Espacios. Vol. 37 (Nº 18) Año 2016. Pág. E-4

Inovação Educativa: dialogando sobre o conhecimento plural

Educational Innovation: talking about the plural knowledge

Sani de Carvalho Rutz da SILVA 1; Enrique SÁNCHEZ Albarracín 2; Ana Cristina SCHIRLO 3

Recibido: 04/03/16 • Aprobado: 12/04/2016


Conteúdo

1. Introdução

2. Paredes Internas e Externas

3. À Guisa de Considerações

4. Referências Bibliográficas


RESUMO:

Cada vez mais parece evidente que a ciência moderna, apesar da sua pretensão de universalidade, é um particularismo ocidental que pode vir a ser superado pela tomada de consciência das potencialidades da diversidade epistemológica do mundo globalizado. Diante desse fato, questiona-se como considerar os limites e a possível superação do paradigma disciplinar no campo da pesquisa e do ensino, para construir um conhecimento plural. Assim, esse ensaio teórico visa discutir a possibilidade de efetivar a superação do paradigma disciplinar no campo da pesquisa e do ensino, por meio da construção de um conhecimento plural, enfocando a questão em uma perspectiva cultural, histórica, sociológica e epistemológica, refletindo as barreiras internas e externas que explicam a resistência do modelo disciplinar, tentando apreender os motivos de sua necessária superação, assim como, apontando sobre a inclusão das ciências emergentes e da pluralidade epistemológica no trabalho dos docentes e dos pesquisadores. As reflexões expostas neste artigo podem abrir pistas para renovar os modelos educativos, partindo não unicamente do valor agregado, construído pelo conhecimento disciplinar acumulado ao longo da história da humanidade, mas também dos valores esquecidos, dos saberes periféricos ou dos não saberes (State of the Non-Art) que navegam nesse mar de incertezas que parece ser o mundo de hoje.
Palavras-Chave: Ensino; Inovação; Conhecimento Plural.

ABSTRACT:

Increasingly it seems clear that modern science, despite its claim to universality, is a Western particularism that might be overcome by the awareness of the potential of the epistemological diversity of the globalized world. Given this fact, the question is how to consider the limits and the possible evolution of the disciplinary paradigm in the field of research and teaching, to build a plural knowledge. This theoretical essay discusses the possibility of carrying out the overcoming of disciplinary paradigm in the field of research and teaching, through the construction of a plural knowledge, focusing on the issue from a cultural perspective, historical, sociological and epistemological, reflecting the internal barriers and Outdoor that explain the resistance of the disciplinary model, trying to understand the basis of their necessary resilience, as well as pointing on the inclusion of emerging sciences and epistemological plurality in the work of teachers and researchers. The reflections presented in this article can open lanes to renew the educational models, based on not only the value built by disciplinary knowledge accumulated throughout the history of mankind, but also the forgotten values of peripheral knowledge or no knowledge (State of the Non- Art) sailing in this sea of uncertainty that seems to be the world today.
Keywords: Education; Innovation; Knowledge Plural.

1. Introdução

Segundo Serres (2012), vive-se em um período comparável àquele que precedeu a invenção da pedagogia pelos Gregos ou ao desenvolvimento da imprensa no Renascimento pois, as novas tecnologias instigam as pessoas a saírem do formato espacial implicado pelo livro e a página, para abarcar novos espaços dinâmicos, difusos e múltiplos, os quais podem estar modificando a relação com o saber e, suscitando a emergência da civilização do código e do acesso, junto com a consagração de um pensamento algorítmico.

Mas, Dowbor (2010) aponta que em um mundo no qual a informação e o saber estão em todas as partes, o direito de acesso ao conhecimento torna-se eixo central da democratização das sociedades atuais.

No entanto, Sousa Santos (2010) alerta para uma profunda crise de confiança epistemológica, na qual as promessas que legitimam o privilégio epistemológico do conhecimento científico, como a paz, a racionalidade, a liberdade, a igualdade, o progresso e a repartição de seus benefícios a partir do século XIX não se realizam, nem mesmo no centro do sistema mundial.

