Espacios. Vol. 37 (Nº 06) Año 2016. Pág. 11

Processos de Inclusão de Pessoas com Deficiência: Limites e Possibilidades das Ações Corporativas na Construção do Reconhecimento Profissional

Handicapped people inclusion processes: limits and possibilities of corporative actions in the construction of professional recognition

Sabrina Santos PADILHA 1; Jacir Leonir CASAGRANDE 2; Nei Antônio NUNES 3

Recibido: 13/10/15 • Aprobado: 02/12/2015


Contenido

1. Introdução

2 Normalidade/produtividade: descompassos com a inclusão

3 Delineamento metodológico

4 Apresentação e análise dos dados

5 Considerações finais

Referências


RESUMO:

A preocupação com a capacitação do deficiente vai além das discussões no âmbito do ordenamento jurídico ou da Educação Especial, estendendo-se ao mundo empresarial. Este artigo objetiva analisar os processos de inclusão em empresas e se estes viabilizam o reconhecimento profissional do indivíduo com deficiência. É problematizada a concepção de normalização e sua articulação com os pressupostos utilitaristas de produtividade, presentes nas relações profissionais em organizações contemporâneas. Trata-se de um estudo de caso numa universidade corporativa, onde foram aplicados questionários com estrategistas e com portadores de deficiências. São discutidos limites e possibilidades das experiências de formação e inclusão profissional.
Palavras-Chave: Necessidades Especiais. Inclusão. Formação. Reconhecimento.

ABSTRACT:

The concern with handicapped people's capability goes beyond discussions about laws or especial education and reaches the world of enterprises. The present article intends to analyze the inclusion processes adopted by enterprises, attempting to verify whether they allow the professional recognition of the handicapped. The conception of normality and its articulation with the utilitarian bases of productivity which permeate contemporary organizations are problematized. It is case study in a corporative university where questionnaires were applied to strategists and handicapped personnel. This way it was possible to scrutinize the different practices adopted by enterprises nowadays concerning the education and inclusion of the handicapped. Some limitations and possibilities found in the professional education and inclusion experiences undertaken.
Key-words: Especial Necessities. Education. Inclusion. Recognition.

1. Introdução

O debate em torno da inclusão social ganhou um espaço destacado, nas últimas décadas, em distintos setores de nossa sociedade. As controvérsias geradas pela resistência de diferentes instituições em relação à inclusão de "minorias" têm se tornado, paulatinamente, objeto de análise nas diferentes áreas do saber, a exemplo do campo da Administração. Os limites e possibilidades da inserção, no mercado de trabalho, das pessoas tidas como portadoras de alguma deficiência é um dos pontos nevrálgicos dessa agenda de investigação.

Para abordar a questão, e procurar inventariar as atuais tendências do que acontece nas empresas, procurou-se problematizar, ainda que introdutoriamente, as identificações que historicamente têm sido atribuídas aos indivíduos e coletividades identificados como "menos normais" e "pouco produtivos", confrontando-as com o preceito ético do reconhecimento e suas implicações no campo das relações profissionais [4]. Em seguida, foi proposto um olhar analítico sobre a situação vivenciada por distintas empresas, na atualidade, no que tange à educação formal e à empregabilidade de pessoas com deficiência. Adiante, indicou-se o diagnóstico situacional da Universidade Corporativa Casan, com ênfase nos resultados obtidos na pesquisa documental e coleta de dados. Nas considerações finais, discutiu-se o diagnóstico da investigação sobre a temática da inclusão de deficientes nas empresas, à luz do que fora indicado anteriormente na discussão histórica, na pesquisa empírica e no referencial teórico sobre a ideia de reconhecimento.  

A metodologia aqui aplicada está centrada, incialmente, em pesquisa bibliográfica da literatura especializada (análise conceitual) sobre a temática em questão. Foi realizada, também, pesquisa documental, seguida pela coleta de dados. Esta última foi efetivada por meio da aplicação de questionário com perguntas abertas e fechadas a uma amostragem não aleatória de voluntários, o que permitiu abordar, ainda que introdutoriamente, a experiência da Educação Corporativa para pessoas com deficiência (trazendo à tona, por exemplo, aspectos da metodologia de ensino adotada, da estrutura física dos espaços nos quais os cursos aconteceram etc.) ofertada pela Universidade Corporativa CASAN – UniCASAN.

2. Normalidade/produtividade: descompassos com a inclusão

 Em um olhar retrospectivo, percebe-se que desde a Modernidade todos aqueles que não se conformavam aos critérios vigentes de normalidade, racionalmente definidos, eram classificados como possuindo alguma patologia que, por consequência, indicava limitações no pensar e no agir. Cabe ilustrar que a emergência histórica do Hospital Psiquiátrico e, com ela, dos efeitos cerceadores da prática do internamento, discutidos por Michel Foucault em Os anormais, não raro revelam que os padrões de normalização (científicos, econômicos e políticos) associam as pessoas consideradas "diferentes/anormais", com os seguintes termos: perigo, risco, desqualificação, inaptidão, improdutividade [5]. O critério de normalização permite inferiorizar, excluir e até condenar aqueles que definem como "anormais", antes de qualquer ato considerado improdutivo, arriscado, perigoso, desviante criminoso.

  Podem ser ilustrativos do modo como o capitalismo moderno articula as concepções de normalidade e produtividade, os escritos do teórico inglês Jeremy Bentham. No que tange ao desenvolvimento econômico, a Grã-Bretanha torna-se, sobretudo a partir do século XVIII, um expoente mundial (NUNES; VALÉRIO, 2004). Nos escritos políticos, econômicos e éticos de Bentham podem ser localizadas importantes aproximações entre os pressupostos do ideário capitalista, e os preceitos funcionalistas adotados nas instituições públicas e privadas. 

Ao empreender a conexão entre produtividade e utilidade, o jurista e filósofo inglês dá novos contornos ao espectro do capitalismo em expansão na Inglaterra setecentista. Sem desconsiderar, a complexidade da teoria utilitarista de Bentham no seu conjunto, mas procurando dar ênfase à vinculação entre utilidade e produtividade, são destacadas como exemplo desta conexão, o conteúdo das Cartas que na totalidade, compõe o Projeto Panóptico.

