Espacios. Vol. 37 (Nº 22) Año 2016. Pág. 6

Plantas inseticidas e repelentes utilizadas em uma comunidade rural no Nordeste brasileiro

Insecticides and repellents plants used in a rural community in northeast Brazilian

Juliana Cardozo de FARIAS 1; Brunna Laryelle Silva BOMFIM 2; Irineu Campelo da FONSECA FILHO 3; Paulo Roberto Ramalho SILVA 4; Roseli Farias Melo de BARROS 5

Recibido: 26/03/16 • Aprobado: 20/04/2016


Conteúdo

1. Introdução

2. Material e métodos

3. Resultados e discussão

4. Conclusão

Agradecimentos

Referências


RESUMO:

Objetivou-se investigar quais plantas os moradores da comunidade Lagoa da Prata, no município de Parnaíba/PI, conhecem e utilizam como repelentes e inseticidas, associando esse saber ao gênero, renda e transmissão de conhecimento. Foram entrevistados 174 pessoas utilizando formulários semiestruturados, sendo identificadas 17 espécies, distribuídas em 14 famílias botânicas. Azadirachta indica A. Juss. teve maior Valor de Uso. Não houve diferença significativa no conhecimento de plantas repelentes e inseticidas entre gênero (P= 0,9944), renda (P= 0,4876) e transmissão do conhecimento (P=0,6510). Os resultados evidenciaram uma similaridade entre a distribuição do conhecimento em relação às variáveis testadas.
Palavras-chave: controle dos insetos; conhecimento tradicional; etnobotânica.

ABSTRACT:

Aimed to investigate which plants the residents of of Lagoa da Prata community in the, know and use as repellents and insecticides, linking this knowledge to gender, income and transmission of knowledge. They interviewed 174 people using semi-structured forms, identified 17 species, distributed in 14 botanical families.. Azadirachta indica A. Juss. we had higher value of Use. No significant difference was observed in the knowledge of plants repellents and insecticides between gender (P = 0.9944), income (P = 0.4876) transmission of knowledge (P = 0.6510). Results show a similarity between the distribution of knowledge in relation to the variables tested.
Keywords: control of insects; traditional knowledge; ethnobotany.

1. Introdução

O conhecimento de populações locais, construído a partir de atividades práticas coletivamente desenvolvidas em comunidades é investigado em pesquisas etnobiológicas (Toledo, Barrera-Bassols, 2009). Estudos de Etnobotânica, uma das áreas da Etnobiologia relatam como acontecem o uso das espécies vegetais por grupos sociais, tendo grande relevância, pois fornecem informações a respeito de aspectos culturais, como crenças, mitos e o significado das mesmas em seus modos de vida (Freitas, Fernandes, 2006).

De fato as espécies vegetais têm grande a importância para a humanidade, dentre as inúmeras abordagens referenciadas pela Etnobotânica, as plantas inseticidas e repelentes representam uma maneira acessível utilizada contra insetos pragas e vetores de doenças para diversos grupos locais. Roel (2001) argumenta que essas espécies são mais vantajosas porque tem baixa ou nenhuma toxidade para alguns mamíferos, tendo degradação rápida, apresentam controle mais seletivos para os inimigos naturais, causam nos insetos a mortalidade, reduzem a fecundidade, fertilidade, crescimento e repelência, além disso, tem baixo custo, eficácia e também tem menos efeitos negativos ao meio ambiente.

Existem inúmeras espécies botânicas empregadas no controle dos insetos, tanto no contexto mundial, como por moradores de comunidades locais. Fernandes et al. (2006) comenta que no Brasil, o uso destas formas alternativas no controle de insetos vem crescendo positivamente em substituição a inseticidas sintéticos tóxicos ao homem e para o meio ambiente.

