Espacios. Vol. 37 (Nº 31) Año 2016. Pág. 5

Aprendizagem nas organizações: Uma análise de indivíduos inseridos em organizações de desenvolvimento de software

Learning in organizations: An analysis of individuals inserted in software development organizations

Letícia Rodrigues da FONSECA 1; Sheldon William SILVA 2; Marcelo Ribeiro SILVA 3; Guilherme Marques PEREIRA 4; Sidney Verginio da SILVA 5; Fabricio Pelloso PIURCOSKY 6

Recibido: 03/06/16 • Aprobado: 02/07/2016


Conteúdo

1. Introdução

2. Aprendizagem experiencial

3. O ciclo da aprendizagem experiencial

4. Metodologia

5. Apresentação e discussão dos resultados

6. Considerações finais

Referências


RESUMO:

O presente estudo se propõe a entender como ocorre o aprendizado no nível individual nas Organizações de Desenvolvimento de Software (ODSs). Para isso, realizou-se uma pesquisa de abordagem qualitativa do tipo multicaso em quatro ODSs. Utilizou-se como método de coleta de dados a entrevista semi-estruturada. Entrevistaram-se os indivíduos envolvidos no processo de desenvolvimento dos softwares. As análises foram realizadas por meio do software para análises qualitativas Weft_QDA que permitiu, o estabelecimento de categorias analíticas. Ao final, considerando a perspectiva da aprendizagem experiencial, foi possível identificar que o conhecimento prévio tende a facilitar o aprendizado, e que os desenvolvedores se softwares aprendem principalmente da seguinte forma: com o próprio erro; participando de projetos; com o cliente; participando de eventos; acessando informações pertinentes à área; relacionando-se com os membros da equipe.
Palavras-Chave: Aprendizagem Experencial; Aprendizagem Individual; Organizações de Desenvolvimento de Software.

ABSTRACT:

This study aims to understand how learning occurs at the individual level in Software Development Organizations (ODSs). For this, we carried out a qualitative study of Multicase type in four ODSs. It was used as a data collection method the semi-structured interview. They were interviewed individuals involved in the software development process. Analyses were performed using the software for qualitative analysis Weft_QDA that allowed the establishment of analytical categories. At the end, considering the perspective of experiential learning, we observed that prior knowledge tends to facilitate learning, and software developers to learn mainly as follows: with the error itself; participating in projects; with the client; participating in events; accessing information relevant to the area; relating with team members.
Keywords: Experiential Learning; Individual Learning; Software Development Organizations.

1. Introdução

O mercado brasileiro de software e serviços tem crescido consideravelmente nos últimos anos. Segundo a Associação Brasileira das Empresas de Software (ABES, 2015), o Brasil ocupa a sétima posição no cenário mundial, movimentando 60 bilhões de dólares em 2014, representando 2,6% do PIB brasileiro e 3% do total de investimentos de Tecnologia de Informação (TI) no mundo.   Desse valor, 11,2 bilhões vieram do mercado de software, que obteve um crescimento de 12,8% em relação ao ano anterior (2013). Foram identificadas cerca de 9.308 empresas dedicadas ao desenvolvimento, produção e distribuição de softwares no mercado nacional.

Contudo, a concorrência acirrada manifesta-se na mesma proporção das oportunidades. Os softwares nacionais competem entre si e com aqueles provenientes de outros países, pelo fato de ainda não existirem muitas barreiras ou restrições legais contra a comercialização de produtos internacionais (TONINI, CARVALHO & SPINOLA, 2008). Esse setor é ainda caracterizado pela evolução em ritmo acelerado, o que ocasiona mudanças frequentes relacionadas aos produtos, serviços, processos e à própria tecnologia (MAURER, PIERCE & SHORE, 2002; NIASI, 2009; TONIOLO &MARTINS, 2011; CORNIANI, 2015).  

De acordo com Albertin (2000), a atual economia denominada “economia do conhecimento” baseia-se na aplicação do conhecimento humano a tudo que produz e como se produz. O conhecimento é considerado o elemento mais importante dos processos relativos a produtos e serviços, desde o seu desenvolvimento até a entrega e apoio na utilização. O valor agregado é adquirido por meio da inteligência humana, em vez do esforço físico de trabalhadores. A inovação, mais do que o acesso a recursos ou capital, torna-se crítica, porque na nova economia, conseguir adentrar e manter-se no mercado é difícil quando os produtos tem uma vida competitiva de um ano, um mês, uma semana, ou algumas horas, como no caso de produtos financeiros.

Os clientes são cada vez mais exigentes e possuem a expectativa de que as empresas precisam prover melhor qualidade, produtos diferenciados e preços baixos. Logo, os ativos-chave das organizações serão aqueles capazes de desenvolver novos produtos e serviços, conforme as atuais expectativas do mercado, e atender a proposta da nova economia: torne os seus próprios produtos obsoletos, antes dos seus concorrentes (PEREZ & FAMÁ, 2015; TIDD & BESSANT, 2015).

O presente estudo propõe-se, como objetivo geral, entender como ocorre o aprendizado no nível individual, nessas ODSs. Já os objetivos específicos pretendem: (i) entender os métodos e ferramentas utilizados durante a aprendizagem dos desenvolvedores; (ii) compreender se aprendizagem dos desenvolvedores ocorre por meio da ação e reflexão, conforme proposto pela teoria da aprendizagem experiencial. Na seção a seguir, abordam-se os conceitos e modelos de aprendizagem experencial, optando-se pela abordagem de Kolb(1984). Adiante, ressalta-se o desenvolvimento da aprendizagem experiencial com base na aprendizagem individual desenvolvida por profissionais associados a empresas de softwares.

2. A prendizagem experiencial

Diversos modelos de análise são utilizados para a compreensão da aprendizagem no nível individual. Entre os mais relevantes, destacam-se: o Behaviorista, o Cognitivo e o Aprendizado Experiencial/Vivencial (TERRA, 2000). Neste artigo optou-se pela abordagem Experiencial/Vivencial de Kolb (1984), pois acredita-se que seja a mais adequada para explicar como ocorre o aprendizado no nível individual no contexto das ODS. De acordo com Raupp, Pegorini, Becker & Ruas (2013, p.4), “das teorias sobre aprendizado individual, a teoria de aprendizagem experiencial é a que oferece melhores condições para explorarmos seus conceitos e traçarmos uma aproximação adequada com o aprendizado organizacional”.

Para Kolb (1984, p. 38), “a aprendizagem é um processo pelo qual o conhecimento é criado por meio da transformação de experiências”. Corroborando, Alarcão (2002) considera que a ênfase da aprendizagem experiencial situa-se na interação entre o sujeito e a ação e sustenta as novas aprendizagens na experiência, ao mesmo tempo em que valoriza o contexto e a reflexão.