De fato, cada vez mais parece evidente que a ciência moderna, apesar da sua pretensão de universalidade, é um particularismo ocidental que pode vir a ser superado pela tomada de consciência das potencialidades da diversidade epistemológica do mundo globalizado.

Diante do exposto, pensar a inovação educativa no ensino consiste tanto em tentar remover as paredes internas, tais como as disciplinas, instituições, profissões, currículos, representações; como as externas, por exemplo, a ordem científica estabelecida frente a saberes periférico e não erudito da sociedade civil, da história da estruturação acadêmica e científica do conhecimento.

Nesse contexto, é relevante discutir em que medida o paradigma disciplinar constitui um obstáculo que afronta e supera os problemas e desafios atuais. Pode-se até perguntar: Por que é necessário inovar na educação? Sob a perspectiva do ensino da ciência e da tecnologia, entende-se que neste mundo apressado e globalizado em que se vive e, onde as leis do tempo e do mercado parecem querer suplantar a ética universal do ser humano, é importante lembrar que "ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades da sua produção ou a sua construção" (Freire, 2011, p. 12).

Tendo essa afirmativa como ponto de partida, questiona-se: Como construir um conhecimento plural depois de considerar os limites e a possível superação do paradigma disciplinar no campo da pesquisa e do ensino?

Procurando respostas para essa pergunta, traçou-se um ensaio teórico, visando discutir a possibilidade de efetivar a superação do paradigma disciplinar no campo da pesquisa e do ensino por meio da construção de um conhecimento plural.

2. Paredes Internas e Externas

Simon (2013) clarifica que, uma forma de entender o conceito de disciplina poderia ser por analogia com o conceito de nação. Mas, o que é uma nação? Como defini-la? Quais são seus limites? Em que medida existem separações evidentes entre um país e seus vizinhos? Qual a influência da vizinhança no desenvolvimento de um país? Como construir, além das divisões, projetos supranacionais como, por exemplo, a construção Europeia ou o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL)?

Segundo Renan (2006), na origem das nações existem limites naturais, tais como rios, mares, montanhas, entre outros, assim como fronteiras linguísticas, mentais e culturais, resultantes de um condicionamento social e de um processo histórico eminentemente político.

O autor, também aponta que o esquecimento e o erro histórico são fatores essenciais para a criação de uma nação (Renan, 2006). Nesse viés, a nação se constrói por meio de um processo frequentemente errado de amnésia e exclusão, onde os vizinhos desempenham sempre um papel fundamental.

Por exemplo, três nações localizadas na América do Sul: Brasil, Argentina e Uruguai, podem ser consideradas de forma positiva, como territórios que apresentam formas geográficas e propriedades físicas, sociais, econômicas e culturais específicas. Mas, também podem ser consideradas de forma negativa, por exemplo, retirando-se o Uruguai do mapa, observa-se que o que falta no Brasil e na Argentina, está precisamente no Uruguai.

Se a existência dos vizinhos é tão importante, não é somente porque constitui uma possível ameaça política, econômica, ou social, como guerras e perdas de territórios, dependência econômica, contaminação ecológica, contágio de uma crise ou chegada de imigrantes... Mas, também, pela presença das fronteiras que reforçam com divisões estruturais as diferenças iniciais, as quais, segundo Renan (2006), são os habituais argumentos usados para justificar a existência de uma nação: língua, raça, religião, comunidade dos interesses, história heroica compartilhada, geografia, espírito ou alma.

Serres (2012) já indicava que critérios semelhantes foram, habitualmente, utilizados no mundo ocidental para justificar a organização disciplinar reforçada a partir do século XIX, pela criação de universidades modernas como instâncias dotadas de uma dupla função: estabelecer o "conhecimento erudito" e garantir sua difusão.