Trabalhos com plantas inseticidas e repelentes de cunho etnobotânico são bastante difundidos no continente africano (Waka et al. 2004; Karunamoorthi et al. 2009, Kweka et al. 2008; Boer et al. 2010; Karunamoorthi, Husen, 2012; Karunamoorthi, Hailu, 2014). No Brasil, por sua vez, não há publicações com esse enfoque. Entretanto, existem revisões referenciando o potencial de espécies vegetais incluindo a realização de testes em laboratório (Aguiar-Menezes, 2005; Mossinie, Kemmelmeier, 2005; Fernandes, 2007; Barbosa et al. 2009, Knaak, Fiuza, 2010; Lima et al. 2010; Corrêa, Salgado, 2011; Andrade et al. 2013; Torres et al. 2013). Para o estado do Piauí, existe o registro do trabalho pioneiro de Almeida Neto (2015) em comunidades rurais de Campo Maior.

Os estudos com essa temática evidenciam o saber acumulado das comunidades e como ocorrem as práticas que levam ao controle de insetos. Além disso, estimula a realização de mais pesquisas que ainda são necessárias, para conhecer a atividade inseticida e repelente de outras espécies utilizadas por populações locais que são de fácil aquisição.

Desta maneira, o objetivo desse estudo foi investigar quais espécies botânicas os moradores conhecem e utilizam como inseticidas e repelentes, associando esse saber com as co-variáveis gênero, renda e transmissão do conhecimento, valorizando ainda o saber local e a diversidade biológica de plantas na comunidade Lagoa da Prata, no município de Parnaíba, Piauí.

2. Material e métodos

Área de estudo

O município de Parnaíba situa-se a 339 km da capital Teresina-PI, ocupando uma área de 435,6 km². Possui 145.729 habitantes (IBGE, 2010). O clima é do tipo Aw, segundo a classificação de Köppen (1948), onde há uma estação quente e chuvosa no verão e seca no inverno. Tal área possui duas formações geológicas: depósitos de areias do Quaternário e a Formação Barreiras (Santos-Filho et al. 2010).

 A vegetação do município é caracterizada com alguns pontos de Savana do tipo Floresta Estacional que ocorre no delta do rio Parnaíba e em alguns trechos do litoral, além de ser composta de mangue, restingas e caatinga arbustiva nas áreas próximas ao mar (Parnaíba, 2007). As restingas que ocorrem próximo ao litoral caracterizam-se na forma de mosaico vegetacional com certa complexidade, com três formações básicas: formação campestre, formação arbustiva e formação arbórea (Santos-Filho et al. 2010).

A comunidade Lagoa da Prata está localizada a 10 km da zona urbana de Parnaíba, no bairro Igaraçu ao sul do município. As principais atividades econômicas existente são agricultura, pequenas criações de animais (bois, galinhas e porcos) pesca e comércio. Residem na localidade 184 famílias (Dado coletado diretamente no Posto de Saúde da Família do bairro).

Coleta e análise dos dados

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal do Piauí (UFPI), sob o número do processo 37656814.6.0000.5214. Antes do início das entrevistas o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi lido, explicado e assinado pelos moradores conforme exigência da legislação vigente (Resolução 466/12). Para os entrevistados que não sabiam ler e escrever a digital foi recolhida.

Utilizou-se como metodologia qualitativa observação direta, entrevistas com auxílio de formulários padronizados semiestruturados (Martin, 1995a), "turnês-guiadas" (Bernard 1988), registros fotográficos, gravações das entrevistas quando permitido e anotações no diário de campo (Albuquerque et al. 2014).

A definição do universo amostral seguiu o proposto por Begossi (2004), que afirma ser uma amostra representativa em comunidades com mais de 50 pessoas a proporção de 25% a 80% de entrevistados. Desse modo foram entrevistados 174 pessoas, incluídas em 91 famílias, perfazendo a porcentagem 49,45% de famílias entrevistadas. Em cada moradia entrevistada participaram a mãe, o pai e o filho maior de 18 anos. A padronização das faixas etária seguiu IBGE (2010): jovens (18 a 24 anos); adultos (25 a 59 anos) e idosos (a partir de 60 anos).  As entrevistas e coletas foram realizadas de junho de 2014 a novembro de 2015.