2.1 Projeto panóptico: normalização/formação de sujeitos úteis e produtivos

 Numa viagem que fez à Rús­sia meridional para visitar seu irmão Samuel Bentham – enge­nheiro que estava a serviço de Cata­rina, a Grande –, Jeremy idealizou um projeto arquitetônico, pensado inicialmente para ser aplicado como modelo para prisões, que ficou conhecido pelo nome de Panóptico [6]. Na segunda metade do século XVIII a questão das pri­sões é um problema candente em toda a Europa, e particularmente na Inglaterra. Contudo, o ambicioso projeto de Bentham objetivava não somente dar respostas ao problema carcerário, pois visava, sobretudo, maximizar as distintas formas de produtividade presentes no modelo capitalista em desenvolvimento. Em outros termos, mais do que uma edificação, tratava-se de um mecanismo de con­trole absoluto dos indivíduos, avalizado por suas soluções práti­cas e rápidas aos problemas presentes nas mais diferentes instituições e instâncias da sociedade [7]. 

Não importa quão diferentes, ou até mesmo quão opostos, sejam os propósitos: seja o de punir o incorrigível, encerrar o insano, reformar o viciado, confinar o suspeito, empregar o desocupado, manter o desassistido, curar o doente, instruir os que estejam dispostos em qualquer ramo da in­dústria, ou treinar a raça em ascensão no caminho da educação, em uma palavra, seja ele aplicado aos propósitos das prisões per­pétuas na câmara da morte, ou prisões de confinamento antes do julgamento, ou casas penitenciárias, ou casas de correção, ou casas de trabalho, ou manufaturas, ou hospícios, ou escolas. (BENTHAM, 2000, p. 17).

Aplicável e compatível com qualquer instituição, o panóptico exerce uma vigilância constante e procura captar os menores movimentos e sons dos vigiados, propi­ciando o máximo de eficácia, ordem e economia. Segundo este princípio de inspeção é preciso que se evite todo e qualquer "desperdício". E mais, "tudo" e "todos" devem ter uma função. No caso das prisões a estrutura física favorece, a diminuição do número de vigilantes, a obediência imediata dos detentos, a redução dos gastos com o aquecimento das celas e distribuição de água, maior lucratividade com o trabalho realizado pelos presos [8]. (BENTHAM, 2000, p. 19-20).

  A lógica do panóptico indica que "tudo" deve ser vigiado, quantificado, aproveitado e, portanto, produtivo. Se­gundo Miller (2000, p.81), o panóptico se apresenta como uma espécie de "templo da razão", tanto pela eficiente inspe­ção permanente, realizada por uma instância central de vigilância – um "olho invisível" com características transcendentes: onipresença, onisciência e onipotência – quanto por um domínio totalitário do ambiente, que nega a possibilidade de existência a "todos" que não pareçam racionais, lucrativos e produtivos.

  Bentham (2000) acredita nos benefícios da racionalização utilitarista do trabalho. Com vistas a alcan­çar a excelência na divisão do trabalho, sugere um controle minucioso e ostensivo dos movimentos corporais dos indivíduos e do tempo gasto nas atividades por estes realizadas. Muito antes do taylorismo e fordismo o precursor do utilitarismo moderno exorta que seria preciso maximizar a produção através da utilização de "todas as forças do corpo" em todos os instantes do dia, pelo sistema panóptico, como explica Perrot (2000, p.140):

A maior preocupação de Bentham é, de fato, a de empregar todos os braços, todos os instantes, todas as forças produtivas, para as necessidades conjugadas e inextricavelmente vinculadas da disciplina e da economia. É esse o sentido do seu 'duodécimo princípio de organização' ou 'princí­pio do emprego de to­dos os braços. Razões: a saúde, a diversão, a moralidade. Tanto quanto a economia.

Em Bentham e de modo geral no capitalismo utilitarista, a inclusão institucional dos sujeitos significava a sua conformação aos padrões racionais e normalizadores, definidos pelos critérios de extrema utilidade, eficiência e produtividade. Crê o teórico moderno que todos aqueles que são considerados anormais/improdutivos devem ser moldados de acordo com os padrões vigentes da sociedade, ou seja, devem ser conformados pelas regras, procedimentos e interesses das instituições às quais estão inseridos.[9] A não adequação de determinados sujeitos aos padrões normalizadores e produtivos legitimaria a sua exclusão.

Michel Foucault discute este projeto de Bentham no livro Vigiar e punir, procurando mostrar que ele expressa uma nova modalidade de poder consolidada nas sociedades modernas e contemporâneas. Para o teórico francês, as disciplinas têm no panóptico (que realiza a normalização dos corpos individualizados em diferentes instituições/organizações) um intensificador das tecnologias de poder, que permite melhor classificar, hierarquizar e, quando necessário, excluir, segregar e descartar os não-conformados aos modelos racionais/normalizadores de produtividade. E Foucault adverte:

A penalidade perpétua que atravessa todos os pontos e controla todos os instantes das instituições disciplinares compara, diferencia, hierarquiza, homogeneíza, exclui. Em uma palavra, ela normaliza. [...] Os dispositivos disciplinares produziram uma "penalidade da norma", que é irredutível em seus princípios e seu funcionamento à penalidade tradicional da lei. (FOUCAULT, 1993, p. 163).

Em síntese, os escritos de Foucault indicam que a visão utilitarista e instrumental preconizada pelo projeto de Bentham, disseminada por diversas corporações a partir da modernidade, é indicativo de um modo (ao mesmo tempo) enformador e excludente de tratar todos os que são identificados como possuindo alguma anormalidade – entenda-se por anormalidade: qualquer deformação física/motora, mental ou comportamental.

Contudo, no que tange à aceitação das "diferenças" dos sujeitos em espaços institucionais diversos, há posições dissonantes em relação aos preceitos expressos pelo capitalismo utilitarista de inspiração benthamiana.

2.2 O Preceito da Tolerância (e seus limites) e a Noção de Reconhecimento

 Não é descabido dizer que os efeitos normalizadores que incidiram sobre indivíduos e grupos dentro de diversas corporações – legitimados pela mentalidade do capitalismo utilitarista – são atenuados por importantes dispositivos legais e éticos, de inspiração liberal-contratualista emergentes na sociedade inglesa. Surge com o processo de consolidação do Estado moderno um profícuo debate sobre a garantia de direitos fundamentais universais, formalmente inclusivos, base para a defesa política e ética de direitos civis.

