Espacios. Vol. 37 (Nº 19) Año 2016. Pág. 21

Economia solidária como política pública para combate ao desemprego: Implicações para agricultura brasileira

Solidarity economy as public policy for fighting unemployment: implications for brazilian agriculture

Camille de Souza PRATES 1; Mário César Gomes de CASTRO 2; Divina Aparecida Leonel LUNAS 3; Joana D'arc Bardella CASTRO 4

Recibido: 10/03/16 • Aprobado: 22/04/2016


Conteúdo

Introdução

1. Caracterização da economia solidária

2. O desemprego e a economia solidária no Brasil

3. Políticas Públicas da SENAES

4. A evolução da Economia Solidária e a implicação na agricultura

5. Conclusão

Referências


RESUMO:

A economia solidária é um sistema de organização social, que tem por fim a inclusão no mercado de trabalho de pessoas com dificuldade para se inserir no mercado formal devido à falta de oportunidades de emprego ou à baixa escolaridade. Essa forma de organização foi utilizada, após 1995, no Brasil como política pública com o objetivo de diminuir o desemprego. O artigo tem como objetivo analisar as contribuições das políticas públicas voltadas à economia solidária para a diminuição do desemprego na agricultura. A metodologia empregada é a pesquisa bibliográfica com análise comparativa de dados. Constatou-se que, nos últimos anos, o número de empreendimentos solidários cresceu, assim como seus participantes e que as políticas implantadas pela secretaria foram responsáveis pela geração de emprego e renda por todo país, em especial para pessoas que dificilmente teriam acesso ao mercado de trabalho formal. Apesar disso, ainda há muito que se debater sobre o assunto, principalmente no aspecto da articulação das políticas públicas e da educação oferecida para os membros dos empreendimentos, de forma que a gestão solidária possa, além de gerar renda, melhorar a qualidade de vida dos indivíduos.
Palavras-chave: Economia solidária; Políticas públicas; Emprego na agricultura.

ABSTRACT:

The solidarity economy is a system or form of social organization, which aims at the inclusion in the labor market of people with difficulty to enter the formal market due to lack of job opportunities or lower education. This form of organization was used after 1995 in Brazil as public policy in order to reduce unemployment. The article aims to analyze the contributions of public policies for the social economy to reduce unemployment in agriculture. The methodology used is the literature with comparative data analysis, through information from the National Secretariat for Solidarity Economy. It was found that, in recent years, the number of solidarity enterprises grew, so did the participants and that the policies implemented by the Secretariat were responsible for generating employment and income throughout the country, especially for people who would hardly have access to the market formal work. Nevertheless, there is still a lot to discuss about it, especially in the aspect of combining public policy and education offered to members of the enterprises, so that the joint management can, and generate income, improve the quality of life of individuals.
Key Words: Solidarity Economy; Public Policies; Employment in agriculture.

Introdução

O agravamento da instabilidade da economia ocorrido na década de 1990, somado à abertura comercial do país e a flexibilidade das leis refletiram em crescimento da taxa de desemprego e ao fechamento de empresas. Tal situação ampliou a desigualdade social e dificultou a incorporação de trabalhadores com pouca instrução ou experiência ao mercado de trabalho, grandes problemas enfrentados pelo governo, em um mercado de trabalho que exige profissionais mais qualificados. Esta situação teve também contornos graves no campo, pois ali se somou a modernização e a mecanização da agricultura, levando ao deslocamento populacional da zona rural para a urbana.

A busca por alternativas ao desemprego tanto urbano quanto rural, levou a criação de cooperativas. E dentre as alternativas, destaca-se a tentativa (por ex-funcionários) de recuperação de empresas falidas e a união de pessoas em grupos de trabalho autogestionário com sistema baseado na economia solidária (ES).

Esse tipo de sistema cooperativista baseia-se na autogestão, no qual cada cooperativado tem direito a voto sobre as decisões da empresa. Sistema que teve origem nas cooperativas inglesas do começo do século XIX. Nessas cooperativas, o principal objetivo não é o lucro, mas o bem-estar dos trabalhadores. Outro diferencial da economia solidária é a repartição dos lucros, que é feita igualmente entre os cooperativados. Dessa forma, além de gerar emprego, as cooperativas procuram melhorar as relações de trabalho.