Acrescenta-se que tal perspectiva de aprendizagem é chamada de experiencial por duas razões. Primeiramente, para enfatizar o papel central que a experiência possui no processo de aprendizagem, o que a diferencia das teorias racionalistas e cognitivistas que tendem a dar ênfase na aquisição, manipulação e recordação de símbolos abstratos, e de teorias de aprendizagem comportamentalistas, que negam qualquer papel dos aspectos da experiência relacionados à consciência e à subjetividade no processo de aprendizagem. 

E, em segundo lugar, para relacioná-la com as origens dos trabalhos de John Dewey (1938), Kurt Lewin (1951) e Jean Piaget (1970) - teorias utilizadas em sua fundamentação (KOLB, 1984).

A aprendizagem experiencial possui seis características fundamentais: (i) aprendizagem é concebida como processo e não como resultado; (ii) aprendizagem é um processo contínuo fundamentado na experiência; (iii) o processo de aprendizagem requer a resolução de conflitos entre modos dialeticamente opostos de adaptação ao mundo; (iv) aprendizagem é um processo holístico de adaptação ao mundo; (v) aprendizagem envolve transações entre a pessoa e o ambiente; (vi) aprendizagem é o processo de criar conhecimento (KOLB, 1984).

A aprendizagem é concebida como um processo e não como resultado, pois as ideias não são imutáveis, mas constituídas e reformuladas pela experiência. Sendo assim, a aprendizagem é concebida como um processo emergente de reformulação de experiências passadas, cujo o objetivo é de adquirir um novo conhecimento.

Geralmente a experimentação gera alguma informação sobre uma solução que o individuo não possuía anteriormente, capaz de modificar projetos experimentais subsequentes ou a própria solução em si. As tarefas que são favoráveis à experimentação são aquelas que permitem múltiplas resoluções e o uso de conhecimentos adquiridos em situações anteriores, como ocorre na atividade de desenvolvimento de software (LEE, EDMONDSON, THOMKE & WORLINE, 2004).

Sendo assim, observa-se que o processo de aprendizagem é, pela sua própria natureza, um processo de tensão e conflito. O produto desse processo é a aquisição de conhecimentos, habilidades ou atitudes obtidos por meio da confrontação entre quatro modalidades experienciais: experiência concreta (EC), observação reflexiva (OR), conceitualização abstrata (CA) e experimentação ativa (EA). Aprender requer habilidades que estão em polos opostos. O indivíduo opta por ser mais ativo ou reflexivo conforme a situação e o ambiente onde ocorre o aprendizado. Logo, o processo de aprendizagem requer a resolução de conflitos entre modos dialeticamente opostos de adaptação ao mundo. Esse processo pode ser visualizado na figura 1:

Figura 1: Modelo de Aprendizagem Experencial de Kolb
Fonte: Corbett (2005, p.480)

Para Kolb, Kolb & Lewin (2005, p. 194), “além da cognição, a aprendizagem envolve o funcionamento integrado da pessoa por inteiro (o pensar, o sentir, o perceber, o comportar-se)”, além de ocorrer em diferentes cenários, ambientes físicos e sociais e em todas as fases da vida do indivíduo e irá depender das interações mantidas entre o indivíduo e os diferentes ambientes nos quais ele está inserido. Na teoria da aprendizagem experiencial, a relação transacional entre a pessoa e o ambiente é simbolizada com o duplo significado do termo experiência (KOLB, 1984).

O primeiro refere-se ao estado interno da pessoa, como na experiência de alegria, e o outro objetivo e ambiental ou o seu estado externo, como em ‘ele tem 20 anos de experiência no seu emprego’. Essas duas formas de experiência se interpenetram e se inter-relacionam de maneiras muito complexas, como, por exemplo, no velho ditado ‘ele não tem 20 anos de experiência, mas um ano repetido 20 vezes’ (KOLB, 1984, p. 35).

Portanto, de acordo com Kolb, Kolb & Lewin (2005, p.1994), “a aprendizagem é o resultado de operações sinérgicas entre a pessoa e o ambiente”, pois quando o estado interno do indivíduo modifica-se, automaticamente, as condições objetivas do ambiente também se alteram. Ainda segundo os autores, para compreender a aprendizagem, é necessário entender a natureza e a configuração do conhecimento humano, como os processos pelos quais ele é criado. O conhecimento é o resultado da transação entre experiências objetivas e subjetivas. Assim sendo, a aprendizagem pode ser definida como um processo de criar conhecimento.

3. O ciclo da aprendizagem experiencial

O processo da aprendizagem experiencial pode ser descrito como um ciclo contínuo de quatro estágios, que envolve quatro modos adaptativos de aprendizagem, integrando a experiência, a percepção, a cognição e o comportamento. Nesse ciclo, os quatro estágios representam duas dimensões distintas - captar e transformar. Cada dimensão possui duas orientações adaptativas que se confrontam dialeticamente. A base estrutural do processo de aprendizagem repousa na interação entre os quatro modos adaptativos e a maneira pela qual a dialética - argumentação lógica - adaptativa resolve-se (KOLB, 1984).

Na dimensão ‘captar’ encontra-se a dialética entre abstrato/concreto que apresenta dois momentos diferentes e opostos de captar ou perceber o mundo à volta: (1) pelo apoio na interpretação conceitual e representação simbólica – conceitualização abstrata; (2) qualidades sentidas na experiência imediata – experiência concreta. Na dimensão ‘transformar’, encontra-se a dialética entre ativo/reflexivo, que apresenta duas maneiras opostas de transformar aquilo que foi percebido ou a representação figurativa da experiência: (1) pela reflexão interna – observação reflexiva; (2) pela manipulação externa do mundo - experimentação ativa (KOLB, 1984).

O conhecimento resulta da combinação daquilo que foi captado da experiência (ação) e de sua transformação (reflexão). A simples captação da experiência não é o suficiente para se aprender, assim como apenas a sua transformação não representa um aprendizado (KOLB, 1984). No processo da aprendizagem experiencial, informações sobre a ação/experiência são captadas (experiência concreta). Em seguida, o indivíduo reflete sobre essas informações externas abstraídas, considerando o repertório interno de conhecimento que ele já possui para gerar novas ideias a respeito da experiência vivenciada (observação reflexiva). De acordo com essas ideias, novos esquemas e teorias são criados (conceitualização abstrata) e implementados (experimentação ativa), gerando um novo conhecimento, e o ciclo se reinicia quando o indivíduo começa a refletir sobre as informações adquiridas por meio de uma nova experiência. Esse ciclo demonstra que o conhecimento é o resultado da transformação de experiências que são captadas em uma situação na qual essas são vivenciadas, refletidas, significadas para serem reaplicadas. Mediante esse ciclo de modalidades, central na perspectiva da aprendizagem experiencial, o profissional extrai de suas próprias experiências aprendizagens significativas para seu desenvolvimento, em níveis crescentes de diferenciação e integração de conhecimentos, habilidades e competências (PIMENTEL, 2007).

