Espacios. Vol. 37 (Nº 21) Año 2016. Pág. 14

As tecnologias gerenciais e a produtividade do trabalho improdutivo

Management technologies and nonproductive labour productivity

Rafael Rodrigo MUELLER 1; Valeska Nahas GUIMARÃES 2

Recibido: 18/03/16 • Aprobado: 18/04/2016


Conteúdo

1. Introdução

2. As Tecnologias Gerenciais: Conceitos e Apropriações

3. A produtividade do trabalho improdutivo

4. Considerações Finais

Referências


RESUMO:

Este artigo analisa os elementos objetivos e subjetivos que constituem as "tecnologias gerenciais", quais os construtos teóricos que lhes dão sustentação a partir de uma visão capitalista e outra marxiana. Apresenta-se uma revisão teórica no intuito de identificar o seu impacto na materialidade histórica. O quadro teórico-metodológico assenta-se nos escritos de Marx, centrados na obra O Capital, pela sua apreensão dos nexos causais imanentes à totalidade social, determinantes e determinados pela racionalidade contida na tecnologia. Concluímos que as tecnologias gerenciais são instrumentos criados e desenvolvidos pelo capital no intuito de perpetuar e potencializar o controle sobre a organização da produção e do trabalho, tendo como seu gérmen o controle sobre o trabalho cooperado.
Palavras-chave: Tecnologias gerenciais, capital, trabalho produtivo, trabalho improdutivo.

ABSTRACT:

The purpose of our study is to analyze the elements that objectively and subjectively constitute a concept we call management technologies and mainly, the theoretical constructs that support this expression based on a capitalist and Marxist vision needed for its understanding, epistemologically considering a comprehensive dialectic perspective. It became necessary to systematically verify the particularity of the object in its abstraction (conduct a theoretical review) in order to identify its impact in historically developed material conditions. In this case, the object in question was analyzed by means of a historic-materialist method adopting theoretical research as a methodological base, because theoretical review and confrontation demonstrate a need revealed by the object in question (management technology) in its current totality. The theoretical-methodological framework is based on the writings of Marx, focusing on the work of Capital, because of its understanding of the immanent causal relationships of the social totality that are determining and determined by the rationality contained in technology. We conclude that management technologies are not conceived from a type of Toyota Production System, but instruments created and developed by capital to perpetuate and give potential to the objective and subjective control of the organization of production and labor, understanding as its origin the control over co-operated labor.
Key words: Management technologies, productive labor, nonproductive labor.

1. Introdução

O objetivo de nosso artigo é analisar os elementos que constituem objetiva e subjetivamente o que conceituamos como tecnologias gerenciais e, principalmente, quais os construtos teóricos que dão sustentação para a expressão a partir de uma visão capitalista e marxiana necessárias para a sua compreensão, considerando epistemologicamente a perspectiva dialética totalizante. Para tanto, utilizamos um referencial teórico distinto para as perspectivas propostas: no que se refere à concepção capitalista, verificamos o conceito a partir de análises desenvolvidas que têm por base a ideologia da valorização do valor, sendo, consequentemente, acrítica no que diz respeito à exploração do trabalho, a partir do modo de produção capitalista, e particularmente, autores que analisaram por uma perspectiva capitalista o Sistema Toyota de Produção. Em contraposição a essa concepção, nos embasamos na perspectiva marxiana acerca das tecnologias gerenciais, ou, mais propriamente, na aplicação tecnológica da ciência, termo cunhado por Marx que abarca as ferramentas tecnológicas objetivas e subjetivas. Cabe ressaltar que Marx em nenhum momento, em seus escritos, se utiliza do termo tecnologias gerenciais, porém iremos verificar que, ao cunhar o termo aplicação tecnológica da ciência, o autor lança o gérmen que abre possibilidades para uma concepção de tecnologia que extrapola os limites da máquina física e que fornece objetivamente indicações acerca da necessidade, tão importante quanto à inserção da maquinaria, no encurtamento do tempo de rotação do capital, da gestão da organização do trabalho e da produção, que nesse caso compõem o complexo que abarca o conceito de tecnologias gerenciais.

Compreender os limites e a extensão das tecnologias gerenciais tanto na produção capitalista como para a formação profissional, se tornou de suma importância para analisarmos e verificarmos concretamente como essas manifestações de tecnologia atuam direta e indiretamente como contra tendências à queda da taxa de lucro a partir da utilização do trabalho humano como recursos para a produção capitalista. 

Na atual fase do modo de produção capitalista, a base para a verificação objetiva do termo tecnologias gerenciais estabelece-se, em sua forma mais plena, a partir do Sistema Toyota de Produção (OHNO, 1997), sistema esse que estabelece as condições produtivas adequadas decorrentes do advento da reestruturação econômica e produtiva em meados da década de 1970, fase essa em que o capital passa a se utilizar de métodos e técnicas no intuito de ampliar a cooptação da força de trabalho por meio do trabalho coletivo e do trabalho universal.