As espécies foram classificadas em famílias de acordo com o sistema de Cronquist (1988). O sítio IPNI (2015) foi consultado para conferência da grafia dos nomes científicos das espécies e dos autores. O status nativo ou exótico foi atribuído às plantas de acordo com a lista de espécies da flora do Brasil (2015). As espécies botânicas citadas foram coletadas e herborizadas de acordo com a metodologia de Mori et al. (1989), identificadas através de consultas à literatura especializada disponível, por comparação com exemplares já incluídos no herbário Graziela Barroso (TEPB/UFPI), quando necessário foram encaminhadas procedidas para confirmação por especialistas em grupos taxonômicos e, por fim, incorporadas ao Herbário Graziela Barroso (TEPB) da Universidade Federal do Piauí (UFPI).

Empregou-se como metodologias quantitativas o Valor de Uso (VU), conforme a metodologia de Phillips & Gentry (1993a; b) e Phillips et al. (1994), modificada por Rossato (1996), de acordo com a fórmula: VU= ΣU/n, onde U=nº de citações da espécie por informante e n=nº total de informantes que citam a espécie (Albuquerque et al. 2014). O teste Qui-quadrado (particionados em tabelas de contingência 2x2), com nível de significância α=0,05 (Vieira 2008) foi aplicado a fim de comparar a relação do conhecimento sobre bioinseticidas com as covariáveis gênero, renda e transmissão de conhecimentos, obtido pela diferença significativa dada pelo P-valor. 

3. Resultados e discussão

Do total de entrevistados 48% eram homens e 52% mulheres. As faixas etárias estudadas perfizeram: 16% jovens, 56,3% adultos e 27,7% idosos. A maioria dos informantes (50,6%) relatou não conhecer nenhum fitoinseticida e 49,4% disseram conhecer.  Foram identificadas 17 espécies botânicas mencionadas como inseticidas e repelentes, distribuídas em 17 gêneros e 14 famílias. A espécie mais utilizada foi Azadirachta indica A. Juss., seguida das espécies Cocos nucifera L., Lippia alba (Mill.) N.E. Br.e Cymbopogon winterianus Jowitt ex Bor, com valor de uso de 0,017 (Tab. 1). A quantidade de espécies mencionadas acima na área de estudo apresenta diversidade considerável em relação aos trabalhos desenvolvidos com essa temática, já que a quantidade, geralmente no mínimo registra de seis a 25 plantas em cada comunidade investigada (Waka et al. 2004; Karunamoorthi, Husen 2012; Karunamoorth, Hailu, 2014).

Tabela 1. Plantas inseticidas e repelentes citadas pelos moradores da Comunidade Lagoa da Prata/Parnaíba (PI), Junho/2014-novembro/2015. Legendas: NV = Nome Vernacular; PU = Partes Usadas; S = Status: n= nativa, e =exótica; UM=Modo de Uso; VU=Valor de Uso.

Família/Espécie

   NV

PU

S

UM

VU

Arecaceae

Cocos nucifera L.

coco

casca do fruto

 

e

queima¹

0,017

Burseraceae

Commiphora leptophoeos (Mart.) J.B. Gillett

imburana

casca do caule

 

n

queima

0,011

Combretaceae

Combretum leprosum Mart.

mufumbo

folha

n

queima

0,005

Chenopodiaceae

Chenopodium ambrosioides L.

matruz

folha

 

 

e

coloca  no local²

0,005

 Lamiaceae

Hyptis suaveolens (L.) Poit

bamburral

 

folha

 

 

 

n

 

coloca  no local

0,005

Lippia alba (Mill.) N.E. Br.

cidreira- do- mato/cidreira

folha

 

e

queima

0,017

Liliaceae

Allium sativum L.

alho

folha

e

espalha

 

0,005

Meliaceae

Azadirachta indica A. Juss

nim/

neen

planta toda/folha

e

preparo de solução³/ cultiva .

0,27

Cedrela sp.

cedro

folha

 

n

0,005

Myrtaceae

Eucalyptus tereticornis Sm.