No Brasil, o cooperativismo baseado na economia solidária passou a ter maior destaque, desde 2003, quando foi criada a Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), e o Governo, através de financiamentos de instituições como a Fundação Banco do Brasil, procurou estimular e ampliar a rede de cooperativas brasileiras.

A pesquisa tem como objetivo principal analisar a promoção por parte do governo brasileiro à economia solidária através da SENAES, como isso tem auxiliado no combate ao desemprego e os reflexos na agricultura. Em vista disso, foi empregada pesquisa bibliográfica com análise comparativa de dados.

O corpo do artigo é composto além desta Introdução, de uma parte que trata da caracterização da economia solidária. Depois é apresentado o surgimento da economia solidária no Brasil, seguida de tópico sobre as políticas da SENAES e de outro com a análise da evolução da economia solidária e do emprego, focando na geração de emprego no setor rural através desta ação. Por fim apresentam-se as conclusões deste estudo.

1. Caracterização da economia solidária

Pode-se conceituar a economia solidária como uma proposta de inclusão no mercado de trabalho para pessoas que tem dificuldade de se introduzir ou de se manter no mercado formal de emprego, através das empresas de autogestão ou da livre associação dos trabalhadores (BENINI, 2004).  Já Gaiger e Laville (2009) definem a economia solidária como o conjunto de atividades que tem em comum as práticas sociais ou econômicas de solidariedade sobre o interesse individual e o ganho material através da socialização dos recursos. Independente da diferença entre definições, há dois aspectos essenciais à economia solidária. São esses: a união dos insumos e meios de produção, tanto da posse quanto da utilização; e a socialização dos produtos, seja em forma de produtos ou em forma de faturamento decorrente da venda. As atividades associadas com a economia solidária podem ser relacionadas à produção, a distribuição, ao consumo, a finanças e ao crédito, e sua lógica (de autogestão) é distinta da lógica do mercado e do Estado, em geral, pautada na heterogestão.

A heterogestão é uma forma de administração de empresa na qual, segundo Singer (2002), as decisões são tomadas de cima para baixo, e seguem determinada hierarquia formada por níveis de autoridades. Nesse modelo, o controle da empresa é feito através de uma diretoria ou uma pessoa responsável e a divisão de lucros e salários é decorrente da hierarquia presente na organização.

Já a autogestão, sistema de gerência utilizado na economia solidária, preconiza que a administração e as decisões sejam feitas pelos próprios membros do empreendimento. Assim, a administração do empreendimento se dá através da votação de propostas em assembleias, nas quais cada membro, independente da cota de participação inicial, tem direito a um voto. Além disso, na empresa solidária não existe salário. A divisão dos lucros é feita através de retiradas iguais entre os cooperados (salvo algumas exceções com retiradas desiguais para trabalhos intelectuais ou manuais).

Barbosa (2007) diz que, apesar de existirem diferenças em como cada empresa gere o negócio, o empreendimento deve ter duas características para ser considerado solidário: ter gestão democrática através de assembleias e reuniões com o conceito de um voto por cooperado, e distribuição igualitária ou equitativa dos rendimentos. Dessa forma, nem toda cooperativa faz parte da economia solidária, pois nem todas aplicam o conceito de autogestão, mas toda economia solidária é uma forma de cooperativa, no sentido da propriedade e trabalho serem coletivos.

2. O desemprego e a economia solidária no Brasil

Em 1990 o Brasil passou pela maior crise de desemprego desde a crise de 1929. Dentre ao vários motivos que influenciaram a ocorrência do aumento do desemprego na década de 90, pode se destacar: a forma com que o governo conduziu a economia, ao utilizar planos econômicos que visavam à redução da taxa de inflação através de políticas macroeconômicas recessivas; as baixas taxas médias de crescimento do produto interno bruto; o aumento da população economicamente ativa; a abertura comercial através da base neoliberal; a reestruturação da indústria através da incorporação de tecnologia no setor produtivo; e a diminuição da taxa de investimento (DIEESE, 2012). Além da diminuição do emprego, o trabalho formal, por sua vez, passou por uma desestruturação que reverteu parte dos benefícios conquistados pela CLT.