A análise do trabalho cooperado no modo de produção capitalista, com maior ênfase no padrão de acumulação - no qual o toyotismo se apresenta como o "momento predominante" (ALVES, 2010), nos forneceu as bases para a compreensão das tecnologias gerenciais a partir do controle sobre a força de trabalho no ambiente produtivo, sem se valer de elementos despóticos advindos de uma coerção sutil, característica da gestão da força de trabalho no período de prevalência do paradigma taylorista-fordista (BRAVERMAN, 1987; GORZ, 1987; GUIMARÃES, 1995), mas pela sua capacidade de introjetar valores subjetivos na força de trabalho que favoreçam a colaboração e o consentimento desta no que se refere à redução do tempo de rotação do capital, característica do padrão de acumulação do capital no qual o Sistema Toyota de Produção configura-se como expressão máxima.

Pretendemos verificar a partir de fontes secundárias, a utilização do trabalho universal por parte do capital considerando o desenvolvimento histórico dos sistemas produtivos e em especial, o Sistema Toyota de Produção, pelo fato de, ao tratarmos de inovações e descobertas, este sistema sem dúvida deter a primazia no que se refere ao trabalho universal, a partir de dois aspectos: a colaboração e contribuição da força de trabalho que constantemente implementa melhorias em seu conjunto de processos (método kaizen). Conforme Marx (2006, p. 139) "é a experiência do trabalhador coletivo que descobre e mostra onde e como economizar, como pôr em prática, da maneira mais simples, as descobertas já feitas, quais dificuldades práticas a vencer etc., na aplicação, no emprego da teoria ao processo de produção".

No que se refere ao desenvolvimento do sistema em si, apesar de ter a sua origem no contexto histórico japonês, as suas bases conceituais e grande parte de seus métodos e técnicas de controle de qualidade e da gestão da produção, foram concebidos nos EUA. Isto demonstra que os avanços relacionados ao controle da produção e da força de trabalho acumulados historicamente e que se cristalizaram a partir do Sistema Toyota de Produção, são frutos do trabalho universal, ou seja, da apropriação por parte do capital das aplicações tecnológicas da ciência.

O trabalho universal não se limita às descobertas, aos avanços e às invenções no âmbito das ciências exatas, como grande parte dos autores da literatura relacionada à produção insiste em frisar, mas se utiliza também, dos avanços surgidos na área das ciências humanas e sociais, e suas aplicações na produção capitalista onde o fator 'controle' se torna elemento determinante para o processo de valorização do valor. Nesse caso, há um deslocamento do centro gravitacional do controle exercido no ambiente produtivo, onde a maquinaria (ou tecnologia física) perde a sua centralidade, e é suplantado pelo homem no que tange à força de trabalho (gerentes, supervisores) utilizada pelo capital para o controle da força de trabalho envolvida diretamente na produção, sendo que:

a nova base técnica exige, por sua vez, uma nova concepção gerencial da produção, para que possa ser explorada em toda a sua potencialidade. A despeito do desenvolvimento de uma nova organização social da produção que lhe seja mais adequada, ela não é necessariamente resultado do desenvolvimento tecnológico em si [nesse caso, maquinaria], podendo inclusive precedê-lo. (TAUILE, 2001, p. 131, grifos nossos)

Torna-se importante frisar que o conceito de tecnologias gerenciais está diretamente relacionado às inovações organizacionais previstas historicamente no ambiente produtivo, ou seja, em grande parte dos estudos empíricos e teóricos realizados nos últimos 50 anos, há uma tendência em tratar os avanços ocorridos por conta das ciências aplicadas à produção como sendo inovações ao invés de tecnologias. Tendo por base o referencial marxiano, utilizamos o termo aplicações tecnológicas das ciências como a essência da tecnologia particularmente no ambiente produtivo, embora não somente restrita a esse; e perquirimos como o desenvolvimento destas tecnologias interfere no controle da organização da produção e da força de trabalho.

Em grande parte essa inflexão no que diz respeito ao controle está diretamente relacionada à sua base científica, e à transferência do controle da máquina (características do paradigma taylorista-fordista) para as pessoas (o manager, ou o representante do capitalista no ambiente produtivo e, em parte, para a própria força de trabalho). O impacto destas tecnologias gerenciais sobre a força de trabalho assemelha-se, em parte, aos efeitos da inserção de maquinaria na produção capitalista: a redução do número de trabalhadores envolvidos direta e indiretamente na produção de mercadorias, considerando a drástica redução dos níveis hierárquicos nas organizações nos últimos 30 anos a partir de uma perspectiva de horizontalização das relações de subordinação aproximando consideravelmente o nível estratégico do nível operacional via o processo de reengenharia, utilizando o procedimento de downsizing.

Sendo assim, delimitamos o conceito e as possibilidades das tecnologias gerenciais, em termos de contribuição direta e indireta para a redução do tempo de rotação do capital, verificando até que ponto interferem nos índices de produtividade do sistema capitalista de produção, por meio da análise da produtividade do trabalho, considerado por grande parte das análises ortodoxas marxistas como improdutivo.

2. As Tecnologias Gerenciais: Conceitos e Apropriações

A partir deste item ampliamos o debate acerca das tecnologias gerenciais estabelecendo com maior clareza: seus conceitos, objetivos, limites e possibilidades frente ao processo de valorização do valor e, como efetivamente, essa manifestação da aplicação tecnológica da ciência colabora de forma direta e indireta para o incremento da produtividade do capital mesmo sendo considerada como trabalho improdutivo por autores marxistas dentro da tradição ortodoxa. A delimitação de sua abrangência dentro e fora da esfera da produção se tornou fundamental para que conseguíssemos compreendê-la como uma tecnologia não-física, mas com uma efetividade concreta naquilo que, por meio dela, se propõe a atingir: a redução do tempo do ciclo de rotação do capital no intuito de potencializar a valorização do valor.