Assim, o preceito ético da tolerância, inicialmente utilizado para garantir a liberdade dos sujeitos a professarem uma fé religiosa, indicava que o Estado deveria garantir o direito à "diferença" e, para que isso fosse possível, deveria coibir as manifestações de intolerância no seio da sociedade. Tal proposição aparece no pensamento de John Locke – ideólogo do Estado liberal na Inglaterra seiscentista. [10] A máxima liberal, expressa em seu pensamento, indicava que ser tolerante com os intolerantes geraria mais intolerância. Daí a necessidade de o Estado fomentar a tolerância entre os cidadãos e, ao mesmo tempo, coibir os indivíduos, grupos e corporações que tencionassem desrespeitar o preceito da diferença religiosa (LOCKE, 1987).

Com diversas diferenças lá e cá, é possível perceber que o imperativo da tolerância está presente, em maior ou menor intensidade, nos ordenamentos jurídicos, nos sistemas políticos e educacionais, como também nas lógicas que subsidiam as relações de mercado, tanto nos Estados liberais modernos e nos Estados de inclinação neoliberal na contemporaneidade. Aliás, diferentes empresas públicas e privadas atuais têm investido no combate às formas de preconceito visando, assegurar o respeito às diferenças, definido como garantia das formas de tolerância institucional, profissional e social. No entanto, há grande distância (cremos) entre o preceito ético da tolerância – aplicado àqueles considerados anormais e/ou deficientes, dentro e fora da esfera profissional – e a prática da inclusão social, entendida esta última como reconhecimento individual, profissional e social dos sujeitos com necessidades especiais.

Ao propor que a luta por reconhecimento emerge nas sociedades contemporâneas como um imperativo, a ser vivenciado nos âmbitos individual, profissional e social. Axel Honneth dá elementos para que se possa inferir que a constituição da identidade dos sujeitos, em diferentes níveis, é condição para que a inclusão se efetive integralmente.

A necessidade de reconhecimento e a constituição da identidade estão diretamente ligadas ao modo como o sujeito se relaciona e interage com os "outros". Não é demais lembrar que, em diferentes âmbitos da vida, não se pode prescindir dos demais sujeitos, pois se precisa "deles" para, por exemplo, satisfazer muitas das necessidades, anseios, desejos, interesses e utopias pessoais. E mais, desde a infância são constituídas as identidades nas relações que são estabelecidas com os demais (na família, na escola, no trabalho). O ato de ser reconhecido pressupõe, então, a interação com outras pessoas, comunidades e/ou corporações que reconheçam a todos como sujeitos, cidadãos, trabalhadores, profissionais.

Honneth fala dos diferentes âmbitos da experiência humana nos quais emergem as lutas por reconhecimento. Para o autor, no processo de sociabilidade humana, o amor e a solicitude pessoal constituem os círculos das relações primárias, a saber, a família e os amigos; o campo das relações jurídicas e sociais é fundado pela consideração e o respeito; já a solidariedade de grupos, as diferentes associações/corporações, pressupõem a estima e o reconhecimento de cada um dos sujeitos. O desejo de reconhecimento se apresenta nas relações pessoais, nas práticas políticas e nos elos de interação constitutivos do campo organizacional/profissional.

O ideário liberal entende que os sujeitos, indistintamente, são portadores de direitos. Na visão de Honneth, contudo, este preceito eminentemente jurídico não é suficiente para consolidar um direito que constitua uma identidade subjetiva e social calcada no reconhecimento. Depreende-se disso que as lutas sociais, os processos de mudança institucionais e/ou corporativos – vivenciados também em empresas públicas e privadas – são decisivos na consolidação dos direitos dos indivíduos portadores de necessidades especiais. A efetivação do autorrespeito dos profissionais considerados como deficientes não pode prescindir da materialização desses direitos, que se dá por meio de lutas diversas. Todavia, o próprio autor indica que o reconhecimento transcende a luta pela afirmação dos direitos. Daí a necessidade de proporcionar, nas mais diferentes esferas da sociedade (a exemplo das organizações), a experiência da solidariedade. Explica Honneth:

[...] a solidariedade está ligada ao pressuposto de relações sociais de estima simétrica entre sujeitos individualizados (e autônomos); estimar-se simetricamente nesse sentido significa considerar-se reciprocamente à luz de valores que fazem as capacidades e as propriedades do respectivo outro aparecer como significativas para a práxis comum. (HONNETH, 2009, p. 210).

É possível extrair desta inferência que a solidariedade no ambiente organizacional não pode ser resultante de uma relação totalmente assimétrica, na qual os portadores de necessidades especiais nada teriam a contribuir com os demais profissionais e com os gestores. Até porque há uma dialeticidade intrínseca à solidariedade, o que permite o estabelecimento e a consolidação de relações profissionais marcadas pela reciprocidade, pela troca de experiências e, por isso, pela visível redução das desigualdades.

Dejours, quando analisa as patologias presentes nas relações de trabalho, constatadas em diversas empresas na atualidade, denuncia a banalização da injustiça, fruto da normalização de processos de exclusão socialmente legitimados. Radica esta proposição o "pseudo-reconhecimento" (falsa valorização profissional, premiação por subserviência ou pela realização de trabalho excessivo) dos colaboradores que, à revelia de suas potencialidades, especificidades e diferenças, produzem incansavelmente (sendo obedientes e submissos) almejando com isso afastar o fantasma da demissão. Típico caso, segundo o autor, da banalização e institucionalização de um medo patológico frequentemente vivenciados nos ambientes de trabalho. Nessa perspectiva, pode-se falar, em face do tema aqui discutido, não somente do sofrimento dos deficientes que não têm oportunidades de trabalho, mas também daqueles que trabalham sem condições para serem reconhecidos como profissionais de relevante importância nas organizações. Trata-se de duas situações reveladoras de práticas sociais, políticas, econômicas e empresariais de exclusão (DEJOURS, 2014).

Aplicando as proposições de Honneth, deduz-se que é mister subverter, no mundo do trabalho e nas empresas, a lógica predominantemente produtivista e normalizadora para, deste modo, ascender a um novo ethos profissional que permita a inclusão por meio da constituição de novas identidades plurais, condição para o reconhecimento profissional dos indivíduos com necessidades especiais.

