos sobre situações alimentares, em geral, devem abranger a análise da qualidade da dieta e da adequação de consumo, uma vez que a satisfação das necessidades nutricionais está condicionada ao binômio qualidade-quantidade de alimentos portadores de energia e de nutrientes.

O autor ainda salienta que a qualidade de uma dieta está vinculada à interação entre os nutrientes que a compõem, de tal forma que jamais poderia qualificá-la de "boa" ou "má", se forem analisados isoladamente uns dos outros.

Neste contexto, para a nutrição adequada considera-se a ingestão de uma dieta equilibrada de forma que o corpo possa assimilar os nutrientes necessários para uma boa saúde.

Porém, conforme Claro e Monteiro (2010), escolhas alimentares são processos complexos, influenciadas tanto por fatores biológicos quanto por fatores sociais, culturais e econômicos, com destaque, neste último caso, para a renda familiar e o preço dos alimentos. Neste contexto, os fatores econômicos exercem influência decisiva quanto ao consumo, independente das necessidades nutricêuticas evidenciadas nos estudos necessários.

2.5. Cesta básica

Segundo a Lei n. 185 de 1936 e o Decreto-lei n. 399 de 1938, a cesta básica consiste em um instrumento de política pública para minimizar o dispêndio familiar em relação ao consumo nutricêutico, necessário ao sustento proteico alimentar familiar do trabalhador em quantidades variadas por região.

Em relação ao atendimento das necessidades da alimentação, a lei que instituiu o salário mínimo previa que a cesta básica deveria representar aproximadamente 48% das despesas desse salário (RADIS, 2003).

Por definição, para Menezes (2006), cesta básica é um termo genérico que designa um conjunto de bens, incluindo gêneros alimentícios e produtos de higiene pessoal e de limpeza, suficientes para suprir as necessidades de uma família pelo período de um mês.

Ainda de acordo com a autora, destacam-se três modelos de cestas básicas no país. O primeiro refere-se ao estabelecido pelo Decreto-Lei n. 399, de 1938, que contém uma lista de alimentos destinados ao trabalhador adulto.

O segundo modelo é do Programa de Orientação, Proteção e Defesa ao Consumidor e Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Procon/DIEESE), que tem divulgação mensal da relação do custo da cesta básica comparado ao salário mínimo para quase todas as capitais brasileiras. É composta por produtos alimentícios, como também por produtos de higiene e limpeza, num total de 31 componentes do consumo mensal de uma família formada por quatro indivíduos.

Por fim, o terceiro modelo corresponde ao do Estudo Multicêntrico do Ministério da Saúde, proposto pelo estudo multicêntrico realizado em 1996-1997, com objetivo de estabelecer uma cesta básica composta pelos alimentos mais consumidos pela população e nutricionalmente adequada.

Para este estudo, adotar-se-ão os produtos alimentícios do modelo estipulado pelo Procon/DIEESE, que utiliza a Cesta Básica Nacional, ou Ração Essencial Mínima, composta por treze gêneros alimentícios e recomendados para atender a necessidade de consumo ideal de uma família constituída por quatro pessoas, conforme apresentado no quadro Modelo de cesta básica nacional Procon/DIEESE, a seguir:

DESCRIÇÃO

QUANTIDADE

AÇÚCAR

3,0 kg

ARROZ (TIPO 2)

3,00 kg

BANANA

7,5 dz

BATATA

6,0 kg

CAFÉ

0,60 kg

CARNE (BOVINA 2ª)

6,60 kg

FARINHA (mandioca)

1,50 kg

FEIJÃO (de cor)

4,50kg

LEITE (tipo C)

7,50 L

MARGARINA

0,750 kg

ÓLEO DE SOJA

0,900 L

PÃO

6 kg

TOMATE

9,0 kg

Modelo 2 - Modelo de cesta básica nacional Procon/DIEESE
Fonte: Elaborado pelos autores com base no DIEESE (2012)

2.5.1 Importância dos produtos que compõem a cesta básica para a nutrição das famílias

A lei que regulamenta a Segurança Alimentar e Nutricional estabelece que todos têm o direito ao acesso regular e permanente de alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem prejudicar o acesso às outras necessidades essenciais do ser humano, respeitando-se a diversidade cultural, e que tenham como base práticas alimentares promotoras de saúde, de caráter social, econômico e ambientalmente sustentável (CONSEA, 2004).