No que se refere à sua conceituação e definições, torna-se de fundamental importância expor que não há consenso e, principalmente, muitos são os autores que se utilizam do termo tecnologias gerenciais (ARAÚJO, 2001; GURGEL, 2003; JUNQUILHO et al., 2007; FRANCO, RODRIGUES; CAZELA, 2009) mas poucos são os que o definem efetivamente (FARIA, 1997; GURGEL, 2003; FRANCO, RODRIGUES, CAZELA, 2009). Em alguns casos mais extremos ainda, a própria definição não se remete ao termo (VALLADARES, 2003). Percebe-se em outros casos que apesar de a expressão utilizada ser variada, a definição está muito próxima daquela na qual se enquadram as tecnologias gerenciais: "tecnologias de organização social da produção" (TAUILE, 2001), "tecnologias de gestão" (FARIA, 1997), "tecnologias organizacionais" (LEITE, 1995), "inovações sócio-organizacionais" (KOVÁCS, 1998) etc.

Segundo o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) (2008, online), consideram-se tecnologias gerenciais "um conjunto de metodologias e técnicas organizadas na forma de um sistema de gerenciamento que busquem o alcance de objetivos estratégicos e operacionais de uma organização ou do ambiente onde se está atuando".

Ainda conforme o MCT, a discussão acerca das tecnologias gerenciais teve início no Brasil na década de 1980 e o enfoque dado ao referido conceito, sempre girou, principalmente em torno de sua efetividade a partir da melhoria do processo de Gestão da Qualidade Total (GQT). Podemos considerar segundo o MCT que as tecnologias gerenciais seriam um conjunto de técnicas e metodologias que visam à ampliação do controle sobre os processos produtivos tendo em vista a implementação e efetivação da Gestão da Qualidade Total.

De acordo com Lombardi (2006, online) as tecnologias gerenciais

Incluem todo e qualquer processo estruturado e aplicado de forma continuada para a melhor administração do negócio de uma organização. São processos que lidam com a modernização gerencial, melhoria da qualidade, aumento da competitividade e busca pela auto-sustentação das organizações. (grifos nossos)

Podemos considerar a partir da conceituação proposta que as tecnologias gerenciais envolvem os processos relacionados ao melhoramento contínuo da produção, e consequentemente da produtividade, a partir de seu gerenciamento. Ambas as definições tratam de aproximar o conceito de tecnologias gerenciais ao controle da qualidade por conta de que, nos últimos 40 anos, as empresas têm conseguido aumentar sua eficiência produtiva principalmente pela ampliação do conceito de gestão da qualidade e da aplicação de ferramentas relacionadas (Ciclo PDCA, Método 5W2H, Diagrama de Causa e Efeito, Programa 5S´s etc.), concebidas para auxiliar no processo de controle da qualidade total. A eficiência produtiva e redução constante de custos de produção proporcionada pelas ferramentas de controle da qualidade estão diretamente relacionadas à prescindibilidade que elas têm no que se refere a investimentos e utilização de tecnologias físicas para o seu funcionamento, dependendo fundamentalmente das relações sociais estabelecidas entre funcionários e gerentes (reuniões, treinamento, feedbacks etc).

Mesmo que tais ferramentas tenham sua eficiência concreta nas organizações, assegurada por intermédio dos altos índices de intensificação do trabalho que essas proporcionam, não se pode limitar a definição de tecnologias gerenciais somente a partir de sua relação estreita com as ferramentas de gestão da qualidade desenvolvidas no decorrer de meio século. Na utilização do termo ferramentas para definir algumas tecnologias gerenciais, não necessariamente estamos aproximando o termo de uso comum relacionado às tecnologias físicas (máquinas), mas ampliando tal conceito para ferramentas subjetivas que se efetivam na materialidade por intermédio de métodos e técnicas de organização do trabalho e da produção. 

Conforme Franco, Rodrigues e Cazela (2009, p. 16), tecnologias de gestão

são propostas de meios de gestão que procuram auxiliar os gestores na busca pela melhoria do desempenho organizacional, de forma que sugerem a utilização sistemática de métodos e ferramentas que podem contribuir com a maximização daquilo que as empresas são capazes de fazer.

Araújo (2001, p. 17) destaca que as tecnologias gerenciais têm por objetivo central "aperfeiçoar o desempenho empresarial, de sorte a permitir a sobrevivência de organizações competitivas de tantas turbulências e quebra constante de paradigmas". Torna-se evidente a partir das definições citadas que os autores, ao afirmarem que as tecnologias gerenciais auxiliam os gestores na maximização daquilo que as empresas são capazes de fazer e aperfeiçoar o desempenho empresarial, estão se referindo necessariamente ao processo de valorização do valor, vital à perpetuação do capital. A definição em questão amplia as possibilidades de utilização e efetivação das tecnologias gerenciais no âmbito organizacional a partir da criação e aplicação de métodos gerenciais em toda extensão das empresas, desde que contribuam para o fim último destas.