De acordo com Fong Boh, Slaughter & Espinosa (2007), os especialistas em software participam de diferentes projetos com particularidades específicas, o que possibilita a eles vivenciarem constantemente novas experiências. Quando o desenvolvedor reflete sobre o seu desempenho em um processo que envolve ‘refletir sobre a ação’, ele questiona as suas premissas como remodela as maneiras de realizar as tarefas em seu trabalho (MULHOLLAND, ZDRAHAL & DOMINGUE, 2004). No caso específico deste trabalho, todo projeto de software pode ser visto como uma experiência que gera provas com as quais as teorias utilizadas podem ser testadas e verificadas. Quando não se avaliam as experiências, os desenvolvedores atuam com base em teorias não testadas e não exploram, inclusive, teorias alternativas que poderiam vir a ser superiores (LYYTINEN & ROBEY, 1999).

4. Metodologia

Considerando o problema e os objetivos propostos neste artigo, optou-se por realizar uma pesquisa de abordagem qualitativa. Tal abordagem apresentou-se como a mais adequada devido à ausência de explicações confiáveis para o problema de pesquisa proposto, sendo necessário adotar um enfoque exploratório e descritivo (GODOY, 1995). Para Berg (2001), a pesquisa qualitativa responde perguntas pela investigação de ambientes sociais. Ela possibilita ao pesquisador compartilhar das compreensões e percepções dos indivíduos que habitam esses ambientes, como interpretar o comportamento das pessoas e os significados que elas atribuem às situações vivenciadas.

Este trabalho pode ser considerado um estudo do tipo multicaso, quando o pesquisador identifica a necessidade de estudar vários casos individuais que guardam uma correlação importante para entender um fenômeno como um todo (YIN , 2006).

Foram pesquisadas quatro ODSs . A escolha baseou-se no argumento de Yin (2006), em que mesmo que a pesquisa seja composta por apenas dois estudos de caso, a possibilidade de replicação de resultados em contextos com condições semelhantes é maior em relação ao estudo de caso único.  A seguir, o quadro 1 traz uma breve descrição das empresas que participaram desse estudo e que optaram por não divulgar a sua razão social:

ODS

Atuação

Características PRINCIPAIS

A

Oferece em seu portfólio soluções de tecnologia da informação: desenvolvimento de projetos sob medida, produtos para o mercado financeiro e gestão pública, outsourcing.

Fundada em 1991, possui escritórios regionais no sudeste, sul e nordeste do Brasil. Emprega cerca de 250 funcionários.

B

Especialista no desenvolvimento de sistemas para gestão acadêmica. Diferencial relacionado à gestão profissional dos processos da instituição de ensino de maneira simples, tecnológica e eficaz.

Fundada em 1989, possui escritórios na região sudeste e um na região sul do Brasil, e, como clientes, instituições de ensino públicas e privadas. Emprega cerca de 150 funcionários.

C

Possui diversas linhas de negócios, dentre elas, uma fábrica de software na região sudeste do Brasil. Para atender as exigências do mercado é certificada nos padrões CMMI (SEI) Nível 3 e ISO 9001-2000 (ABNT).

Fundada em 1991, possui clientes do setor público e privado. Emprega cerca de 1.500 funcionários, sendo que 70 atuam na fábrica de software.

D

Presta serviços para o mercado corporativo e governamental. Executa projetos de terceirização de áreas de desenvolvimento e manutenção de sistemas em todo o Brasil, via fábrica de software ou outsourcing.

Fundada em 1994, possui escritórios na região sudeste do Brasil. Emprega cerca de 200 funcionários.

Quadro 1: Empresas investigadas e características principais
Fonte: Elaborado pelos autores

Com o intuito de obter informações de pessoas que apresentassem uma percepção consolidada sobre o ambiente de trabalho dessas empresas foram entrevistados profissionais envolvidos no processo de desenvolvimento dos sistemas das ODSs participantes, contratados há pelo menos um ano. Cabe ressaltar que o presente artigo é parte de um estudo mais amplo, decorrente de uma tese de doutorado. As entrevistas aconteceram no mês de novembro de 2011, entretanto, os dados foram novamente reenviados para as empresas pesquisadas nos meses de março e abril de 2015, objetivando atualizá-los e revalidá-los. Desse modo, novas informações foram agregadas e outras desconsideradas em relação aos dados originais, conforme apresentado no quadro 2.

Organizações pesquisadas

Funcionários entrevistados

Função

Tempo de contratação  (em anos)

A

Desenvolvedor 1A

Diretor de Operações

4

Desenvolvedor 2A

Gerente de Projetos

3

Desenvolvedor 3A

Analista de Requisitos

3

B

Desenvolvedor 1B

Líder da Equipe de Atendimento

7

Desenvolvedor 2B

Especialista de Negócios

8

Desenvolvedor 3B

Analista e Desenvolvedor

6

C

Desenvolvedor 1C

Gerente do SEPG

12

Desenvolvedor 2C

Líder de Projetos

13

Desenvolvedor 3C

Analista e Projetista

8

D

Desenvolvedor 1D

Gerente de Tecnologia

7

Desenvolvedor 2D

Analista e Desenvolvedor

5

Desenvolvedor 3D

Analista e Desenvolvedor

12

Quadro 2: Caracterização dos Entrevistados
Fonte: elaborado pelos autores

Entrevistou-se   três desenvolvedores em cada ODS, devido à saturação dos dados, ou seja, ao comparar as respostas da segunda entrevista com a primeira, verificou-se que ambas eram muito semelhantes, com poucas especificidades. Portanto, três entrevistas foram suficientes em cada organização para atender aos objetivos deste trabalho.

Não se fez uso da codificação baseada na literatura para estabelecer uma matriz de amarração para o construto aprendizagem individual, devido a ausência de um padrão de situações de aprendizagem em ODSs. Logo o roteiro da entrevista foi constituído pela seguinte pergunta: como e onde você aprende a utilizar as ferramentas e os métodos necessários para executar o seu trabalho? Esse tipo de condificação é denominado por Gibbs (2009) como aberta por ocorrer posteriormente a entrevista, baseando-se na literatura de pesquisa e na percepção do investigador. Adotou-se como método de coleta de dados a entrevista semi-estruturada. Acrescenta-se que esse estudo utilizou apenas esse método, pois as organizações participantes não autorizaram a observação participante e não participante, bem como a análise documental.