Alimentos que compõem cestas básicas como arroz, feijão, ovos, fubás, sardinha, entre outros, fazem parte do dia a dia de muitas famílias, assim a cesta básica Procon/DIEESE assumiu importância já há alguns anos, dada a divulgação mensal da relação de seu custo comparado com o salário mínimo, para quase todas as capitais dos estados brasileiros.

A variação de preços da cesta básica Procon-DIEESE tem sido usada também como indicador econômico em órgãos públicos, associações, sindicatos, bancos e empresas de consultoria, ultrapassando as fronteiras do objetivo inicial e propiciando comparações de dados e análises econômicas (DIEESE, 1994).

No âmbito de políticas públicas voltadas para a concretização dos direitos fundamentais de alimentação adequada do ser humano, assegurada pelo Ministério de Desenvolvimento Social (MDS), criou-se a Secretaria de Segurança Alimentar e Nutricional (SESAN), responsável pela formulação e execução do Programa Nacional de Segurança Alimentar Nutricional (PNSAN), e assim promover e coordenar os programas do Ministério nessa área.

A alimentação adequada é direito fundamental do ser humano, de acordo com a Lei de Segurança Alimentar (LOSAN), cabendo ao poder público assegurá-lo, mediante a institucionalização de políticas de segurança alimentar e nutricional. Assim, as ações do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) têm por objetivo garantir aos cidadãos em insegurança alimentar e nutricional o acesso aos alimentos e à água em quantidade, qualidade e regularidade suficientes, desenvolvendo, para tanto, iniciativas estruturantes e emergenciais por meio de programas e projetos.

Na esfera da iniciativa Fome Zero, o Programa Bolsa Família (PBF) é um mecanismo de transferência direta de renda a famílias em situação de pobreza e vulnerabilidade social. Esse programa consiste na ajuda financeira às famílias pobres, que são definidas como: aquelas que possuem renda per capita de R$ 70,00 até R$ 140,00 e extremamente pobres com renda per capita até R$ 70,00.

O Programa, segundo o MDS (2012), atende mais de 13 milhões de famílias em todo território nacional de acordo com o perfil e tipos de benefícios: o básico, o variável vinculado ao adolescente (BVJ), o variável gestante (BVG) e o variável nutriz (BVN). Os valores dos benefícios pagos pelo PBF variam de R$ 32 a R$ 306, considerando a renda mensal da família por pessoa, do número de crianças e adolescentes de até 17 anos e do número de gestantes e nutrizes componentes da família.

Ainda de acordo com o MDS, a contrapartida é que as famílias beneficiárias mantenham seus filhos e/ou dependentes com frequência na escola e vacinados. Desse modo, o recebimento da renda é vinculado ao cumprimento de compromissos das famílias com as agendas da educação e da saúde. A finalidade é promover o acesso das famílias aos direitos sociais básicos e a ruptura do ciclo intergeracional da pobreza, bem como reforçar o direito de acesso à política universal de saúde visando à melhoria das condições de vida.

3. Aspectos Metodológicos

Diante da necessidade da definição do delineamento deste estudo, quanto aos objetivos analisar se o padrão de consumo, das famílias incluídas no Programa Bolsa Família (PBF) do Governo Federal e domiciliadas na cidade de Dourados – MS, está de acordo com o modelo estipulado pelo Procon/DIEESE, adotou-se a pesquisa explicativa, visando identificar os fatores que determinam ou contribuem para ocorrência dos fenômenos.

Para Beuren (2010, p. 83), "[...] os procedimentos na pesquisa científica referem-se à maneira pela qual se conduz o estudo e, portanto, se obtêm os dados."

No que se refere à tipologia da pesquisa utilizada para este estudo, quanto aos procedimentos, foi dividida em duas fases.

A primeira constituiu-se em revisão bibliográfica, com base em livros, teses e dissertações, bem como em revistas especializadas, publicações em periódicos, além de artigos, disponibilizados pela internet e anais de congresso. Na segunda fase, foi realizada uma pesquisa documental em órgãos públicos, como IBGE, DIEESE, IPEA, Central do Bolsa Família e em outros mais que se fizeram necessários para busca de dados referentes ao tema proposto.