2.3. Um olhar sobre as empresas: da educação formal a empregabilidade das pessoas com deficiência

O universo organizacional vem sofrendo, nas últimas décadas, mudanças significantes no que tange aos valores relacionados à visão humanista dentro das empresas. Novos temas, como a responsabilidade social, ganharam espaço destacado na análise dos teóricos da administração e na prática cotidiana das Empresas. Nesta nova agenda de abordagem e problematização, a inserção profissional das pessoas com deficiência ganhou mais espaço.

Como indicado acima, as pessoas com deficiência são indivíduos que normalmente são vistos como possuindo alguma ausência ou disfunção, de ordem física, mental, visual e/ou auditivas, em grau mais ou menos elevados. Sobre o acesso à educação formal desses sujeitos, Botini (2002) dirá que a legislação brasileira é razoavelmente avançada. Ou seja, o direito à educação dos Portadores de Necessidades Especiais é assegurado pela Constituição Federal, pela Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, que estabelece em sua Resolução n° 2, as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial, e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Embora haja leis que assegurem a inclusão de pessoas com deficiência na educação regular, não existe lei que trate da educação corporativa inclusiva.

De acordo com o Censo Demográfico do IBGE realizado em 2010, em torno de 24% da população, ou seja, quase 46 milhões de brasileiros, declararam possuir ao menos uma das deficiências indicadas, sendo elas: mental, motora, visual e auditiva. O Censo registrou que  permanecem desigualdades em relação aos deficientes, que possuem taxas de escolarização mais baixas que a população tida como normal. As ocupações e os rendimentos dos sujeitos considerados anormais são inferiores aos da população definida como normal.

Neste sentido, Sarlet (2007) afirma que uma das formas de supressão da dignidade humana é a exclusão daqueles considerados anormais ou menos-normais no mercado de trabalho, o que impossibilita a realização da autonomia humana para estes sujeitos, a saber, o seu sustento, a maior qualidade de vida, o orgulho pessoal e o reconhecimento profissional.

Ao inviabilizarem o reconhecimento desses sujeitos, os atuais processos de exclusão profissional ferem o princípio da dignidade da pessoa humana, reservado a todo ser humano, como valor intrínseco, a ser materializado no espaço profissional, como princípio ético norteador das normas trabalhistas e das práticas institucionais/corporativas.

Quando se trata da questão da empregabilidade da pessoa com deficiência no Brasil, remete-se ao cumprimento da Lei de Cotas (n°8.213/1991) editada em 1991 e regulamentada em 1993. Esta Lei determina que empresas com mais de 100 funcionários no seu quadro funcional designem de 2% a 5% das vagas para trabalhadores com deficiência.

Embora não tenha sido estabelecido, na legislação, multas na intenção de averiguar as regulamentações e o não cumprimento da Lei de Cotas, a fiscalização do Ministério Público e o aumento da consciência social das organizações têm promovido um acréscimo na quantidade de organizações que passa a cumprir o proposto pela Lei, mantendo e até mesmo,  superando o número de vagas reservadas a pessoas com deficiência (GIL, 2002, p.16).

Ainda que haja incentivos governamentais, que a Lei estabeleça e até mesmo que exista o reconhecimento pelo cumprimento da responsabilidade social, segundo Pastore (2000), é sabido que nenhuma organização quer admitir no seu quadro de colaboradores, pessoas com menos instrução e/ou menos produtivas. De acordo com o autor o acesso à educação pelas pessoas com deficiência é dificultado, especialmente no Brasil. Corrobora esta tese, a educação deficitária e o alto índice de desemprego dos sujeitos tidos como possuindo alguma anormalidade. Barboza (2003) adverte que a contratação maciça de pessoas com deficiência só será plenamente efetivada, à medida que estas se tornarem autoconfiantes, estando bem qualificadas profissionalmente. Há a necessidade, de treinamentos que tenham por objetivo proporcionar uma qualificação adequada às diferenças e especificidades destes indivíduos.

2.4 Educação corporativa inclusiva

A constituição brasileira garante a educação como direito de todos e dever do Estado e da família. Onde esta deve ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, objetivando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988 art.205). Ainda que a constituição assegure a educação como direito universal, a insuficiência de qualificação profissional e a baixa escolaridade dos candidatos ao emprego representam uma barreira para a concretização da norma legal de cotas. De acordo com o artigo "Inclusão social: o debate está posto" publicado na revista CORES em 2010, um estudo realizado pela AGMKT Estratégia Empresarial mostra que apenas 31% das pessoas com deficiência, empregadas na época da pesquisa, têm entre 8 a 12 anos de escolaridade. Observa-se que a maioria desses sujeitos possui até quatro anos de instrução. Como as empresas não conseguem contratar candidatos com deficiência que sejam capacitados, a maioria delas acaba integrando-os a "base da pirâmide", ou seja, com funções que exigem menos qualificação. Desta forma, muitas vezes, pagam salários inferiores aos praticados pela própria empresa e asseguram que estes empregados, tidos como menos normais, não exerçam atividades laborais que exijam maior especialização e responsabilidade.

Araújo e Schmidt (2006) salientam que as instituições educacionais recriminam os processos de contratação seguidos pelas empresas, e as estas indicam que a escolarização, quando é realizada, tem como foco o desenvolvimento de habilidades básicas para o trabalho ou capacitação profissional distinta da exigida pelo mercado de trabalho.

Existe ainda a dificuldade em relação à acessibilidade, que pode dificultar ou até mesmo impossibilitar os portadores de deficiência de terem um melhor nível educacional. Neste sentido é importante destacar que a legislação brasileira tem como princípio norteador a igualdade de oportunidades para ingresso no mercado de trabalho, para pessoas com necessidades especiais e para as que não possuem deficiência; todos devem ter qualificação para ocupar um posto de trabalho, independente de sua "condição". Não se trata apenas de contratar pessoas com deficiência, mas oferecer também possibilidades para que estas tenham a oportunidade de desenvolver seus talentos e permanecer na empresa (GIL, 2002, p.65).

Como indicado, a preocupação com a capacitação da pessoa com deficiência vai além das discussões do âmbito da Educação Especial e se estende para o mundo empresarial, pois o reconhecimento profissional implica tanto o processo de formação quanto a empresa, como ambiente de trabalho e de realização profissional (TANAKA e MANZINI, 2005).