 

eucalipto

 

folha

 

e

 

queima

0,011

Poaceae

Cymbopogon winterianus Jowitt ex Bor

citronela

folha

 

 e

0,017

Zea mays L.

milho

fruto

e

 

queima

0,005

Rutaceae

Citrus aurantium L.

laranja

casca

 

 

e

queima

0,011

Solanaceae

Nicotiana tabacum L.

fumo

folha

 

 

e

.

0,011

Caesalpiniaceae

Bauhinia ungulata L.

mororó

casca do caule

 

e

 

queima

0,005

Mimosaceae

Mimosa caesalpinifolia Benth.

sabiá

casca do caule

n

queima

0,005

Fabaceae

Erythrina velutina Willd.

mulugu

cascas/folhas

n

queima

0,005

1 A fumaça é utilizada como repelente de mosquitos.
2 Coloca no local próximo das pulgas de animal.
3 Tritura e deixa por três dias.
4 Tritura e coloca próximo dos insetos.
5 Dois litros de urina de gado, 20g de fumo, benzacriol e querosene.

As plantas repelentes e inseticidas mencionadas no presente trabalho são usadas contra mosquitos/borrachudos e o vetor da dengue (Aedes aegypti L.) nas habitações, além de formigas e lagartas que devoram as plantações. Os moradores acreditam no potencial contra insetos transmissores da dengue plantando A. indica A. Juss. em suas residências como pode ser visto por este relato: "Com a distância de cinco metros o mosquito da dengue não chega perto" (J. E. S. A., 56 anos), outro morador afirmou: " Era reza para evitar pragas no meu tempo" (J. C. L. , 64 anos). Dessa maneira, as crenças e mitos dão sentido ao comportamento realizado pelos informantes. Tais práticas tradicionais estão relacionadas ainda com o tipo de habitat e, principalmente, com as atividades produtivas (Toledo, Barrera-Bassols, (2009).

As famílias botânicas mais representativas foram Meliaceae, Lamiaceae e Poaceae (11,30%) (Fig. 1). Em outros estudos de plantas inseticidas Solanaceae, Compositae, Leguminosae, Chenopodiaceae e Liliaceae são as principais famílias identificadas com potencial bioinseticida (Roel, 2001), comparado com o presente estudo espécies de quatro destas famílias botânicas (Chenopodiaceae, Leguminosae, Liliaceae e Solanaceae) foram relatadas pelos entrevistados.

Figura 1. Percentual das famílias botânicas evidenciando as mais representativas em
número de espécies na comunidade na comunidade Lagoa da Prata, Parnaíba/Piauí.

Os moradores da comunidade Lagoa da Prata exploram as atividades inseticidas e repelentes das plantas de diversas formas, mas em especial utilizam a planta inteira, sendo queimadas secas partes do vegetal (Fig. 2). No Nordeste da Tanzânia, é comum entre comunidades rurais o uso de plantas inteiras e a queima das folhas secas, como repelentes de insetos (Kweka et al. 2008).

Figura 2. Percentual das partes mais utilizadas das plantas citadas como
repelentes e inseticidas na comunidade Lagoa da Prata, Parnaíba/Piauí.

No continente africano, geralmente os levantamentos etnobotânicos com fitoinseticidas mostram que sua utilização está normalmente associada à repelência de insetos para evitar doenças, como a malária, transmitida pelo mosquito hematófago do gênero Anopheles sp.. Assim, as plantas constituem alternativa de baixo custo, bastante acessível e tradicional para as várias comunidades locais, uma vez que as despesas com uso diário de repelentes sintéticos não estão acessíveis em áreas endêmicas de malária (Waka et al. 2004). A observação e as entrevistas evidenciaram resultados semelhantes, pois os informantes relataram que conseguiam várias plantas na comunidade ou cultivavam tais espécies.