O presente estudo adotou a pesquisa qualitativa, pois buscou-se analisar as características dos produtos que compõem a cesta básica, bem como o perfil de consumo das famílias inseridas no programa federal Bolsa Família.

Para este estudo, o universo de pesquisa de campo foi delimitado no que concerne ao município de Dourados/MS. A pesquisa foi realizada no início do primeiro semestre de 2013. O município foi escolhido como locus da pesquisa pelo fato de a cidade ser considerada polo universitário do Estado, e assim ser um centro de referência para eventos acadêmicos e empresariais. Ademais, de acordo com IBGE (2012a), possui uma população de aproximadamente 200 mil habitantes, sendo a segunda cidade mais populosa do Mato Grosso do Sul (depois da capital), além de ser o 136º maior município brasileiro e o 55º maior município interiorano do Brasil. A população-alvo do estudo está centrada em famílias incluídas no programa Bolsa Família do Governo Federal cadastradas na cidade de Dourados.

Os elementos da amostra da pesquisa foram constituídos das famílias assistidas pelo Centro de Referências da Assistência Social (CRAS), do bairro Jardim Canaa I, da cidade de Dourados/MS. O CRAS é uma unidade pública que assiste aproximadamente 1000 famílias, orientando e fortalecendo o convívio sociofamiliar, descentralizando atividades de capacitação e lazer.

Das 1000 famílias assistidas pelo CRAS do bairro escolhido como locus da pesquisa, aproximadamente 900 famílias recebem o benefício do programa Federal Bolsa Família- PBF. Devido ao fato de a população alvo deste estudo estar centrada em famílias incluídas no PBF, foi entrevistado o percentual de 10% das famílias assistidas e, dessa forma, foram entrevistadas 90 pessoas.

Ao ser incluída no PBF, a mulher é tomada como representante do grupo familiar, ou seja, para o MDS o grupo familiar é materializado simbolicamente pela presença da mulher, assim, para responder os questionamentos deste estudo, as famílias foram representadas, na totalidade (100%), por mulheres.

No contexto das fontes primárias este estudo, foram utilizados dois instrumentos, sendo: entrevista estruturada, na qual se usou um roteiro devidamente estruturado e padronizado que continha 10 questões fechadas, propondo conjuntos de alternativas de respostas para que fosse escolhida a que melhor evidenciasse o ponto de vista dos respondentes. Para Marconi e Lakatos (2002), a razão para se padronizar a entrevista estruturada é obter do entrevistado respostas às mesmas perguntas, permitindo a comparabilidade das respostas.

As entrevistas ocorreram nos dias 14 a 16 de janeiro de 2013, e a estratégia utilizada foi convocar as pessoas para uma ação do CRAS. Esta ação foi constituída de uma palestra, ministrada pela nutricionista do programa de alimentação do município, cuja temática consistiu no aproveitamento de alimentos.

Ainda no contexto das fontes primárias, no dia 21 de janeiro de 2013, fez-se a coleta dos preços dos produtos que compõem a cesta básica em 08 estabelecimentos. A escolha dos estabelecimentos a serem pesquisados foi feita de forma aleatória e por conveniência, porém levando em conta aqueles situados nos bairros que, segundo a central do CRAS, possuem maior concentração de famílias inseridas no PBF na cidade de Dourados/MS.

4. Apresentação E Análise Dos Resultados

No intuito de atender aos objetivos propostos para este estudo, procurou-se discutir os resultados encontrados, estruturados da seguinte forma: a importância dos produtos que compõem a cesta básica para a nutrição das famílias; caracterizar o perfil da composição da renda familiar, bem como do consumo alimentar das famílias entrevistadas, tendo em vista o atendimento das necessidades nutricionais.

4.1. Gasto financeiro com a cesta básica

De forma detalhada, a Tabela 3 - Gasto com gêneros alimentícios demonstra o gasto financeiro com a aquisição dos gêneros alimentícios de acordo com as respectivas quantidades para os produtos alimentícios do modelo adotado pelo DIEESE, que utiliza a Cesta Básica Nacional, ou Ração Essencial Mínima, composta por treze gêneros alimentícios.