Faria (1997, p. 30) compreende as tecnologias gerenciais (ou no caso do autor as tecnologias de gestão) como

técnicas-estratégias de racionalização do trabalho; estudos de tempo e movimento, disposição racional de máquinas e equipamentos na unidade produtiva, sequência de etapas de produção (layout físico e de processo); organização, sistemas e métodos, entre outros. Estas podem ser chamadas, em seu conjunto, de técnicas de ordem instrumental.

A tecnologia gerencial compreende, igualmente, e ao mesmo tempo, as técnicas de ordem comportamental e ideológica, tais como: seminários de criatividade; mecanismos de motivação e integração; planos de treinamento e desenvolvimento de pessoal; trabalhos em grupos participativos entre outros.

Este conceito de tecnologias gerenciais aprofunda, a partir de uma perspectiva crítica, as possibilidades de sua verificação empírica principalmente no âmbito da organização produtiva. A distinção em termos de duas categorias criadas por Faria (1997), tecnologias de gestão de ordem instrumental e de ordem comportamental, auxiliam na compreensão do termo tecnologias gerenciais a partir da força de trabalho envolvida em seu processo de concretização, quais sejam, trabalhadores e gerentes. Podemos analisar o conceito do autor em questão tendo por base essas duas categorias relacionadas às tecnologias gerenciais enquanto estágios de desenvolvimento na produção capitalista, de maneira que a categoria tecnologias de gestão de ordem instrumental faz menção aos elementos constituintes dos primórdios da organização científica do trabalho proposta por Frederik Taylor e implementadas com maior propriedade por Henry Ford, concebidas e instituídas no início do século XX, tais como: disposição racional de máquinas e equipamentos na unidade produtiva, sequência de etapas de produção (layout físico e de processo); e organização, sistemas e métodos.

A categoria tecnologias de gestão de ordem comportamental e ideológica alinha-se em sua proposição aos elementos constituintes da organização do trabalho e da produção a partir do advento da reestruturação produtiva capitalista onde são cristalizados no e pelo Sistema Toyota de Produção, quais sejam: seminários de criatividade, mecanismos de motivação e integração, planos de treinamento e desenvolvimento de pessoal, trabalhos em grupos participativos entre outros.

Já na categoria tecnologias de gestão de ordem instrumental, tendo em vista a sua utilização e aplicação no âmbito produtivo, se verifica ainda uma relação de dependência das tecnologias físicas (maquinaria). Nesse caso o processo de valorização do valor é proveniente do intercâmbio material entre a força de trabalho (trabalho vivo) e a maquinaria (trabalho morto), matriz característica e preponderante da acumulação capitalista a partir da organização científica do trabalho de Taylor e Ford e que tem na Revolução Industrial o seu demiurgo.  Destarte, a aplicação tecnológica das ciências é verificada empiricamente no quantum de trabalho morto que é incorporado na produção capitalista proporcionado principalmente, pelas ciências exatas e naturais. Podemos afirmar que as tecnologias gerenciais de ordem instrumental só podem ser compreendidas a partir de sua relação direta com a maquinaria: mais precisamente, a intensificação do trabalho cooperado no seio da produção capitalista só pode ser efetivada considerando a sua conjugação com as tecnologias físicas (maquinaria) em uma relação de dependência da primeira para com a segunda, onde os limites da utilização de tais tecnologias gerenciais se encontram relacionados aos limites de intensificação do trabalho no ambiente produtivo regido pelo sistema de produção taylorista/fordista.

 Por sua vez, a categoria tecnologias gerenciais de ordem comportamental e ideológica, realçando novamente a análise a partir de sua utilização, caracteriza-se como um conjunto de métodos e técnicas de organização do trabalho cooperado para além do âmbito da produção, em virtude de sua condição de não dependência às tecnologias físicas, diferentemente da categoria analisada anteriormente, e tendo como base epistêmica as ciências humanas e sociais. O centro da verificação empírica da intensificação do trabalho propiciada pelas tecnologias gerenciais de ordem comportamental e ideológica é a organização do trabalho nas empresas a partir de um estágio de cooperação qualitativamente superior ao verificado no paradigma taylorista/fordista regido pelo modo de produção capitalista. Nesse caso, podemos afirmar que os métodos e as técnicas como: seminários de criatividade, mecanismos de motivação e integração, planos de treinamento e desenvolvimento de pessoal, e o trabalho em equipes, constituintes da categoria tecnologias de gestão de ordem comportamental e ideológica estão mais alinhadas, considerando o desenvolvimento histórico do modo de produção capitalista, às ferramentas componentes do Sistema Toyota de Produção, onde a possibilidade de incremento de sobre-valor não depende diretamente da subsunção do trabalho vivo ao trabalho morto.

Conforme a distinção categorial proposta por Faria (1997) em relação ao conceito de tecnologias de gestão observa-se que esta distinção não impede a utilização simultânea de ambas nas organizações, porém tal distinção evidencia um nível de intensificação do trabalho proporcionado pelas tecnologias de gestão de ordem comportamental e ideológica não verificado na categoria anterior em virtude da relação histórica que as tecnologias de gestão de ordem instrumental têm com o sistema de produção taylorista/fordista; nesse caso, as ferramentas constituintes das tecnologias gerenciais de ordem comportamental se enquadram na objetividade prevista no estágio de desenvolvimento do modo de produção capitalista característico dos últimos 30 anos no qual o Sistema Toyota de Produção tornou-se o modelo hegemônico de organização do trabalho. 