Com o clima de aumento de desemprego, várias cooperativas foram formadas por trabalhadores desempregados. A fim de assessorar a criação de novas cooperativas, foi criada, em 1994, a Associação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Autogestão e Participação Acionária (ANTEAG). Para Rosado Filho (2010), a ANTEAG promove o crescimento dos trabalhadores com autonomia ao cuidar da parte educacional, da capacitação profissional e em gestão dos cooperativados. Também auxilia na captação de recursos para fundação de novas cooperativas e pelo amparo a órgãos governamentais interessados em apoiar a ideia de economia solidária.

Inicialmente, as principais iniciativas que deram apoio à formação de cooperativas foram: a CÁRITAS (Organização Humanitária da Igreja Católica), que há vinte anos atua em projetos alternativos comunitários (PACs); o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que tem experiência em construção de cooperativas agropecuárias em assentamentos de reforma agrária; a ONG Ação da Cidadania contra a Fome e a Miséria, que há duas décadas promove ações sociais em várias áreas; além de incubadoras universitárias de cooperativas (SINGER, 2006).

Posteriormente, em 2003, criou-se a Secretaria Nacional de Economia Solidária – SENAES. A secretaria foi criada como órgão do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) a fim de consolidar políticas públicas voltadas à economia solidária. O enfoque das políticas públicas da SENAES é atender pessoas em situação de vulnerabilidade social, principalmente beneficiados por programas de transferência de renda e de geração de trabalho e renda.

Os principais parceiros da SENAES são: a Fundação Banco do Brasil, a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e o  Banco  do  Nordeste  do  Brasil  (BNB) por  meio  do  Programa  de  Apoio  a  Projetos  Produtivos  Solidários (PAPPS).

3. Políticas Públicas da SENAES

As políticas apresentadas pela SENAES têm efeito direto e indireto. O efeito direto ocorre quando o projeto apoiado pela secretaria atua diretamente na organização, no financiamento ou na implantação do empreendimento de economia solidária (EES). O efeito indireto acontece através da promoção de palestras sobre a economia solidária; da distribuição de kits da Campanha Nacional de Divulgação e Mobilização da Economia Solidária, os quais procuram informar e ensinar como organizar e estabelecer um EES; do fomento ao comércio local e geração de renda trazidos pela presença de um EES, os quais auxiliam o desenvolvimento da comunidade. A influência de EESs apoiados pela Secretaria na formação de novas cooperativas e, posteriormente, de redes solidárias também são frutos indiretos das políticas públicas voltadas à ES. No artigo, para efeito de contabilização dos beneficiados pelas políticas públicas, foi considerada a estimativa da Secretaria dos envolvidos direta e indiretamente.

O número de projetos apoiados pela SENAES e aqueles que contaram com apoio de parceiros nos oito primeiros anos de existência da Secretaria (Tabela 1), até 2010, somam 435 projetos. Do total, 146 foram projetos apoiados somente pela SENAES e 289 (duzentos e oitenta e nove) foram parte de uma coordenação entre a Secretaria e órgãos parceiros, como a Fundação Banco do Brasil (FBB), a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e o Banco do Nordeste do Brasil (BNB).

Tabela 1 - Investimentos totais de 2003 a 2010

Origem do Projeto
Projetos
%
R$
%

FBB/SENAES

175

40,2

51.169.410,80

25

SENAES

146

33,6

129.526.830,61

63

FINEP/SENAES

64

14,7

20.772.514,81

10

BNB/SENAES

50

11,5

4.809.585,19

2

Total

435

100,0

206.278.341,41

100

Fonte: SENAES, 2012.

O investimento total até 2010 foi de R$ 206.278.341,41. A SENAES, sozinha, é responsável por 63% dos investimentos totais do período.

As ações que mais recebem recursos (Tabela 2) são as voltadas para a promoção do desenvolvimento local e ES. Com 27% dos recursos, essas ações em geral são voltadas para comunidades quilombolas, comunidades de pescadores, ribeirinhas, indígenas, entre outras. As três ações de maior volume são: as incubadoras de economia solidária, com incidência de 19%, as quais ocupam o segundo lugar em destinação de recursos, com 14% do investimento; os projetos destinados ao apoio financeiro aos EESs, os quais representam 16% do total; e projetos voltados à formação de redes de cooperação solidária, com 12% das ações.  Das 82 incubadoras, 61 fazem parte do Programa Nacional de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas e Empreendimentos Solidários - PRONINC (SENAES/MTE, 2011).