Os valores são provenientes da entrevista e coleta de preços em oito estabelecimentos situados nos bairros com maior concentração de famílias inseridas no PBF na cidade de Dourados/MS, coleta esta efetuada no dia 19/07/2012.

Tabela 1 - Gasto com gêneros alimentícios

Fonte: Dados da pesquisa (2012)

Comparando-se o menor gasto total que é de R$ 212,12 e o maior gasto encontrado, no valor de R$ 248,94, pode-se perceber uma variação entre o menor e maior valor na aquisição dos produtos que corresponde a R$ 36,81, cujo percentual de variação é 17,35%.

Por não se tratar do foco deste estudo, esse dado não será tratado, embora seja bastante relevante, pois, ao se comparar com o valor do salário mínimo do ano corrente, que é de R$ 678,00, com a diferença do maior gasto na variação de preços que é de R$ 36,81, compromete-se um gasto adicional no percentual de 5,43% do salário mínimo somente com a diferença a maior que ocorre na variação de preços.

Para realização do cálculo do gasto na aquisição dos gêneros alimentícios que compõem a cesta básica, estabeleceu-se uma média nos preços de venda dos oito estabelecimentos coletados, obtendo-se o valor de R$ 225,34.

Ao se considerar o salário mínimo vigente de R$ 678,00, bem como o valor médio gasto com a aquisição dos gêneros alimentícios que corresponde a R$ 225,34, as famílias que recebem um salário mínimo comprometem o percentual de 33,23% da renda familiar na aquisição dos gêneros alimentícios.

De acordo com o MDS, as famílias extremamente pobres são aquelas que têm renda per capita de até R$ 70,00 por mês, já as famílias pobres são aquelas que têm a renda per capita entre R$ 70,01 a R$ 140,00 por mês.

Neste âmbito, simulou-se a situação de uma família composta por 4 pessoas (número de indivíduos estabelecido pelo DIEESE para compor as quantidades mínimas dos produtos da cesta básica), portanto uma renda mensal familiar de R$ 280,00 ou R$ 560,00; o gasto na aquisição de uma cesta básica que, conforme o valor já demonstrado, é de R$ 225,34, deste modo, para as famílias em estado de extrema pobreza ou de pobreza, comprometer-se-ia o percentual de 80,47% e 40,23% respectivamente. Evidencia-se então o elevado comprometimento da renda destas famílias somente com a alimentação, afetando seus recursos no que diz respeito ao atendimento de suas necessidades, como de moradia, educação saúde, lazer, entre outras.

4.2. Caracterização da composição da renda familiar

Um aspecto a ser mencionado quanto à caracterização da composição da renda das famílias refere-se ao fato de o salário mínimo ter sido alterado de R$ 622,00 para R$ 678,00 no mês de janeiro de 2013, portanto a ser recebido pelos trabalhadores a partir do mês de fevereiro 2013, e a pesquisa ter ocorrido no mês de janeiro de 2013, deste modo os valores apontados no decorrer da pesquisa referem-se ao último valor de receita obtida pelas famílias respondentes.

No intuito de traçar as características da composição da renda familiar do público-alvo deste estudo, foi questionado aos respondentes qual o valor total mensal da renda familiar, suas fontes, incluindo os programas assistenciais, bem como o número de pessoas que compõem a renda.

Apurou-se que 94% das famílias entrevistadas têm a renda familiar composta por 1 a 2 pessoas e 6% de famílias têm, como composição de renda, 3 a 5 pessoas.

Como fonte da renda, apurou-se que: 37,9% das famílias declaram receber salário oficial, cujas fontes se referem a: trabalho assalariado, pensão alimentícia e programas governamentais de distribuição de renda como benefício de Prestação Continuada da Lei Orgânica da Assistência Social (BPC-LOAS) e o Bolsa Família (BF).

Dos respondentes que apresentaram estas fontes de renda, obtiveram-se os seguintes valores de renda: 16%, um valor de até R$ 622,00, 83% um valor de R$ 623,00 a R$ 933,00; e 1% acima de R$ 933,00.