Segundo Bourdieu (1976, p. 103), tanto a defesa dessa erudição, como a sua difusão acadêmica contribuíram, de fato, para orientar e manter a circulação dos objetos, das ideias, dos métodos e, além de tudo, dos sinais de reconhecimento no interior de cada comunidade científica.

Paradoxalmente, a ciência erudita, na procura dos seus critérios de cientificidade, sempre tentou cultivar a ideia de uma possível unidade e universalidade sustentadas na suposta objetividade e neutralidade do conhecimento científico.

De outro viés, se as nações para existirem e serem reconhecidas como tais pelas outras nações, passam a necessitar de um marco comum de referência, as disciplinas também precisam de uma referência para defender suas especificidades, para um conceito de ciência maior.

No entanto, Ruphy (2013, p.) aponta que a insistência de uma disciplina em afirmar suas diferenças, teve por consequência a inserção da opacidade onde era necessária clareza, criando obstáculos onde era preciso colaboração para buscar uma unicidade, proclamando assim, uma contradição ao pluralismo.

Na verdade, hoje ao observar uma disciplina e outra, a diversidade dos objetos e dos procedimentos de estudo, suas diferentes linguagens e terminologias, pode-se concluir, pelo menos em um plano estritamente descritivo, que a unidade da ciência não existe.

Esse entendimento se deve ao fato que, tanto como no caso das nações e apesar dos proclamas dos seus defensores, o universo "puro" da ciência mais pura é pura ficção. Ou, como indicava Bourdieu (1976, p. 89), é um campo social como outro, com suas relações de forças e seus monopólios, suas lutas e suas estratégias, seus interesses e seus proveitos.

Embora pareça pertinente prolongar esta metáfora das nações para compreender o que está em jogo no compartilhamento disciplinar, sua dimensão política e social ou suas consequências ontológicas e epistemológicas, deixa-se este plano para ingressar, um pouco mais de perto, nas implicações do paradigma disciplinar no campo do ensino, outro campo eminentemente ligado, também, ao condicionamento histórico e social (Freire, 2011, p. 11-21).

Do ponto de vista etimológico, disciplina é precisamente ensino, educação. Seus componentes léxicos são o verbo latim discere que significa aprender e o sufixo ina que indica a pertença. As disciplinas, portanto, devem considerar-se inicialmente desde uma perspectiva educativa.

Como bem assinala Michaud (2010), o primeiro mérito das disciplinas é que estas favorecem a igualdade social, pois a normalização do ensino permite de fato o acesso de todos ao ensino. Sendo que, as instituições de ensino definem currículos nacionais e a aplicação desses programas facilita a avaliação sistemática e comparativa dos progressos individuais e grupais dos alunos nas disciplinas.

Segundo Michaud (2010), o sistema disciplinar motiva, também, a industrialização do material pedagógico por meio de manuais, suportes numéricos e a constituição de diversos especialistas e professores capazes de acompanhar o processo de massificação do alunado.

Assim, todos compreendem o que significam aulas de Matemática, Geografia ou Biologia, porque o dispositivo disciplinar de ensino se repete também de geração em geração. Em teoria e, precisamente porque existem as disciplinas, os estudantes de países tão afastados como Singapura, França ou Brasil, podem conversar sem necessitar muita tradução quando se trata de álgebra linear, de moléculas orgânicas ou de equação do calor.

Isso na verdade seria sempre válido em um mundo idealizado, onde os objetos fossem todos platônicos e as leis universais. No mundo real, porém, os objetos de estudo estão sempre "revestidos" de condicionamentos culturais e imaginários pessoais e sociais que provocam diversas representações da ciência e da educação nos alunos, professores e pesquisadores (Sanchez Albarracin, 2014).

