Espacios. Vol. 37 (Nº 21) Año 2016. Pág. 1

A Teoria Schumpeteriana da Inovação e sua Cientificidade Discutida: uma Reflexão a partir da Filosofia da Ciência

The 'Schumpeterian' Innovation Theory and its Scientic Aspect Discussed: a Reflection from the Philosophy of Science

Fabricio Baron MUSSI 1; Eduardo Damião da SILVA 2; Samir ADAMOGLU DE OLIVEIRA 3

Recibido: 13/03/16 • Aprobado: 22/04/2016


Conteúdo

1. Introdução

2. A estrutura científica e os paradigmas segundo Thomas Kuhn

3. Karl Popper e o falsificacionismo

4. Imre Lakatos e os programas de pesquisa

5. Macro tema 1

6. Macro tema 2

7. Considerações Finais

Referências


RESUMO:

O objetivo deste ensaio consiste em investigar – a partir de três critérios de demarcação (Kuhn, Popper e Lakatos) – a cientificidade da teoria 'schumpeteriana' da inovação. Analisa-se a partir de dois macro temas: (1) a corrente de teoria econômica predominante anterior ao conceito de inovação de Schumpeter; (2) a introdução da teoria da inovação e revisões dos últimos manuscritos deste autor. Ao concluir-se que esta teoria atende aos critérios de cientificidade, implicações para os estudos em inovação são discutidas: a construção/transmissão de conhecimento, a fuga do 'senso comum', e o emprego do 'método' como recurso para a edificação do conhecimento científico.
Palavras-chave: Teoria da inovação; critérios de demarcação; Schumpeter.

ABSTRACT:

The purpose of this essay is to investigate - from three demarcation criteria (Kuhn, Popper and Lakatos) - the scientific aspect of 'Schumpeterian' innovation theory. It analyses from two macro issues: (1) the current prevailing economic theory, prior to the concept of Schumpeter´s innovation; (2) an introduction of innovation theory and reviews of recent manuscripts of this author. Since it concludes this theory meets the scientific criteria, implications for studies in innovation are discussed: the construction / transmission of knowledge, the escape from the 'common sense', and the use of 'method' as a resource for building up the scientific knowledge.
Key-words: Innovation Theory; Demarcation Criteria; Schumpeter.

1. Introdução

O tema inovação vem se configurando nos últimos tempos como de importância para a análise da evolução econômica da sociedade (FAGERBERG, 2004; BAREGHEH; ROWLEY; SAMBROOK, 2009), pelo fato de estar atrelado ao desempenho das organizações e ao crescimento econômico de um país (NELSON, 2006).  Por estas razões, se reconhece a relevância do tema nas ciências exatas e nas ciências sociais aplicadas, com destaque para a economia e para a administração.

O interesse pelo tema despertado a partir dos escritos de Schumpeter (1982) conferiu à inovação a possibilidade de ser discutida em interface com outras frentes, em uma amplitude de negócios empresariais e de disciplinas no meio acadêmico (BAREGHEH; ROWLEY; SAMBROOK, 2009):

Outra evidência acerca da representatividade do tema pode ser ilustrada pela quantidade de livros no modelo "melhores práticas de gestão" nos quais uma das principais recomendações reside na necessidade de a empresa inovar para assegurar sua rentabilidade, ganhar fatias de mercado, diferenciar-se dos concorrentes e reduzir seus custos. Trata-se de publicações de natureza prescritiva, originadas seguindo a lógica da indução, nos moldes "se deu certo em minha empresa, dará certo na sua também" (MATTOS, 2003; CARVALHO; CARVALHO; BEZERRA, 2010).

Do ponto de vista acadêmico, observa-se a presença do tema sendo abordado a partir do estudo dos sistemas nacionais de inovação (MALERBA, 2003), redes de inovação aberta (JOHNSON; EDQUIST; LUNDVAL, 2003),  sendo  que  alguns  trabalhos  procuram,  inclusive, sustentar a relação entre inovação e desempenho empresarial (QUEIROZ, 2006)..

No âmbito científico nacional da administração, o tema representa uma área independente dos Encontros da ANPAD (Associação Nacional dos Programas de Pós Graduação em Administração) abarcando dez temas de interesse. Internacionalmente, pode-se citar o Academy of Management Annual Meeting com treze áreas de interesse para discutir inovação, e ainda eventos específicos, como o Simpósio de Gestão da Inovação Tecnológica (esfera nacional), Congresso Latino Americano de Gestão da Tecnologia (ALTEC) e o International Association for Management of Technology (esfera internacional).

Outro ponto de destaque concerne à compreensão do conceito, objeto deste ensaio. Foi observado, por exemplo, que o termo é majoritariamente empregado sem a preocupação prévia em conceitua-lo. Ainda assim, foram encontradas 60 definições de inovação na literatura abrangendo as áreas de gestão; economia; estudos organizacionais; inovação e empreendedorismo; ciência, tecnologia e engenharia; gestão do conhecimento e; marketing (BAREGHEH; ROWLEY; SAMBROOK, 2009). Contudo, não se observou o cuidado em se verificar a cientificidade do conceito, apesar de sua multiplicidade de contribuições, enquanto sub-área do conhecimento, para outras disciplinas

Dada a relevância da inovação, sua presença na produção científica nacional e internacional e seu amplo emprego em diversas áreas de ensino e pesquisa na academia, o propósito deste trabalho consiste em investigar – a partir de três critérios de demarcação (de Thomas Kuhn, Karl Popper e Imre Lakatos) – a cientificidade do tema em seus primórdios. Ressalta-se que, para se analisar a cientificidade deste tema, é necessário identificar quais critérios de demarcação de ciência são empregados pelos principais autores dedicados a este propósito. 