Apurou-se, ainda, um percentual de 53% de famílias que, além do programa bolsa família, declaram ter como fonte de renda a forma eventual, ou seja, aquela provinda de remunerações de forma descontinuada. Dos respondentes que apresentaram estas fontes de renda obtiveram-se os seguintes valores de renda: 86%, um valor de até R$ 622,00, 12% um valor de R$ 623,00 a R$ 933,00; e 2% acima de R$ 933,00.

Apresentando como fonte da renda familiar apenas o Programa Bolsa Família, obteve-se um percentual de 9,10% das famílias respondentes, que representa um percentual de 100% com um valor de até R$ 622,00.

4.3. Caracterização do perfil familiar

Para caracterização do perfil familiar foi questionado às respondentes o número de pessoas que residem no domicílio. Apurou-se um percentual de: 77,30% para uma variação de 1 a 4 pessoas residentes; 19,70% para uma variação de 5 a 9 pessoas residentes e de 3% para o número de residentes acima de 10 pessoas.

Ao que se refere à idade dos residentes no domicílio, apurou-se que, em 96,10% deles residem crianças de 0 a 12 anos de idade; em 43,20%, adolescentes de 13 a 20 anos de idade; em 98% dos domicílios residem adultos de 21 a 59 anos de idade e, em 2%, residem idosos de 60 anos ou mais.

Quanto à escolaridade, por ser a responsável pela manutenção do programa Bolsa Família, foi questionado o grau de instrução da mãe; sendo apurado um percentual de 30,3% para as que se declararam apenas alfabetizadas. Declararam ter ensino fundamental, 63,3% e, quanto ao ensino médio, o percentual das respondentes que marcaram esta resposta foi de 6,4%.

Para se caracterizar as práticas de consumo, apresentou-se às respondentes uma lista com 12 itens de bens domésticos e questionou-se quanto a posse destes bens. As respostas estão transcritas no Quadro Bens domésticos, a seguir:

Quadro 3 - Bens domésticos
Fonte: Elaborado pelos autores com base na pesquisa

Ao decompor os dados evidenciados no Quadro Bens domésticos, verifica-se que os maiores percentuais correspondem a 100,0% das famílias que dispõem de fogão a gás, geladeira e aparelho celular; 94,00% de máquina de lavar; 87,90% de aparelho de som; 65,20% de chuveiro elétrico.

Constata-se que 100% das famílias possuem aparelho celular; que na percepção das respondentes, trata-se de um bem de extrema necessidade, pois, além de ser utilizado para comunicação normal, também é utilizado como forma de contato de trabalho, no sentido de que é através do celular que são contatadas para oferecer seus serviços, visto que a grande maioria das respondentes declara ter como fonte de renda a forma eventual, ou seja, aquela provinda de remunerações de forma descontinuada.

Quanto a máquina de lavar que apresentou um percentual de 94,00% das famílias que a possuem, justificaram sua aquisição ao fato de facilitar a lavagem de roupa da casa, no intuito de disponibilizar mais tempo para outros trabalhos. Destacaram-se também aquelas que mencionaram o fato de que a máquina é utilizada como fonte de renda quando adquirida para prestação de serviço de "lavar roupa para fora".

No que se refere à aquisição dos itens televisão, aparelho de som e de DVD, as respondentes atribuíram a função destes bens como formas de lazer, devido a escassez de recursos para optarem por outras formas.

Para a posse de veículo, sendo carro ou moto, obteve-se o percentual de apenas 3,30% de famílias que dispõem deste bem e este refere-se, em 100%, à posse do veículo moto. A essência da necessidade deste bem, segundo as respondentes, está em servir como transporte para o trabalho.

Quanto ao percentual de 96,70% das famílias que não dispõem deste bem, percebeu-se mediante as reações das entrevistadas certo distanciamento no que se refere à capacidade de possuí-lo, e a alegação da maioria das entrevistadas foi de que teriam outras prioridades no ranking das necessidades da família.

No que se refere aos demais itens de bens domésticos como: micro-ondas, chuveiro elétrico, freezer, geladeira e fogão, percebeu-se, de acordo com os relatos das respondentes, que sua aquisição está condicionada às funções de preparação e conservação de alimentos e aquecimento de água.

Para as famílias respondentes que apontaram não possuir um ou outro bem da lista dos bens de consumo relacionados, pôde-se perceber certa insatisfação, visto que, na opinião das respondentes, referem- se a equipamentos essenciais para atender suas necessidades básicas.