Em entrevista para a Revista CORES (2010), o superintendente regional do trabalho e emprego do Estado de Goiás, Samuel Alves Silva, defende que o que se espera das empresas é que elas sejam responsáveis pelo preenchimento das cotas e que participem do esforço de qualificar e de criar alternativas para o crescimento profissional das pessoas com deficiência. De acordo com a cartilha do Instituto ETHOS "O que as empresas podem fazer pela inclusão das pessoas com deficiência", há um acréscimo perceptível da presença das pessoas com deficiência nas ruas e nos diversos espaços públicos. Do mesmo modo que elas ganham maior autonomia, um maior número de equipamentos urbanos se torna mais acessível. Existem avanços em termos de acesso à educação e progressos nas comunicações, na tecnologia e na informática, que têm estendido as condições de interação das pessoas com deficiência no mundo do trabalho e na vida social. Ainda de acordo com a cartilha:

Buscar trazer a diferença para dentro da empresa, combatendo o preconceito e reconhecendo a igualdade essencial entre as pessoas, é uma atitude que faz parte da postura ética a ser adotada como valor e prática nos negócios. Em decorrência dessa postura, os programas corporativos de valorização da diversidade estão sendo, introduzidos nas organizações como um componente positivo de integração social, que destaca a riqueza de talentos e capacitações de cada pessoa (GIL, 2002, p.11).

Promover a diversidade, a pluralidade e respeitar as diferenças, é gerar a igualdade de chances para que todos possam desenvolver seus potenciais na esfera profissional. Como afirma Werneck (1999, p.21) integrar "depende de algumas condições, das possibilidades de cada pessoa. Como proposta, é cheia de sés". Porém, quando é propiciado um convívio entre portadores e não portadores deve-se atentar aos efeitos que isso causará. O convívio entre os diferentes pode gerar novas barreiras, fomentar preconceitos, medos e exclusão, ou propiciar a desconstrução de mentalidades arcaicas e gerar novos modos de interação profissional.

Nesse sentido, e retomando as análises de Honneth, aceitar o desafio de efetivar uma práxis dialética na empresa, motivadora de novas identidades laborais, pode proporcionar, concomitantemente, o benefício para distintos profissionais que trabalham na empresa. Trata-se da constituição de um novo ethos profissional no qual todos podem aprender com todos, pois não há reconhecimento sem a constituição de uma ativa relação com os demais sujeitos.   

Na consolidação de processos de inclusão profissional que viabilizem o reconhecimento de pessoas com necessidades especiais, é preciso que a avaliação de desempenho respeite os critérios estabelecidos antecipadamente e acordados entre empregado e empregador. Essa avaliação deve considerar a limitação que a deficiência pode causar na produtividade deste profissional (GIL, 2002, p.23).

Estabelecendo uma inclusão bem planejada, com ações de conscientização e integração, nas quais as pessoas com deficiência estejam devidamente inseridas em funções em que possam ter um bom desempenho, através de uma capacitação efetiva, é possível obter inclusive expressivos ganhos de produtividade. Conforme Gil (2002), o "diverso" oportuniza para a empresa a possibilidade de observar novas oportunidades em seu negócio, além de prepará-la para demandas peculiares de diferentes universos que incorpora.

3. Delineamento metodológico

A presente pesquisa apresenta uma visão ontológica de interação sujeito-objeto que implicou em uma epistemologia construtivista, com a perspectiva do paradigma de pesquisa interpretativista e consequentemente utilizou métodos de pesquisa de natureza qualitativa através de um Estudo de Caso. Para Saccol (2009, p. 253), no paradigma Construtivista interpretativista:

Não existe uma realidade objetiva esperando por ser descoberta. Verdades e significados só passam a existir a partir do nosso engajamento com o mundo. Significados não são descobertos, mas construídos. Porém, um significado não nasce puramente de uma construção mental, mas, sim, é resultado da interação entre processos mentais e as características de um objeto. A criação de significado pressupõe intencionalidade, isto é, uma consciência que se volta a um objeto, e a partir da interação entre o sujeito e o objeto é que se constrói um significado. O construtivismo social pressupõe que essa construção de significado ocorra através dos processos de interação social e da intersubjetividade.

Nesta perspectiva Chevarria e Gomes (2013) resumem os pressupostos Conceituais do Paradigma Construtivista Interpretativista conforme apresentado o quadro a seguir:

Quadro 1 - Pressupostos Conceituais do Construtivismo-Interpretativista

Ontologia

Epistemologia

Objeto de Pesquisa

Entendimento da Realidade

Validade

O indivíduo e a realidade são indivisíveis.

O entendimento de mundo é intencionalmente construído a partir da experiência de vida do indivíduo

O objeto de pesquisa é interpretado com base nos entendimentos e experiências anteriores pessoais do pesquisador

A realidade é intencionalmente construída; interpretações do objeto de pesquisa alinham-se com a experiência de vida do objeto.

Afirmações conceituais e teóricas defensáveis no contexto da realidade observada.

Fonte: Chevarria e Gomes, 2013.

A lógica da pesquisa foi indutiva, onde os pesquisadores buscaram não atribuir o seu entendimento prévio sobre a situação pesquisada e a abordagem do problema se deu de forma qualitativa (SACCOL, 2009). A pesquisa, quanto aos objetivos, pode ser considerada como descritiva, ao possibilitar que o investigador obtenha informações detalhadas sobre o que deseja pesquisar. Esse tipo de pesquisa tem por objetivo descrever os fatos e fenômenos de determinada realidade (TRIVIÑOS, 1987).

A estratégia da pesquisa utilizada foi Estudo de Caso em um horizonte de tempo transversal. Segundo Yin (2001) o método de estudo de caso é constantemente utilizado para coleta de dados na área de estudos organizacionais e é enquadrado como uma abordagem qualitativa.

De acordo com Gerhardt e Silveira (2009, p. 58), a "coleta de dados compreende o conjunto de operações por meio das quais o modelo de análise é confrontado aos dados coletados". De acordo com os autores, a coleta de dados nada mais é que a procura por elementos que levem à elucidação do fenômeno ou fato que o pesquisador almeja estudar. Para que seja possível realizar o registro e a medição dos dados, o instrumento técnico elaborado pelo pesquisador deve preencher os seguintes requisitos: validez, confiabilidade e precisão.