Analisa-se a inovação a partir de dois macro temas: (1) a corrente de teoria econômica predominante anterior ao conceito de inovação de Schumpeter; e, (2) a introdução da teoria da inovação e revisões dos últimos manuscritos de Schumpeter, ampliando a discussão sobre inovação e revendo algumas de suas posições iniciais. Alguns estudos sobre a análise da cientificidade do campo da Administração já foram empreendidos, com padrões de conclusão ainda discrepantes (REIS; COLLA; CRUZ, 2011; JOHANN; DUCLÓS, 2013; GOMES et  al., 2013). Espera-se, a partir deste ensaio, dar início a esta discussão no campo da inovação, (i) contribuindo para o fortalecimento das bases de filosofia da ciência desses três autores (POPPER; KUHN e LAKATOS); (ii) discutindo e trazendo melhorias tanto na reflexão quanto no entendimento da sub-área da Inovação em si; (iii) complementando uma discussão, já iniciada, sobre até onde Administração (a partir das sub-áreas que a compõe) é ou não é ciência.

Face às considerações expostas, inicia-se o trabalho discorrendo sobre as contribuições de Tomas Kuhn, Karl Popper e Imre Lakatos para a filosofia da ciência, bem como os apontamentos de seus respectivos critérios de demarcação científica. Na sequência apresentam-se os macro temas de inovação e empreende-se uma análise a respeito de sua cientificidade. Por fim, são apresentadas as considerações finais.

2. A estrutura científica e os paradigmas segundo Thomas Kuhn

Thomas Kuhn é reconhecido pela introdução de uma forma diversa de se analisar a evolução da ciência, levando em conta sua historicidade e os efeitos de uma comunidade científica explorando determinado fenômeno. Subdividiu a trajetória histórica do conhecimento científico introduzindo os conceitos de ciência normal, ciência extraordinária, revolução científica e paradigma.

Para Kuhn, o paradigma vigente predomina enquanto for socialmente aceito pela comunidade científica, na perspectiva de que ele é suficiente para que se consiga resolver determinados 'quebra cabeças' (KUHN, 2013). Na concepção de que a resolução de um quebra-cabeças denota a expertise do cientista e, embora se reconheça que existe uma solução assegurada, há de se vislumbrar que existe uma série de regras que restringem as soluções aceitáveis e a maneira (leia-se: o método) de alcançá-las. Na concepção de Kuhn (2013, p. 71), o termo 'paradigma' relaciona-se com a prática da ciência normal, conceituada como:

A pesquisa firmemente baseada em uma ou mais realizações científicas passadas. Essas realizações são conhecidas durante algum tempo por alguma comunidade científica específica como proporcionando os fundamentos para sua prática posterior.

Assim, em determinando momento, a comunidade científica encontra-se comprometida com as mesmas regras e padrões para a pesquisa. Não se observam ambições particulares (muito menos do grupo) em se gerar novidades "seja no domínio dos conceitos, seja no dos fenômenos" (KUHN, 2013, p. 103). Ainda que nada de novo seja descoberto, os alcances de cada pesquisa elevam a precisão do paradigma, atingindo aquilo que já se esperava, mas de maneiras distintas. Ainda segundo Kuhn (2013, p. 106):

A comunidade científica, ao adquirir um paradigma, adquire igualmente um critério para escolha de problemas que, enquanto o paradigma for aceito, podem ser considerados como dotados de uma solução possível [...] esses são os únicos problemas que a comunidade admitirá como científicos ou encorajará seus membros a resolver. Outros problemas, mesmo muitos dos que eram anteriormente aceitos, passam a ser rejeitados como metafísicos ou como parte de outra disciplina.

Nesse contexto, ainda que anomalias surjam, são buscadas explicações para que o paradigma não dê conta de explicar determinados fatos, aqueles que o paradigma não preparou o pesquisador. Admite-se, aqui, certa flexibilidade nos limitantes da pesquisa. Araújo (2012, p. 163) explica que o paradigma "orienta a pesquisa, fornecendo sínteses que facilitam o trabalho de um grupo". O fracasso na resolução de problemas é, em primeiro lugar, demérito do pesquisador. A natureza do paradigma jamais será, inicialmente, questionada. Conforme afirma Kuhn (2013, p. 128):

A descoberta começa com a consciência da anomalia, isto é, com o reconhecimento de que, de alguma maneira, a natureza violou as expectativas paradigmáticas que governam a ciência normal. Segue-se então uma exploração mais ou menos ampla da área onde ocorreu a anomalia. Este trabalho somente se encerra quando a teoria do paradigma for ajustada, de tal forma que o anômalo tenha se convertido no esperado.

Se as anomalias começam a se configurar como recorrentes, dá-se ensejo ao momento de crise, fato que se caracteriza como uma das pré-condições iniciais para uma eventual substituição de paradigma. Cabe salientar que essa substituição contempla um novo conjunto de conhecimentos, que pouco em comum terá com o paradigma anterior. Nas palavras de Kuhn (2013, p. 66):

uma nova teoria, por mais particular que seja seu âmbito de atuação, nunca ou quase nunca é um mero incremento do que já é conhecido. Sua assimilação requer a reconstrução da teoria precedente e a reavaliação dos fatos anteriores.

Cabe salientar, contudo, que a emergência de uma nova teoria ocorre numa condição gradativa, precedida de insegurança profissional por parte da comunidade científica, por uma crise, sendo que a crise, por si só, não reúne subsídios suficientes para a substituição do paradigma. Este momento somente passa a ocorrer quando a comunidade científica reconhece a existência de outro candidato a paradigma. Nas palavras de Kuhn (2013, p. 160-162):

Decidir rejeitar um paradigma é sempre decidir simultaneamente aceitar outro e o juízo que conduz a essa decisão envolve a comparação de ambos os paradigmas com a natureza, bem como sua comparação mútua [...] rejeitar um paradigma sem simultaneamente substituí-lo por outro é rejeitar a própria ciência.

Nesse contexto, a substituição parcial ou total de um paradigma por outro caracteriza o que o autor denomina de Revolução Científica. A Figura 1 busca retratar este fenômeno.

Figura 1: Síntese da revolução científica
Fonte: Adaptado de Kuhn (2013)

A obra de Kuhn sustenta que quando se analisam diversos períodos históricos, observa-se um conjunto de propriedades semelhantes na evolução da ciência. A dinâmica apresentada na Figura 1, na concepção do autor, representa a estrutura da evolução da ciência ao longo da história, de forma que "os cientistas adotam novos instrumentos e orientam seu olhar em novas direções [...] vêem coisas novas e diferentes" (KUHN, 2013, p. 201). Essa nova maneira de observar o mundo traz novas possibilidades à pesquisa científica, caracterizando o avanço da ciência. Kuhn (2013) argumenta que a alteração de paradigma revela ao cientista uma nova realidade, ainda que o mundo não mude, sendo que a adesão ao novo paradigma ocorre à medida que os cientistas se dão conta de que agora são capazes de resolver problemas que ensejaram a crise do paradigma anterior.