As entrevistas foram transcritas pelos autores , os quais utilizaram um editor de texto. Posteriormente, os arquivos *.txt  foram importados para o software Weft_QDA, que trabalha com dados qualitativos por meio de quatro funções básicas: armazenamento de dados de forma organizada - em categorias analíticas ou demográficas criadas pelos investigadores-; busca e classificação de dados por meio de categorias - entrevistas, notas de campo, documentos, reflexões ou observações -; estabelecimento de relações com os dados por meio de diversas buscas; visualização dos resultados das buscas em forma de textos ou quadros.

Realizou-se uma leitura cuidadosa das transcrições com o intuito de identificar trechos dos textos que apresentavam relação, para se estabelecer códigos ou categorias.

A codificação é a forma como se define sobre do que se trata os dados em análise, envolve a identificação e o registro de uma ou mais passagens de texto ou outros itens dos dados, como partes do quadro geral que, em algum sentido, exemplificam a mesma ideia teórica e descritiva. A codificação é uma forma de indexar ou categorizar o texto para estabelecer uma estrutura de ideias temáticas em relação a ele (GIBBS, 2009).

De acordo com Gibbs (2009), após a identificação das categorias, é preciso agrupá-las em uma hierarquia de codificação. As categorias que guardam semelhança ou referem-se ao mesmo assunto são reunidas em um mesmo ramo dessa hierarquia. A categoria geral é denominada ‘código pai’ e a categoria associada à geral, denominada ‘código filho’. Esse tipo de hierarquia de codificação pode ser melhor compreendido ao analisar a figura 2.

Figura 2: Hierarquia de codificação
Fonte: GIBBS (2009).

Segundo Gibbs (2009), esse tipo de hierarquia traz vários benefícios: (1) possibilita  melhor organização dos dados; (2) permite uma análise dos dados em si, pois no processo de categorizar as respostas o autor desenvolve uma compreensão da visão de mundo dos respondentes; (3) impede a duplicação de códigos, principalmente quando há uma grande quantidade; (4) ajuda a ver o leque de formas possíveis de interpretação dos elementos - ações, respostas, sentidos - pois os códigos ou temas podem possuir dimensões; (5) possibilita certos tipos de perguntas analíticas, como questionar se as pessoas que realizaram a ação X de certa maneira, também realizaram a ação Y. No Weft Qda, a categorização dos dados é realizada conforme as orientações de GIBBS (2009).

5. Apresentação e discussão dos resultados

Buscou-se compreender como o desenvolvedor de software aprende os métodos e as ferramentas necessárias para executar o seu trabalho, conforme demonstrado na figura 3.

Figura 3: Como os desenvolvedores aprendem
Fonte: Elaborado pelos autores

A seguir, para melhor organização da pesquisa, cada categoria identificada será comentada separadamente.

5.1 O conhecimento prévio tende a facilitar o aprendizado

Para os desenvolvedores, o conhecimento prévio relacionado à sua área de atuação facilita a aprendizagem de novos métodos e ferramentas computacionais. Esses profissionais possuem um processo de desenvolvimento internalizado que atua como um guia na execução do trabalho e no momento de realizar as tarefas de outra maneira, para obter melhor desempenho ou adaptar-se às mudanças do ambiente no qual se está inserido. Os indivíduos seguem o mesmo raciocínio lógico sobre como executar a sua função. No entanto, esse raciocínio é aprimorado ao adquirir informações sobre os processos propostos pelos novos contextos. Conforme o depoimento de alguns desenvolvedores, na sequencia:

Uma vez que você tenha um raciocínio estruturado, a sua experiência sempre conta. Lógico que as linguagens, as técnicas, as metodologias vão mudando ao longo do tempo. Mas sempre o conhecimento prévio facilita, com certeza (DESENVOLVEDOR 1C).

Existe, já, a carga que eu tenho, de conhecimento, ao longo do tempo. Isso aí ajuda no desenvolvimento do que a gente tem que fazer (DESENVOLVEDOR 2D).

Esse conhecimento prévio está relacionado às estruturas lógicas de programação e às metodologias de Análise e Projeto de Sistemas, utilizadas em todos os projetos, independente da linguagem de programação adotada. Por exemplo, um desenvolvedor experiente em uma determinada linguagem tende a ter facilidade para aprender outras, pois o raciocínio lógico utilizado durante a programação não se altera:

Tem muita prática que a gente utilizava, anteriormente, e você vê que é a mesma coisa, só que com uma linguagem diferente, porque a parte lógica acaba sendo a mesma coisa. A mesma coisa. Tanto é que quando eu fui mudar, lá, do Java, quando eu fiz um curso de C# básico, assim, foi muito tranquilo. Quando eu saí, eu já saí praticamente no mesmo nível que eu estava no Java e fui adaptando: ‘-Ah, isso eu fazia assim, agora é assim’. Então, assim, facilitou demais isso (DESENVOLVEDOR 1A).

A relevância da aprendizagem adquirida por meio das experiências adquiridas também pode ser verificada quando as tarefas são interdependentes com aquelas exercidas em sua função atual, ou seja, a rotatividade de tarefas possibilita ao especialista em software compreender as consequências negativas dos erros cometidos ao executar o seu trabalho,  o que possibilita melhoria contínua do seu desempenho:

Principalmente ­até voltando um pouco na reflexão, ­ é legal quando a pessoa passa pelo atendimento, porque ela começa a ver um pouco do lado do cliente. Então, por exemplo, quando você vai especificar alguma coisa, você consegue voltar lá no tempo e falar assim: ‘O cliente se sentiria melhor com a ergonomia da tela dessa forma, porque da forma que está sendo proposta vai ficar trabalhoso, porque ele vai ter que clicar cinco vezes, ao invés de fazer dois cliques, por exemplo (Desenvolvedor 1B).

5.2 Aprende-se com o erro

Os desenvolvedores podem aprender quando avaliam os seus erros e as estratégias utilizadas para solucioná-los. Essa situação é incentivada por orientação de modelos de melhoria do processo de software que determinam que as situações atípicas, os erros e as suas soluções, precisam ser registrados em um documento denominado Lições Aprendidas:

Eu, particularmente, costumo ir sempre anotando o que eu vi de problema e o que gerou benefício para, depois, no final, montar lá tudo certinho. Também faz parte do nosso processo de lições aprendidas. E ir atualizando isso com o tempo. [...] Porém, o que é verdade hoje, amanhã pode não ser. Então, à medida que a gente vai pesquisando, vai analisando ponto a ponto, até mesmo na análise das lições aprendidas, quando a gente foca em um ponto só, a gente vê possibilidades de melhoria (DESENVOLVEDOR 1D).