Gurgel (2003) ao tratar da questão do controle subjetivo possibilitado pelas diversas ferramentas constituintes e provenientes da área da Administração, equivale o termo tecnologias de gestão a tecnologias gerenciais contemporâneas, adotando como fundamento a mesma lógica que Faria (1997) imprime ao seu conceito. Ambos os autores relacionam e focalizam suas análises acerca das tecnologias gerenciais, sua utilização in loco e seus efeitos na subjetividade da força de trabalho enquanto instrumentos para o controle ideológico desta no espaço produtivo e sua relação com as técnicas gerenciais e ferramentas características do Sistema Toyota de Produção. Conforme Faria (2004, p.180)

do ponto de vista da ideologia da gestão capitalista, as bases das tecnologias de gestão não sofrem profundas mudanças, mas incorporam sensíveis alterações ao recuperar os enfoques que tratam do comportamento humano nas organizações à nova realidade da produção industrial. Desta forma, a atuação gerencial para intensificar o trabalho, diminuir tempos mortos, gerenciar com precisão os estoques e os fluxos de produção, visando aumentar a produtividade do trabalho ou a taxa de exploração, demanda uma forma mais efetiva de envolvimento do trabalhador no processo de produção de valor excedente: comprometimento, participação, autonomia relativa, entre outros, passam a ser procedimentos cada vez mais utilizados e, para que dêem resultados, cada vez mais preenchidos de mecanismos sofisticados de controle.

Em tais mecanismos de controle da subjetividade é que se encontram as bases das tecnologias gerenciais contemporâneas às quais Gurgel (2003) e Faria (2004) se referem em suas apropriações conceituais do termo em questão: a necessidade que se conjectura na produção capitalista atual de romper com a dicotomia produzida no e pelo paradigma taylorista-fordista (que embasava as relações sociais de produção de mercadorias pela divisão objetiva entre trabalho manual e trabalho intelectual a qual limitava as possibilidades de intensificação do trabalho), barreira esta transposta pelas tecnologias gerenciais alicerçadas nos avanços científicos produzidos com maior ênfase na área das ciências humanas e sociais. Esta é a condição objetiva que faz Gurgel (2003) verificar empiricamente as possibilidades de resposta ao problema que se coloca à gestão capitalista: qual é a dimensão ideológica das tecnologias gerenciais na formação da consciência social?  Para Gurgel, essa dimensão ideológica encontra seu habitat natural nas teorias organizacionais propagadas desde o século XX até os dias atuais, e com maior ênfase nos cursos da área das Ciências Sociais Aplicadas, com destaque para a Administração. Assim sendo:

Mais que condicionar o ambiente do trabalho às necessidades da reprodução econômica do sistema, as teorias organizacionais ultrapassam os fins produtivos, materiais, e se convertem em formas concretas de propagação de valores ideológicos. Não se limitam a gerenciar e reorganizar a produção e seus agentes, mas também a gerenciar o pensamento desses agentes na perspectiva do projeto político em curso. (GURGEL, 2003, p.84)

O objetivo primordial das tecnologias gerenciais contemporâneas, conforme a análise do autor, é a introjeção de métodos e técnicas que atuam no âmbito subjetivo da força de trabalho envolvida direta e indiretamente na produção de mercadorias com o intuito de intensificar a valorização do valor minimizando ao máximo qualquer forma de questionamento ou crítica as condições de exploração imposta pelo atual estágio de desenvolvimento do modo de produção capitalista. De acordo com Faria (2004, p. 180) "os grupos semi-autônomos e sua concepção 'participativa' e as chamadas técnicas japonesas de gestão ou toyotismo, constituem o suporte ideológico sobre o qual se assenta a reorganização do trabalho ou a reestruturação produtiva no âmbito da fábrica", sendo que "as empresas procuram, com o emprego destas novas tecnologias, intensificar o trabalho e não [..] apenas desenvolver programas de relações humanas e de qualidade" (idem, p.189).

Conforme os autores que nos subsidiam e suas diversas interpretações e apropriações acerca o conceito de tecnologias gerenciais (ou de gestão) vistos no decorrer desse item, compreendemos como tecnologias gerenciais um conjunto de métodos e técnicas de organização e controle do trabalho que, atuando em nível objetivo (comportamental) e subjetivo (ideológico), da força de trabalho no intuito de intensificar e reduzir o tempo de trabalho necessário para o ciclo de rotação do capital, processo imprescindível para a perpetuação do processo de valorização do valor. Com tudo isso, a operacionalização das tecnologias gerenciais nos diversos âmbitos do referido modo de produção e a forma como sua 'improdutividade' contribui diretamente para a produtividade do capital, é melhor analisada no item que segue.

