Espacios. Vol. 37 (Nº 26) Año 2016. Pág. 17

Análise da pobreza multidimensional no Brasil

Analysis of multidimensional poverty in Brazil

Andréa Ferreira da SILVA 1; Jair Andrade ARAUJO 2

Recibido: 02/05/16 • Aprobado: 25/05/2016


Conteúdo

1. Introdução

2. Referencial teórico

3. Base de dados e construção das dimensões

4. Metodologia

5. Resultados

6. Considerações finais

Referências


RESUMO:

Este artigo tem por objetivo apresentar novas perspectivas que levem a uma melhor compreensão da pobreza multidimensional no Brasil, considerando os anos de 2006 a 2012. Utilizou-se a metodologia de Bourguignon e Chakravarty (2003), com dados retirados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), e tomou-se como referência a chamada "necessidades básicas" e a Teoria das Capacitações. Os resultados das seis dimensões analisadas revelaram uma redução da proporção de pobres multidimensionais da população brasileira, de 24,24% em 2006, para 21,23% em 2012. Para as análises isoladas, verificou-se que a pobreza foi mais intensa na região rural.
Palavras - Chave: Pobreza Multidimensional; Privação; Gap.

ABSTRACT:

This paper aims to present new perspectives that lead to a better understanding of multidimensional poverty in Brazil, considering the years 2006 to 2012. We used the methodology of Bourguignon and Chakravarty (2003), with data from the National Sample Survey Address (National household Survey), and it was taken as a reference to so-called "basic needs" and the Theory of Capabilities. The results of the six dimensions analyzed revealed a reduction in the proportion of multidimensional poor of the Brazilian population, 24.24% in 2006 to 21.23% in 2012. For the isolated analysis, it was found that poverty was more intense in the region rural.
Keywords: Multidimensional Poverty; deprivation; Gap.

1. Introdução

A economia brasileira registrou, em 2012, um Produto Interno Bruto (PIB) de R$ 4.40 trilhões, e um PIB per capita na ordem de R$ 22.400,00. No entanto, a economia obteve fraco crescimento, na verdade, o pior desde 2009, quando a crise econômica mundial atingiu seu ponto crítico. Dados revelam um crescimento de apenas 0,9% em relação ao ano anterior, abaixo, portanto, dos 2,7% de crescimento ocorrido em 2011 (NERI, 2013).

Mesmo com fraco desempenho do PIB em 2012, a renda per capita média da família brasileira cresceu 7,98% e cerca de 3,5 milhões de brasileiros saíram da pobreza naquele ano. A despeito do tamanho da taxa de crescimento e da significativa redução da pobreza no país, é inquestionável que a extrema pobreza ainda afeta 16,27 milhões de pessoas, o que corresponde a 8,5% da população total (GUIMARÃES, 2012).

Daí, a necessidade de se ampliar o escopo das análises da pobreza no Brasil, que agora não mais se baseiam apenas pela ótica da renda, mas também no focalize no estudo das necessidades básicas e se incremente, à definição de pobreza, um caráter multidimensional. Assim sendo, o presente trabalho se propõe a apresentar novas perspectivas a partir das quais se obtenha uma melhor compreensão da pobreza multidimensional no país (em relação aos anos de 2006 a 2012), considerando outras dimensões além da renda. A finalidade é auxiliar políticas públicas centradas na diminuição da pobreza e a consequente aceleração no processo de desenvolvimento.

Existem vários estudos aqui no Brasil sobre pobreza multidimensional. Entre seus autores estão Bourguignon e Chakrvart (2003), Hoffmann e Kageyama (2006), e Lacerda (2009). O diferencial desta pesquisa é que nela se consideram – além dos diversos indicadores que mensuram a pobreza multidimensional, na dimensão educação, por exemplo – as prerrogativas da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/1996). A metodologia aqui apresentada pode ser originalmente encontrada em Bourguignon e Chakravarty (2003) e detalhada por Mideros (2012). Trata-se de uma clara alternativa de medir a pobreza especificando uma linha de pobreza a cada dimensão. 

As informações foram retiradas da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), a partir da década de 2000, de 2006 a 2012. E a justificativa para a escolha deste período não é outra senão o fato de que em 2006 já havia transcorrido três anos desde o início das ações governamentais sob a liderança do Partido dos Trabalhadores no governo federal. Afinal, é razoável supor que determinadas políticas públicas somente tenham efeito algum tempo depois de sua implementação.