3. Karl Popper e o falsificacionismo

Inúmeras são as contribuições de Karl Popper para a filosofia da ciência. Seus escritos influenciaram uma série de estudiosos (LAKATOS, 1979) e serviram de subsidio para confrontar um dos principais pilares do positivismo, a questão da indução, (ARAÚJO, 2012) na qual o número de observações sequenciais confirmatórias a respeito de determinado fenômeno constitui uma condição suficiente para propor uma teoria universal. Em sua obra intitulada "Conhecimento Objetivo", Popper (1975) aborda o problema da indução levantado por Hume, propondo uma solução que leve em conta o caráter objetivo das proposições, condenando a inferência subjetiva. Em sua visão "nenhuma quantidade de asserções de teste justificaria a alegação de que uma teoria explanativa universal é verdadeira" (POPPER, 1975, p. 18). O método que melhor se ajusta às concepções de Popper seria o hipotético dedutivo.
Conforme afirma Araújo (2012, p. 153) "na descoberta pode haver um insight, uma intuição genial, já na justificação, ou seja, para testar a teoria entra apenas a dedução, a lógica". O método consiste no mecanismo apontado por Popper para se testar a teoria, sua coerência interna, sua capacidade explicativa, além da possibilidade de compará-la com outras:

Com o auxílio de outros enunciados, previamente aceitos, deduzem-se da teoria certos enunciados singulares [...] se as conclusões singulares são aceitáveis ou verificadas, então a teoria passou, por esta vez, em seu teste [...]. Mas, se a decisão é negativa, ou, em outras palavras, se as conclusões foram falseadas, então seu falseamento falseia também a teoria da qual elas foram logicamente deduzidas (POPPER, 1980, p. 8).

Observa-se, no argumento de Popper, que o critério de cientificidade de uma teoria não é sua comprovação por intermédio da experiência empírica, e sim a possibilidade de falsear a teoria. Se, a teoria passar no teste de falseamento, pode-se afirmar que ela pertence à ciência. O corolário que se observa é de que todos os enunciados são provisórios.
Lakatos (1979), declaradamente adepto às concepções popperianas, apresenta uma série de conceitos que norteiam a discussão sobre o falseacionismo de Popper, o progresso da ciência, e seus critérios de demarcação. Dentre os conceitos apresentados, pode- se destacar:

- o falseacionismo dogmático: admite a falibilidade de todas as teorias científicas sem qualificação, mas retém uma base empírica infalível (as teorias são julgadas a partir de evidências empíricas).  Nesta perspectiva, o avanço da ciência ocorreria a partir de sucessivas refutações de teorias contando com a observação de fatos concretos. O critério de demarcação, neste caso, refere-se à necessidade da teoria possuir uma base empírica para ser classificada como científica. Nesta perspectiva, o avanço do conhecimento dar-se-ia por intermédio das sucessivas substituições de teorias;

- o falseacionismo metodológico: o falseacionista compreende que nas técnicas experimentais do cientista estão envolvidas teorias falíveis, à luz das quais ele interpreta os fatos. Este conceito vem corrigir o que é proposto pelo falseacionismo dogmático, entretanto também não se apresenta de forma satisfatória, pois pressupõe que a ciência se desenvolva por uma série de disputas sucessivas entre a teoria e os fatos. Este tipo de falseasionismo, conforme Lakatos (1979, p. 133) "abre novas avenidas para a crítica: um número muito maior de teorias pode ser qualificado de 'científico'". A questão que reverbera aqui é que: se não se deve descartar a teoria na primeira oportunidade em que seja falseada, quando – então – deve-se descartá-la? Assim, "O falseacionista vê-se numa situação séria quando chega o momento de decidir onde traçar a demarcação" (LAKATOS, 1979, p. 135);

- o falseacionismo sofisticado: nesta modalidade, considerada um avanço teórico em relação ao item anterior, aprimora-se o critério de demarcação que servirá para categorizar uma teoria como científica. A teoria é científica quando possuir um excedente de conteúdo empírico corroborado em relação à teoria que a precede. Facilita-se, dessa forma, o critério de substituição de uma teoria por outra.

Quanto à formulação dos problemas de pesquisa, afirma-se que eles estão relacionados ao estudo de alguns fenômenos que os cientistas teóricos empreendem esforço para compreender, a partir da formulação de hipóteses que serão criticadas e testadas. Se uma hipótese permanece como bem-sucedida por um longo período e – eventualmente – é falsificada, dá-se início a um novo problema (CHALMERS, 1993). Assim, a distância entre o conteúdo de conhecimento envolvido para explicar o problema original e o novo problema ilustra os avanços da ciência. A partir do novo problema, novas hipóteses serão necessárias, as quais passarão por novos testes. Assume-se então, do ponto de vista do falsificacionista, que a ciência avança por intermédio de sucessivas tentativas de se explicar determinados fenômenos a partir de hipóteses (CHALMERS,1993).
Observa-se ainda que, para fazer parte da ciência, uma hipótese deve ser falsificável (se existe uma proposição de observação que, se estabelecida como verdadeira, falsificaria a hipótese), de modo que a falsificabilidade está relacionada: (a) ao quanto uma teoria afirma (no sentido de que mais possibilidades de se tentar falseá-la existirão); (b) a sua clareza e precisão; (c) à amplitude da afirmação, considerando que melhor será a teoria que oferecer afirmações mais precisas e amplas sobre determinados fenômenos e, ainda assim, resistir à falsificação.
As principais formas de se constatar avanços a partir do teste de hipóteses concernem à corroboração daquelas "conjecturas audaciosas" ou da falsificação de "conjecturas cautelosas" (POPPER, 1975). No primeiro caso observa-se a sustentação/consolidação de hipóteses que até então poderiam despertar incertezas, enquanto que no segundo caso tem-se a refutação de hipóteses reconhecidas como consolidadas no pouco conteúdo que carregavam.
Popper propõe a realização de uma análise para a seleção de uma teoria, fornecendo alguns critérios que, de certa forma, auxiliariam a eliminar o viés teórico do pesquisador e suas preferências, não obstante o autor também reconheça a impossibilidade de o pesquisador estar completamente desprendido de pressupostos alimentados por experiências passadas. Popper faz uso do conceito de "corroboração" de uma teoria, num determinado período 't'. Aqui, defende-se o exame de alguns pontos: (a) a forma pela qual a teoria resolve seus problemas; (b) seu grau de testabilidade (necessariamente a teoria deve ser testada); (c) a severidade dos testes que a teoria experimentou (quanto mais severos foram os testes, mais robusta será a teoria); (d) o modo pelo qual reagiu aos testes. Após a avaliação destes critérios, opta-se por uma teoria – dentre aquelas concorrentes – por ela apresentar maior "grau de corroboração" do que as demais.

