ISSN 0798 1015

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Vol. 38 (Nº 01) Año 2017. Pág. 4

Gestão de recursos hídricos no Brasil e interdisciplinaridade: Uma reflexão em torno de apontamentos contemporâneos desta relação

Water resources management in Brazil and interdisciplinarity : A reflection around contemporary notes this relationship

Danilo, COSTA E SILVA 1; Gesinaldo, CANDIDO 2; José, BARACUHY 3; Henrique, CHAVES 4; Wilson CURI 5

Recibido:19/07/16 • Aprobado: 15/10/2016


Conteúdo

1. Introdução

2. Interdisciplinaridade, história e meio ambiente

3. Evolução na gestão de recursos hídricos no Brasil: rumo a interdisciplinaridade

4. Apontamentos contemporâneos em torno da interdisciplinaridade e a gestão de recursos hídricos

5. Considerações finais

Referencias


RESUMO:

Nas ultimas décadas os avanços na gestão de recursos hídricos tem gerado a necessidade de se avançar teoricamente na relação interdisciplinar. Diante desta realidade percebe-se que há uma carência de estudos que correlacionem os diversos aspectos da interdisciplinaridade e sua relação com os recursos hídricos, uma vez que a construção teórica em termos de interdisciplinaridade tem se ampliado em anos recentes. No Brasil tal realidade é ainda mais precária uma vez que a implantação de uma gestão de recursos hídricos descentralizada e de natureza interdisciplinar ainda carece de aperfeiçoamentos. Neste termos o presente artigo vem apresentar uma análise de apontamentos contemporâneos em termos de interdisciplinaridade no Brasil. Percebeu-se que a temática interdisciplinar já permeia o pensamento de relevantes teóricos no país e neste sentido tal realidade pode contribuir de forma direta para uma mudança de pensamento a longo prazo.
Palavras-chave: Interdisciplinaridade, Gestão de Recursos Hídricos, Brasil.

ABSTRACT:

In recent decades, advances in water management has generated the need to theoretically advance in interdisciplinary’s relationship. Given this reality it is perceived that there is a lack of studies that correlate the various aspects of interdisciplinarity and its relation to water resources, since the theoretical construction in terms of interdisciplinarity has expanded in recent years. In Brazil this reality is even more precarious since the implementation of a decentralized water management and interdisciplinary nature still needs improvements. In terms of this article is to present an analysis of contemporary notes in terms of interdisciplinarity in Brazil. It was noticed that the interdisciplinary theme now permeates the thinking of theoretical material in the country and in this sense that reality can contribute directly to long-term thinking of change.
Keywords: interdisciplinarity, Water Resources Management, Brazil.

1. Introdução

Ao longo do ultimo século a gestão de recursos hídricos no Brasil evoluiu desde uma postura centralizada e eminente disciplinar para uma postura holística, onde cada vez mais se percebe que o recorte disciplinar não responde a complexidade observada, tendo a temática interdisciplinar como uma provável alternativa a ser levada em consideração, apresentando assim uma reposta ao cenário complexo observado na gestão de recursos hídricos.

Neste sentido, embora  atualmente se observe avanços quanto a adoção de um olhar que vá além do disciplinar, percebe-se por vezes a força da temática disciplinar, tanto em atividades de cooperações multidisciplinares que terminam por privilegiar um ramo do conhecimento em detrimento do outro, quanto em termos teóricos, onde por vezes determinados conhecimentos se sobressaem e outros são desprezados. Acrescido a este fato, percebe-se que os apontamentos (Setti et al, 2001: Tucci, 2000; Tundisi, 2001; Vieira, 2003) relacionados a ligação da interdisciplinaridade com a gestão de recursos hídricos no Brasil ainda são recentes e localizados carecendo assim de um panorama que os correlacione.  Neste sentido se observa ainda um vasto percurso a ser delineado no que diz respeito a cooperação e adoção do pensamento que vá além da temática disciplinar nos seus mais diversos desdobramentos. 

O presente artigo tem como intuito apresentar uma reflexão sobre a relação gestão de recursos hídricos e interdisciplinaridade, fundamentado tanto a partir da análise da própria evolução da gestão de recursos hídricos, quanto a partir dos principais apontamentos contemporâneos da relação.  Para tanto com base em uma revisão de literatura serão apresentadas as origens do pensamento interdisciplinar no mundo destacando um breve panorama histórico, em seguida será apresentada a evolução nos modelos de gestão de recursos hídricos no Brasil e sua relação com a interdisciplinaridade e por fim os principais apontamentos contemporâneos em termos de gestão de recursos hídricos e interdisciplinaridade.           