O artigo está dividido em cinco seções. Inicialmente, na seção 2, será discutido a pobreza multidimensional e suas abordagens. Na terceira seção está a base de dados e a construção das dimensões utilizadas. Na quarta seção especifica-se a metodologia. Na quinta seção são analisados os resultados do modelo. Na última são apresentadas as principais conclusões.

2. Referencial teórico

2.1 Pobreza Multidimensional: Abordagem das necessidades básicas e a Abordagem das capacitações

Desde a década de 1970, proliferaram as investigações acerca da adoção da perspectiva unidimensional no estudo da pobreza. A partir de então, a ideia era incorporar à pobreza, e a seus meios de medidas, dimensões não monetárias e particularmente sociais e políticas (SALAMA E DESTREMAU, 1999). Esse movimento se intensificou, o que permitiu naturalmente que o enfoque multidimensional da pobreza ganhasse espaço no debate, embora não fosse predominante. E no estudo multidimensional da pobreza, duas abordagens têm recebido ampla divulgação: a abordagem das necessidades básicas e a das capacitações.

Salama e Destremau (1999) detalharam a abordagem das necessidades básicas na definição de pobreza ao considerar essencial o acesso a alguns bens, sem os quais os cidadãos não seriam capazes de usufruir uma vida minimamente digna. Rocha (2010) declara que essa abordagem significa ir além daquelas definições de alimentação ou nutrição, para, assim, incorporar uma noção mais ampla das necessidades humanas, tais como educação, saneamento, habitação. Essa noção de pobreza abrange outros aspectos da vida cotidiana dos indivíduos, pelo simples fato de que eles não apenas se alimentam, mas se relacionam e trabalham, tendo, portanto, uma vida social.

Já com relação à abordagem das capacitações, Lacerda (2009) destaca os trabalhos do economista Amartya Sem, que são um ponto de inflexão na formulação dessa teoria. A intenção dessa abordagem não se restringe apenas à análise da pobreza por renda. Ela traz contribuições importantes para a teoria do bem-estar social e a do desenvolvimento socioeconômico, fundamentada nos princípios da liberdade e da igualdade.

Sen (1993) ainda aponta as restrições da renda per capita como único indicador de bem-estar ou de privação econômica. Destaca que, avaliar o sucesso econômico de uma nação somente pela renda ou outro indicador como fim de riqueza faz com que se perca de vista o progresso do bem-estar da população.

Contudo, a opção pelo enfoque da pobreza multidimensional não significa o abandono completo da renda como uma dimensão da pobreza, embora alguns trabalhos não incluam essa variável. Conforme enfatizado por Sen (2000), a renda é uma importante dimensão da pobreza, mas não pode ser considerada a única.

Por fim, a abordagem das capacitações, junto com a abordagem das necessidades básicas, reforçou o enfoque do estudo da pobreza multidimensional. O escopo dessas abordagens não se restringe somente à análise da pobreza, mas também traz contribuições importantes à teoria do bem-estar social e à teoria do desenvolvimento socioeconômico, relacionando-se assim não apenas às variáveis econômicas, mas, também, às variáveis culturais e políticas.

3. Base de dados e construção das dimensões

 

Tabela 1 - Dimensões e Indicadores da Pobreza Multidimensional

Fonte: Elaboração pelos próprios autores a partir dos dados da PNADs.

A dimensão 1, alimentos e água, mede, por meio da variável água se há abastecimento de água apropriada na moradia. Já capacidade de compra de alimentos, captura por meio da condição monetária, fazendo uma relação da renda per capita do indivíduo com a linha de pobreza utilizada. As linhas de pobreza utilizadas foram retiradas do Instituto de Estudo do Trabalho e Sociedade (IETS), elaboração de Sonia Rocha com base na POF (Pesquisa de Orçamento Familiar). 

A dimensão 2, comunicação e informação, também entra na análise; considera como indivíduos privados os que não possuem meios de informação para a vivência na sociedade atual. As variáveis adotadas no estudo são: telefone, televisão, computador e internet.