4. Imre Lakatos e os programas de pesquisa

Lakatos é reconhecido por apresentar uma proposta de ampliação do escopo da pesquisa científica, estendendo a unidade de análise de uma teoria científica isolada para o estudo de programas de pesquisa, no qual uma estrutura de composição, com núcleo, hipóteses e heurística é projetada. O autor também é reconhecido pela análise comparativa que empreende sobre os pontos de vista distintos de Kuhn e Popper. Nesta ótica, Lakatos defendeu que nas críticas de Kuhn a Popper, o primeiro conseguiu exclusivamente apontar as falhas em apenas um dos posicionamentos de Popper, o "falseacionismo ingênuo".
Embora Lakatos seja adepto das concepções de Popper, observam-se traços epistemológicos da obra de Kuhn em seu raciocínio, assemelhando-se ao conceito de quebra de paradigmas:

Para o (falseacionista) sofisticado uma teoria científica T só será falseada se outra teoria T' tiver sido proposta com as seguintes características: (1) T' tem um excesso de conteúdo empírico em relação a T; isto é, prediz fatos novos, a saber, fatos improváveis à luz de T, ou mesmo proibidos por ela; (2) T' explica o êxito anterior de T, isto é, todo o conteúdo não refutado de T está incluído (dentro dos limites de erro observacional) no conteúdo de T'; e (3) parte do conteúdo excessivo de T' é corroborado (LAKATOS, 1979, p. 142).

Observa-se que a análise deixa de centrar-se numa sequência de teorias isoladas e envereda seu foco para o exame de séries de teorias (T; T'; T''). Aqui, o critério empírico passa da concordância com os fatos observados para a produção de fatos novos, e a teoria passa a ser substituída a partir do surgimento de uma teoria melhor, referindo-se àquela que apresenta informações novas quando comparada com a teoria anterior, de modo que pelo menos parte do excedente informacional é corroborado.
Em suas críticas, Lakatos aponta uma característica comum ao falseacionismo dogmático e ingênuo, que – na sua concepção – contrariam aquilo que é observado na história da ciência: a premissa de que o teste é um embate entre a teoria e a experiência, cujo único resultado interessante dessa confrontação é o falseamento. Os equívocos, para Lakatos, concernem às seguintes questões: os testes abarcam as teorias rivais e a experiência, de modo que algumas experiências acabam reforçando a teoria, confirmando-a, ao invés de refutá-la. Sobre este tema, o quadro seguinte sumariza os pontos discutidos por Lakatos que auxiliam a compreender as diferenças entre os tipos de falseacionismo.

 

Falseacionismo ingênuo

Falseacionismo sofisticado

Critérios     de
demarcação

qualquer    teoria    que    possa    se
interpretar como experimentalmente falseável  pode  ser  reconhecida como científica

uma teoria só será científica se tiver um excesso corroborado de conteúdo empírico em relação a sua predecessora, ou seja, se levar a descoberta de fatos novos.

Regras        de
falseamento

a teoria é falseada por um enunciado
observacional que conflita com ela

Não há falseamento antes do surgimento de uma nova teoria. Uma teoria T só será falseada se outra teoria T' tiver sido proposta com as seguintes características: excesso de conteúdo empírico em relação à teoria anterior; T' contém todo o conteúdo não refutado da teoria anterior, e parte do conteúdo excessivo de T' é corroborado.

Critério
empírico para julgamento

teoria deve concordar com os fatos
observados

análise de uma série de teorias, que devem
produzir fatos novos
.

Avanço da
ciência

crescimento  linear  da  ciência,  no
sentido   de   que   as   teorias   são seguidas de refutações que as eliminam, trazendo na sequencia novas  teorias.  Substitui-se a hipótese falseada por outra melhor

a proliferação de teorias não pode esperar que as teorias aceitas sejam refutadas. Substituir qualquer hipótese por outra melhor.

Critério de
honestidade intelectual

exige-se o teste da teoria falseável e
a rejeição das teorias não falseáveis e das falseadas

exige-se que se tentasse olhar para as coisas de pontos de vista diferentes, apresentando novas teorias que antecipassem fatos novos, e rejeitando teorias que tivessem sido suplantadas por outras.

Quadro 1: Síntese da análise de Lakatos sobre o falseacionismo
Fonte: Adaptado de Lakatos (1979)