Azadirachta indica (nim/neen) foi a espécie com maior VU (0,27), assim como no estudo de Almeida Neto (2015). Trata-se de uma planta nativa da Índia, que ultimamente vem sendo plantada pelos moradores da área de estudo em suas residências, entre outros motivos porque os entrevistados acreditam no potencial repelente contra o mosquito transmissor da dengue. A propriedade repelente dessa espécie é devido à azadiractina, substância muito extraída e bem estabelecida no comércio de inseticidas. É encontrada principalmente no caule e nas folhas (Isman, 2006). Na comunidade Lagoa da Prata os moradores usam esta espécie in natura com preparo de solução ou somente cultivam a planta em suas residências. Embora as propriedades do nim sejam bastante conhecidas no controle de insetos, seus compostos podem ser utilizados contra outros organismos, como nematoides (pragas da agricultura), caramujos (especialmente os causadores esquistossomose), crustáceos (que prejudicam culturas de arroz), viroses de plantas e fungos (Mossini, Kemmelmeier, 2005). Considerando ainda os usos dessa espécie, Seyoum et al. (2002), realizaram estudos no oeste do Quênia em duas comunidades, cuja planta foi registrada a quarta mais mencionada (8,7%)  em  Ilha Rusinga e Rambira.

 Nicotiana tabacum L. citada na Lagoa da Prata, teve sua eficácia testada como inseticida natural no trabalho de Fernandes (2007), entretanto o autor enfatiza que as soluções de preparo devem está muito concentradas. Com relação a Allium sativum L. também registrada no presente trabalho, teve seu efeito verificado com a preparação de soluções juntamente com a semente de Annona squamosa L. e N. tabacum L. na pesquisa de Fernandes et al. (2006), o resultado foi satisfatório no controle de lagartas e besouros. Entre outras espécies mencionadas pelos moradores da comunidade da área de estudo que têm relatos na literatura, podemos citar o óleo de citronela presente em Cymbopogon winterianus Jowitt ex Bor (Corrêa, Salgado, 2011). De acordos com as observações, essa planta foi citada somente por um domicilio cujo saber provavelmente foi adquirido por influencia do espaço escolar, que representa um importante propagador de conhecimento, assim como veículos os de comunicação.

Considerando a importância de estudos que avaliam princípios ativos de fitoinseticidas, geralmente algumas dessas espécies utilizadas partem do conhecimento empírico sobre a atividade inseticida e repelente de plantas empregadas por moradores de comunidades locais (Fernandes, 2007). Esse conhecimento local vem sendo valorizado ao longo dos anos, sendo fonte de formulações de novos produtos. Algumas vezes ocorre a apropriação desses saberes pela bioprospecção, sem dar reconhecimento a essas populações. Para Martin (1995b) é necessário considerar que os trabalhos científicos podem e devem ser um caminho para o desenvolvimento das comunidades envolvidas.

A espécie Erithryna velutina Willd (mulungu), foi relatada na área de estudo, no entanto com difícil aquisição em áreas próximas. No Estado de Sergipe, no nordeste brasileiro é cada vez mais rara a mesma espécie. Essa planta é nativa, seu desaparecimento influencia diretamente no equilíbrio de ecossistemas naturais que são cada vez mais modificados por ações antrópicas (Gonçalves et al. 2014).

Em relação à transmissão do conhecimento, sua propagação acontece de maneira vertical, representando 28,73% (difusão do saber pelos pais e avós), 4,59% ocorre de maneira horizontal (transmitido por algum morador da comunidade) e a terceira forma mais citada com 4,09% foi a experiência própria.

Não houve diferença significativa observada no conhecimento de plantas repelentes e inseticidas entre gênero (p= 0,9944), renda (p= 0,4876) e transmissão do conhecimento vertical e horizontal (p =0,6510).  Isto evidencia uma similaridade entre a distribuição do conhecimento e as variáveis testadas, ou seja, o conhecimento sobre plantas repelentes é bastante difundido na comunidade, não estando restrito ou concentrado ao gênero, renda e transmissão de saber (Tab. 2). No entanto, em algumas comunidades africanas observou-se uma relação entre o conhecimento das espécies vegetais com potencial bioinseticidas com variáveis socioeconômicas, estando o saber associado ao gênero e nível escolar (Karunamoorthi, Husen, 2012; Karunamoorthi, Hailu 2014).