A dimensão 3, educação, apresenta mais uma novidade para a mensuração da pobreza multidimensional no Brasil neste trabalho, pois leva em consideração a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/1996), que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Segundo essa dimensão há um nível de escolaridade mínima requerida para uma determinada faixa etária. A proporção de crianças na escola diz respeito ao total de crianças no domicílio. De acordo com a Lei nº 8.069/90, art. 2º, considera-se criança a pessoa com até 12 anos de idade incompletos; e adolescente, aquela entre doze e dezoito anos de idade.

 A dimensão 4, Condições de Moradia, utilizou em sua análise as seguintes variáveis: tipo de moradia, iluminação, material de parede, material do teto, e número de pessoas por dormitório. Ainda que essas variáveis possam ser discutidas quanto à sua utilidade na análise da pobreza, percebe-se que a ausência de condições adequadas de moradia se configura em um tipo de privação importante, além de ser um abuso aos direitos sociais garantidos pelo texto constitucional brasileiro.

Outro pronto relevante do estudo nesta seção é a dimensão 5: saúde. Como não existem variáveis específicas que possam trazer informações a respeito dessa dimensão, serão utilizados proxies para estudá-la. São elas: esgotamento sanitário, condição sanitária e eliminação do lixo. A justificativa para essa escolha foi o entendimento de que a falta de acesso, ou o acesso inapropriado a qualquer uma dessas variáveis pode ocasionar sérios prejuízos à saúde do indivíduo, principalmente no que diz respeito à saúde básica.

E, por fim, a dimensão 6: trabalho e demografia. A ideia é analisar o trabalho precário e a razão de dependência por domicilio. Classificou-se como situação de trabalho precário aquela na qual o trabalhador não era segurado da previdência social nem contribuinte de outro instituto de previdência. E a variável razão de dependência é um indicador demográfico utilizado nas análises de mercado de trabalho, pois trata da relação entre pessoas em idade potencialmente inativa e pessoas em idade potencialmente ativa.

4. Metodologia

Conforme Bourguignon e Chakravarty (2003), uma maneira simples de definir a pobreza e a contagem do número de pobres é levar em consideração a possibilidade de ser pobre em qualquer dimensão da pobreza. Uma forma de fazer isso é definir a variável indicador de pobreza. Um enfoque multidimensional define a pobreza mediante um vetor de características particulares (TSUI, 2002).

Em termos gerais, um índice de pobreza multidimensional pode ser apresentado como uma função:

Por abordagem vinculativa para definir f (∙) e usando uma variação no índice de Foster, Greer e Thorbecke (1984) para capturar a severidade da pobreza, a pobreza multidimensional pode ser medida da seguinte forma:

 

Para cada dimensão, pode ser estimado os índices de incidência (proporção de pobres) e os níveis de privação para diferentes regiões e grupos demográficos. Para o índice de incidência, é considerado que todas as pessoas que estão abaixo do limite em pelo menos uma variável sofrem privação (enforque de união), com base em a seguinte regra:

 

 

Finalmente, o nível de privação global que pode ser decomposto para cada dimensão:

 

Mediante a utilização de (5) é possível decompor o nível de privação por região e grupo demográfico da seguinte forma:

5. Resultados

5.1 Incidência de Privação no Brasil: Indicadores e suas Dimensões

A Tabela 2 mostra a incidência de privação no Brasil, de 2006 a 2012, entre os indicadores e dimensões. A dimensão água e alimentos é definida por duas varáveis: água na moradia e capacidade de compra de alimentos. Considerando água na moradia, esta é definida como bem de necessidade básica para a sobrevivência humana, e sua proveniência nos domicílios mede a privação ou não da população. Ante a isso, a percentagem de pessoas que não têm um abastecimento de água potável, proveniente da rede geral de distribuição, em seus domicílios caiu de 10,99% em 2006 para 8,82% em 2012.

Por outro lado, a variável capacidade de compra de alimentos mede a privação monetária (ou seja, a renda), como um substituto para a privação de alimentos. Assim, o percentual de pessoas com privação monetária, também, houve uma redução de 4,80% para 3,70% no mesmo período. Importante observar que na dimensão como um todo, o impacto da redução foi maior em conjunto do que quando os indicadores são analisados separadamente. Houve uma redução de 14,68% em 2006 para 11,80% em 2012, diminuição de 2,88% da pobreza multidimensional no Brasil na dimensão água e alimentos.