A partir do apontamento das diferenças entre o falseacionismo metodológico ingênuo e sofisticado, é possível observar que um dos pontos relevantes deste último consiste em substituir o conceito de teoria pelo de série de teorias. Nas palavras de Lakatos (1979, p. 161), "é uma sucessão de teorias e não uma teoria isolada que se avalia como científica ou pseudocientífica" A continuidade e o conjunto de conceitos articulados/amarrados entre as teorias (predecessoras e sucessoras) ajudam a compor o que é denominado de 'programa de pesquisa'.
O programa de pesquisa consiste em regras metodológicas que norteiam os pesquisadores acerca de quais caminhos de pesquisa devem ser evitados, e quais devem ser trilhados. Representa uma estrutura formada por um núcleo irredutível de hipóteses básicas das teorias que o compõe, que seria protegido por um cinturão de hipóteses auxiliares e por aquilo que Lakatos (1979) denominou de heurísticas. O princípio heurístico consiste em desestimular o trabalho em teorias científicas incompatíveis, e estimular o trabalho sobre hipóteses auxiliares.
A heurística positiva refere-se a um conjunto articulado de sugestões sobre como mudar e desenvolver as "variantes refutáveis" do programa de pesquisa, e sobre como modificar e sofisticar o cinto de proteção, ou seja, indica aos pesquisadores como o núcleo irredutível de um programa de pesquisa deve ser suplementado. Já a heurística negativa são as hipóteses auxiliares formuladas para resolver as anomalias e as condições iniciais que formam o "cinto de proteção" do programa. Neste caso, a falsidade jamais poderá recair sobre o núcleo, somente sobre alguma hipótese auxiliar que faz parte do cinto de proteção.
A respeito da avaliação dos programas de pesquisa, pode-se firmar que ele é progressivo quando as alterações nas hipóteses auxiliares que compõe o cinturão protetor dão ensejo à previsão de novos fatos, ao passo que um programa é degenerativo quando os ajustes realizados no cinto de proteção não apresentam a possibilidade de prever um fato novo, ou a previsão não é confirmada. Segundo Lakatos (1979, p. 164), "só precisamos, pelo menos de vez em quando, que se veja que o aumento de conteúdo foi retrospectivamente corroborado". Tal citação indica um critério menos severo e mais flexível (quanto ao prazo, pois não se trata de uma constatação imediata) para avaliação dos programas. Nesse contexto, as revoluções científicas ocorrem se houver dois programas de pesquisa rivais e um deles progride, enquanto o outro degenera, fazendo com que os pesquisadores optem pelo programa progressivo.
O posicionamento de Lakatos sugere sua adesão à grande parte das concepções de Popper.

A história da ciência tem sido, e deve ser, uma história de programas de pesquisa competitivos (ou, se quiserem, de paradigmas), mas não tem sido, nem deve vir a ser, uma sucessão de períodos de ciência normal: quanto antes se iniciar a competição, tanto melhor para o progresso [...] (LAKATOS, 1979, p. 191).

5. Macro tema 1

5.1. Contexto histórico e a teoria predecessora

Embora seja encarado como um dos maiores economistas da história, observa-se a dificuldade de se alocar Schumpeter numa determinada escola de pensamento econômico (HUGON, 1995). Diversos manuais de história das doutrinas econômicas ilustram as contribuições desse autor relacionando-as à "Escola Schumpeteriana", colocando-o, assim, no específico patamar dos criadores de uma corrente ou doutrina de pensamento.
A ideia de fluxo circular, predominante nos períodos anteriores a Schumpeter, pertence à corrente de pensamento da teoria neoclássica. Aproximadamente, na metade do século XIX, não somente a Inglaterra, mas boa parte do continente europeu passava por uma fase de amadurecimento e evolução de seu processo de industrialização. Nesta fase, denominada de "Segunda Revolução Industrial", alterações ocorridas na esfera jurídica, financeira e política, fomentaram o progresso industrial, sendo que na maioria dos setores havia a predominância de muitas e pequenas empresas. Por conta das limitações de recursos gerenciais e financeiros, as empresas caracterizavam-se como uma firma de única planta, especializada em uma estreita gama de atividades (TIGRE, 2006). Com relação às evoluções técnicas específicas da época pode-se afirmar:

A difusão das aplicações da máquina a vapor, após várias décadas de aprimoramento tecnológico, deu origem a um boom sem precedentes na indústria manufatureira e nos transportes ferroviário e marítimo. A metalurgia experimentou uma grande expansão graças ao uso do carvão mineral e a invenção do aço. A indústria têxtil, por sua vez, finalizou o processo de substituição das energias hidráulica e humana pela máquina a vapor, aumentando a escala dos equipamentos e unidades produtivas [...] foi uma época marcada pelo aprimoramento de inovações desenvolvidas anteriormente, visando torná-las mais operacionais e econômicas (TIGRE, 2006, p. 17-19).

Não obstante às inúmeras implicações decorrentes da utilização de inovações na esfera produtiva, a teoria predominante ainda considerava a tecnologia como exógena. A Inglaterra, responsável por cerca de metade das exportações mundiais de produtos manufaturados (SALM; FOGAÇA, 1998), propiciou a aceitação, por parte de seus industriais, da eliminação de barreiras comerciais, de longa data, criadas artificialmente contra produtos estrangeiros. Por conseguinte, a dinâmica industrial que ali se instaurou constituiu a referência para o desenvolvimento da teoria neoclássica de concorrência (quase)perfeita e desenvolvimento econômico. Alguns pontos, tidos como premissas da teoria (PINDYCK; RUBINFELD, 2002), reforçavam a concepção de linearidade no desenvolvimento econômico e no fluxo circular. Tais premissas constituíram a base do que Lakatos (1979) denominaria de hipóteses do cinturão protetor, as quais são demonstradas no quadro a seguir:


The hard core suppositions

HC1. There exist economic agents;
HC2. Agents have preferences over outcomes;
HC3. Agents independently optimize subject to constraints; HC4. Choices are  made in interrelated markets;
HC5. Agents have full relevant knowledge;
HC6. Observable economic outcomes are coordinated, so they must be discussed with reference to equilibrium theories.

Positive
heuristics

PH1. Go forth and construct theories in which economic agents
optimize;
PH2. Construct theories that make predictions about changes in equilibrium states;

Negative
heuristics

NH1. Do not construct theories in which irrational behavior  plays
any role;
NH2. Do not construct theories in which equilibrium has no meaning;
NH3. Do not test the hard core propositions.

Quadro 2: Sugestão de composição do programa de pesquisa da teoria microeconômica
neoclássica
Fonte: Weiss (2002, p. 11-12).