O modelo de melhoria do processo de software orienta que, antes de iniciar um novo projeto, os desenvolvedores precisam ler as Lições Aprendidas de projetos anteriores semelhantes, para evitar a recorrência de erros e utilizar as práticas mais eficazes. As Lições Aprendidas são armazenadas em um repositório de dados para serem acessadas por todos os envolvidos na produção dos sistemas. Os indivíduos que possuem acesso a esse repositório podem ler, escrever nesses arquivos ecompartilhar as informações cadastradas uns com os outros Portanto, pode-se afirmar que esse documento atua como uma importante fonte de conhecimento para os desenvolvedores.

5.3 Aprende-se participando de projetos complexos

Os projetos complexos incentivam o aprendizado devido às situações atípicas que exigem novas soluções tecnológicas e novas maneiras de realizar o trabalho. Além disso, a complexidade tende a requerer um entendimento aprofundado da situação problema, a aquisição de novos conhecimentos provenientes de diferentes fontes e a reavaliação constante dos resultados obtidos, já que a primeira proposta de solução pode não ser a mais adequada:

Eu acho que os projetos mais difíceis de realizar são os principais, que envolvem coisas... Algo novo, que você não tem experiência. Além dele ser desafiador,  ele corre um sério risco de não cumprir o prazo, sair fora do prazo, é o principal que você adquire conhecimento (DESENVOLVEDOR 2B)

Portanto, para esses profissionais, os projetos complexos incentivam o aprendizado e são essenciais para o aprimoramento do seu repertório individual de conhecimentos, devido às inúmeras oportunidades de aprendizagem que possibilitam vivenciar experiências significativas.

5.4 Aprende-se com o cliente

Os desenvolvedores também podem aprender com os clientes quando os referidos solicitam funcionalidades que os softwares fornecidos pela empresa não possuem. Quanto mais complexa for a funcionalidade, maior será o aprendizado, pois, conforme mencionado anteriormente, as situações atípicas e complexas incentivam a reflexão e a aquisição de novos conhecimentos.

Desse modo, clientes e fornecedores são parceiros no processo de aprendizagem dos desenvolvedores,  ao compartilharem percepções e ideias, ao esclarecerem dúvidas sobre as funcionalidades que foram requisitadas, ou quando as avaliam:

[...] e sempre eu tenho conversado com ele. Falo: ‘-Ah, me tira uma dúvida aqui. Ou eles corrigem também. A gente tem muitos processos de revisão. Então, eu faço e alguém corrige (DESENVOLVEDOR 2C).

Identificou-se ainda que os desenvolvedores da Organização B, seguem as orientações de uma metodologia denominada ‘Operação Curiosidade’ que consiste em identificar o que gerou a necessidade de um cliente para implementar a melhor solução possível. Além disso, por meio dessa metodologia, é possível avaliar o valor dessa customização para o cliente e, consequentemente, para o sistema. As customizações que apresentam um alto valor são incluídas no processo padrão com o intuito de tornar o software mais eficaz e beneficiar outros clientes.

5.5 Aprende-se em eventos de capacitação profissional promovidos pela organização

Os treinamentos internos foram apresentados como um dos principais meios para adquirir conhecimento. Podem ser requisitados pelos desenvolvedores ou oferecidos para suprir uma necessidade de capacitação identificada pela própria empresa. Quando a equipe, por exemplo, identifica que os seus membros precisam aprender um determinado conhecimento, solicita-se um treinamento para o grupo responsável por promover os eventos de capacitação.

Além dos treinamentos, os desenvolvedores podem aprender em cursos de capacitação ou workshops promovidos pela empresa:

Então, a gente tem vários workshops aqui, na verdade, que auxiliam na explicação das ferramentas que a gente tem para desenvolvimento (DESENVOLVEDOR 1B).

Bom, nós temos cursos de formação (DESENVOLVEDOR 1C).

Em minicursos internos, onde há a passagem de conhecimento entre o grupo (DESENVOLVEDOR 2D).

Para identificar uma necessidade de capacitação profissional, a Organização D utiliza os resultados da ‘Matriz de Especializações por Pessoa’, também conhecida pelos desenvolvedores como “Quadro de Habilidades” e que mensura o nível de conhecimento dos funcionários em relação às competências e habilidades requeridas pelos projetos. Quando se constata que há profissionais que não apresentam o nível mínimo de conhecimento esperado, a ODS promove cursos ou treinamentos para reverter esse quadro.

5.6 Aprende-se em eventos externos de capacitação profissional

Os desenvolvedores aprendem em eventos externos oferecidos por instituições de ensino ou em eventos promovidos pelas empresas que desenvolvem as tecnologias utilizadas na produção dos softwares. Tais eventos são modalidades de treinamento realizados externamente às organizações pesquisadas. Normalmente, esses cursos são financiados pela ODS, desde que seja identificada uma necessidade de capacitação ou se o curso:

[...] Cursos externos para atualização (DESENVOLVEDOR 1B).

E a própria empresa, eu acho, te apoia muito. Por exemplo, um tempo atrás eu estava fazendo um curso de pós de função, a empresa me pagou o cursinho que eu fiz à distância (DESENVOLVEDOR 2A).

Algum curso de extensão fora (DESENVOLVEDOR 2C).

5.7 Aprende-se lendo livros da área

Outra fonte de conhecimento identificada é a literatura da área de desenvolvimento de software. Esses livros são adquiridos pelo desenvolvedor ou pela empresa quando requisitados:

[...] só complementando: a gente também tem uma vasta biblioteca de assuntos que também pode ser utilizada para consulta para a solução de determinado problema (DESENVOLVEDOR 1B).

As ODSs buscam manter dentro de suas instalações bibliotecas para armazenar esses livros e facilitar o acesso a essas literaturas, quando necessário.  

5.8 Aprende-se por meio da internet

A Internet apresentou-se como um meio extremamente útil para se adquirir conhecimento. Os desenvolvedores podem realizar cursos online, consultar conteúdos de sites especializados ou dos fornecedores das tecnologias utilizadas. É possível ainda, por meio da Internet, participar de comunidades e fóruns de discussão que tratam sobre assuntos da área:

Além disso, eu, particularmente, costumo acompanhar blog (DESENVOLVEDOR 1A).

Acho que a Internet ajuda muito na busca de conhecimento (DESENVOLVEDOR 1B)

5.9 Aprende-se com os membros da equipe

Os desenvolvedores, por não encontrarem nos meios formais ou organizacionais todo o conhecimento necessário e na velocidade esperada, adotam práticas de aprendizagem que beiram a informalidade, estando concentradas no âmbito individual e principalmente no do grupo (LIMA, FERRAZ, PINHEIRO & LIMA, 2010; RAMANUJAM & GOODMAN, 2011). Portanto, comumente, esses profissionais adquirem o conhecimento necessário para executar o seu trabalho ao aprender com os colegas mais experientes. Essa é uma das situações de aprendizagem mais incentivadas nas ODSs, que necessitam de colaboradores capacitados em um curto espaço de tempo e com pouco investimento financeiro:

Então, foi mais, tirando a parte de treinamento inicial que a gente tem, quando eu entrei aqui, é mais no convívio (DESENVOLVEDOR 1D).