Logo, a presença constante desses parâmetros pode apresentar consequências consideráveis nas dificuldades encontradas no diálogo científico e educacional, tanto a nível local como internacional, por meio da integração da diversidade do alunado, intercâmbios acadêmicos e pesquisas internacionais. O sistema disciplinar, de fato, além dos seus obstáculos internos no âmbito exclusivo da ciência, tem suas barreiras externas, sociais e culturais, que impedem a adequação do nosso olhar às realidades do tempo atual.   

Sob essa ótica, a resistência de um modelo disciplinar poderia ser comparada, no plano político, à resistência dos modelos nacionais frente à globalização. Segundo Bauman (2006), apesar dos fenômenos de individualização, liquefação e fragmentação que afetam nossas sociedades pós-modernas, as disciplinas sobrevivem encaixadas em quadros institucionais que asseguram sua preservação e reprodução. Pois, a própria organização da agenda curricular, os horários, o material, as salas ou laboratórios, o peso relativo das matérias na avaliação global com sistemas de créditos ou coeficientes que privilegiam determinadas disciplinas, tudo isso favorece o aferro ao sistema disciplinar. 

Mas, em que medida essas resistências representam realmente obstáculos para atender os novos desafios educativos e científicos? Segundo Michaud (2010), uma das críticas mais frequentesta ao modelo disciplinar, é o caráter arbitrário das divisões que não refletem o que acontece no mundo real, assim como, a preferência pelas matérias abstratas antes que pelos objetos concretos.

Para Leff Zimmerman (2007), esta preferência, característica da matematização do pensamento na cultura ocidental, é vista por vários pensadores como a origem da crise da racionalidade moderna, o que tende a favorecer uma supervaloração das interpretações racionais, sobre qualquer outra forma de explicação e, a invisibilização ou o desprezo dos aspectos qualitativos.

Nesse viés, o estudo fragmentado da realidade pelas disciplinas pode chegar, inclusive, a torná-la inatingível. Assim, por exemplo, estuda-se o corpo humano nas aulas de Biologia, sem nenhuma vinculação com a qualidade do ar que é respirado ou, com o estado da água nos rios. Os aparelhos: circulatório, reprodutor ou excretor, são analisados de forma isolada e, na maioria das vezes, sem evidenciar o sistema, muito mais complexo, de que fazem parte. A economia desliga-se dos fenômenos naturais no que opera, elidindo a correlação entre os fluxos financeiros da bolsa e as mudanças climáticas ou, a destruição das selvas tropicais. O modelo dissecador, muito útil para resolver problemas relacionados com as máquinas, pode resultar em um problema para o entendimento do conjunto do mundo vivo, que deveria ser aprendido como um ecossistema, onde existe uma intensa rede de dependências e cooperações entre ambientes e organismos (Herrero et al., 2011, p. 81-96).

Assim, o paradigma disciplinar aparece em definitivo, como um modelo artificial, agregativo e acumulativo, cujas pretensões de exaustividade e de universalidade acabam, sempre sendo questionadas pelo curso do tempo.

Mas, se o trabalho científico derivado da fragmentação do conhecimento funcionava, tradicionalmente, com experiências e simulações que podiam ser repetidas, adicionadas e acrescentadas no âmbito seguro e fechado dos laboratórios, hoje parece cada vez mais difícil reduzir e simplificar a natureza em uma dimensão controlável, de um mesmo conceito ou lugar.

Para Innerarity (2011, p. 116-117), a clássica separação entre pesquisa fundamental e aplicação técnica já não é mais válida, porque o saber hoje é crescentemente produzido no seu contexto de aplicação; o que evidência cada vez mais, também, o seu condicionamento. Parece urgente, portanto, não só quebrar os tapumes internos, mas abrir realmente as portas, levando em consideração, sistematicamente, os parâmetros de qualidade, pluralidade, temporalidade, alteridade e interdependência na construção do saber.