Esta pesquisa foi realizada na Universidade Corporativa CASAN – UniCASAN, pertencente à Companhia Catarinense de Águas e Saneamento – CASAN, que está localizada na cidade de Florianópolis/Santa Catarina, Brasil.

A Companhia Catarinense de Águas e Saneamento - CASAN foi fundada em 31 de dezembro de 1970, por meio da Lei Estadual n.º 4.547 e constituída em 02 de julho de 1971. Conforme definição desta Lei a CASAN é uma empresa de capital misto, onde o seu maior acionista é o Governo do Estado de Santa Catarina. Já a UniCASAN foi constituída em setembro de 2011, através da resolução n° 020, de 31 de agosto de 2011, em nível de gerência no organograma da CASAN.

Para a coleta dos dados foi feita uma ampla pesquisa bibliográfica, pesquisa documental, aplicado um questionário com perguntas abertas e observação participante.

Para elaboração desta pesquisa foi realizado um levantamento bibliométrico, onde os artigos encontrados foram usados como referências de parte da fundamentação teórica, identificando o estado da arte sobre o assunto abordado. Além deste levantamento foram utilizados livros de autores consagrados no assunto.

Quanto à pesquisa documental, foram utilizados dados de recenseamento como do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Lei Nº 8.213/1991. Também foram consultados documentos oficiais, públicos e privados, fornecidos pela empresa estudada.

O questionário utilizado para realização desta pesquisa foi composto de dezessete perguntas abertas que versaram sobre os temas: Definição e implementação de estratégias para capacitação; o papel do gestor na elaboração de estratégias de capacitação; o uso de ferramentas para a definição de estratégias; a capacitação de colaboradores com deficiência. As questões foram elaboradas, considerando-se o referencial teórico, o problema da pesquisa e os objetivos.

Aplicou-se o questionário na cadeia de estrategistas da UniCASAN, por serem estes os detentores de maior conhecimento a respeito do tema em foco, sendo estes: Presidente da CASAN, Diretoria Administrativa e seus assessores, Gerente e Chefes de Divisão da UniCASAN. No total foram aplicados sete questionários.

Paralelamente aos questionários aplicados aos estrategistas, foi aplicado um questionário específico para os portadores de deficiências, funcionários da Instituição. Apesar da insistência, apenas quatro questionários retornaram preenchidos.

Na observação participante, os pesquisadores participaram sistematicamente dos momentos das reuniões decisórias quanto a definição de estratégias e delineamento dos processos de implementação. O vínculo de um dos pesquisadores com a Instituição facilitou o acompanhamento das atividades cotidianas da UniCASAN e as interações necessárias. Com a técnica da observação participante foi possível se obter informações sobre a realidade dos atores sociais em seus próprios contextos, permitindo captar diversas situações que não foram obtidos por meio do questionário.

Para o tratamento dos dados coletados optou-se pela técnica de análise de conteúdo, pois sob a ótica de Bardin (1977), esta técnica permite que se analise além do que o sujeito manifesta explicitamente, permitindo ao pesquisador identificar aspectos subjacentes e não aparente nas mensagens. Ao empregar esta técnica, Selltiz et al (1987) sugere a estratificação dos dados em categorias de análises, o que para efeito deste estudo emerge durante o próprio processo de tabulação, uma vez que sob a perspectiva do autor supracitado, as categorias de análises derivam de um único princípio de classificação em que os conjuntos devem ser mutuamente excludentes e possibilitar o esgotamento do material coletado, para que ao serem agrupados permitam constatar sua essência pela frequência com que aparecem ou pela importância da ação.

Da mesma forma como foi utilizado para validação dos dados coletados, no tratamento analítico, também foi submetido o conteúdo a uma triangulação com informações resultantes do emprego das técnicas de observação e pesquisa documental, onde buscou-se a identificação de padrão de comportamento do fenômeno estudado, sob os quais puderam ser formuladas as considerações finais e contribuições relevantes para a organização do objeto de estudo e para estudos em organizações com processos de inclusão de pessoas com deficiências. Na visão de Richardson (1999, p.39), esta técnica de tratamento de dados busca "descrever a complexidade de determinado problema, analisar a interação de certas variáveis, compreender e classificar processos dinâmicos vividos por grupos sociais, contribuir no processo de mudança de determinado grupo" gerando possibilidade de ampliar o nível de aprofundamento das particularidades do comportamento dos indivíduos.

4. Apresentação e análise dos dados

A Companhia Catarinense de Águas e Saneamento – CASAN é uma empresa de economia mista, onde o acionista majoritário é o Governo do Estado de Santa Catarina, com 51% das ações. Este fato faz com que a Companhia siga as normas e leis de uma empresa pública. Neste sentido, as contratações de funcionários são realizadas por meio de concurso público e a empresa segue a lei de cotas, onde a mesma designa de 2% a 5% das vagas para trabalhadores com deficiência.

Atualmente a empresa possui 2.328 colaboradores, onde 23 destes são pessoas com deficiência. Destes 23 colaboradores com deficiência, 16 possuem deficiência motora, 03 deficiência visual, 03 deficiência auditiva e 01 possui deficiência mental. Em relação ao cargo ocupado por pessoas com deficiência na Companhia, 21 colaboradores com deficiência ocupam cargos de nível médio e 02 colaboradores ocupam cargo de nível superior.

Na admissão de cada colaborador com deficiência é constituída uma comissão que avalia as condições necessárias para que o posto de trabalho que o colaborador ocupará seja adaptado ás necessidades expressas por ele, quando necessário. Cabe a esta comissão indicar melhorias, atentando para a compra de equipamentos, adaptações ou reformas físicas.

Além desta comissão, a Gerência de Recursos Humanos, por meio de sua Divisão de Saúde e Medicina do Trabalho, desenvolve ações para promover a inclusão dos colaboradores com deficiência, que vão desde reuniões com a equipe e gerência deste colaborador para integração e socialização, até visitas ao seu posto de trabalho para acompanhamento social.

A Gerência de Recursos Humanos também é responsável pela avaliação de desempenho, sendo esta uma política da empresa constante no Plano de Cargos e Salários desde o ano de 2011. Esta avaliação consiste no processo de mensuração e acompanhamento do colaborador no exercício do seu cargo, possibilitando o desencadeamento de ações que permitam o desenvolvimento e/ou aprimoramento das competências necessárias ao bom desempenho de suas funções. No método atual, os colaboradores são avaliados considerando as competências para o desempenho de suas atribuições, o cumprimento das metas estabelecidas para a empresa e o cumprimento da horária pré-determinada de capacitação.