Tabela 2 - Distribuição de projetos por ações agregadas (2003-2010)

 

AÇÕES AGREGADAS

Nº de projetos

 

%

 

R$

 

%

Promoção do desenvolvimento local e Economia Solidária

28

6%

56.392.569,24

27%

Apoio a incubadoras de economia solidária

82

19%

29.398.672,34

14%

Apoio e fomento a empreendimentos de catadores de materiais recicláveis

28

6%

20.861.868,15

10%

Formação de formadores, agentes e trabalhadores da economia solidária.

29

7%

20.218.556,52

10%

Apoio às finanças solidárias (bancos comunitários, fundos rotativos etc.).

71

16%

17.782.177,99

9%

Comercialização solidária

31

7%

15.455.305,83

7%

Fortalecimento institucional da economia solidária

19

4%

11.462.117,15

6%

Mapeamento da economia solidária no Brasil

48

11%

9.646.508,00

5%

Fomento a empreendimentos econômicos solidários e redes de cooperação

51

12%

8.611.971,18

4%

Assessoria técnica a empreendimentos econômicos solidários

17

4%

5.049.846,18

2%

Apoio e assessoria a empresas recuperadas por trabalhadores em regime de autogestão

9

2%

5.012.376,74

2%

Centros Públicos de Economia Solidária

19

4%

4.562.372,09

2%

Outros – diversos

3

1%

1.824.000,00

1%

TOTAL

435

100%

206.278.341,41

100%

Fonte: SENAES, 2012.

Em parceria com a Secretaria de Desenvolvimento Territorial, do Ministério de Desenvolvimento Agrário, a SENAES começou a participar do Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais– PRONAT, e adicionou a esse ações voltadas ao cooperativismo. Para o Programa Territórios da Cidadania, foram investidos R$ 1.080.000,00 em atividades de capacitação pelos Centros de Formação em Economia Solidária, as quais alcançaram em média doze mil pessoas.

Os projetos voltados ao desenvolvimento local, em geral, estimulam o artesanato e  agricultura familiar de forma a promover a capacitação, crédito, equipamentos, formalização e comercialização dos produtos. Os critérios utilizados pela SENAES para participação nesses projetos são: EESs que sejam provenientes de comunidades de baixa renda; que promovam a participação de mulheres; que fortaleçam a organização social das comunidades tradicionais; que sejam formadas por beneficiários do Programa Bolsa Família; por pessoas desempregadas ou de renda insuficiente; que tenham ligação com o projeto Territórios da Cidadania; que estejam inseridos em processos de organização em rede de âmbito territorial; e que tenham uma produção ecológica e sustentável.

O Ministério do Trabalho e Emprego, através da SENAES, criou um programa específico para a agricultura familiar. Através de uma parceria com o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e a Fundação Banco do Brasil, criou-se o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF). O Pronaf foi criado em 1995 a fim de promover o desenvolvimento da agricultura familiar por meio de financiamento, capacitação técnica dos produtores e modernização do sistema produtivo. Entre 2003 e 2013, o orçamento do Pronaf aumentou dez vezes. O número de contratos com o projeto, em 2013, foi cerca de dois milhões. Aliado ao Pronaf, em 2005 a secretaria iniciou apoio à Cadeia Produtiva Solidária do Algodão Agroecológico, cujo auxílio começava desde as cooperativas produtoras de algodão até as de confecção de bolsas e peças de vestuário. Essa articulação gerou renda e trabalho para 700 pessoas.

Também em 2005, a Cadeia Produtiva da Apicultura, representada pela Rede Abelha, teve um investimento de R$ 411.615,20 e beneficiou um total de 2.729 pessoas. A Cadeia Produtiva de Agroecologia e extrativismo sustentável engloba as atividades ligadas à agricultura, à pecuária e ao extrativismo. Dentre os projetos, se destacam a parceria com a Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil (CONCRAB) no período entre 2005 e 2010, da qual se originaram a Rede Mandioca e a Rede Sabor Natural do Sertão. A parceria teve como objetivo a capacitação de agentes e lideranças locais para a formação de empresas de autogestão, principalmente em assentamentos de reforma agrária. De acordo com a SENAES, a Rede Mandioca, apoiada pelo BNB, abrange cerca de dez mil famílias. Essa se concentra no Maranhão e também conta com o apoio da CÁRITAS regional do Estado. A Rede Sabor Natural do Sertão, com o apoio do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA), ONG com sede na Bahia, atende ao semiárido brasileiro e procura estimular o beneficiamento e comercialização de frutas nativas da caatinga.