Uma das estratégias utilizadas pelas ODSs para facilitar tal situação de aprendizagem é o ‘Desenvolvimento em Par’, que ocorre quando um desenvolvedor menos experiente trabalha e aprende com outro, mais experiente, até conseguir executar as tarefas conforme o nível de desempenho esperado pela  empresa.

E tem, também, o desenvolvimento em par, que é o pré-programa. Que a gente, também, utiliza. É uma ajuda que a gente dá, a programação em par. Realmente, essa técnica já foi utilizada por mim das duas formas, eu como instrutor e eu como o aluno. Com bastante proveito (DESENVOLVEDOR 2D).

Durante os seus ensinamentos, os desenvolvedores mais experientes também aprendem com os menos experientes. Por atuarem em uma área caracterizada por mudanças constantes, os mais experientes, mesmo atuando há muito tempo na função, podem não possuir todo o conhecimento essencial sobre o desenvolvimento de sistemas.

 Os profissionais menos experientes que atuam na área há pouco tempo, que normalmente são estagiários ou recém-formados, por manterem contato com o meio acadêmico, trazem consigo perspectivas mais atuais que podem aprimorar e atualizar o repertório de conhecimento dos desenvolvedores mais experientes:

Porque, às vezes, a pessoa está chegando como estagiário e tem muitas coisas que você ainda não teve contato com aquilo. E você acaba tendo um feedback, também, que você ganha. Tanto quem está aprendendo, e quem está compartilhando acaba tendo um retorno, também (DESENVOLVEDOR 1A)

Os colegas de trabalho também contribuem para o aprendizado dos seus pares quando fornecem opiniões para a resolução de problemas ou quando avaliam as tarefas realizadas. Essas contribuições levam o indivíduo a reformular as suas ideias, permitindo identificar e corrigir erros que não foram percebidos:

Eu só não reflito, como eu compartilho porque eu acho importante. Então, assim, eu vou te dar um caso prático. Por exemplo, eu estou dentro de um projeto e um desenvolvedor me questiona sobre uma regra de negócio do produto. Eu não sou o dono da razão, então eu recebo aquilo. Porque, assim, tem até umas parábolas que você lê com relação a quem está no papel de especialista ou em um papel que auxilia, que ouvir é muito mais importante do que falar. Então, é muito importante, na minha visão, você sempre escutar, receber bem o que a pessoa está te falando, para até não inibir a pessoa de dar uma opinião. E, talvez, aquilo que a pessoa está falando é uma coisa que você não conseguiu enxergar no momento que você estava fazendo uma especificação para a pessoa poder desenvolver, e que vai melhorar o produto lá no final (DESENVOLVEDOR 1B).

O quadro 3 apresenta de forma sucinta as situações de aprendizagem individual identificadas em cada ODS:

Como os desenvolvedores de ods aprendem no nível individual

Organização A

Organização B

Organização C

Organização D

- O conhecimento prévio tende a facilitar o aprendizado

- Aprende-se com o erro

- Aprende-se quando participa-se de projetos complexos

- Aprende-se com o cliente

- Aprende-se em eventos de capacitação profissional promovidos pela ODS

- Aprende-se em eventos externos de capacitação profissional

- Aprende-se por meio da Internet

- Aprende-se com os membros da equipe

- O conhecimento prévio tende a facilitar o aprendizado

- Aprende-se quando participa-se de projetos complexos

- Aprende-se com o cliente

- Aprende-se em eventos de capacitação profissional promovidos pela ODS

- Aprende-se em eventos externos de capacitação profissional

- Aprende-se lendo livros da área

- Aprende-se por meio da Internet

- Aprende-se com os membros da equipe

- O conhecimento prévio tende a facilitar o aprendizado

- Aprende-se quando participa-se de projetos complexos

- Aprende-se em eventos de capacitação profissional promovidos pela ODS

- Aprende-se em eventos externos de capacitação profissional

- Aprende-se lendo livros da área

- Aprende-se por meio da Internet

- O conhecimento prévio tende a facilitar o aprendizado

- Aprende-se com o erro

- Aprende-se quando participa-se de projetos complexos

- Aprende-se em eventos de capacitação profissional promovidos pela ODS

- Aprende-se lendo livros da área

- Aprende-se por meio da Internet

- Aprende-se com os membros da equipe

Quadro 3: Situações de aprendizagem individual.
Fonte: elaborado pelos autores

6. Considerações finais

De acordo com o estudo realizado, identificou-se que o conhecimento prévio relacionado à sua área de atuação facilita o aprendizado do desenvolvedor sobre novos métodos de trabalho. Este conhecimento pode ser visto como um processo de desenvolvimento internalizado, que atua como um guia na execução do trabalho No entanto, esse raciocínio é aprimorado ao adquirir informações sobre os processos propostos pelos novos contextos. Logo, pode-se afirmar que a aprendizagem é um processo emergente de reformulação de experiências passadas, para adquirir um novo conhecimento (KOLB, 1984; HALLAM & HALLAM, 2009).

Os desenvolvedores aprendem quando avaliam os seus erros, situação que é incentivada pela orientação ‘Lições Aprendidas’. O objetivo é evitar que erros anteriores tornem-se recorrentes e permitir que os melhores métodos de trabalho sejam reutilizados. Acrescenta-se que, ao refletir sobre os erros vivenciados anteriormente, é possível desenvolver novas ideias e, a partir delas, criar novos esquemas e teorias (novos conhecimentos), para obter melhores resultados em experiências futuras (KOLB, 1984; PAPADOPOULOS & ARMATAS, 2013).