Tabela 2. Conhecimento e usos de plantas inseticidas e repelentes relacionadas ao gênero,
transmissão de conhecimento e renda. Legenda: F = feminino; M = masculino;
N = Nº de entrevistados; CP = conhecimento de plantas repelentes; P = diferença significativa.

Variáveis
N
CP
P

Gênero

 

Sim (n=86)

Não (n=88)

 

F

91

45

46

p= 0,9944*

M

83

41

42

x²= 4,8704

Transmissão de conhecimento

 

 

 

 

Escola/universidade/curso

09

05

04

p =0,6510*

Experiência própria

14

07

07

x²=18,2148

Outro parente

07

04

03

 

Pais/moradores da comunidade

14

09

05

 

Pais

112

50

62

 

Pais/avós/escola

17

10

07

 

Renda mensal (salário mínimo/ 2014=R$ 724,00)

 

 

 

p =0,4876*

x²=1,6981

Sem renda

49

26

23

 

<300

18

12

06

 

3001-724

91

43

48

 

725-1448

12

06

06

 

>1449

04

01

03

 

Considerou-se * p < 0,05

Assim, a utilização de espécies de plantas repelentes e inseticidas é difundida na comunidade, embora esse saber esteja ainda sendo aprendido pelos mais jovens. Para Carvalho e Martins (2014), isto é considerado natural, podendo ser adaptado ou reinventado e sendo atribuído sentido pelos mesmos.

4. Conclusão

Os moradores da comunidade Lagoa da Prata conhecem e utilizam um número considerável de espécies botânicas repelentes e/ou inseticidas. O levantamento evidenciou também que as plantas registradas coincidem com propriedades e aspectos relatados na literatura científica, o que demonstra que os saberes tradicionais e científicos são complementares.

Foi possível perceber como a comunidade ainda está intimamente ligada ao uso de plantas, sendo normalmente cultivadas nos quintais ou em áreas próximas de suas residências.

Todas as espécies são utilizadas principalmente para controle de mosquitos hematófagos, como o A. aegypti L, podendo ser utilizadas contra insetos pragas como lagartas.  A transmissão de conhecimento independe do gênero ou posição econômica e esse está sendo perpetuado para gerações futuras, uma vez que os moradores continuam transmitindo tais informações sobre bioinseticidas.  Pesquisas com essa temática devem ser estimuladas, pois discorrem como ocorre o controle dos insetos realizado por populações rurais brasileiras, servindo como base para pesquisas aplicadas.

 Além disso, registrou alguns usos da flora, favorecendo o conhecimento florístico, já que este último é pouco conhecido no estado do Piauí. Dessa forma constatou-se que a população conhece e utiliza espécies vegetais repelentes e inseticidas acessíveis.

Agradecimentos

Os autores agradecem aos moradores da comunidade Lagoa da Prata, pela receptividade e compartilhamento dos saberes e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Piauí (FAPEPI/CNPq), pela concessão de bolsa a primeira autora.

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1. Mestra em Desenvolvimento e Meio Ambiente (MDMA). Universidade Federal do Piauí, UFPI. Av. Universitária, 1310, Campus Ininga, CEP: 64.049-550. Teresina, PI, Brasil. Autor para contato. E-mail: julianacardozo93@yahoo.com.br
2. Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão, IFMA. BR 230, Km 319, Campus São Raimundo das Mangabeiras, CEP: 65.840-000. São Raimundo das Mangabeiras, MA, Brasil
3. Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí. IFPI. Rua Nascimento, s/n-Centro, Campus de Angical do Piauí, CEP: 64.410-000, Angical do Piauí, PI, Brasil.

4. Professor do Departamento de Fitotecnia, UFPI. Campus da Socopo, CEP 64049-550, Teresina, PI, Brasil.

5. Professora associada do Departamento de Biologia e do Mestrado e Doutorado em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA), UFPI; TROPEN. Av. Universitária, 1310, Bairro Ininga, CEP 64049-550, Teresina, PI, Brasil.


Revista Espacios. ISSN 0798 1015
Vol. 37 (Nº 22) Año 2016

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