Logo em seguida é observado a dimensão de comunicação e informação, destaca-se que a maioria destes acessos à informação não significa uma verdadeira privação, e também não traz nada sobre a qualidade da informação que os domicílios acessam. Embora seja necessária uma análise completa desses critérios, mas isso está além do escopo desta investigação.

Diante disso, a Tabela 2 mostra que, entre 2006 e 2012, a incidência de pobreza apresentou uma trajetória de queda em todos os indicadores. Em 2012, os maiores índices de privação foram registrados para acesso à internet (56,89%) e computador (50,13%). Enquanto os níveis mais baixos de privação são de telefone (6,43%) e televisão (2,01%). Os indicadores que apresentaram os maiores impactos de redução da privação foram computador, redução de 26,68% de 2006 para 2012; acesso à internet, com uma redução de 25,61% no mesmo período; e telefone, redução de 16,10%. Como pode ser observado, quando se trata da privação de computadores e internet, embora os graus de ambos tenham apresentado queda no período, ainda assim, permanecem consideravelmente elevados.

Os maiores indicadores de privação se concentram na dimensão educação. Precisamente por conta de a pesquisa levar em consideração a adoção da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/1996), que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Na dimensão educação, observa-se uma pequena redução na privação, que 2006 era de 93,68%, passando para 91,43% em 2012. O ensino fundamental completo registrou a maior redução na privação, 2,35% de 2006 para 2012. Logo em seguida, o ensino médio incompleto e completo, com 2,33% e 2,26% respectivamente. Logo em seguida, proporção de crianças na escola apresentou uma privação de apenas 2,10% em 2012, mesmo apresentando elevados índices de privação nos ensinos primário, fundamental incompleto, e completo.

Tabela 2 - Incidência de Privação no Brasil, 2006-2012 (%)

Dimensões/Variáveis

2006

2007

2008

2009

2011

2012

Dimensão 1: Água e Alimentos

14,68

14,53

13,75

13,42

13,09

11.80

Água na Moradia

10,99

10,69

10,25

  9,81

  9,74

  8,82

Capacidade de compra de alimentos

  4,80

  4,96

  4,47

  4,62

  4,24

  3,70

Dimensão 2: Comunicação e Informação

82,62

79,10

74,90

71,35

61,47

57.35

Telefone

22,53

20,14

14,84

12,90

  7,64

  6,43

Televisão

  6,03

  4,28

  3,45

  2,97

  2,29

  2,01

Computador

76,81

71,80

66,58

62,89

53,93

50,13

Internet

82,50

78,89

74,67

71,06

61,08

56,89

Dimensão 3: Educação

93,68

93,32

92,86

92,39

91,82

91,43

Ensino Primário

81,98

81,95

81,88

81,68

80,96

80,90

Ensino Fundamental incompleto

91,03

90,76

90,49

90,07

89,31

89,09

Ensino Fundamental completo

92,55

92,11

91,68

91,21

90,44

90,20

Ensino Médio incompleto

93,57

93,17

92,73

92,25

91,60

91,24

Ensino Médio Completo

93,68

93,31

92,85

92,38

91,81

91,42

Proporção de crianças na escola

  3,88

  3,81

3,02

  2,98

  2,27

  2,10

Dimensão 4: Condições da Moradia

42,05

40,57

40,05

40,09

39,19

38,76

Tipo de Moradia

29,76

28,93

28,85

29,56

29,05

29,22

Iluminação

  1,21

  0,89

0,69

  0,52

  0,41

  0,29

Material da Parede

  9,70

  9,12

8,70

  8,37

  7,85

  7,12

Material do Teto

  1,71

  1,97

1,71

  1,63

  2,28

  2,16

Nº de pessoas por dormitório

  8,31

  7,64

7,19

  7,00

  6,28

  5,94

Dimensão 5: Saúde

43,56

41,88

41,66

41,91

38,81

38,38

Esgotamento Sanitário

42,85

41,32

41,05

41,40

38,12

37,69

Condição Sanitária

11,44

11,05

10,61

  9,98

10,25

10,61

Eliminação do lixo

  0,97

  0,90

0,90

  0,78

  0,70

  0,60

Dimensão 6: Trabalho e Demografia

65,05

64,71

63,86

62,59

59,12

58,61

Trabalho Precário

59,23

58,57

57,96

56,84

53,07

52,53

Razão de dependência por domicilio

17,78

17,83

17,55

17,26

17,10

17,45

Fonte: Elaboração pelos próprios autores a partir dos dados da PNADs.