Para o cumprimento deste terceiro critério de avaliação (capacitação) determinado pela avaliação de desempenho, a Companhia possui uma Universidade Corporativa responsável pelo treinamento e desenvolvimento dos colaboradores da empresa, inclusive dos colaboradores com deficiência. A Universidade Corporativa CASAN – UniCASAN é uma gerência pertencente à Diretoria Administrativa e tem como missão "formar e desenvolver os talentos humanos com base nas diretrizes da Companhia, promovendo a gestão do conhecimento organizacional e gerando motivação entre os colaboradores e a disseminação do conhecimento". A atuação da UniCASAN impacta no desempenho dos colaboradores da CASAN e contribui para a melhoria da qualidade dos serviços prestados pela empresa.

Embora a UniCASAN sustente como uma de suas metas garantir que todos os colaboradores da Companhia possuam acesso igualitário à participação em capacitações, ela não possui atualmente uma política de educação inclusiva claramente definida ou mesmo um mapeamento dos colaboradores com necessidades especiais que vise a otimizar o aprendizado destes colaboradores. Cabe ilustrar que alguns ambientes físicos onde são realizados os eventos de capacitação possuem adaptações para acesso de pessoas com deficiência, porém as técnicas de ensino nem sempre correspondem às demandas dos profissionais com deficiência.

Na pesquisa abrangendo os colaboradores com deficiência que trabalham na Companhia Catarinense de Águas e Saneamento, as perguntas giraram em torno de temáticas como escolaridade, inclusão social e valorização profissional. Participaram da pesquisa quatro colaboradores, um de cada faixa etária pesquisada, sendo estas de 18 a 30 anos, de 31 a 40 anos, de 41 a 50 anos e de 51 a 60 anos. Dentre estes, um era do sexo feminino e três do sexo masculino, dois possuíam deficiência motora e outros dois deficiência visual.

Quanto à escolarização dos colaboradores que participaram da pesquisa, um possui ensino fundamental, um possui ensino médio e dois possuem ensino superior.

Quando perguntado se possuíam interesse em fazer algum curso de formação, três dos quatro colaboradores pesquisados informaram que sim e citaram cursos como tecnólogo, graduação e especialização. Apenas um dos colaboradores, que possui deficiência visual, afirmou não ter interesse em cursos de formação. Indagado sobre o motivo, citou as barreiras por causa de sua deficiência e o despreparo das entidades de ensino para receber pessoas com deficiência visual.

A respeito da empregabilidade, antes de entrar na empresa, todos afirmaram que já tiveram outras experiências profissionais, sendo a maioria em empresas privadas, onde ocuparam cargos de nível médio. Sobre a capacitação oferecida pelas empresas que trabalharam anteriormente, três colaboradores afirmaram que elas não proporcionaram capacitações. Ao perguntar sobre a formação por motivação própria, dois informaram que realizaram cursos de capacitações como Relações Humanas e Telefonista. Os outros dois afirmaram não ter participado de cursos por falta de disponibilidade e dificuldade de locomoção por conta da deficiência.

Referente ao tempo que estão exercendo atividades laborais na CASAN, levantou-se que três possuem menos de três anos e um possui mais de cinco anos de empresa. Ao serem indagados sobre a intenção da empresa em proporcionar um ambiente inclusivo aos portadores de deficiência, três afirmaram que a empresa oferece este ambiente e um afirmou que não há banheiros adaptados e nem elevadores em todos os prédios ou rampas de acesso.

Sobre ações que podem promover a inclusão na empresa, três colaboradores indicaram que foram realizadas reuniões na intenção de indicar adaptações nas estações de trabalho, porém não houve um acompanhamento para verificar se estas adaptações foram efetivadas ou mesmo se precisavam de novas alterações.

Referente aos treinamentos e capacitações oferecidos pela empresa, três colaboradores afirmaram acreditar ter o mesmo acesso aos cursos que os colaboradores sem deficiência. O colaborador que afirmou não ter o mesmo acesso possui deficiência visual e informou ter dificuldade para acessar os cursos on-line. Este enfatizou também a dificuldade de locomoção quando os cursos não são realizados em seu local de trabalho. Quanto à infraestrutura dos locais onde são realizados os cursos, todos afirmaram que estas são apropriadas para sua deficiência, porém alguns aspectos poderiam ser melhorados como fitas antiderrapantes nas escadas, barras de apoio nos banheiros e corrimão em alguns ambientes.

Os colaboradores pesquisados afirmaram, em unanimidade, que o material didático oferecido nas capacitações é apropriado às suas deficiências, com a ressalva de que as apostilas poderiam ser oferecidas em braile, porém este fato não traz grande prejuízo à aprendizagem. Ao serem questionados sobre a possibilidade de sentirem algum tido de preconceito em relação aos demais colegas nos cursos oferecidos, todos afirmaram não sofrer nenhum tipo de preconceito neste sentido, pelo contrário, os colegas oferecem ajuda quando percebem algum tipo de dificuldade por parte do deficiente.

Sobre o processo de avaliação de desempenho, onde um dos requisitos é a capacitação dos colaboradores, três informaram que não se sentem prejudicados, pois a empresa considera suas limitações ao avaliá-los. O colaborador que afirmou se sentir prejudicado sugeriu a realização de um acompanhamento para verificar se o colaborador se adaptou ao setor e as atividades ao qual foi designado.

Ao ser interrogado sobre a valorização profissional, um colaborador informou se sentir valorizado na empresa, um se absteve e dois informaram não se sentirem valorizados. Quanto aos motivos de uma possível desvalorização no ambiente de trabalho, um colaborador indicou que este fato ocorre por fatores que não estão relacionados com a deficiência. Já outro  afirmou sentir preconceito de colegas de trabalho por sua deficiência não ser aparente e indicou que a empresa deveria trabalhar o fato internamente com os demais funcionários.

5. Considerações finais

Pela literatura se percebe que entre os portadores de deficiências, quanto à escolarização, geralmente são mais baixas que a população sem deficiências. Os pesquisados com deficiências motoras possuíam grau de instrução em nível superior e mostraram interesse em fazer novos cursos de formação para se especializarem. Os colaboradores com deficiência visual, afirmaram ter dificuldades para locomoção e por isso não têm interesse em dar continuidade aos estudos. Esta declaração ressalta o fato de existirem dificuldades em relação à acessibilidade, que pode dificultar ou até mesmo impossibilitar aos portadores de deficiência terem um melhor nível educacional.