4. A evolução da Economia Solidária e a implicação na agricultura

Através do SIES, a SENAES fez dois levantamentos sobre a ES, ambos publicados sobre a forma de Atlas da Economia Solidária. O primeiro atlas foi referente a 2005, o segundo referente a 2007 e o terceiro, a 2013. Nesses, verificou-se que entre os anos de 2005 e 2007, houve um aumento no número de EESs no país de 46,18% (os quais passaram de 14.954 para 21.859), e de 53% entre os anos 2007 e 2013, quando o número de EESs aumentou para 33.518 (Gráfico 1).  Também com tendência de crescimento, o número de participantes aumentou 93% de 2005 a 2013, e passou de 1.251.882 em 2005 para 2.421.212 em 2013.

Gráfico 1 - Evolução do número de EES e de participantes de 2005, 2007 e 2013

Fonte: SENAES, 2006, 2009 e 2014.

* Estimativa de acordo com o número de participantes (1.423.631) coletado na amostra de 19.708 EESs no atlas de 2013.

O gráfico 2 apresenta a comparação entre o número de participantes de EESs, nos anos 2005, 2007 e 2013, e a taxa de desemprego anual do período. Verifica-se que os valores têm tendência oposta. O número de participantes de ES aumentou a cada ano enquanto a taxa de desemprego diminuiu. Esta tendência pode indicar um impacto positivo na geração de emprego via ações que integrem os agentes e o acesso aos recursos para atividades de economia solidária.

Gráfico 2- Variação do número de participantes de EESs e taxa de desemprego em 2005, 2007 e 2013

Fonte: SENAES 2006, 2009, 2014 para nº de participantes de EES; IPEADATA 2014 para dados de desemprego.

Com relação ao período de 2005 a 2013, a média anual de crescimento de emprego foi de 5,1%, com a geração de 15.709.816 (quinze milhões, setecentos e nove mil e oitocentos e dezesseis) vagas e uma taxa de crescimento de 68%. Como a geração de empregos de economia solidária aumentou 93% no período, pode-se afirmar que a criação de vagas nos empreendimentos solidários foi mais significativa (embora menor quantitativamente) do que a geração de vagas formais. Especialmente ao considerar-se que muitos dos projetos de políticas públicas de ES são voltados à atividade rural, setor em que o número de empregos formais sofre com a sazonalidade.

O gráfico 3 demonstra a volatilidade do emprego formal no setor rural. Isso se deve à característica de sazonalidade da agricultura. Este setor é bastante influenciado pelo clima, pela instabilidade internacional, pelos preços de produtos primários entre outros fatores. Apesar do saldo da geração de empregos no setor ter sido positivo, com 166.378 (cento e sessenta e seis mil, trezentos e setenta e oito) novas vagas, foi o setor onde mais houve demissões.

Gráfico 3 - Evolução do saldo de emprego formal do setor agrícola de 2003 a 2013

Fonte: MTE/CAGED, 2013.

Tais dados demonstram a importância da economia solidária no setor agrícola, o qual geralmente sofre com a instabilidade do emprego e acabam atingindo mais fortemente à agricultura familiar. Segundo a SENAES (2013), 55,3% possuem em sua maioria associados que são agricultores familiares não assentados da reforma agrária. O diferencial deste tipo de agricultura é que o uso da mão de obra é mais intenso devido à característica das pequenas propriedades e da utilização em menor escala de maquinário de grande porte. Dessa forma, consegue gerar mais empregos do que a agricultura de latifúndio e emprega 74,4% da mão de obra do meio rural (IBGE, 2009).

