Espacios. Vol. 37 (Nº 38) Año 2016. Pág. 15

Reflexões sobre Consumo Colaborativo

Reflexions on Collaborative Consumption

Priscila DE NADAI Sastre 1

Recibido: 15/07/16 • Aprobado: 15/08/2016


Conteúdo

1. Introdução

2. Comportamento do consumidor: uma visão geral

3. Discussão: das trocas comerciais ao consumo colaborativo

4. Considerações Finais

Referências


RESUMO:

Em 2010, um modelo de consumo baseado em trocas, locações e compartilhamento foi resgatado e empresas como Zipcar e The Hub se transformaram em exemplos de como este novo modelo conseguiu crescer. O termo “consumo colaborativo” tornou-se parte da internet e mostrou que estes web sites e serviços são um reflexo das formas atualmente possíveis de interação e compartilhamento de idéias e iniciativas criativas. A proposta deste artigo consiste na discussão teórica das práticas de consumo colaborativo e busca compreender se este novo modelo emerge, de fato, como uma nova forma de obtenção, consumo e descarte de bens e serviços?
Palavras-chave: comportamento do consumidor, consumo colaborativo, internet.

ABSTRACT:

In 2010, a consumption model based on exchanges, rentals and sharing came up again and companies such as Zipcar and The Hub have become success examples of this new model. The term “collaborative consumption” soon became part of the Internet, showing how such websites and services companies are a reflex of the multiple forms of sharing and interaction of initiatives and ideas currently available. The focus of this article consists in the theoretical discussion of collaborative consumption practices and seeks to understand if this new model really emerges as a new form of buying, consuming and discharging goods and services?
Key-words: consumer behavior, collaborative consumption, internet.

1. Introdução

No ano de 2008, houve a eclosão de mais uma crise econômica que, dadas as características de conectividade e interdependência entre as nações, atingiu nível mundial rapidamente. Na última década, os avanços tecnológicos possibilitaram, entre vários aspectos, a comunicação entre pessoas, entidades, governos, empresas, etc. de forma nunca antes experimentada. As organizações empresariais têm demonstrado especial desconforto face a esta novidade, uma vez que não estão habituadas e mesmo preparadas para um mundo em que não detêm o controle das informações veiculadas que lhes diz respeito.

As situações acima descritas se referem a transformações nos ambientes econômico, tecnológico e cultural que vêm contribuindo para a ocorrência de mudanças em outro contexto: o do consumo. Nesse sentido, algumas destas mudanças se refletem na forma como as organizações estão se relacionando com os seus stakeholders, principalmente, seus consumidores. Um exemplo é o surgimento do Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC) no ambiente virtual via mídias sociais; que foi criado para responder a uma crescente demanda de consumidores insatisfeitos, que passaram a divulgar de maneira sem precedentes suas insatisfações em relação a produtos, serviços e atendimentos. Esse movimento somente foi possível devido ao poder recém adquirido por esses consumidores por meio das mídias sociais (FIRAT; DHOLAKIA, 2006).

Outro exemplo de mudança é na maneira como alguns consumidores têm desempenhado a compra, o consumo e o descarte de bens e serviços. Desde os tempos mais remotos, essas atividades eram feitas, primordialmente, por meio das trocas, do escambo, do compartilhamento e da produção própria. Foi com o advento da Revolução Industrial, com a produção em escala e a especialização do trabalho, que outra forma de negociação de mercadorias ganhou espaço, ou seja, a das relações de troca comerciais em que empresas produtoras forneciam bens em troca de dinheiro e não mais favores ou outros objetos. Não que esta modalidade econômica ainda não existisse, mas somente ganhou escala e difundiu-se mundialmente a partir da transformação das sociedades em sociedades produtoras (BAUMAN, 2008).