Para medir a privação de habitação, são levados em conta cinco indicadores. A Tabela 2 mostra a percentagem de população com privação na moradia. Aproximadamente um terço da população não possui uma moradia própria já quitada.  Houve uma pequena redução no índice de privação, haja vista que em 2006 era de 29,76%, passando para 29,22% em 2012. No que diz respeito à iluminação, qualidade da parede, qualidade do teto e número de pessoas por dormitório, houve uma redução não muito significativa nos índices de incidência, embora esses índices já apresentassem uma baixa privação. Em 2012, apenas 6% da população vivia em casa com mais de três pessoas por quarto. Apenas 0,29% da população vivia com privação de iluminação, 7,12% e 2,16% não apresentam os materiais, respectivamente, da parede e do teto adequados em suas moradias. Houve assim uma redução na privação nacional da dimensão, em torno de 3,29% de 2006 para 2012.

Um aspecto interessante na próxima dimensão em análise é que foram utilizadas as condições de saneamento básico como proxy para analisar a dimensão saúde. Como justificativa, a falta de acesso, ou o acesso inapropriado, a qualquer uma dessas variáveis de saneamento pode ocasionar sérios prejuízos à saúde do indivíduo, principalmente no que diz respeito à saúde básica. A Tabela 2 mostra que, na dimensão saúde, houve uma redução da sua privação, de 43,56% em 2006, para 38,38% em 2012, ou seja, queda de 5,18% no período analisado. Essa redução pode ser explicada pela redução ocorrida em todos os indicadores da dimensão. No esgotamento sanitário, indicador com maior impacto na redução da privação, houve uma queda de 5,16%. Houve redução também na condição sanitária e na eliminação do lixo, de 0,83% e 0,37%, respectivamente, de 2006 para 2012.

Por fim, na dimensão trabalho e demografia, trabalho precário foi denominado aquele no qual o trabalhador não era segurado da previdência social nem contribuinte de outro instituto de previdência. E demografia, a razão de pessoas dependentes por domicílio, sendo elas as menos de 14 anos e maiores de 60. Mais de 50% da população sofre privação de trabalho digno. Em 2012, 52,53% ocupam-se em situação de trabalho precário. Mesmo tendo ocorrido uma redução de 6,44% de 2006 para 2012, ainda permanece uma taxa de privação bastante elevada. Por outro lado, a razão de dependência apresenta uma taxa de privação considerada baixa. Em 2012, 17,45% da população apresentava alguma relação de dependência.

5.2 Os Gap's de Privação

O Gap de privação é apresentado na Tabela 3 por dimensões e grupos demográficos.  Os números mostram a diferença média para diferentes áreas e grupos populacionais.  Pode-se observar que a pobreza na dimensão água e alimentos, Tabela 3, é um problema, especialmente nas áreas rurais. Em 2012, por exemplo, apresenta-se uma lacuna de privação de 12,68%, enquanto que nas regiões metropolitanas e urbanas há uma lacuna de registros de privação menor quando comparadas com a área rural do Brasil, com valores, respectivamente, de 4,21% e 4,86%, no mesmo período. Verificou-se que, com relação aos grupos populacionais, não há uma lacuna tão significante com relação à pobreza. Contudo, houve uma redução em todos os grupos em estudo, de 2006 a 2012.

Na dimensão comunicação e informação, Tabela 3, o Gap foi reduzido em todas as áreas e grupos entre 2006 e 2012. Tanto em 2006 quanto em 2012, o Gap de privação da população rural brasileira foi bem mais elevado do que o das regiões metropolitana e urbana. Em 2012, a área rural apresenta uma lacuna de privação de 51,16%, enquanto as regiões metropolitana e urbana apresentam, respectivamente, 20,74% e 28,26%. Observa-se ainda que a privação entre as pessoas do sexo masculino é maior do que entre as do sexo feminino com relação a esta dimensão. Analisando a faixa etária a privação é maior entre crianças e idosos, 32,33% e 39,22%, respectivamente. Com relação ao grupo raça, a lacuna de privação é maior para as raças não brancas, 34,25% em 2012.