3. A produtividade do trabalho improdutivo

Neste item discutimos de que forma o trabalho improdutivo caracterizado pelos níveis técnico-gerenciais, que em uma análise superficial, detém a primazia em termos de concepção e implementação das tecnologias gerenciais no ambiente produtivo, contribui indiretamente para o processo de produção de mercadorias, porém de modo constituinte e fundamental, e consequentemente para a intensificação do trabalho produtivo. Para além de tal afirmação, a utilização das tecnologias gerenciais impõe não só aos trabalhadores produtivos níveis de produtividade da força de trabalho que não são possíveis por intermédio das tecnologias físicas (maquinaria), mas aos próprios trabalhadores improdutivos, e por consequência da primeira, ritmos de trabalho mais intensos resultantes da redução de força de trabalho despendida para essa função.

Métodos e técnicas de organização do trabalho utilizados pelo toyotismo, tais como as células de produção, a própria gestão da qualidade total e a filosofia Just-in-time, entre outros, reduzem, porém não rompem totalmente, as barreiras que delimitavam a divisão entre trabalho manual e trabalho intelectual (típicas do taylorismo/fordismo), por conta do comprometimentoe participação ativa dos trabalhadores produtivos no que se refere ao aumento da produtividade do capital. Isso significa que os próprios trabalhadores produtivos, considerando os últimos 30 anos de desenvolvimento e implementação dos métodos e técnicas supracitadas, agora são responsáveis também pelo controle e aperfeiçoamento das tecnologias gerenciais, de maneira que essa situação interfere diretamente na quantidade de força de trabalho necessária para a manutenção do trabalho improdutivo.

De acordo com Ferro (1990, p. 61) "talvez o desperdício mais importante que o sistema reduziu tenha sido o das capacidades intelectuais dos trabalhadores, subutilizadas nos sistemas de produção anteriores". Nesse caso, o processo de 'horizontalização' hierárquica característico do Sistema Toyota de Produção, onde as tecnologias gerenciais contribuem para tal processo, configura-se objetivamente na redução e consequentemente na intensificação do trabalho produtivo e do trabalho improdutivo. Conforme Tauile (2001, p.150)

O engajamento dos trabalhadores e sua importância para o bom desempenho do processo produtivo caracteriza, até certo ponto, uma "subversão" da tradicional tendência do capitalismo moderno de alienar o trabalhador do processo de produção, pela separação hierárquica entre as atividades de execução e concepção. A experiência da Toyota ilustra bem este ponto. Em 1960 iniciou-se, naquela empresa, um programa de sugestões por parte dos trabalhadores, para melhorar e aperfeiçoar os produtos que produziam e os processos produtivos nos quais estavam engajados. Segundo dados da própria empresa, no primeiro ano, foram 9 mil sugestões, com uma média anual de uma sugestão por trabalhador, sendo que 39% delas foram implementadas. Essa atividade, no ano de 1982, atingiu resultados impressionantes. Ao todo, foram 1.905.642 sugestões, com uma média de 38,8 sugestões por empregado, sendo que 95% delas (praticamente todas) foram implementadas.

As barreiras muito bem delimitadas entre trabalho manual e intelectual são reduzidas, até um ponto em que não comprometam o controle da força de trabalho necessária ao processo de valorização do valor, por intermédio da inserção das tecnologias gerenciais que influem diretamente sobre o comportamento dos trabalhadores envolvidos nas etapas constituintes do processo de rotação do capital. Nesse aspecto corroboramos com a análise de Braverman (1987) que, ao discutir os efeitos da gerência e da tecnologia na distribuição do trabalho, afirma:

Embora o trabalho produtivo e o improdutivo sejam tecnicamente distintos [...] as duas massas de trabalho não estão absolutamente em flagrante contraste e não precisam ser contrapostas uma à outra. Elas constituem uma massa contínua de emprego que, atualmente e diferentemente da situação nos dias de Marx, têm tudo em comum. (BRAVERMAN, 1987, p.357)

Porém, discordamos do mesmo autor quando afirma que o trabalho produtivo tende a decrescer na razão do aumento de sua produtividade, e que o trabalho improdutivo tende a aumentar "como consequência do aumento de excedentes jorrados pelo trabalho produtivo" (idem, ibidem), pois o processo de horizontalização hierárquica aliado ao comprometimento e participação dos trabalhadores produtivos no controle e aprimoramento dos processos produtivos possibilitados pelas tecnologias gerenciais, gera o efeito contrário. Nesse caso, reduz a força de trabalho considerada improdutiva necessária para o exercício de suas funções, voltando a frisar, sem alterar essencialmente a relação de subordinação existente, mesmo que perante o capital, ambos os trabalhadores, produtivos e improdutivos, contribuam para o processo de valorização do valor. Sendo assim:

Por mais legítimo que possa parecer considerar os trabalhadores científicos e técnicos da indústria como uma categoria dos trabalhadores produtivos, explorados e alienados, ainda é difícil considerá-los, sem mais, como parte integrante da classe operária. De fato, por mais que se diga que a ciência e as técnicas que produzem lhes são alienadas, incorporadas ao capital e voltam sobre eles como uma 'força estranha' da qual, de bom ou malgrado eles são servidores, o fato é [...] que a ciência e as técnicas voltam-se também contra os operários como meios de exploração e extorsão de sobre-trabalho. Em outras palavras, se trabalhadores técnico-científicos e operários estão situados do mesmo modo perante o capital, não estão situados do mesmo modo, uns em relação aos outros: enquanto o trabalho técnico-científico e o trabalho operário são levados paralela mas separadamente, o fato é que os trabalhadores técnico-científicos produzem meios de exploração e de opressão dos operários e devem aparecer a estes como agentes do capital; porém os operários não produzem meios de exploração dos trabalhadores técnico-científicos. A relação entre uns e outros, onde ela é direta não é uma relação de reciprocidade: é uma relação hierárquica. (GORZ, 1987, p.104)

E, mesmo que parte dos gerentes ainda possua a primazia hierárquica do controle sobre os processos produtivos e formas contínuas de melhoramento, parte de suas atribuições naturais previstas pelo paradigma taylorista/fordista, foram socializadas junto aos trabalhadores produtivos que, por intermédio dessa situação veem-se agora na condição de seus próprios gerentes e, de certa forma, de seu posto de trabalho (Luna, 2008), sem necessariamente serem autogeridos em termos de autonomia plena.