Em 2010, o movimento dinâmico do consumo nas sociedades industrializadas e conectadas propiciou o resgate de um modelo de consumo baseado em trocas, locações e compartilhamento. Algumas empresas como Zipcar e The Hub se transformaram em exemplos importantes de como essa “nova” modalidade de consumo conseguiu crescer, atrair investimentos e novos membros. O termo “consumo colaborativo” tornou-se parte da internet e mostrou que estes web sites e serviços são mais do que uma maneira de promoção e venda de produtos (BOTSMAN; ROGERS, 2010). São um reflexo das formas atualmente possíveis de interação e compartilhamento de idéias e iniciativas criativas, no ambiente digital e globalizados em que vivemos. 

Diante do exposto, a proposta desse artigo consiste na discussão das práticas de consumo baseadas em padrões colaborativos, onde atividades de troca, locação e compartilhamento entre consumidores assumem posição de destaque, em detrimento das tradicionais atividades de compra e venda entre empresas e consumidores; porém, numa abordagem contemporânea, permeada pela tecnologia e pelas mídias sociais. Essencialmente, a discussão busca discutir se a proposta do consumo colaborativo, de fato, emerge como uma nova forma de obtenção, consumo e descarte de bens e serviços? Para isso, o artigo seguirá a modalidade de ensaio com o intuito de investigar na literatura de comportamento do consumidor a produção do conhecimento acerca do assunto.

A fim de atingir a proposta dessa investigação, o artigo foi dividido da seguinte maneira: além da introdução há uma seção que contempla o surgimento da disciplina de comportamento do consumidor proporcionando uma visão geral da área; a seção seguinte elabora a evolução das trocas comerciais até o consumo colaborativo; logo depois discute-se a diferença entre as atividades de consumo colaborativo e os conceitos de compartilhamento, o ato de presentear e a troca de commodities; por fim, é feito o fechamento do artigo com as limitações do estudo e sugestões para investigações futuras.

2. Comportamento do consumidor: uma visão geral

A partir da década de 1960, a interseção de distintos campos de estudo propiciou o surgimento do debate sobre o comportamento do consumidor que, desde então, evoluiu e se tornou uma disciplina influente no marketing. Dois importantes movimentos impulsionaram e fortaleceram a área, o primeiro foi a criação da Association for Consumer Research, em 1969; sendo o segundo o Journal of Consumer Research, em 1974 que desde aquela época vem estimulando a discussão e a produção do conhecimento na área (PACHAURI, 2002).

Estudiosos de comportamento do consumidor como Solomon (2002, p. 13) o definem como “o estudo dos processos envolvidos quando indivíduos ou grupos selecionam, compram, usam ou dispõem de produtos, serviços, ideias ou experiências para satisfazer necessidades e desejos”; sendo que para Blackwell; Miniard; Engel (2005, p. 06) o “comportamento do consumidor é definido como as atividades com que as pessoas se ocupam quando obtêm, consomem ou dispõem de produtos e serviços”.

Para o marketing, o interesse recai não somente sobre a compra, mas também sobre as atividades de pré-compra, com o reconhecimento de necessidades e desejos e a busca de informações sobre produtos e marcas. E sobre o pós-compra, com o consumo e a avaliação dos itens comprados, assim como o descarte desses produtos e de seus possíveis resíduos. Além disso, os diferentes papéis desempenhados pelos atores durante o processo de compra (influenciador, comprador, decisor e consumidor) constituem outro ponto de atenção. O objetivo primordial é gerar conhecimento que auxilie no desenvolvimento das estratégias de marketing. Nesse sentido, a gestão do marketing está interessada em saber como os consumidores se comportam e como suas atitudes em relação ao produto, preço, distribuição e promoção afetam os objetivos organizacionais (BLACKWELL; MINIARD; ENGEL, 2005).

As definições acima mostram que a área de comportamento do consumidor foi influenciada por diferentes disciplinas, o que gerou distintos olhares e desenhos metodológicos para a pesquisa. Segundo Alderson (1957) as principais influências da área são oriundas da sociologia, psicologia, antropologia e microeconomia o que resulta em diferentes abordagens de estudo sobre o consumo, que de acordo com o desenho da pesquisa ou inclinação do pesquisador pode assumir uma perspectiva macro (unidade de análise focada nas influências do ambiente - abordagem sociologia) ou micro (unidade de análise com foco nas influências do indivíduo - abordagem psicológica).