Em termos metodológicos estes apontamentos foram selecionados a partir de uma revisão de literatura que teve como ponto de partida a seleção previa de artigos de acesso livre na internet, por questões de acesso a informação. Nestes termos a consulta esteve voltada para bases de dados com acesso livre, tendo como resultado prévio a seleção de 507 artigos (na base de dados scielo) e 948 (na base de dados Repidisca) a partir dos descritores (“recursos hídricos” e “interdisciplinaridade”), juntamente com publicações (livros),  no período consulta de abril a agosto de 2013.  Nestes termos os critérios para seleção da amostra foram: artigos completos; idioma português; publicações (livros e artigos) que fossem elaboradas por pesquisadores brasileiros. Em termos critérios de exclusão, um primeiro critério, foi o não uso de teses e dissertações e um segundo critério foi a exclusão de  livros e artigos  que não estivessem condizentes com os objetivos da presente revisão.

2. Interdisciplinaridade, história e meio ambiente

Embora por vezes se aponte equivocadamente para a interdisciplinaridade como uma temática recente, uma simples incursão na história demostra que as raízes de tal pensamento remonta épocas antigas, servindo de alicerce para o pensamento da humanidade muito antes de qualquer forma partilhada de conhecimento científico.

Neste sentido Coimbra (2000) apresenta o desenvolvimento do pensamento interdisciplinar através da história, destacando incialmente os primeiros filósofos do Ocidente,  conhecidos por olhar para o mundo natural a partir de uma visão de síntese (holística). Destacando-se neste termos os  monistas que explicavam o mundo a partir de um único elemento e o surgimento das primeiras sínteses como a de Empédocles (492-432 a.C.), que explicava a geração e a destruição das coisas como sendo a mistura ou separação das quatro “raízes” eternas: terra, ar, água e fogo.      Platão (429-347 a. C.), ao fundar a sua Academia, e Aristóteles (384-322 a. C.), ao criar o  Liceu, tiveram crescente preocupação em dar unidade ao saber e foram, inegavelmente, “interdisciplinares” e “transdisciplinares” em suas sínteses.  Indo adiante no curso da historia Coimbra (2000) destaca a idade média, onde os conhecimentos (precusores da ciência moderna) agrupavam-se em dois grandes blocos (rumo ao holismo).  O primeiro bloco conhecido como “Quadrivium”, era constituído por Geometria, Aritmética, Astronomia e Música, como a parte “científica” do “Septivium”. O segundo bloco era o Trivium, construção superior, que compreendia Gramática, Retórica e Dialética. Esses sete conhecimentos habilitavam o estudioso aos graus acadêmicos para a docência (bacharelado, licenciatura e doutorado). A época posterior, conhecida como Renascimento destacou-se por buscar uma síntese com base no humanismo. Comenius foi típico representante desta época, impregnado de uma preocupação unificadora em suas numerosas obras (Coimbra, 2000).

Posteriormente, segundo Coimbra (2000), o Iluminismo a partir do paradigma cartesiano-newtoniano fomentou o desencadeamento das infindáveis especializações e da visão mecanicista do mundo.  Nestes termos a natureza, como uma máquina a ser conhecida, deve ser “desmontada” por estudos cada vez mais específicos dos seus elementos.   Destacando-se assim que a Era Industrial, com suas exigências cada vez mais numerosas e específicas, empurrou a ciência para caminhos sempre mais fragmentários.

Com isso, o conhecimento foi-se tornando marcadamente disciplinar, sempre com novas especialidades e subespecialidades. Não se pode ignorar o papel do Positivismo, em particular nas últimas décadas do século XIX e nas primeiras do século XX. Ele pretendeu conferir um novo estatuto ao saber, acentuando enfaticamente a “ordem e progresso” através das ciências positivas, privilegiando o absolutismo das Ciências Exatas (apesar de ter estado presente ao nascimento da Sociologia). Foi, sem dúvida, um golpe na interdisciplinaridade, ao menos sob o ponto de vista epistemológico e holístico (Coimbra, 2000).     Impulsionado por uma crise na ciência (Left, 2000) o retorno ao pensamento interdisciplinar posterior ao referido “golpe” se deu apenas em meados do século XX, em uma retomada datada de meados da década de 1960, ressurgindo na Europa, principalmente na França e na Itália (causa ou consequência, não é o caso de aqui se discutir o lado mais importante da questão, acreditasse que ambos), época em que se insurgem os movimentos estudantis, reivindicando um novo estatuto de universidade e de escola. Aparece, inicialmente, como tentativa de elucidação e de classificação temática das propostas educacionais que começavam a aparecer na época, evidenciando-se, através do compromisso de alguns professores em certas universidades, que buscavam a duras penas o rompimento a uma educação por migalhas (Fazenda, 2009).

Esse posicionamento nasceu como oposição a todo conhecimento que privilegiava o capitalismo epistemológico de certas ciências, como oposição à alienação da Academia às questões da cotidianidade, às organizações curriculares que evidenciavam a excessiva especialização e a toda e qualquer proposta de conhecimento que incitava o olhar do aluno a uma única, restritiva e limitada direção, a uma patologia do saber.     Segundo Fazenda (2009) o destino da ciência multipartida seria a falência do conhecimento, pois na medida em que nos distanciássemos de um conhecimento em totalidade, estaríamos decretando a falência do humano, a agonia de nossa civilização. Toda esta discussão teórica da década de 1970 a respeito do papel humanista do conhecimento e da ciência, acabou por encaminhar as primeiras discussões sobre a interdisciplinaridade de que temos notícia. A categoria mobilizadora dessas discussões sobre interdisciplinaridade na década de 1970 foi a totalidade.