As tecnologias gerenciais como um conjunto de métodos e técnicas utilizadas diretamente para o controle e organização do trabalho produzem a redução de capital fixo como: redução de estoques em processo pelo aumento da eficiência coletiva, manutenção de máquinas, organização e limpeza do ambiente produtivo no que se refere à má-utilização e desperdício de matérias-primas viabilizados pelas ferramentas de gestão da qualidade, tais como CCQ´s e Programa 5S por exemplo. Da mesma forma, contribuem para a redução de capital variável tais como: métodos e técnicas de controle e organização do trabalho como andon, kaizen, a filosofia Just-in-time, a horizontalização hierárquica, a gestão participativa entre outras, os quais pulverizam os centros de controle sobre o trabalho nas organizações que, no paradigma anterior, eram muito bem delimitados e relegados exclusivamente a figura dos gerentes detentores do trabalho intelectual. Para além de intensificarem o trabalho produtivo provocando a dispensa de parte da força de trabalho envolvida diretamente na produção, atualmente torna possível a dispensa de parte da força de trabalho improdutiva (downsizing), possibilitando, em concomitância, uma redução de custos sistêmica nas organizações e a redução do ciclo de rotação do capital. Assim, conforme Harvey (2008, p.257):

A aceleração na produção foi alcançada por mudanças organizacionais na desintegração vertical – subcontratação, transferência de sede etc – que reverteram a tendência fordista de integração vertical e produziram um curso cada vez mais indireto na produção, mesmo diante da crescente centralização financeira. Outras mudanças organizacionais – tais como o sistema de entrega "Just-in-time", que reduz os estoques -, quando associadas com novas tecnologias de controle eletrônico, de produção em pequenos lotes etc, reduziram os tempos de giro em muitos setores da produção (eletrônica, máquinas-ferramenta, automóveis, construção, vestuário etc). Para os trabalhadores, tudo isso implicou uma intensificação dos processos de trabalho e uma aceleração na desqualificação e requalificação necessárias ao atendimento de novas necessidades de trabalho.

É na conjugação da perspectiva sistêmica que as tecnologias gerenciais são utilizadas nas organizações: não para o incremento de sobre-valor centrado na produção em larga escala, mas para o intermédio da redução de custos nos níveis operacional e administrativo, particularmente nesse que não gera valor diretamente, intensificando a produtividade do trabalho produtivo e também do improdutivo.

Ao reduzir os lotes em processo, a qualidade de conformação da fábrica fica mais exposta, torna-se mais difícil esconder peças inadequadas e chega-se mais facilmente à origem dos problemas. Quem produz é responsável por aquilo que faz, sendo que quanto menos pessoal não ligado diretamente à produção, à atividade de transformação, melhor. Assim agregam-se às tarefas dos operários certos tipos de inspeção.

O fato de os operários da produção assumirem tarefas de controle de qualidade liga-se a idéia de que os que produzem é que fazem a qualidade, e também a constatação de que os trabalhadores do controle de qualidade não agregam valor ao produto. Procura-se, então, reduzir a um mínimo o número de pessoal não-produtivo. (SALERNO, 1987, p.195)

As tecnologias gerenciais podem contribuir para a redução de custos globais das organizações intensificando o trabalho cooperado nos níveis operacional e administrativo, reduzindo a força de trabalho socialmente necessária através da intensificação do trabalho produtivo garantida pelo trabalho improdutivo. É por intermédio das categorias de flexibilidade e integração (TORRES JUNIOR, 1994), pilares de sustentação do Sistema Toyota de Produção, que as tecnologias gerenciais se consolidam como métodos e técnicas de controle impostos ao trabalho cooperado, potencializando a produtividade do trabalho produtivo através do trabalho improdutivo. Nesse caso, os níveis de extração de sobre-valor obtidos nos últimos 30 anos a partir do padrão de acumulação foram obtidos, em grande parte, pela racionalização imposta ao trabalho improdutivo (o nível administrativo e a força de trabalho envolvida em etapas do processo de produção e circulação de mercadorias que não geram valor) que conseguiu, pelo emprego das tecnologias gerenciais, intensificar a produtividade da força de trabalho produtiva; ou seja, há um aumento na produtividade do trabalho improdutivo garantido pelas tecnologias gerenciais.  Essa é a perspectiva prevista para a concepção e o aprimoramento contínuo das filosofias e métodos gerenciais que se articulam no interior das empresas globais em ampla escala nos últimos 30 anos.