O aperfeiçoamento da disciplina originou distintas abordagens de estudo, sendo a abordagem tradicional e predominante denominada positivista. Essa abordagem permeia estudos apoiados na teoria econômica, comportamental, cognitiva, motivacional e situacional, principalmente. Uma das características dessa abordagem é ênfase na supremacia da racionalidade e da busca por uma verdade única e objetiva por meio da ciência; num contexto racional e ordenado onde o passado, o presente e futuro estão claramente definidos (ANDERSON, 1986; PETER; OLSON, 1983; HUDSON; OZANNE, 1988)

A abordagem não-positivista, por sua vez, é mais recente e surgiu na década de 1980. Ela engloba as perspectivas interpretativista e pós-moderna e tem seu foco voltado para questões simbólicas e subjetivas do consumo, dando grande importância ao contexto social e cultural. Acredita que os consumidores constroem significados com base em experiências de consumo individuais e, por este motivo, discorda da visão de uma única verdade, mas de múltiplas possibilidades. Uma das críticas à abordagem tradicional é de que ela se preocupa muito com uma visão racional do mundo e, na busca pela verdade única, nega o complexo mundo social e cultural em que os consumidores interagem (FIRAT; DHOLAKIA, 2006; HIRSCHMAN, 1985; HUDSON; OZANNE, 1988)  

A visão não-positivista se expandiu para além da pesquisa tradicionalmente aplicada às relações de trocas comerciais entre empresas e consumidores e adentrou o terreno dos estudos sobre consumo relacionados à políticas públicas (consumo responsável de álcool, controle de natalidade, combate ao fumo) ética, consumerismo e o chamado “lado negro” do comportamento do consumidor: consumo compulsivo, roubo em lojas, obesidade (PACHAURI, 2002).  A Figura 1 resume as principais características de ambas as abordagens.

Pressuposições

Abordagem Positivista

Abordagem Não-positivista

Natureza da realidade

Objetiva, tangível,

Única

Socialmente construída

Múltipla

Objetivo

Previsão

Influenciar o comportamento

Compreensão

Ênfase

Utilitária

Simbólica

Conhecimento gerado

Tempo livre

Independente do contexto

Tempo limitado

Depende do contexto

Visão de causalidade

Existência de causas reais

Múltipla, eventos de compra simultâneos

Tipo de pesquisa mais comum

Quantitativa, experimentos

Qualitativa

Relacionamento de pesquisa

Separação entre pesquisador e sujeito

Interativa, cooperativa, com o pesquisador sendo parte do fenômeno estudado

Figura 1. Principais Características das Abordagens Positivista e Não-positivista
Fonte: Adaptado a partir de Hudson & Ozanne (1988, p. 509) e Firat & Dholakia (2006).

Os movimentos de consumo com base em padrões colaborativos podem ser estudados a partir das duas abordagens. Nesse ensaio, optou-se pela abordagem não-positivista, pois entende-se que as transformações que vêm ocorrendo no ambiente, principalmente as culturais, econômicas e tecnológicas, têm influenciado o surgimento e/ou resgate do modelo de consumo baseado em padrões colaborativos. Outro forte motivador é que o objetivo primordial desse artigo consiste na discussão desse “novo” modelo de consumo que vêm crescendo, sem a pretensão de prever ou influenciar comportamentos futuros (BELK, 2005). Uma vez que o debate acadêmico sobre o assunto é escasso, a proposta desse artigo consiste primeiramente em chamar a atenção para o tema (BELK, 2007; BELK, 2010). E ainda, conforme será discutido mais adiante, embora muitos adeptos do consumo colaborativo o façam com o principal propósito de economizar recursos financeiros, outros consumidores se tornaram adeptos porque acreditam que esta seja uma modalidade de consumo mais alinhada com suas crenças de sustentabilidade e, desse modo, as questões simbólicas relacionadas ao consumo ganham ênfase. Assim, para dar continuidade à discussão, a próxima seção expõe as bases do consumo colaborativo em contraposição ao consumo tradicional, mostra a estreita relação desse modelo com o advento da internet e expõe uma breve evolução dos eventos online que contribuíram para o surgimento do consumo colaborativo.