Gráfico 4 - Proporção de EESs segundo segmento econômico

Fonte: SENAES 2014

Nota-se  nos dados apresentados no Gráfico 4 há participação de  65% dos membros de empreendimentos econômicos solidários com vínculo direto ou indireto com o campo. Essa proporção mostra que a capacidade de geração de emprego no setor rural pela economia solidária é maior e talvez mais eficaz já que as oportunidades de emprego no campo são mais escassas do que no setor urbano. O motivo de EESs rurais se destacarem frente aos urbanos se deve ao fato de que cooperativas solidárias urbanas muitas vezes têm que enfrentar a concorrência de empresas capitalistas. Já os EESs rurais, em geral, procuram fugir da concorrência das grandes empresas através da diferenciação dos produtos, por meio da garantia de qualidade, produção ecológica e sustentável, e atingem, dessa forma, mercados distintos (GONÇALVES, 2001). Ainda, há o fato de as grandes empresas capitalistas do meio rural serem voltadas para a exportação e a agricultura familiar preenche a demanda não considerada pelos grandes latifúndios, já que 70% dos alimentos consumidos no país são provenientes da agricultura familiar (ONU, 2014).

De acordo com as informações divulgadas pela SENAES, estima-se que até o ano de 2009, cerca de 500.000 (quinhentas mil) pessoas foram beneficiadas pelas políticas públicas da SENAES. Dentre os projetos, o Programa Brasil Local destaca-se devido ao direcionamento para áreas carentes do campo e pelo número de beneficiados alcançado, sendo responsável por mais da metade dos beneficiados entre todos os projetos. 

Quadro 1 - Estimativa do valor investido nos principais projetos e do número de beneficiados até 2010

Ano de início da parceria

Projeto

Valor investido (R$)

Nº aproximado de beneficiados

2003

CATAFORTE

63.000.000,00

10.600

2004

Acesso a Mercado

-

136.0001

2005

Redes de cooperação (apicultura, algodão agroecológico, coleta e reciclagem de lixo)

 

ERT

Programa de Apoio a projetos produtivos solidários

411.615,20

 

 

-

 

5.000.000,00

3.8001

 

 

13.000

 

21.0001

2006

PPDLES

8.400.000,00

4.9052

2007

PRONAT

1.080.000,00

12.000

2008

Brasil Local

15.400.000,00

268.823

2009

 

PRONASCI

Territórios da Cidadania

PRONINC

14.548.839,50

1.080.000,00

-

6.184

12.000

10.000

Total

108.920.454,70

498.312

Fonte: SENAES, 2012.

Obs.:

1Dados de Senaes 2009.
2Como os dados variam entre indivíduos associados e famílias associadas, o cálculo foi feito considerando 1(uma) família como 3(três) indivíduos de acordo com a média de indivíduos por família do Censo do IBGE 2010.

Os dados dos anos de 2011 e 2012 foram disponibilizados pela Senaes e apresentados no quadro 2.  De acordo com a Secretaria, 64.565 (sessenta e quatro mil, quinhentos e sessenta e cinco) pessoas foram beneficiadas diretamente pelas políticas públicas, enquanto 185.102 (cento e oitenta e cinco mil, cento e duas) tiveram benefícios indiretos, o que totalizou 249.667 (duzentos e quarenta e nove mil, seiscentos e sessenta e sete) beneficiados nestes dois anos.

Quadro 2 - Número de beneficiados por Políticas Públicas de ES entre 2011 e 2012

Itens

Quantidade

N° EES beneficiadas diretamente

2.906

N° redes apoiadas

46

N° pessoas diretamente beneficiadas

64.565

N° pessoas indiretamente beneficiadas

185.102

Espaços multifuncionais apoiados

76

Incubadoras apoiadas

25

EES incubados

393

EES com assistência técnica

2.367

Pessoas formadas

37.992

Agentes de desenvolvimento

364

Iniciativas de finanças solidárias apoiadas

103

Feiras apoiadas

273

Pontos fixos ou centrais de comercialização apoiados

59

Bases de serviços de apoio à comercialização apoiados

21

EES apoiados na comercialização

2.565

Fonte: SENAES, 2012.

Durante os dez primeiros anos de funcionamento da Senaes, as políticas públicas de economia solidária incentivadas pela Secretaria beneficiaram, no mínimo, 747.979 (setecentos e quarenta e sete mil, novecentos e setenta e nove) pessoas. Entende-se que estes dados indicam a importância da promoção de ações cada vez mais integradoras de políticas de renda e inclusão social para segmentos marginalizados da sociedade brasileira.