Nestas condições, pode-se observar a ausência do agente que promove a inovação (SCHUMPETER, 1982), tendo em vista a admissão das hipóteses 1 e 6. Os fundamentos microeconômicos salientados, também – na época – poderiam ser transplantados para a esfera macro. O primeiro autor neoclássico que explica o crescimento macroeconômico foi Solow (1956). Em seu modelo, ele foca os motivos da causa do crescimento per capita: o crescimento populacional diminuiria o equilíbrio, a poupança possibilitaria o aumento do crescimento per capita, mas não o desenvolvimento econômico como um todo. A única forma de permitir o crescimento sustentável, tanto per capita, como total, seria o desenvolvimento tecnológico, que se daria de modo exógeno (SOLOW, 1956). É válido afirmar, então, que o crescimento econômico somente ocorreria mediante o crescimento natural da população e da poupança agregada, caso uma tecnologia de origem estranha às indústrias não surgisse. Tal assertiva corrobora a ideia do fluxo circular da economia, que proporciona uma trajetória de crescimento econômico linear.
Observa-se aqui que mesmo conscientes de que a teoria apresentava algumas lacunas, de que não passaria em determinados testes (POPPER, 1975), de que anomalias não poderiam ser integralmente explicadas (KUHN, 2013), ou de que o programa de pesquisa apresentava indícios de degeneração, também por não dar conta de explicar fatos novos (LAKATOS, 1979), ainda assim a teoria neoclássica perdurou como principal corrente de explicação do crescimento econômico pela ausência de uma teoria nova/programa de pesquisa novo. Neste aspecto, pode-se depreender que existe certa convergência entre o pensamento dos autores utilizados neste ensaio, no sentido de que o abandono da teoria/programa só ocorre quando ensejar a substituição por outra(o) melhor.

5.2. O Rompimento do fluxo circular

Algumas das hipóteses da teoria microeconômica neoclássica – sobretudo diante da aplicação da condição ceteris paribus –, deixaram de ser observadas na dinâmica de interação e arranjo das firmas e das estruturas industriais. Tal constatação torna-se mais relevante, especialmente, quando avaliado o impacto que as inovações e, por conseguinte, a elevação da produtividade causava nas empresas, no âmbito micro, e no rompimento do fluxo circular, na esfera macro. Sraffa (1926) lançou fortes questionamentos sobre a teoria neoclássica, observando em algumas configurações industriais a presença de produtos diferenciados, economias de escala e, consequentemente, custos individuais decrescentes. Todavia, sua análise não abrangeu a questão da inovação, de forma que a identificação de anomalias (num sentido kuhniano) não consistia em condição suficiente para o abandono da teoria neoclássica.
De acordo com Nelson (2006, p. 147), "Schumpeter tanto indicou sua admiração pela teoria do equilíbrio geral (neoclássica), como deixou claro que tal teoria não poderia lidar com a inovação". A teoria econômica neoclássica, como descrita a partir da analogia ao fluxo circular, não poderia corresponder à proposta de  Schumpeter (1982), pois mudanças econômicas podem ocorrer em âmbito superior e externo à economia, e o limite suportado por um fluxo pode ser rompido, possibilitando ir além dele. Sob este foco, o interesse de Schumpeter (1982, p. 46) consistiu em saber "como acontecem tais mudanças (superação no limite do fluxo circular) e quais fenômenos econômicos as ocasionam".
A hipótese levantada por Schumpeter é de que todo processo de desenvolvimento repousa sobre uma evolução precedente, a partir de alterações espontâneas e não lineares que desequilibram o estado do fluxo existente. Esta hipótese era composta por um conteúdo de corroboração superior à teoria neoclássica (POPPER, 1975). Lekachman (1993, p. 365) interpretando a obra de Schumpeter, afirmou que o progresso econômico e as guerras, as revoluções e descobertas de ouro podiam causar mudanças no curso invariável do fluxo circular, mas "o agente dinamizador do ciclo econômico era a inovação".
Em suma, as rupturas no fluxo circular são, em primeira instância, de autoria do empresário inovador, que identifica as oportunidades que emergem no ambiente econômico, e as aproveita. Seu esforço requer a captação de recursos financeiros, alocação de equipamentos e matérias-primas que, outrora, eram utilizadas no fornecimento de outros bens que compunham o fluxo circular. Portanto, o fluxo não é estático, está envolvido num processo dinâmico de evolução, no qual produtos e serviços são substituídos por outros melhores continuamente, assim como as firmas participantes podem ser superadas e substituídas por outras mais inovadoras.
O quadro abaixo aplica os conceitos epistemológicos à leitura sobre o macrotema 1.

Conceitos observados

Detalhamento

Falsificacionismo sofisticado:
substituição da teoria T por T'

a teoria neoclássica do fluxo circular foi substituída pela teoria de que o fluxo não é linear e tampouco circular, é dinâmico com a presença de rupturas abruptas que estendem seu alcance (produtividade da economia) por meio da introdução de uma das cinco formas de inovações e, em primeira instância, pela ação do empresário inovador

Revolução científica: perda do
'status' de paradigma pela teoria neoclássica na explicação do crescimento econômico

Foi reconhecido que o paradigma do crescimento econômico linear, com a tecnologia exógena à firma, não dava conta de explicar uma série de fenômenos, tais como: a presença do empresário inovador, os saltos de produtividade, a aparição de produtos diferenciados. A substituição de paradigma ocorreu à medida que outra teoria, candidata ao status de paradigma passa a ser, cadencialmente, aceita por economistas da época (o que deu ensejo à 'escola Schumpteriana').

Quadro 3: Síntese dos conceitos epistemológicos identificados.
Fonte: Elaborado a partir da revisão da literatura.

6. Macro tema 2

6.1. Substituição dos fundamentos econômicos para explicação do desenvolvimento: a teoria da inovação

A inovação é, em essência, entendida como a introdução de novas combinações de produtos ou de processos viáveis economicamente (SCHUMPETER, 1982), assim como o mecanismo dinamizador do ciclo econômico (LEKACHMAN, 1973). Este conceito se constrói, portanto, no interior da firma e conduz a empresa a manter-se na competição, representando um processo ininterrupto. De acordo com Porter (1993, p. 86) "melhorias e inovação numa indústria são processos que não terminam nunca, não são coisas que acontecem uma só vez". A estrutura alterada da indústria devido à introdução de novas tecnologias fará com que o empresário motive-se a inovar novamente, para sustentar sua condição de empreendedor e manter a firma na disputa do mercado.
Embora as novas combinações possam advir das firmas que controlam o processo produtivo, Schumpeter (1982) afirma que geralmente são firmas novas que provocam rupturas com os modelos vigentes incitando as descontinuidades não somente econômicas, mas também sociais, ao passo que novos empresários tornar-se-ão bem-sucedidos enquanto outros entrarão em declínio. A partir da consolidação das propostas de Schumpeter, dá-se ensejo à substituição do programa de pesquisa neoclássico pelo programa de pesquisa calcado na inovação. As novas hipóteses seriam:


The   hard   core suppositions

HC1: A tecnologia não é exógena à firma
HC2: A inovação pode ocorrer no interior da firma; HC3: A inovação envolve riscos e incertezas;
HC4: Para ser uma inovação, o produto/serviço ou processo deve ser economicamente/comercialmente viável;
HC5: A inovação permite a diferenciação do produto;
HC6: A inovação não é um processo estático, mas dinâmico; HC7: A inovação pode provocar saltos de produtividade;
HC8: A inovação pode gerar um monopólio temporário para a firma, possibilitando-a obter lucros de monopólio por determinado período.

Positive heuristics

PH1. Trabalhe com teorias considerando que as organizações
assumem riscos para tomarem posições privilegiadas em determinados mercados;
PH2. Trabalhe com teorias que considerem o equilíbrio de mercado algo temporário e frágil;

Negative heuristics

NH1. Não trabalhe com teorias que considerem o mercado estático

Quadro 4: Novo programa de pesquisa
Fonte: Elaborado com base na revisão da literatura

A inovação gera um monopólio temporário, enquanto outras firmas ainda não dominam a complexidade técnica que compõe o novo produto, deslocando a competição para outros atributos do produto além do preço. O novo programa de pesquisa abre margem para a difusão de um produto, agora diferenciado, em outro tipo de trajetória, diverso do bem homogêneo. Segundo Perez (2004, p. 4):

La primera introducción comercial de una innovación la transfiere a la esfera tecnoeconomica como un hecho aislado, cuyo futuro se decidirá en el mercado [...] si tiene éxito, aún puede permanecer como un hecho aislado o llegar a ser económicamente significativo, dependiendo de su grado de apropriabilidad, su impacto en los competidores o en otras áreas de la actividad económica. El hecho q tiene las consecuencias sociales de mayor alcance es el proceso de adopción masiva. La vasta difusión es que realmente transforma lo que un día fue una invención en un fenómeno socioeconómico.

O movimento simultâneo e ininterrupto de difusão e penetração de inovações de natureza técnica entre os setores, avaliado a partir da esfera econômica, contribui para a promoção de desequilíbrios na trajetória de crescimento econômico, conforme ilustra o Gráfico 1.


Gráfico 1: Ilustração do crescimento comparando a teoria neoclássica e a teoria da inovação
Fonte: Elaboração própria com base na revisão da literatura

6.2. Introdução de hipóteses: o papel do Estado e das grandes empresas

No artigo intitulado Economic Theory and Entrepreneurial History, Schumpeter (1949) revisita seus escritos sobre o tema da inovação decorrente do papel dos empresários empreendedores, ampliando substancialmente, a partir de um panorama histórico, a percepção de que o 'aquecimento' do setor econômico, fugindo dos fluxos circulares de desenvolvimento, seria responsabilidade quase que exclusiva de novas pequenas empresas (SCHUMPETER, 1982).
O autor observou que creditar a capacidade inovadora das pequenas empresas empreendedoras, como agentes exclusivos da revolução na produtividade e eficiência das economias, seria uma falácia, pois a história indica que o surgimento de firmas inovadoras foi precedido por intensos investimentos estatais em produção de tecnologia e em infraestrutura produtiva. Adicionalmente, as grandes firmas se imporiam com maior capacidade de inovar devido a largas possibilidades de investimentos de capital em pesquisa e desenvolvimento – o que, em si, contesta a crença na capacidade inovadora da firma individual.
Além disso, o autor passa a reconhecer e a atribuir relevância ao papel das instituições do Estado, no sentido de serem também responsáveis pelo processo de desenvolvimento econômico, especificamente mediante o incentivo à inovação via novas combinações produtivas (propiciadas pela homologação de regulamentações, contemplando políticas de ciência e tecnologia favoráveis às empresas, por exemplo).
Sob a perspectiva Lakatosiana, o programa de pesquisa vinculado à teoria da inovação pode ser considerado progressivo, uma vez que suas alterações nas hipóteses auxiliares que compõe o cinturão protetor deram ensejo à previsão de novos fatos, conforme se ilustra na Figura 3, a seguir.

Figura 2: Programa de pesquisa progressivo
Fonte: Elaborado com base na revisão da literatura

7. Considerações Finais

A partir da discussão sobre os macro temas sugeridos, referenciados como princípios da teoria de inovação – pilares que ensejaram o aparecimento de inúmeros outros temas correlacionados e teorias –, pode-se apontar algumas sugestões de demarcação. Sugere-se aqui, que os critérios de demarcação discutidos, a partir de autores da filosofia da ciência, podem facilitar na empreitada de se definir se determinado tema apresenta ou não traços de cientificidade.
A partir destas questões, poder-se-á rediscutir a construção/transmissão de conhecimento científico nas disciplinas de gestão (e outras) que fazem uso desta temática, além de se verificar como se dá a interface deste tema com outros, cujo desenvolvimento se deu a partir da teoria schumpeteriana. Tratando-se de uma teoria precursora como aqui analisada, como seus desdobramentos preservaram (ou não) os requisitos de cientificidade identificados? E ainda, como se dá a transmissão deste conhecimento em disciplinas predominantemente elaboradas sob o prisma da resolução de problemas, da eficiência e eficácia?  Ainda nesta seara, adentrar-se-á a problemática da fuga do 'senso comum', e do emprego do 'método' como recurso para a edificação do conhecimento científico com rigor.
Da perspectiva 'kuhniana', a observação da trajetória histórica de competição das firmas, com o surgimento de produtos diferenciados e com elevado conteúdo técnico, a iniciativa de se investir em pesquisa e tecnologia, além das alterações nas estruturas de mercado – afastando-se, sobremaneira, das propriedades da concorrência perfeita – representaram subsídios para que fosse concedido o status de paradigma à teoria 'schumpeteriada'. Nesse contexto, a teoria da inovação, como aqui discutida, pode ser considerada como científica.
Da perspectiva de Popper, propõe-se que o emprego do método hipotético dedutivo poderia corroborar enunciados atrelados à teoria da inovação de Schumpeter e rejeitar enunciados vinculados à teoria neoclássica. Assim como Popper sugere, na continuidade de sua obra, fatos novos são corroborados pela teoria de inovação em seus primórdios e na sua evolução. De acordo com a proposta de Popper, está teoria deverá passar por novos testes, mais rigorosos. Desta forma, e atendendo-se à dinamicidade dos testes na concepção 'popperiana', a teoria de Schumpeter ainda pode ser considerada como científica.
Com base no ponto de vista de Lakatos, o tema aqui abordado contempla as características que o autor faz uso para conceituar um programa de pesquisa progressivo, o qual possui excesso de conteúdo corroborado em relação ao programa do qual a teoria neoclássica faz parte. Acrescenta-se ainda a ilustração de como hipóteses auxiliares, a partir dos escritos de Schumpeter, tais como o papel do estado (o que posteriormente foi denominado de políticas schumpeterianas) e das grandes empresas, ampliou a capacidade explicativa deste programa. Sob esta ótica, pode-se afirmar que o programa de pesquisa de inovação atende aos critérios 'lakatosianos' de cientificidade. O quadro a seguir sintetiza os apontamentos deste ensaio.