3. Discussão: das trocas comerciais ao consumo colaborativo

Foi na segunda metade do século XX que o marketing contemporâneo teve sua identidade criada, uma vez que os princípios básicos que definem o marketing e o seu papel na sociedade são originários daquela época, sendo Alderson (1957), Bagozzi (1975), Bartels (1976) e Kotler e Levy (1969) alguns de seus principais expoentes. 

O conceito moderno de marketing teve certa evolução desde a segunda metade do século XX e de acordo com a American Marketing Association (AMA) o marketing, atualmente, consiste numa “função organizacional e num conjunto de processos para criar, comunicar e entregar valor para os clientes, em busca de administrar relacionamentos com estes de modo a beneficiar a organização e seus stakeholders” (AMA, 2004); ou seja, o conceito moderno de marketing extrapola a atividade de troca e pressupõe uma ênfase na manutenção de relacionamentos duradouros com consumidores e demais stakeholders. O comportamento do consumidor, por sua vez, foi caracterizado por Bagozzi (1975) como sendo ligado ao mercado, assim a existências das trocas é imperativa quando este é estudado a partir da visão do marketing.

Embora a entrega de valor tenha um papel de destaque na gestão de marketing moderna, as atividades de troca comercial entre organizações produtoras de bens e serviços e consumidores continua sendo o pilar de sustentação da economia moderna. Assim, mesmo que a orientação atual seja voltada para a entrega de valor, este valor significa que as trocas sejam realizadas de modo tal que o consumidor receba/perceba a melhor contrapartida na relação custo/benefício. Desse modo, as trocas continuam sendo a sustentação do conceito de marketing.   

Diante do exposto, algumas questões acerca da atividade de troca, no contexto do consumo colaborativo emergem: quais são as bases do consumo colaborativo? Essas bases estão alicerçadas em trocas? Que tipo de trocas e entre quem? Enfim, é possível dizer que trata-se de um modelo de consumo alternativo aos que já existem? Essas são algumas das questões que motivaram a realização desse ensaio e que servirão de fio condutor para a construção do debate.

O termo consumo colaborativo foi cunhado por Botsman e Rogers (2010, 2011), dois americanos que começaram a perceber a ascensão da colaboração entre pares como um novo movimento de consumo. A colaboração entre indivíduos não é uma atividade nova, entretanto, na visão dos autores, a novidade consiste no modelo de consumo que coloca a colaboração no seu cerne. A noção de colaboração já foi aplicada a diversas áreas, sendo um exemplo os Kibbutz em Israel, onde seus residentes constroem uma comunidade em que compartilham da mesma visão social, política e espiritual e dividem responsabilidades e recursos (RUFFLE; SOSIS, 2006). Para Botsman e Rogers (2011, p.113), o consumo colaborativo descreve a “rápida explosão nas formas tradicionais de compartilhamento, troca, empréstimo e locação reinventados por meio de tecnologias de rede numa escala e de maneiras nunca antes possíveis”. Para operacionalizar esse conceito, os autores o dividiram em três sistemas de consumo colaborativo baseados no tipo de transação em evidência, conforme segue:

  1. Sistema de Serviços de Produtos
    Consiste basicamente na locação de produtos ou na contratação de serviços de maneira facilitada. Algumas empresas atuam no âmbito da locação entre pessoas físicas e outras entre empresas e pessoas físicas e/ou empresas. Alguns exemplos são: compartilhamento de automóveis (Zipcar, Street Car, Hour Car), compartilhamento de automóveis entre pares (Whipcar, Relay Riders, Getaround), compartilhamento de bicicletas (B-Cycle, Smart Bike, Melbourne Bike Share), aluguel entre pares (Zilok, Rentoid, Ecomodo), aluguel de brinquedos infantis (Dim Dom, Baby Plays, Rent a Toy), aluguel de objetos de moda e acessórios (Bag Borrow or Steal, Fashion Hire, Dressed Up), filmes (Netflix, Lend Around, Quickflix), energia solar (Solar City, Solar Century, Preta Sol).   
  2. Mercados de Redistribuição
    Nesse tipo, produtos são passados adiante sendo eles usados ou novos por meio de trocas ou vendas. Alguns exemplos são grandes mercados (Craig’s List, Gumtree, e-Bay), troca livre (Around Again, Freecycle, Freeally), troca de livros (Text Book Exchange, Book Hopper, Read It Swap It), troca de brinquedos infantis (Toy Swap, Thread Up, Mum Swap), troca de roupas (Swap Style, Big Wardrobe, Clotihing Exchange), troca de mídias (Swap, Swap Simple, Swapster), troca e empréstimo de e-books (Book Lending, Lendle, eBook Fling).
  3. Estilos de Vida Colaborativos
    Nesse caso, os autores propõem que não apenas os bens físicos possuem a característica de serem compartilhados ou trocados, mas também outros elementos como tempo, espaços, habilidades, etc. Alguns exemplos são: espaço de coworking (The Hub, Bees Office, Hub Culture), empréstimos sociais entre pares (Zopa, Prosper, Funding Circle), moedas sociais (Quid, Time Banks, Vem), crowdfunding (Catarse, Movere, Kickstarter), caronas (Zimride, Lift Share, Karzoo), caronas de táxi (Taxi Share, Weeels, Taxi Deck), viagens (Couch Surfing, AirBnB, One Fine Stay), compartilhamento de jardins (Urban Garden Share, Land Share, Shared Earth), refeições compartilhadas (Eat with Me, House Bites), trocas de favores (Trade a Favor, Fiverr, Hey Neighbor!).

Cabe ressaltar a estreita relação desse movimento com a criação e o aperfeiçoamento da internet, que propiciou transformações no modo de interação entre pessoas e entre empresas e seus públicos de interesse. Neste sentido, a figura 2 descreve os eventos online que impulsionaram o surgimento do consumo colaborativo. 

Período

Descrição

1991 - 2000

No contexto norte-americano, as chamadas “garage sales” (oferta de produtos usados que eram vendidos nas casas das pessoas, de preferência com exposição dos produtos em garagens ou em quintais) emergiram no espaço virtual com o crescimento da internet. Empresas pioneiras como Around Again, Clothing Swap e Make Up Alley desenvolveram plataformas virtuais de troca e venda de mercadorias usadas que rapidamente atingiu grande audiência. Na sequência, surgiram empresas como e-Bay e Craigslist que funcionam como um tipo de classificados online para troca, compra e venda de produtos novos ou usado, além de serviços, etc. Em 1997, Netflix e Zipcar surgiram com um modelo alternativo de locação de filmes e carros, contribuindo para o fortalecimento do setor de serviços. Em 1998, nasceu o gigante da internet Google e em 2000, a bolha das empresas “ponto com” explodiu e diversas foram à falência. Estes dois eventos fizeram com que as pessoas deixassem de confiar nos experts da internet e passassem a atribuir mais confiança a informações e avaliações oriundas de seus grupos de referência.  

2001 - 2005

Diversos espaços para compartilhamento de informações e avaliações sobre produtos e serviços feitas por usuários começaram a surgir. Em 2001, o Wikipédia iniciou suas atividades formalmente e em 2004, o site Yelp.com lançou sua plataforma de avaliações de produtos e serviços. No mesmo ano foi lançado o Facebook, nos Estados Unidos, transformando radicalmente o modo de interação online entre seus membros. A compra por meio da internet ganha contornos expressivos em diversas partes do mundo.   