Pode-se aprender quando participa-se de projetos complexos devido às situações atípicas que exigem novas soluções tecnológicas e novas maneiras de realizar o trabalho. Aprende-se também com os clientes, quando são solicitadas funcionalidades que os softwares fornecidos não possuem. Quanto mais complexa for a funcionalidade maior será o aprendizado, devido aos novos contextos que incentivam a aquisição de novos conhecimentos, a experimentação e a reflexão sobre os resultados obtidos (SEN & CHANTHANAKONE, 2010). Os desenvolvedores aprendem quando buscam descobrir o que gerou a necessidade do cliente, em vez de apenas implementar a funcionalidade solicitada. Essa situação foi identificada na Organização B, que adota uma metodologia denominada ‘Operação Curiosidade’, que consiste em identificar o que gerou a necessidade para implementar a melhor solução possível. De acordo com Kolb (1984), o conhecimento resulta da combinação daquilo que foi captado da experiência (ação) e de sua transformação (reflexão). Corroborando, Blahus (2011) destaca a importância dos pressupostos formulados por Kolb (1984) no envolvimento direto dos participantes no processo de aprendizagem por sua própria atividade e experiência. Ao descobrir o que ocasionou a necessidade de uma determinada funcionalidade, em vez de apenas implementá-la, o desenvolvedor obterá informações que contribuirão, significativamente, para a sua reflexão e para a implementação (ação) de uma solução eficaz. Corbett (2005) enfatiza a contribuição da aprendizagem experiencial nos processos que requerem maior sofisticação e propostas inovativas.

Pode-se aprender em eventos de capacitação profissional promovidos pela empresa, como treinamentos, cursos de formação profissional e workshops. Aprende-se em eventos externos de capacitação profissional. Aprende-se ainda, ao ler livros que abordam assuntos relacionados à área de desenvolvimento de software. E aprende-se por meio da internet ao realizar cursos online, ao consultar conteúdos de sites especializados ou quando participa-se de comunidades e fóruns que tratam sobre assuntos da área. Em todas as situações descritas, o desenvolvedor poderá adquirir uma multiplicidade de informações sobre técnicas de desenvolvimento de sistemas e sobre experiências vivenciadas por outros especialistas da área (DE CARVALHO, 2015; PICOLI & TAKAHASHI, 2016; SCHREIBER & SCHAAB, 2016).

Pode-se aprender com os colegas mais experientes, principalmente por meio do ‘desenvolvimento em par’, que ocorre quando um desenvolvedor menos experiente, trabalha e aprende com outro mais experiente, até conseguir realizar as suas tarefas sozinho, sem nenhum apoio. Durante os seus ensinamentos, os desenvolvedores mais experientes também aprendem com os menos experientes. Já os profissionais menos experientes que atuam na área há pouco tempo, que normalmente são estagiários ou recém-formados, por manterem contato com o meio acadêmico, trazem consigo perspectivas mais atuais que podem aprimorar e atualizar o repertório de conhecimento dos desenvolvedores mais experientes. Após aplicar essas informações por meio da ação e refletir sobre os resultados, o desenvolvedor obterá novas perspectivas sobre o processo de desenvolvimento, aprimorando o seu repertório particular de conhecimento (KOLB, 1984; YAMAZAKI & KAYES, 2004; KOUJI, SHUNICHI & AKIHIKO, 2010; DO NASCIMENTO et al, 2016).  

Quanto às limitações,  não se pode generalizar os dados adquiridos para outras ODSs, já que este trabalho utilizou como método de coleta de dados apenas a entrevista semi-estruturada, pois as empresas investigadas não autorizaram a observação e a analise documental. Para se obter uma compreensão profunda sobre o fenômeno investigado nos estudos de caso, os investigadores precisam coletar dados de múltiplas fontes (WOODSIDE, 2010). Segundo Yin (2006), a coleta de dados em múltiplas fontes – triangulação – possibilita o estabelecimento de conclusões convincentes e acuradas. A triangulação utilizada com frequência nos estudos de caso inclui: (1) entrevistas; (2) observação, (3) análise documental (WOODSIDE, 2010).

Portanto, é preciso fazer uso de outros métodos de coleta de dados com o intuito de realizar uma triangulação. De acordo com Kelle (2001), a triangulação de dados é a validação mútua dos métodos e resultados obtidos na investigação, a fim de identificar riscos de validade. É utilizada para produzir a imagem mais completa sobre o fenômeno investigado por meio da convergência de resultados utilizando diferentes métodos.

Referências

ABES. Associação Brasileira das Empresas de Software. Dados sobre Mercado Brasileiro de Software. 2014. Disponível em: <http://central.abessoftware.com.br/Content/UploadedFiles/Arquivos/Dados%202011/ABES-Publicacao-Mercado-2015-digital.pdf. Acesso em: 29 ABR. 2016.

ALARCÃO, I (2002). Escola reflexiva e desenvolvimento institucional. Que novas funções supervisivas? In J. Oliveira-Formosinho (Org.) (2002). A supervisão na formação de professores (pp. 217-238). Porto: Porto Editora.

ALBERTIN, A. L. (2000). Comércio Eletrônico Modelo, Aspectos e Contribuições de sua Aplicação. São Paulo: Atlas.

BLAHUS, R. (2011). Experiential Education as a Part of Human Development in Czech Republic Business Companies. In: Proceedings of the 7th European Conference on Management Leadership and Governance. Academic Conferences and Publishing International (ACPI).

BERG, B.L (2001). Qualitative Research Methods for the social sciences. California: Allyn & Bacon.

CORBETT, A. C. Experiential Learning Within the Process of Opportunity Identification and

Exploitation  (2005). Entrepreneurship Theory and Practice, 29, 473-491.

CORNIANI, A. A. (2015). Impactos culturais dentro de uma empresa devido à implantação de software para erp. Caleidoscópio, 1(6), 61-75.

DE CARVALHO, Luciano Martins (2015). Educação Corporativa e Desempenho Estratégico. Revista de Administração FACES Journal, 13 (3).

DO NASCIMENTO, Natália Marinho et al (2016). Gerenciamento dos fluxos de informação como requisito para a preservação da memória organizacional: um diferencial competitivo. Perspectivas em Gestão & Conhecimento, 6, (1), 29-44.

FONG BOH, W.; SLAUGHTER, S. A; ESPINOSA, J. A (2007). Learning from Experience in Software Development: A Multilevel Analysis. Management Science, 53 (8) 1315-1331.

GIBBS, G. Análise de Dados Qualitativos. Porto Alegre: Artmed, 2009.

GODOY, A. S 91995). A pesquisa qualitativa: tipos fundamentais. Revista de Administração de Empresas, 35 (3), p. 20-29, maio/jun. 1995.

HALLAM, Teresa A.; HALLAM, Stephen F (2009). Combining an Exciting Classroom Learning Environment with an Effective Computerized Learning Management System. Journal of Applied Research for Business Instruction, 7 (2), 2.

KELLE, U (2001). Forum: Qualitative Social Research Sozialforschung Sociological Explanations between Micro and Macro and the Integration of Qualitative and Quantitative Methods. Forum Qualitative Sozialforschung, 2 (1).

KOLB, D (1984). Experiential learning: experience as the source of learning and development.  New Jersey: Prentice Hall.

KOLB, A. Y.; KOLB, D. A. (2005). Learning Styles and Learning Spaces: Enhancing Experiential Learning in Higher Education. Management Learning, 4(2), p. 193-212.