Nesse intuito, é importante lembrar que o desenvolvimento e a hierarquia das disciplinas no modelo europeu não são produto do acaso, nem das conjecturas puras da ciência, mas de uma história particular, como explicava Quijano (2000), em um artigo de reflexão sobre o conceito de colonialidade do saber na América Latina. Pois, desde o século XVII, o mundo, Descartes, Spinoza, Locke, Newton..., veem elaborando e formalizando uma forma de produzir conhecimento, procurando satisfazer as necessidades cognitivas do capitalismo: a medição, a quantificação, a interiorização (ou objetivação) do que é cognoscível sobre o conhecedor, para controlar as relações dos homens com a natureza e entre aqueles em direção a ela, especialmente a propriedade dos recursos produtivos.

Nesse mesmo viés, durante uma palestra pronunciada em Madrid, Grosfoguel (2012) insistiu no fato da universidade ser ocidentalizada, ou seja, que quase todas as universidades do planeta, privilegiam o conhecimento produzido por homens, e não por mulheres, de apenas 5 países do mundo: Itália, França, Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos. Isso significa que a experiência histórico-social de apenas 6% da população mundial (a dos homens desses 5 países) pretende dar conta da teoria social, científica e crítica do mundo inteiro.

Grosfoguel (2012) considerou isso como uma forma de racismo-sexíssimo epistemológico, concluindo que a ciência ocidental era na verdade um grande provincianismo disfarçado de universalismo.

Outros muitos pensadores, na maioria, latino-americanos, entre os quais educadores, matemáticos, filósofos, sociólogos, antropólogos e/ou psicólogos refletem hoje, sobre as necessidades simultâneas de lutar contra o chamado analfabetismo científico-técnico (Bunge, 1998, p. 192) e desconstruir o saber ocidental para reconstruir um conhecimento mais amplo, plural e democrático (Sousa Santos, 2010). Trata-se, portanto, de abrir as paredes externas do modelo disciplinar, incluindo também no âmbito educativo, práticas e saberes periféricos (D'Ambrósio, 2001) ou popular (Kovalski et al., 2011) e considerações éticas (Martins Ferreira e Figueiredo, 2008).

Segundo Innerarity (2011), finalmente, o saber acumulado pela ciência possibilita, cada vez mais, a visibilidade do universo ilimitado do não saber pois, o modelo de saber apresentado até agora, era ingenuamente acumulativo. Assim, supunha-se que o novo saber, podia se agregar aos saberes anteriores sem problematizá-lo, fazendo retroceder o espaço do desconhecido e aumentando a calculabilidade do mundo.

Mas, a realidade atual parece mostrar que existe todo um não saber que não é produzido pela ciência e, que aumenta de maneira mais que proporcional ao crescimento do saber científico. Assim, apresenta-se um paradoxo em que a Era que se denomina Sociedade do Conhecimento está acabando com a autoridade do conhecimento pois, pluraliza e descentraliza o saber, tornando-o cada vez mais frágil e contestável. Portanto, Innerarity (2011, p. 64-68) aponta que a sociedade do conhecimento precisa aprender a administrar este desconhecimento.

De modo geral, a história mundial da educação parece mostrar como a emergência da inovação é sempre determinada pelas circunstâncias históricas, sociais, econômicas e culturais, sendo motivada geralmente por uma situação de mudança, de ruptura ou de crise. Não é necessariamente negação da tradição, mas adaptação a novas circunstâncias. E, opera, preferencialmente, por meio de analogias, transferências, transgressões de limites, esses mesmos limites que determinam o paradigma disciplinar.    

Mas, sejam quais foram os argumentos contrários à da divisão disciplinar, é necessário lembrar as vantagens obtidas e, que permanecem ainda hoje nesse sistema para a estruturação da ciência e do ensino, antes de apontar suas incompatibilidades em relação com os novos desafios científicos, éticos e educativos do nosso tempo presente.