2006 - 2008

O rápido avanço da comunicação por meio da internet proporcionou uma revolução nos serviços de aluguel e, entre outras mudanças, iniciou a democratização do acesso ao luxo por meio de empresas como Bag Borrow or Steal (locação de bolsas e acessórios de luxo), Swap Style (locação de roupas de designers famosos), Homeaway (locação de propriedades privadas em diversas partes do mundo) e Sherpa Report (locação e compartilhamento de barcos, aviões e propriedades de luxo). O Facebook foi descoberto pelas empresas que passaram a interagir online com públicos de interesse. 

2009 - 2010

Neste período, serviços de consumo colaborativo tornaram-se mais sociais, com a integração destas plataformas às mídias sociais como Facebook. Uma plataforma social de compra e venda de mercadorias também foi criado - o Yardseller.

Figura 2: Resumo evolutivo das plataformas de consumo colaborativo
Fonte: Produzido pela autora a partir de Botsman & Rogers (2011) e Zheng (2010).

Afinal, o consumo colaborativo consiste num novo modelo de consumo?

Uma vez que o modelo de consumo colaborativo proposto por Botsman e Rogers (2010) se baseia no serviço de locações de produtos, venda e troca de produtos novos e/ou usados e no compartilhamento de coisas variadas como objetos, espaços e tempo; é importante diferenciar cada um destes conceitos e refletir até que ponto, de fato, um novo modelo foi proposto.

A este respeito, Belk (2010) discute a importância da diferenciação entre compartilhamento, o ato de dar presentes e as trocas de commodities. O compartilhamento constitui um comportamento pró-social não recíproco, sendo que para Belk (2007, p.126) o compartilhamento é “o ato e o processo de distribuir o que é nosso para outros para que usem e/ou o ato e o processo de receber ou pegar algo do outro para nosso próprio uso”. Assim, é possível entender que o conceito de compartilhamento não carrega o conceito de troca em si, pois o ato de compartilhar não necessariamente envolve uma reciprocidade. Pelo menos não imediatamente. Um dos exemplos mais comuns de compartilhamento é aquele que ocorre no contexto familiar, onde indivíduos dividem o mesmo espaço de moradia, a mesma comida, os mesmos utensílios, etc.  

O ato de dar presentes é uma expressão emocional do ser humano, que possui um desejo de desenvolver um relacionamento mais íntimo com outros indivíduos. É também certo protocolo social para determinadas ocasiões como casamentos e aniversários. Tanto o ato de presentear quanto o compartilhamento são expressões das necessidades humanas (FISCHER; ARNOLD, 1990).  

A troca de commodities, por sua vez, constitui uma relação de transferência de produtos já usados entre indivíduos, sendo que certos aspectos devem ser respeitados: as duas partes devem concordar com o que é trocado, a troca deve ser boa para ambas as partes, a moeda não necessariamente entra no processo de troca (BELK, 2007; BELK, 2010).

Diante do exposto, qual a diferença dos sistemas de consumo colaborativo para as vendas por meio de leilões de usados, garage sales, o compartilhamento e/ou trocas entre familiares, vizinhos, conhecidos e os tradicionais serviços de locação? O modelo proposto por Botsman e Rogers (2010) não necessariamente pode ser entendido como uma ruptura com as formas de obtenção, consumo e descarte já conhecidas. A inovação consiste no avanço e criatividade das técnicas de locação, redistribuição e compartilhamento que devido ao momento de grande conectividade em que vivemos se expandiu e ultrapassou as barreiras da comunicação, tornou os produtos e/ou serviços mais facilmente acessíveis, entre outros. Contudo, além da internet, as pressões advindas do ambiente econômico, principalmente nos contextos norte-americano e europeu, impulsionam o crescimento das atividades de troca, de redistribuição e de compartilhamento, assim como já aconteceu em outros períodos de escassez como a crise de 1929 e a queda da antiga União Soviética. Sendo assim, continua-se com um modelo de consumo já existente, porém, mais dinâmico e eficiente ao divulgar e colocar em contato pessoas que nunca sequer se viram. Por fim, vale ressaltar algumas considerações adicionais sobre a proposta do consumo colaborativo. Na seção seguinte serão apontadas as limitações do estudo e sugestões para estudos futuros, assim como reflexões finais em relação ao termo consumo colaborativo.