No tocante a dimensão educação, conforme exposto na Tabela 3, há um Gap de 91,43% de privação em 2012.  Com relação às áreas, observa-se um maior Gap na área rural, quando comparadas com a metropolitana e urbana, não diferente do que foi ressaltado nas outras dimensões. Esta apresentou um Gap de privação, 88,14% em 2006, para 88,20% em 2012. Houve também uma redução na privação entre homens e mulheres: mulheres apresentam uma privação menor, de 81,31% em 2012, quando comparadas aos homens, 83,62%. Nota-se que o hiato médio de privação na educação é 1,8 vezes maior para homens do que para mulheres.

Tabela 3 - Brasil: Gap da privação por dimensão, 2006 e 2012. (%)  
(continua)

 

 

Região/Grupo

 

 

Água e Alimentos

 

 

 

Comunicação e Informação

 

 

Educação

 

2006

2012

 

2006

2012

 

2006

2012

Nacional

 

14,68

11,80

 

82,62

57,35

 

93,68

91,43

Metropolitano

 

  4,65

  4,21

 

38,83

20,74

 

81,65

79,80

Urbano

 

  6,11

  4,86

 

46,95

28,26

 

83,81

82,57

Rural

 

16,78

  12,68

 

67,58

51,16

 

88,14

88,20

Homens

 

  7,05

  5,74

 

47,47

29,24

 

84,37

83,62

Mulheres

 

  6,94

  5,59

 

46,48

28,50

 

83,00

81,31

Crianças

 

  9,74

  7,48

 

51,91

32,33

 

77,12

77,36

Adolescentes

 

  8,04

  6,71

 

47,58

27,55

 

83,85

83,28

Jovens

 

  7,31

  5,98

 

45,62

26,63

 

87,58

84,80

Adultos

 

  5,56

  4,88

 

44,18

26,71

 

83,09

81,29

Idosos

 

  4,81

  3,97

 

51,77

39,22

 

93,28

92,11

Branca

 

  4,53

  3,78

 

40,20

22,77

 

81,12

79,04

Não Branca

 

  9,58

  7,34

 

54,05

34,25

 

86,33

85,43

Fonte: Elaboração pelos próprios autores a partir dos dados da PNADs.

 

Tabela 3 - Brasil: Gap da privação por dimensão, 2006 e 2012. (%)
(conclusão)

 

 

Região/Grupo

 

 

Condições da Moradia

 

 

Saúde

 

 

 

Trabalho e Demografia

 

2006

2012

 

2006

2012

 

2006

2012

Nacional

 

42,05

38,76

 

43,56

38,38

 

65,05

58,61

Metropolitano

 

  8,48

   7,41

 

  7,94

   5,83

 

32,29

31,86

Urbano

 

  9,34

   8,57

 

15,81

 13,44

 

39,67

35,67

Rural

 

14,18

10,40

 

56,32

 54,10

 

39,00

39,65

Homens

 

  9,84

   8,56

 

19,11

16,92

 

37,96

34,37

Mulheres

 

  9,53

   8,32

 

17,76

15,71

 

39,01

35,56

Crianças

 

13,15

11,61

 

21,02

18,76

 

44,25

38,77

Adolescentes

 

10,16

  9,13

 

20,80

18,45

 

37,42

33,59

Jovens

 

10,32

  9,53

 

18,03

15,98

 

33,23

28,59

Adultos

 

  8,25

  7,30

 

16,87

15,11

 

33,99

30,23

Idosos

 

  5,37

  4,44

 

17,25

15,31

 

65,08

67,24

Branca

 

  8,80

  7,74

 

14,22

12,19

 

35,36

32,38

Não Branca

 

10,60

  9,06

 

22,81

19,93

 

41,79

37,29

Fonte: Elaboração pelos próprios autores a partir dos dados da PNADs.

No grupo faixa etária, com exceção de crianças, que apresentou um aumento no Gap de 0,24%, o restante apresentou redução na privação. Sendo o grupo jovens com maior redução, 2,78% de 2006 a 2012. No grupo raça, entre os brancos, a privação é de 79,04%, e entre os não brancos, de 85,43%. O impacto da redução de 2006 para 2012 também ocorreu no grupo de raça branca, com uma redução de 2,08%, comparada com apenas 0,9% na raça não branca.