É interessante notar, como a inovação, palavra mágica do tempo atual, se fez presente, de forma constante, ao longo da história da educação, desde as antigas escolas gregas como as de Thales, Platão ou Aristóteles, na Universidade de Nanjing na China, de Nalanda na Índia, na academia de Gundishapur no Irã, na Ashikaga Gakko do Japão, na madraça do Zaytuna em Ifriqiya ou na Faculdade de Medicina de Salermo, instituições que precederam o aparecimento das universidades ocidentais, por vezes, quase de um milênio.

Destaca-se que na história ocidental, tanto europeia como americana, as inovações educativas acompanharam o processo de massificação, iniciado com a urbanização e a secularização das sociedades, o progresso e a diversificação das técnicas e dos ofícios e a generalização do uso das línguas nacionais. Isso aconteceu desde a influência religiosa, por exemplo, a Pequena Catequese de Luther, a Ratio Studiorum de Ignacio de Loyola, a pedagogia de Jean-Baptiste Lasalle ou de Comenius nos séculos XVII e XVIII, estendendo-se a todo o âmbito pedagógico depois do século das luzes e das revoluções industriais e sociais dos séculos XIX e XX, por meio dos pensamentos de Rousseau, Pestalozzi, Natorp, Kerschensteiner, Owen, Montessori, Freinet, Sarmiento, Cousinet, Steiner-Waldorf, Tyler, Varela, Piaget, Vygotsky, Freire, entre outros.

Porém, a evolução histórica que conduziu a humanidade à sociedade do conhecimento foi ao mesmo tempo lenta, progressiva e brutal. As economias baseadas no conhecimento constituíram-se a partir de um duplo fenômeno: por um lado, um grande aumento dos recursos de produção e transmissão de saberes, tais como a educação, formação profissional, pesquisa e desenvolvimento, informação e coordenação econômica e, por outro lado, o surgimento rápido das novas tecnologias da informação e da comunicação.

Para Foray (2009, p. 10), a convergência destes dois fenômenos se produziu nos setores inovadores, onde engendrou uma economia centrada na produção de novos saberes e caracterizada por uma redução significativa dos custos de codificação, transmissão e reprodução dos conhecimentos individuais e colaborativos. Isso aumentou, consideravelmente, as externalidades potenciais de saber e de informação e facilitou o desenvolvimento de organizações onde as atividades de criação de conhecimento e de absorção dos saberes externos se alimentam mutuamente.

Bauman (2006) aponta que além dos câmbios econômicos suscitados e ampliados pelo processo de globalização liberal – desindustrialização, flexibilização e perda de centralidade do trabalho – toda a estrutura política e social fica perturbada. De modo que, as representações mentais e os organismos tradicionais que mantinham, antigamente, a coesão social fragmentaram-se e derreteram-se através de uma lógica descontinua lateral e reticular.

As redes, por exemplo, telefone, televisão, transportes, redes urbanas, internet, redes sociais e profissionais, entre outras, passaram a invadir nossa existência, tornando-se quase invisíveis pelo fato mesmo da sua onipresença.

Mas, segundo Castells (2006), por definição, essas redes carecem de centro e só compõem-se de nodos, cada um deles podendo passar a ser redundante e substituído, imediatamente, por outra configuração mais produtiva.

Assim, Foray (2009, p. 13) disserta que nesse novo mundo desmaterializado, sem fronteiras, sem tempo, mas com velocidade, as instituições seculares perderam o seu tradicional controle da produção, da aprendizagem, do armazenamento e da reutilização dos dados, das informações e dos conhecimentos.

Villanueva e Bustamante (2009) complementam Foray (2009) ao afirmarem que paralelamente, as distâncias e as contradições aumentam entre os mundos desenvolvidos tecnologicamente, cheios de oportunidades profissionais e as margens ou as periferias onde persistem o desemprego, a exclusão e a degradação ambiental.

Então, como educar neste contexto? Como lograr a alfabetização científica e tecnológica do maior número, sem perder de vista a necessária integração da pluralidade (cultural, social, ambiental, epistêmica)? Os líderes e as instituições respondem que é necessário inovar.