4. Considerações Finais

A proposta desse artigo consistiu na discussão das práticas de consumo baseadas em padrões colaborativos, onde atividades de troca, locação e compartilhamento entre consumidores assumem posição de destaque em detrimento das tradicionais atividades de compra e venda entre empresas e consumidores; porém, numa abordagem contemporânea permeada pela tecnologia e pelas mídias sociais. Essencialmente, a discussão buscou compreender se de fato a proposta do consumo colaborativo emerge como uma nova forma de obtenção, consumo e descarte de bens e serviços?

Diante do exposto, é possível entender que o modelo proposto por Botsman e Rogers (2010) resgata elementos de negociação já praticados há muito tempo, contudo, numa perspectiva mais moderna e adaptada ao contexto atual. Mas como ele faz o resgate, não constitui uma inovação. Os três sistemas de serviços exemplificados se mostram modelos de negócios de serviços focados na intermediação da venda de algo (espaço, coisas usadas – commodities, coisas novas, etc.) ou no aluguel temporário. A idéia de colaboração que dá nome ao “modelo” parece muito distante daquela encontrada nos Kibbutz. Desse modo, a colaboração parece mais o que é melhor para cada um e não para um grupo. Talvez a idéia de colaboração possa ser encontrada no sistema de estilos de vida colaborativos por meio de iniciativas concretas como o crowdfunding e os espaços de coworking. Ainda assim, o termo consumo colaborativo torna-se muito abrangente e pouco aderente a proposta do modelo, necessitando assim de ser rebatizado.   

Vale ressaltar que embora muitos adeptos do consumo colaborativo o façam com o principal propósito de economizar recursos financeiros, outros consumidores se tornaram adeptos porque acreditam que esta seja uma modalidade de consumo mais alinhada com suas crenças de sustentabilidade e, deste modo, as questões simbólicas relacionadas ao consumo ganham ênfase.

Nesta perspectiva, a proposta do consumo colaborativo sugere outras reflexões que vão além da discussão em torno da inovação do modelo de obtenção, consumo e descarte de bens e serviços. Neste sentido, um ponto interessante é a democratização do acesso a itens de luxo proporcionada por empresas de locação de artigos como bolsas, jóias, propriedades e clubes privativos, jatos e barcos. Essa “democratização” do acesso a itens de luxo gera uma boa discussão a respeito do assunto, uma vez que estes itens exclusivos se tornam disponíveis a pessoas menos exclusivas por, pelo menos, um período de tempo. E nessa mistura de consumidores exclusivos com outros não tão exclusivos assim, pressupõe certa fragilidade no consumo de luxo. Assim, como fica a gestão das marcas que têm suas bolsas alugadas? Esse movimento chega a representar algum dano significativo à imagem dessas organizações? Ou esse movimento é ainda muito incipiente? Essas e outras perguntas poderiam ser extrapoladas para os demais produtos e serviços. Outra discussão interessante se refere as questões de segurança em relação ao sistema estilos de vida colaborativos ou de seguro em relação a locação de produtos. Neste sentido, os autores não apontam estas dificuldades ou falhas de seus sistemas, pelo contrário, enfatizam as benesses.

Por fim, como o presente trabalho se trata de um ensaio, diversas são as suas limitações, as quais são aqui colocadas como oportunidades para futuros estudos. Nesse sentido, a produção do conhecimento sobre as atividades de compartilhamento merecem maior atenção por parte dos estudiosos de marketing, de modo que a recente tendência aqui exposta possa ser empiricamente testada e avaliada em termos de viabilidade e de seu impacto nas atividades das empresas produtoras e da atividade de marketing de forma geral.

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1. Doutora em Administração pela FEA/USP. Pesquisadora no Núcleo de Estudos e Pesquisa em Administração (NEPA), da Faculdade Novo Milênio. Vila Velha, ES, Brasil. Email: pris.denadai@gmail.com


Revista Espacios. ISSN 0798 1015
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