Torquato (2009, p. 88) afirma que, sobre a aquisição de bens de consumo no Brasil nos últimos anos, são atribuídas a "[...] aumento das facilidades de consumo estimulado por financeiras, lojas de departamento, supermercados, cartões de crédito, etc., que vem gradativamente remodelando as práticas de consumo dos chamados 'pobres', ou de indivíduos pertencentes à 'baixa-renda'".

4.4. Caracterização do consumo alimentar das famílias entrevistadas

Para a avaliação dos alimentos que frequentemente são consumidos pelas famílias, consideraram-se os alimentos que foram apontados em percentual igual ou superior a 50% das famílias, na modalidade "consumo de 1 a 3 vezes ao dia". Dessa forma, obtiveram-se quais os alimentos que são consumidos diariamente pelas famílias respondentes, apurando-se os percentuais que estão transcritos no Gráfico 1 - Maior Frequência do consumo alimentar abaixo:

Gráfico 1 - Maior frequência do consumo alimentar
Fonte: Elaborado pela autora com base na pesquisa

Conforme demonstrado no Gráfico 1 - Maior Frequência do consumo alimentar, pode-se verificar que o maior consumo diário restringe-se aos alimentos: 81,30% arroz, 75,00% de alho, 75% café, sal 68,80%, óleo vegetal 62,50%, feijão 56,30%, 53,40% leite tipo C e 50,0% pão. Ou seja, a alimentação diária restringe-se ao arroz, feijão, o leite e o pão, visto que os outros alimentos apontados referem-se aos condimentos utilizados na preparação dos alimentos para o consumo.

No que se refere aos alimentos que foram apontados como os de menor frequência de consumo por mais de 50% das famílias questionadas, na modalidade "não consomem", estão demonstrados no Gráfico 2 - Menor frequência de consumo, a seguir:

Gráfico 2 - Menor frequência de consumo
Fonte: Elaborado pelos autores com base na pesquisa

Ao observar o resultado apurado referente aos alimentos apontados como menor frequência de consumo, na modalidade "não consomem", observa-se o alto percentual da falta de consumo de alimentos tidos como importantes do ponto de vista nutricional, a exemplo das frutas com os percentuais de: melão 86,70%, pêra 80%, abacate 73,40%, maçã 40%, melancia 26,70% e banana 13,40%. Também de alimentos do grupo de leites e derivados, o percentual para o não consumo do leite em pó foi de 80% e queijos, 66,70%, leite integral 53,40%, e iogurtes de 33,40%.

Outro grupo de alimentos que se destaca pelo alto percentual da falta de consumo é o de legumes, verduras e leguminosas, cujo percentual de não consumo é de: 46,70% chuchu; abóbora, cenoura, couve e tomate é de 38,70%; almeirão 60% e ervilha 80%.

No que se refere ao não consumo de carnes e pescados, os percentuais apontados foram: de carne bovina, 20%, carne de porco 33,40%, carne de frango, e peixes num percentual de 46,70%.

Os entrevistados relataram não consumir carne suína por ser um tipo de carne não confiável, por ser gordurosa e de difícil alcance. Quanto ao peixe, o alto preço e a dificuldade de acesso foram referidos como motivos do não consumo.

A satisfação das necessidades nutricionais está condicionada ao binômio qualidade-quantidade de alimentos fornecedores de energia e de nutrientes, dessa forma, a qualidade de uma dieta está vinculada à interação entre os nutrientes que a compõem. Neste contexto, para a nutrição adequada considera-se a ingestão de uma dieta equilibrada de forma que o corpo possa assimilar os nutrientes necessários para uma boa saúde.

Para este estudo, na pesquisa efetuada, buscou-se avaliar o grau de satisfação quanto ao consumo de alimentos com o seguinte questionamento: "em sua opinião os alimentos consumidos por sua família são suficientes para se ter uma vida saudável?", observando-se um percentual de 12,8% para a resposta sim são suficientes, e o percentual de 87,2% para não é suficiente para ter uma vida saudável.