Quanto aos Gap's relacionados às dimensões de condições de moradia, na Tabela 3, observa-se que nas áreas rurais houve uma maior redução do Gap de privação na dimensão moradia, de 14,18% em 2006 para 10,40% em 2012, embora, ainda haja maior lacuna de privação entre as áreas metropolitana (7,41%) e urbana (8,57%) em 2012. No grupo sexo, as mulheres apresentam privação menor que os homens, sendo essa diferença de apenas 0,24%, em 2012. Ainda nesse mesmo período, entre os grupos etários, quem possui a menor privação é o grupo dos idosos, com apenas 4,44%, e a maior é o grupo das crianças, com 11,61%. As populações de raça não branca têm Gap de maior privação do que a raça não branca. A não branca apresenta hiato de privação de 1,32% maior que a branca, em 2012.

Dentro da dimensão saúde, a maior diferença da privação entre as regiões está localizada na área rural. Em 2006, a lacuna de privação é de 56,32%, obtendo uma pequena redução em 2012, para 54,10%. Isso indica que mais da metade da população rural apresenta privação de saneamento básico. E em decorrência desse resultado, a área rural é o lugar mais sensível em relação à saúde. Já as áreas metropolitana (5,83%) e urbana (13,44%) apresentam, em 2012, menor privação. Com relação aos homens e mulheres, houve uma redução de 2006 para 2012: as mulheres apresentam uma menor privação, em 2012, de 15,71%, quando comparadas aos homens que têm 16,92% de privação no mesmo período. No grupo etário, quem possui maior déficit na saúde é o grupo das crianças, 18,76% em 2012. E o menor, é o grupo dos adultos, 15,11%. Em todos os grupos foi observada uma redução da privação. As populações de raça não brancas têm lacunas de privação mais elevados, 19,93% em 2012, quando comparadas às de raça branca, apenas 12,19%.

Por fim, considerando o Gap de privação da dimensão trabalho e demografia, a área rural (Tabela 3) se destacou entre as outras por apresentar um aumento da lacuna de trabalho e demografia, de 39% em 2006 para 39,65% em 2012, sendo assim, um aumento de 0,65% no período. Contrapondo-se a todas as outras dimensões, na dimensão trabalho e demografia, as mulheres apresentam dessa vez um Gap privação maior que os homens. Evidencia-se mais ainda a diferença no mercado de trabalho entre homens e mulheres. Mesmo havendo uma redução, ainda é considerada alta a privação entre mulheres e homens. Em 2012, houve uma lacuna de privação de 35,56% para mulheres e de 34,37% para homens. No grupo da faixa etária, ocorreram resultados esperados, isto é, maior privação para crianças e idosos, pois esses indivíduos são dependentes e não trabalham. Com o menor Gap está o grupo dos jovens, com 28,58%, em 2012. A população branca possui uma lacuna de privação menor quando comparada com a não branca.

5.3 A Pobreza Multidimensional

De maneira geral, as informações extraídas da PNAD sinalizam uma melhora, entre os anos de 2006-2012, nas condições de vida da população brasileira. Essa melhora, no entanto, não ocorreu de forma homogênea entre as regiões brasileiras, nem entre os grupos sexo, faixa etária e raça.

A Tabela 4 mostra a pobreza multidimensional por região e por grupos no Brasil. Os resultados sugerem uma redução na pobreza multidimensional de 24,24% em 2006 para 21,23% em 2012, segundo a metodologia adotada, com uma variação de 3,01%. Entre o período analisado, o nível de pobreza multidimensional declinou a uma taxa média anual de 0,6 %. Tal comportamento reflete a dinâmica recente dos índices de pobreza em todo o Brasil.

Ainda de acordo com a Tabela 4, em média, não há diferença significativa na pobreza entre os grupos sexo e faixa etária. Contudo, houve uma redução em todos os grupos. A pobreza multidimensional entre os homens em 2012 é de 21,42%, enquanto que entre as mulheres é de 21,06%, havendo uma variação maior entre as pessoas do sexo feminino, 3,02%. Diferença pouco notada também entre crianças, adolescentes, jovens e adultos. Um impacto maior na redução ocorreu no grupo crianças, uma queda de 3,79% de 2006 a 2012.