Sobre a empregabilidade, todos afirmaram ter outras experiências profissionais, sendo a maioria em empresas privadas, onde ocuparam cargos de nível médio e não receberam capacitações por parte destas empresas. Constata-se assim o fato de as empresas integrarem os colaboradores com deficiências, quando contratados, a base da pirâmide, em cargos mais baixos. Entra então a importância de não apenas contratar pessoas com deficiência, mas oferecer também possibilidades para que estas tenham a oportunidade de desenvolver seus talentos e permanecer na empresa.

Em relação às ações que promovam a inclusão na CASAN, todos afirmaram se sentirem incluídos ao entrarem na empresa, porém não houve um acompanhamento posterior. Neste caso indica-se realizar acompanhamentos semestrais para verificar questões ergométricas e de adaptações às atividades desempenhadas.

Referente à educação corporativa, a maioria dos pesquisados afirmaram se sentirem incluídos, tanto em relação ao acesso aos cursos quanto ao material didáticos e aos colegas de curso. Recomenda-se apenas a elaboração de material em braile e de adaptações físicas como fitas antiderrapantes nas escadas, barras de apoio nos banheiros e corrimão em alguns acessos.

O desempenho do profissional deficiente na CASAN, de acordo com a maioria dos pesquisados, é avaliado dentro de critérios estabelecidos antecipadamente e acordados entre empregado e empregador. Essa avaliação considera a limitação que a deficiência pode causar na produtividade destes profissionais. Além disto, a maioria dos colaboradores informou que a deficiência não gera nenhum fator que os desvalorize profissionalmente, porém há uma indicação para que a empresa trabalhe a questão das deficiências não visíveis. Diante disto recomenda-se que sejam realizadas palestras e campanhas informando os tipos de deficiências e as limitações que estas podem ocasionar para que haja maior conscientização na empresa.

As ações indicadas neste artigo visam estabelecer uma inclusão bem planejada, com ações de conscientização e integração, onde as pessoas com deficiência estejam devidamente inseridas nas funções e possam ter um bom desempenho profissional, acarretando em ganho para os colaboradores e para a empresa.

Referências

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1. Mestre pela Universidade do Sul de Santa Catarina/UNISUL, Brasil.
2. Dr. Professor no Programa de Mestrado em Administração da Universidade do Sul de Santa Catarina/UNISUL, Brasil. (jacir.unisul@gmail.com)

3. Dr. - Professor no Programa de Mestrado em Administração na Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL, Brasil

4. A noção de reconhecimento apresentada neste artigo tem como base, primeiramente, as análises de Axel Honneth no livro Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. (HONNETH, 2009).

5. Neste curso ministrado em 1974 no Collège de France, Foucault empreende uma investigação dos modos como as instituições modernas definiram o critério de normalização indicando, como sua antítese, a noção de "indivíduo perigoso". (FOUCAULT, 2001).

6. Em relação à idealização e divulgação do panóptico, explica Werret: "O panóptico foi pensado, inicial­mente, durante o outono de 1786 na fazenda de Krichev, localizada na província de Mogilev (Rússia Branca), que tinha sido tomada da Polônia em 1772. Jeremy tinha chegado à fazenda no começo daquele ano, ocupando-se em escrever The defense of usury, num sítio na localidade de Zadobrast. Impres­sionado pelo 'plano de um edifício concebido por meu irmão, sob o nome de Casa de Inspeção ou Elabora­tório, Jeremy incorporou a ideia a seus planos para uma penitenciária, elaborados em resposta a um con­curso instituído pelo jornal St. James Chronicle com vistas à construção de uma nova prisão para Middle­sex. Jeremy enviou, em 1786, os planos a seu pai, para que fossem impressos, com uma circu­lação limitada, na forma de uma série de cartas, que acabaram por ser publicadas, em 1791, com o título de Panopticon or The Inspection House." (WERRET, 2000, p. 155). Sobre a autoria e o objetivo primeiro do panóptico, observa Perrot: "[...] foi por causa das necessidades da disciplina industrial que Sa­muel concebeu seu plano. [...] Em suma, a matriz d'O Panóptico está num campo de trabalho russo, cons­truído por um engenheiro inglês." (PERROT, 2000, p. 123). 

7. Embora não são aprofundadas aqui, as relações entre as obras seminais de Bentham, base da teoria Utilitarista, e as "Cartas" que com­põem o projeto panóptico, cabe salientar que esta vinculação é visível. A eficácia das práticas punitivas – castigos e recompensas –, defendida nas "Cartas", pode ser aproximada da tese dos benefícios sociais da aplicação do cálculo "hedonista" – resultado da soma entre os prazeres e dores dos indivíduos –, conforme aparece em Princípios da moral e da legislação

8. Em relação à economia constitutiva das "penas", a extração da dor nos indivíduos deve procurar atingir uma finalidade precisa e almejada. A dor não deve ser produzida em vão, a partir de uma crueldade gratuita e sem objetivo. Explica Miller (2000, p. 85): "Um código penal se apresenta, portanto, como uma economia do sofrimento. Não há castigos suaves ou rigorosos. Há somente castigos caros ou baratos, de alto ou de baixo rendimento. É em termos de lucros e perdas que as penas se calculam, segundo as utilidades".As recompensas fazem parte do mesmo princípio, do cálculo preciso que tudo aproveita para atingir a total utilidade.

9. Cabe ilustrar: "Os 'grupos de trabalho' são também laboratórios por meio dos quais se efetuarão a educação dos po­bres e a difusão dos 'conhecimentos úteis'. Por meio deles se farão a medicalização, a escolarização e a aprendizagem industrial dos proletários. Por meio da multiplicidade de seus usos, eles formarão 'policres­tos'(seriam necessários 250 deles para abarcar 500.000 pobres), constituindo uma rede, espalhada por todo o país e ligada a uma única administração central." (PERROT, 2000, p. 143-144).

10. Muito embora o teórico seiscentista não reconheça, em seus escritos, a autonomia dos indivíduos considerados como possuindo deficiência mental.


 

Vol. 37 (Nº 06) Año 2016

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