Este resultado pode ser comparado com o estudo da POF 2008-2009 que investigou a satisfação das famílias em relação à quantidade de alimentos consumidos. Comparados com a POF 2002-2003, os resultados de 2008-2009 revelam uma melhor satisfação das famílias nesse quesito, em todas as regiões do país, pois 64,5% das famílias investigadas avaliaram suficiência de quantidade de alimentos, ante 53% da pesquisa anterior. No entanto, 35,5% das famílias afirmaram insuficiência regular ou eventual na quantidade de alimento consumido.

Ao se comparar os estudos da POF 2008-2009, verifica-se que, para as famílias pesquisadas neste estudo, a grande maioria (87,2%) afirma que os alimentos não são suficientes para se ter uma vida saudável, apontando para a não satisfação quanto a qualidade e quantidade dos alimentos consumidos.

No questionamento "além do programa bolsa família, você e sua família estão inseridos em algum programa; governamental ou não, de distribuição de alimentos", apuraram-se os seguintes percentuais: 90,90% dos respondentes afirmaram que não, deste modo, os alimentos consumidos são adquiridos com os rendimentos da família. Já para os 9,10% dos respondentes que afirmaram que participam de algum tipo de distribuição de alimentos indicaram como fontes: ações sociais promovidas, doação de alimentos de empregadores, parentes entre outros.

5. Considerações Finais

Existe um contingente de brasileiros que vive em condições de pobreza e extrema pobreza, provocadas pela ausência de ou baixa renda. Desse modo, o Brasil, embora possua um sistema de política social bastante amplo constituído por políticas públicas e programas assistenciais, é um país conhecido por apresentar uma das mais concentradas distribuições de renda no mundo.

Escolhas alimentares são processos complexos e os fatores socioeconômicos como: crenças sobre o consumo, nutrição, riscos, benefícios e principalmente os recursos disponíveis, exercem influência decisiva quanto à aquisição dos alimentos, hierarquizando a capacidade de consumo. A alimentação humana é um tema cada vez mais abordado no mundo, especialmente quando se trata de qualidade de vida e a adoção de hábitos saudáveis.

Vale ressaltar que a institucionalização das políticas públicas de transferência de renda implementadas, como o PBF, que tem como eixo central o repasse monetário às famílias, no contexto deste estudo, participam de forma essencial na composição da renda das famílias investigadas, de forma a garantir uma renda mínima familiar.

Na relação entre a renda das famílias e o padrão de consumo, constatou-se que, apesar das políticas públicas de transferência de renda nas quais estão inseridas, a renda obtida não é suficiente para garantir a qualidade da dieta e atender as necessidades de adequação do consumo aos padrões estabelecidos como alimentação saudável e adequado às necessidades biológicas e sociais, conforme determina o glossário de alimentação do MDS. Deste modo, a pesquisa concluiu que as famílias estabelecem um padrão de consumo alimentar em função de elevado comprometimento da renda somente com a alimentação.

Considera-se, então, a importância das políticas de distribuição de renda, visto o alto comprometimento da renda familiar com a aquisição dos alimentos; sem estas políticas públicas de distribuição de renda, a renda familiar seria menor ainda e, dessa forma, comprometer-se-ia de forma ainda mais acentuada o atendimento às necessidades nutricionais das famílias investigadas.

A pesquisa indicou também, que as famílias consumem pouco mais de 31% do salário mínimo, para aquisição de cesta básica, considerando o menor preço da pesquisa. 

Este estudo não difere de outros em possíveis limitações e no apontamento de variáveis de definições de critérios para análise; contempla apenas uma realidade local, e os elementos da pesquisa reforçaram a ideia de que aumento de renda, decorrente dos programas assistências, contribuem para a superação das desigualdades sociais e, consequentemente, da pobreza. O estudo possui a limitação da cidade e população pesquisada.

Neste contexto, pode-se constatar a possibilidade de ampliação desta pesquisa, especialmente, no que diz respeito à necessidade de:

a) A realização de novas pesquisas para proporcionar a comparabilidade dos resultados obtidos neste estudo, com outros bairros, outras cidades e outros estados; e

b) Verificar se algumas variáveis, como por exemplo: escolaridade e idade, influenciam no padrão de consumo das famílias.

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1.  Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
2. Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. Email: emanoel.lima@ufms.br


Vol. 37 (Nº 04) Año 2016

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