5. Conclusão

Nos dez anos de funcionamento da Secretaria, os projetos apoiados contribuíram significativamente para a geração de emprego em áreas carentes, nas quais o emprego formal ainda não alcança boa parte da população. Tais áreas, em sua maioria voltada para a agricultura familiar e produção solidária, vislumbraram melhoria de vida em setores nos quais a população estava em situação de pobreza extrema e que dificilmente teria acesso ao mercado de trabalho.

Estes setores apresentam uma grande importância no planejamento das políticas públicas de economia solidária porque, em geral,  não são contempladas pelos investimentos (públicos ou privados) em setores produtivos. Outro fator é que estes setores podem atuar na agregação de valores subjetivos no seu produto rural, desde a questão de sustentabilidade ambiental e social até a diferenciação de produtos para atender a mercados específicos. A agricultura familiar pela sua importância social, econômica e ambiental cada vez mais tem se destacado como um dos segmentos fundamentais para a melhor distribuição de riqueza e patrimônio, no caso a terra, neste país.

Há ainda muito que se debater sobre o assunto, principalmente no aspecto da articulação das políticas públicas e da educação oferecida para os membros dos empreendimentos, de forma que a gestão solidária possa, além de gerar renda, melhorar a qualidade de vida dos indivíduos. Contudo salienta-se que os dados indicaram que houve um significativo avanço na geração de emprego por meio de ações de políticas do setor de economia solidária, principalmente para os ligados ao campo rural, com maior fragilidade, caso da agricultura familiar.

Referências

BARBOSA, Rosangela Nair de Carvalho. A economia solidária como política pública: uma tendência de geração de renda e ressignificação do trabalho no Brasil. São Paulo: Cortez, 2007.

BENINI, Edi Augusto. Políticas Públicas e Relações de Trabalho: estudo sobre o processo e naturezada denominada "Economia Solidária", enquanto política pública, a partir da investigação de alguns casos concretos. 117 f. Dissertação (Mestrado em Administração Pública) - Escola de Administração de Empresas de São Paulo. São Paulo: EAESP/FGV, 2004.

DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS – DIEESE. A situação do trabalho no Brasil na primeira década dos anos 2000. São Paulo: DIEESE, 2012.

GAIGER, Luiz Inácio; LAVILLE, Jean-Louis. Economia Solidária. In: CATTANI, A.D. et al. (coord.) Dicionário Internacional da Outra Economia. Coimbra: Almedina, 2009. p.162-168.

GONÇALVES, Jackson Eduardo. Economia solidária: Solução eficiente para a Agricultura Familiar. Campo Belo, 2001. Disponível em: <http://www.sober.org.br/palestra/2/881.pdf>. Acesso em 05 mar. 2015.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA- IBGE. Séries Estatísticas: Taxa de desemprego aberto. Disponível em: <http://seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?no=1&op=2&vcodigo=FDT10&t=taxa-desemprego-aberto-pessoas-15-anos>. Acesso em 20 maio 2014.

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1. Economista pela Universidade Estadual de Goiás – e-mail: camilleprates@yahoo.com.br
2. Doutor em  Políticas Públicas e Estratégias de Desenvolvimento pelo IE/ UFRJ - Professor do Curso de Ciências Econômicas da Universidade Estadual de Goiás – Anápolis/Goiás – e-mail: mariocastro@ueg.br
3. Doutora em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp – Professora do Mestrado Interdisciplinar Territórios e Expressões Culturais no Cerrado – Unidade Universitária de Ciências Socioeconômicas e Humanas - Universidade Estadual de Goiás – Bolsista do PROPIB (Programa de Incentivo à Pesquisa e Produção Científica) – e-mail: divalunas@gmail.com

4. Doutora em Economia pela UnB., Pós –Doutoranda em Economia/ UnB. Pesquisadora Plena/UnB. Professora do Curso de Ciências Econômicas da Universidade Estadual de Goiás – Anápolis/Goiás. Grupo de Pesquisa Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente. Núcleo de pesquisa em Economia da UEG- NEPE- e-mail: joanabardella@brturbo.com.br


Revista Espacios. ISSN 0798 1015
Vol. 37 (Nº 19) Año 2016

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