Autor

Critério de demarcação

Discussão

Thomas Kuhn

Consciência  de  que  existem  os  paradigmas
dominantes em um determinado campo científico e dentro desse paradigma os pesquisadores   trabalham   em   período   de ciência normal no sentido de dar consistência ao paradigma. Porém, de tempos em tempos haveria a ciência revolucionária que faria com
que     houvesse     uma     competição     entre
paradigmas.

Na análise histórica, pode-se considerar a substituição da teoria neoclássica (micro e macro) pela teoria Schumpeteriana como uma parcial substituição paradigmática ou uma concorrência entre paradigmas que foi iniciada a partir do reconhecimento de anomalias na teoria neoclássica e  sua incapacidade de explicar determinados fenômenos (produtos diferenciados, lucros de monopólio temporários, desequilíbrios no mercado). Ambas as teorias possuíam/possuem uma comunidade científica que as suportam, e ambas propunham-se a explicar a estrutura de mercado e o crescimento econômico (conforme descrito neste ensaio, mas não apenas isto). Embora as características da teoria de inovação ampliem o escopo de explicação e tenham conquistado um número significativo de adeptos tanto no campo da Economia (conhecidos como 'schumpterianos' e 'neoschumpterianos') como da Administração, a teoria neoclássica não foi integralmente abandonada.

Karl Popper

O método hipotético-dedutivo proposto pelo
falsificacionismo como forma de gerar conhecimento científico passa pela identificação de um problema (para dar início as pesquisas), seguido pela formulação de hipóteses que serão testadas. Numa eventual rejeição, uma nova teoria emergirá (capacidade da teoria de ser refutada ou testada empiricamente).

Considerando o falseacionismo sofisticado, pode-se afirmar que – para as condições da época – a teoria neoclássica foi empiricamente falseada e substituída pela teoria da inovação de Schumpeter. Embora esse falseamento não tenha implicado na sua completa rejeição
(uma vez que ela serve para referência de inúmeros outros assuntos de pesquisa), a inovação na perspectiva schumpeteriana tornou-se a teoria predominante na temática da inovação.

Imre Lakatos

Uma teoria para ser considerada como científica deve estar contida em um Programa de Pesquisa, que são estruturas que orientam as pesquisas futuras.

Tanto a teoria neoclássica (micro e macroeconômica) do desenvolvimento como a teoria que a substitui (a teoria da inovação) fazem parte de programas de pesquisa, nos quais um conjunto de hipóteses auxiliares os sustenta. No caso da teoria de inovação, atribui-se ainda o rótulo de pertencer a um programa de pesquisa progressivo, no qual a inclusão de novas hipóteses, em escritos posteriores de Schumpeter, auxiliara na previsão de novos fatos. Aqui, destaca-se o reconhecimento da inovação tecnológica como endógena, capaz de ser concebida pela própria empresa.

Quadro 5: Sugestão de demarcação para os macro temas da inovação calcados na teoria schumpeteriana.
Fonte: Elaborado a partir da revisão da literatura.

Da análise empreendida sobre a teoria schumpeteriana da inovação, pode-se afirmar que ela assume características que permitem sugerir sua cientificidade. Os passos iniciais da teoria que aqui foram reproduzidos ilustram parte dos escritos de Kuhn sobre o reconhecimento de anomalias e a concorrência/substituição de paradigmas, os escritos de Popper sobre o falseacionismo sofisticado e os escritos de Lakatos sobre a concorrência de programas de pesquisa, bem como sua estrutura de hipóteses.
Embora não tenha sido objeto do presente ensaio, cabe salientar o subsidio que a teoria de Schumpeter forneceu para outros autores, dentre os quais menciona-se Giovanni Dosi, Richard R. Nelson, Keith Pavitt, Franco Malerba, Carlota Perez, bem como o desdobramento para outros campos das ciências sociais aplicadas e das ciências exatas, como o estudo das políticas estatais, o papel das instituições no incentivo à inovação e a questão do empreendedorismo, confrontando – neste último tópico – a teoria até então predominante [teoria do empreendedorismo de McClelland (1987)].
Face à constatação de que a teoria de inovação Schumpeteriana atendeu aos critérios de cientificidade apresentados neste ensaio, cabe investigar se seus desdobramentos ainda preenchem os requisitos aqui expostos, com que rigor o tema vem sendo tratado nas disciplinas que o contemplam e com que frequência fatos novos ainda são corroborados.

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1. Doutorando em Administração pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Email: fabbricio_mussi@hotmail.com
2. Professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Administração da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Curitiba, PR, Brasil
3. Professor e pesquisador do Programa de Mestrado e Doutorado em Administração da Universidade Positivo, Curitiba, PR, Brasil


Revista Espacios. ISSN 0798 1015
Vol. 37 (Nº 21) Año 2016

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