Palavra mágica, a inovação é o novo combustível da pós-modernidade, destinada a substituir o progresso desatualizado. Pois, a inovação é polissêmica e difere quando se refere ao mundo da tecnologia e da economia ou, por extensão aos múltiplos saberes e atividades humanas. Destaca-se que no campo da pedagogia é difícil programá-la, mais ainda decretá-la; apenas, parece possível estimular as iniciativas criativas que dependem, sempre, de processos autônomos e casuais, a miúdo subordinados e a motivações de tipo pessoal (Sanchez Albarracin, 2014).

Nesse viés, o conhecimento plural pode ser um desses caminhos possíveis para abranger a complexidade das realidades educativas e responder assim aos desafios do nosso tempo.

3. À Guisa de Considerações

Um dos principais papéis atribuídos à educação hoje, consiste em dotar a humanidade da capacidade de garantir o seu próprio crescimento e desenvolvimento sustentável, oferecendo aos homens as condições para que cada um tome o destino em suas mãos.

Contudo, esse desenvolvimento não pode mobilizar todas as energias sem um pressuposto, ou seja, fornecer a todos, o mais cedo possível, o "passaporte para a vida", levando o homem a compreender melhor a si mesmo e aos outros e, assim, poder participar da obra coletiva da vida em sociedade.

Pois, segundo Pratt (1992), um novo mundo se apresenta aos homens, determinado pelos avanços científicos e tecnológicos. De fato, vive-se hoje, em uma realidade que se apresenta em um acelerado processo de mudanças e transformações.

No entanto, nos entendimentos de Pratt (1992) todas essas mudanças não vieram acompanhadas de valores nobres e ações solidárias, preservacionistas e mais humanitárias. Ou seja, o desenvolvimento científico e tecnológico não trouxe um desenvolvimento equitativo e o tão sonhado mundo novo.

São passíveis de observação as contradições existentes na sociedade. De um lado a fartura, a superprodução de alimentos, as grandes pesquisas científicas e tecnológicas; de outro lado vê-se, diariamente, em nosso entorno social, pessoas que padecem de doenças muito simples como um resfriado mal curado e outras, ainda, morrendo de fome e sede.

Diante de toda uma realidade existente, a Comissão de Educação para o século XXI considera que as políticas educativas não podem ser esquecidas para esta grande empreitada. A educação e o conhecimento são considerados por essa comissão, como uma riqueza e uma via privilegiada de construção de um novo homem, para um desenvolvimento humano sustentável e, para o estabelecimento de relações mais fraternas e solidárias entre grupos e nações (Delors, 2003).

Essa Comissão ainda assinala para a necessidade da existência de uma nova realidade escolar, assim como questiona as finalidades da educação, discute sobre as estratégias metodológicas utilizadas na formação escolar, bem como os novos saberes e habilidades necessárias para que os homens possam responder aos desafios da sociedade contemporânea.    

Segundo Thornburg (1997, s. p.), as instituições de ensino que ignorarem as tendências que delineiam o amanhã deixarão de ser relevantes na vida de seus alunos e rapidamente irão desaparecer. Assim, visa-se a transformação das instituições formais de aprendizagem, da pré-escola até a universidade, para assegurar a preparação dos alunos para o seu futuro e não para o passado.

Diante do exposto, entende-se que as reflexões expostas neste artigo podem abrir pistas para renovar os modelos educativos, partindo não unicamente do valor agregado construído pelo conhecimento disciplinar acumulado ao longo da história da humanidade, mas também dos valores esquecidos dos saberes periféricos ou dos não saberes (State of the Non-Art) que navegam nesse mar de incertezas que parece ser o mundo de hoje.

4. Referências Bibliográficas

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2. Université Lumière Lyon 2 – Enrique.Sanchez-Albarracin@univ-lyon2.fr
3. Secretaria de Educação do Estado do Paraná – acschirlo@seed.pr.gov.br


 

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