Tabela 4 - Pobreza Multidimensional por região e por grupo no Brasil, 2006-2012. (%)

 

 

 

 

Pobreza Multidimensional

 

 

 

Variação

2006

2007

2008

2009

2011

2012

Nacional

24,24

23,68

23,00

22,56

21,54

21,23

-3,01

Região Norte

30,71

29,48

28,33

27,74

27,01

26,20

-4,51

Região Nordeste

27,78

27,11

26,20

25,79

24,46

24,18

-3,60

Região Sul

22,56

22,14

21,47

21,09

20,27

20,01

-2,55

Região Sudeste

21,67

21,18

20,68

20,22

19,33

18,99

-2,68

Região Centro-Oeste

24,13

23,57

22,86

22,25

20,69

20,50

-3,63

Homens

24,41

23,84

23,15

22,71

21,73

21,42

-2,99

Mulheres

24,08

23,52

22,86

22,42

21,36

21,06

-3,02

Crianças

24,09

23,42

22,53

22,09

20,76

20,30

-3,79

Adolescentes

23,84

23,24

22,46

22,08

20,73

20,50

-3,34

Jovens

24,27

23,56

22,78

22,18

21,11

20,77

-3,50

Adultos

23,03

22,55

21,91

21,48

20,56

20,17

-2,86

Idosos

32,01

31,72

31,40

31,09

30,44

30,41

-1,60

Branca

21,97

21,51

20,99

20,57

19,70

19,33

-2,64

Não Branca

26,62

25,90

24,97

24,50

23,29

22,92

-3,70

Fonte: Elaboração pelos próprios autores a partir dos dados da PNADs.

Já no grupo idosos, houve pouca redução na proporção, 1,60%, sendo esse o grupo com maior pobreza multidimensional, 30,41% em 2012. As populações de raça não branca têm os mais altos níveis de pobreza multidimensional, 22,92%, mesmo apresentando a maior taxa de variação, 3,7% de 2006 a 2012.

6. Considerações finais

Este estudo teve o objetivo de apresentar novas perspectivas para a compreensão da pobreza multidimensional no Brasil e considerou outras dimensões além da renda. As principais conclusões foram: Ao considerar a mensuração da pobreza multidimensional no Brasil pela ótica das seis dimensões estudadas, constatou-se que a pobreza multidimensional apresentou uma trajetória decrescente. Os resultados do trabalho sugerem uma redução de 24,24% em 2006 para 21,23% em 2012.

Para as análises separadas das áreas metropolitana, urbana e rural, o nível de pobreza foi mais intenso na região rural, onde as intensidades de pobreza foram sensivelmente maiores. Essa situação é menos grave na área metropolitana brasileira. Na análise da pobreza entre os grupos quase não existem diferenças entre homens e mulheres, mas vale salientar que a persistente privação está mais concentrada nos homens.

Já entre as faixas etárias, também se observa uma pequena privação. Contudo, o impacto maior na pobreza multidimensional é sobre o grupo dos idosos, considerados mais privados em relação aos outros grupos etários. As desigualdades persistem sobretudo entre a população da raça branca e a não branca, havendo uma significativa diferença na pobreza multidimensional quando comparadas. Conclui-se que, para reduzir a pobreza multidimensional, devem-se adotar políticas públicas direcionadas especificamente para as dimensões que mais impactam a pobreza, a saber: educação, trabalho e demografia, comunicação e informação, e saúde. Para que assim, haja uma melhor distribuição desses dos recursos entre as áreas do Rio Grande do Sul, reduzindo dessa forma as disparidades locais.

Como sugestão de futuras pesquisas, seria extremamente importante investigar as relações entre proteção social e crescimento econômico. É também importante contar com dimensões adicionais para uma análise mais completa. Portanto, deve ser continua a procura de novos dados que visem melhorar os indicadores utilizados para medir cada uma das dimensões, e assim mensurar qual tem mais impacto na pobreza multidimensional no Brasil.

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1. Economista. Mestre em Economia Rural pela Universidade Federal do Ceará - UFC. Doutoranda do Curso de Pós-Graduação em Economia – PPGE pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) – João Pessoa – Paraíba – Brasil. E-mail: andrea.economia@yahoo.com
2. Prof. Dr. Adjunto do Curso de Mestrado em Economia Rural (MAER) na Universidade Federal do Ceará - UFC. E-mail:jaraujoce@gmail.com


Revista Espacios. ISSN 0798 1015
Vol. 37 (Nº 26) Año 2016

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