4. Considerações Finais

No decorrer de nossa pesquisa analisamos as tecnologias gerenciais por meio de sua delimitação teórica e suas diversas apropriações desenvolvendo, por intermédio destas, nossa própria concepção de tecnologias gerenciais. Identificamos seus elementos constituintes, os diversos métodos e técnicas que foram concebidas e implantadas sobre o controle do trabalho cooperado no modo de produção capitalista, priorizando a apropriação e utilização destas tecnologias gerenciais pelo Sistema Toyota de Produção, seu contexto histórico e desenvolvimento no sentido de contribuir decisivamente para o processo de valorização do valor e como contra-tendência à queda da taxa de lucro.

As tecnologias gerenciais têm papel central no processo de captura e apropriação da subjetividade inerente ao trabalho cooperado pelo modo de produção capitalista intensificando dessa forma, a utilização do trabalho coletivo (possibilitado pela cooperação), e do trabalho universal (MARX, 2008), ou seja, o conjunto de invenções e inovações que o homem concebe para a produção de sua existência e que o capital se apropria constantemente sem um 'custo adicional'. Conforme Alves (2007, p.186):

O eixo central dos dispositivos organizacionais (e institucionais) do toyotismo, o "momento predominante" da reestruturação produtiva, é a "captura" da subjetividade do trabalho indispensável para o funcionamento dos dispositivos organizacionais do toyotismo (just-in-time/kanban, kaizen, CCQ, etc) que sustentam a grande empresa capitalista.

Torna-se um imperativo da própria organização do trabalho cooperado sob o controle do capital, a captura da subjetividade e, consequentemente, do savoir-faire proveniente da cooperação, intensificando o trabalho coletivo analisado por Marx, conforme descrição de Escrivão Filho (1987, p.67)

A solidariedade existente entre os operários japoneses, colaborando com colegas em dificuldades, estando a produção em andamento (movimento de ajuda mútua) ou discutindo problemas da área em horário de descanso, deve ser analisada dentro do contexto da produção sem estoque. [...] Nas fábricas que operam "Just-in-Time", pode-se esperar esse procedimento: em vista dos pequenos estoques nelas mantidos, o problema sentido por um trabalhador ameaça paralisar os processos seguintes de fabricação. Todos os trabalhadores – e seus encarregados – têm cotas de produção a cumprir; a suspensão de elogios, as horas extras obrigatórias ou até as reprimendas estão sempre juntas para quem deixar de cumprir a cota.

Nesse caso, a produtividade do trabalho cooperado somente pode ser intensificada por meio das tecnologias gerenciais atuando diretamente no controle do nível operacional, e indiretamente no controle do nível administrativo-operacional, pois a pressão depositada no cumprimento das metas estabelecidas interfere também no trabalho do encarregado, supervisor ou gerente responsável pela fabricação.

A produtividade promovida pelo trabalho improdutivo no que se refere à manutenção das taxas de lucratividade das empresas que o incorporaram e, mais precisamente, que souberam fazer uso dessas tecnologias gerenciais para o controle do trabalho cooperado e da subjetividade dos trabalhadores, deve ser levada em consideração para a análise e compreensão do sucesso do Sistema Toyota de Produção e de suas tecnologias gerenciais. Sobre o necessário controle (comando) objetivo e subjetivo que o capital exerce sobre o trabalho cooperado e implementado principalmente pelo nível administrativo-gerencial, Marx (2010) manifesta-se da seguinte forma:

Com a cooperação de muitos, cuja coesão mesma é uma relação estranha, cuja unidade está fora deles, surge a necessidade do comando, da supervisão mesma como uma condição de produção, como uma nova espécie de trabalho tornada necessária pela cooperação dos trabalhadores e condicionada por ela, trabalho de supervisão, exatamente como num exército, mesmo quando ele é constituído pela mesma arma, é necessário, para seu funcionamento como corpo, que haja comandantes, há a necessidade do comando. Esse comando pertence ao capital, embora o capitalista individual possa, por sua vez, permitir que ele seja exercido por trabalhadores específicos, que, no entanto, representam o capital e os capitalistas diante do exército de trabalhadores. (MARX, 2010, p. 295, grifo nosso)

Marx, mesmo que não se referindo particularmente ao Sistema Toyota de Produção – e não o poderia fazer - e, consequentemente às tecnologias gerenciais, antecipa por meio do materialismo histórico o movimento totalizante do modo de produção capitalista no sentido de se auto-perpetuar concebendo novas formas de organização e gestão do trabalho cooperado e retomando, de tempos em tempos, métodos e técnicas de controle da força de trabalho que sirvam aos seus fins sintetizados no princípio da valorização do valor. Nesse caso, os sistemas de produção taylorista/fordista e toyotista, ao se manifestarem aparentemente sob formas distintas e, em certos aspectos até contrárias, revelam em sua essência a confluência de propósitos inerentes ao movimento do capital.

Referências

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1. Doutor em Educação, Professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Socioeconômico e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC –Brasil – rrmueller@ymail.com
2. Doutora em Engenharia de Produção, Coordenadora Pedagógica e Professora do Mestrado Profissional em Agroecossistemas da Universidade Federal de Santa Catarina –UFSC-Brasil- valeska-kenaz@hotmail.com


Revista Espacios. ISSN 0798 1015
Vol. 37 (Nº 21) Año 2016

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