KOUJI, Aoyama; SHUNICHI, Watanabe; AKIHIKO, Obata (2010). An Organizational Learning Method Developed by Extracting Organizational Knowledge Based on an Analysis of Activity Logs. In: ICICKM2010-Proceedings of the 7th International Conference on Intellectual Capital, knowledge Management and Organisational Learning: ICICKM. Academic Conferences Limited, 253.

LEE, F.; EDMONDSON, A. C.; THOMKE, S.; WORLINE, M (2004). The Mixed Effects of Inconsistency on Experimentation in Organizations. Organization Science, 15, (3), p. 310-326.

LIMA, B.E.; FERRAZ, S.F.S.; PINHEIRO NETO, G.F.; LIMA, T.C.B (2010). Aprendizagem experiencial em empresas de desenvolvimento de software. In: VI Congresso Nacional de Excelência em Gestão. Anais Eletrônicos do VI Congresso Nacional de Excelência em Gestão LATEC: Universidade Federal Fluminense, Niterói - Rio de Janeiro.

LYYTINEN, K.; ROBEY, D (1999). Learning failure in information systems development. Information Systems Journal, 9 (2), 85-101.

MAURER, T. J.; PIERCE, H. R. & SHORE, L. M (2002). Perceived beneficiary of employee development activity: A threedimensional social exchange model. Academy of Management Review, 27 (3), 432-444.

MULHOLLAND, P.; ZDRAHAL, Z.; DOMINGUE, J (2005). Supporting continuous learning in a large organization: the role of group and organizational perspectives. Applied ergonomics, 36 (2), 127-34.

NIASI, M. Software Process Improvement Implementation: avoiding critical barriers (2009). Cross Talk Magazine the journal of defense software engineering, 22 (1), 24-27.

PAPADOPOULOS, Theo; ARMATAS, Christine (2013). Evaluation of an ICT skills program: Enhancing graduate capabilities and employability. International Journal of Electronic Commerce Studies, 4(1), 93.

PEREZ, M. M. & FAMÁ, R (2015). Características estratégicas dos ativos intangíveis e o desempenho econômico da empresa. Unisanta Law and Social Science, 4(2), 107-123.

PICOLI, Florindo Rhaoni; TAKAHASHI, Adriana (2016). Capacidade de Absorção, Aprendizagem Organizacional e Mecanismos de Integração Social - Absorptive Capacity, Organization Learning and Social Integration Mechanisms. Revista de Administração Contemporânea, 20, (1), pp-1-20.

PIMENTEL, Alessandra (20070. A teoria da aprendizagem experiencial como alicerce de estudos sobre desenvolvimento profissional. Estudos de Psicologia, 12, (2), pp. 159-168. Universidade Federal do Rio Grande do Norte Natal, Brasil.

RAMANUJAM, R.; GOODMAN, P. S (2011). The challenge of collective learning from event analysis. Safety Science, 49 (1), 83-89.

RAUPP, D. F. R.; PEGORINI, G.; BECKER, G. V. & RUAS, R.  (2013). Competência organizacional e aprendizagem organizacional: a relação dos conceitos por meio das rotinas organizacionais. In: VI Encontro de Estudos em Estratégia, Bento Gonçalves/RS. Anpad.

SCHREIBER, Dusan; SCHAAB, Rafael (2016). Gestão do conhecimento organizacional em empresa de prestação de serviços técnicos. Gepros: Gestão da Produção, Operações e Sistemas, 11,(1), 145-158.

SEN, Sandipan; CHANTHANAKONE, Peter (2010). Implementing experiential learning through inter-disciplinary collaboration. In: Marketing Management Association 2010 Fall Educators’Conference Proceedings. p. 80.

TERRA, J. C. C (2000). Gestão do conhecimento: o grande desafio empresarial: uma abordagem baseada no aprendizado e na criatividade. São Paulo: Negócio.

TIDD. J., & BESSANT, J. (2015). Gestão da inovação (5th ed.). Bookman Editora.

TONINI, A. C.; CARVALHO, M. M. & SPINOLA, M. M. (2008). Contribuição dos modelos de qualidade e maturidade na melhoria dos processos de software. Produção, 18 (2), 275-286.

TONIOLO, C. M., & MARTINS, L. E. G. (2011). reuso de requisitos para famílias de produtos em sistemas embarcados. Revista da Universidade Ibirapuera, 1(1), 32.

WOODSIDE, A (2010). Case study research: theory, methods and practice. Bingley: Emerald Group.

YAMAZAKI, Yoshitaka; KAYES, D. Christopher (2004). An experiential approach to cross-cultural learning: A review and integration of competencies for successful expatriate adaptation. Academy of Management Learning & Education,3 (4), 362-379.

YIN, Robert K. Estudo de caso, planejamento e métodos. São Paulo: Bookman, 2006.


1. Graduada em Ciência da Computação (UNIS-MG) e Administração (FACECA). Especialista em Gestão de Tecnologias da Informação (UNINCOR). Mestra em Administração (CNEC). Doutora em Administração (MACKENZIE). leticia@unis.edu.br
2. Mestre em Administração pela Fundação Pedro Leopoldo (2012), Especialista em Gestão Empresarial e Bacharel em Administração com Habilitação em Comércio Exterior pela Universidade do Estado de Minas Gerais (2006). sheldonwilliamsilva@gmail.com
3. Doutor em Administração de Empresas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (São Paulo/SP), Mestre em Administração pelo CNEC, Especialização em Gestão Estratégica de Marketing e Negócios; Graduação em Administração de Empresas pela Faculdade Cenecista de Varginha (FACECA). profmarceloufms@hotmail.com

4. Graduado em Ciências Contábeis e Administração pela Faculdade Cenecista de Varginha. Pós Graduado em Gerência de Empresas e Mestre em Administração. Doutorando em Ciências da Linguagem na UNIVAS (Universidade Vale do Sapucai) em Pouso Alegre/MG. professoguilherme.marques@bol.com.br

5. Pós-graduado MBA - Gestão de Tecnologia da Informação (2012) e Bacharel em Sistemas de Informação pelo Centro Universitário do Sul de Minas (2010). sidney@unis.edu.br

6. Doutorando na UFLA, Mestrado em Engenharia Elétrica pela UFSJ (2013), Especialista em Tecnologias para Comunicação e Inovação Empresarial pelo IPP - Portugal (2015), MBA em Gestão de TI, Especialista em Redes de Computadores e Bacharel em Ciência da Computação pelo UNIS. fabricio@unis.edu.br


Revista Espacios. ISSN 0798 1015
Vol. 37 (Nº 31) Año 2016

[Índice]
[En caso de encontrar algún error en este website favor enviar email a webmaster]