A totalidade como categoria de reflexão foi o tema por excelência de um dos principais percussores do movimento em prol da interdisciplinaridade, o Georges Gurdorf, que em 1961 apresentou à UNESCO um projeto de pesquisa interdisciplinar para as ciências humanas. A idéia central do projeto seria reunir um grupo de cientistas de destaque para realizar um projeto de pesquisa interdisciplinar nas ciências humanas. Tal projeto previa a diminuição da distancia teórica entre as ciências humanas. Essa idéia foi retomada em outras diretrizes por um grupo patrocinada pela UNESCO, cujo trabalho foi publicado em 1968 e dele fizeram parte estudiosos das principais universidades europeias e em diferentes áreas de conhecimento. A hipótese de trabalho desse grupo era indicar as principais tendências da pesquisa nas ciências do homem no sentido de sistematizar a metodologia e os enfoques das pesquisas realizadas pelos pesquisadores em exercício no ano de 1964. Com este estudo a pretensão seria o levantamento de questões para a construção das ciências em movimento, em ação, aquelas que realmente se exerciam.

Analisando hoje as entrelinhas desse estudo, após quase 30 anos de sua publicação, encontramos hipóteses e orientação de trabalhos para as ciências humanas. Paralelemente a esses estudos da UNESCO, em Louvain, 1967, encontramos a realização de um colóquio, cuja finalidade era refletir sobre o estatuto epistemológico da teologia. Esse exercício acabou por indicar as dificuldades e explicitar caminho para a interdisciplinaridade a partir de um problema proposto: a necessidade de pesquisas relações IGREJA/ MUNDO. Dele fizeram parte futuros teóricos da interdisciplinaridade tai como: Hourtart, Tolt, Ladriere, Palmade que se dispuseram a definir o sentido da reflexão, os métodos convenientes e os meios necessários à execução do referido projeto (Fazenda, 2009).

Segundo Alvarenga et al (2011) já no inicio da década de 1970 se destaca o I Seminário internacional sobre Pluri e Interdisciplinaridade, realizado na Universidade de Nice (França) nos dias 7 a 12 de setembro. Neste seminário além do aprofundamento da discussão teórica e aplicação de dois termos (pluri e interdisciplinaridade) surge pela primeira vez o termo “transdisciplinaridade”, definido como a “coordenação de todas as disciplinas e interdisciplinar do sistema de ensino/inovação sobrea base de uma  axiomática geral.  Neste seminário dentre outros se destacam as contribuições de Jantcsh e Jean Piaget onde ambos apresentaram modelos voltados para conceituar interdisciplinaridade, definida por Piaget como uma “colaboração entre disciplinas diversas, ou entre setores heterogêneos de uma mesma ciência que conduz a interações propriamente ditas, isto é, uma certa reciprocidade dentre das trocas de maneira que haja aí um total enriquecimento mutuo” e pelo Jantsch como uma “Axiomática comum de grupo de disciplinas conexas, definida em nível ou sub-nivel hierárquico imediatamente superior” (Alvarenga et al, 2001).  

No ano seguinte (1971) instalou-se sob o patrocínio da Organização para Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) um comitê de experts entre eles Guy Berger, Leo Apostel, Asa Brigs, Guy Michaud, com o propósito de redigir um documento que viesse contemplar os principais problemas do ensino e da pesquisa nas universidades. Essa tentativa convergiu para a organização de uma nova forma de conceber universidade, na qual as barreiras entre disciplinas poderiam ser minimizadas, nela seriam estipuladas as atividades de pesquisa coletiva e inovação no ensino.

 O esforço empreendido na década de 1970 revelou que os pressupostos de uma epistemologia convencional não conduziriam ao avanço na compreensão das implicações teóricas da interdisciplinaridade. Não se trata mais de adotar uma posição fechada pela utilização de aspectos ou níveis de uma mesma variável. Assim o movimento da historia na década de 1980 foi um movimento que caminhou na busca por epistemologias que explicitassem o teórico, o abstrato, a partir do prático, do real. Muitas foram as contribuições nesse sentido, entretanto, um dos documentos mais importantes surgido na década de 1980 sobre essas questões intitula-se “interidisciplinaridade em ciências humanas” elaborado por Gusdorf, Apostel, Bottomore, Dufrenne, Mommsen, Morin, Palmarini, Smirnov e Ui. Neste período segundo Fazenda (2009) a busca maior estava voltada para explicitar um método para a interdisciplinaridade.

De acordo com Fazenda (2009) os anos 90 por sua vez tem como enfoque a construção de uma teoria, ou seja, de uma nova epistemologia, a própria interdisciplinaridade.  De acordo com Left (2000) como problemática contemporânea juntamente com esta difusão da interdisciplinaridade se destaca a questão ambiental  que compartilha do sintoma de uma crise de civilização, crise esta que se manifesta pelo fracionamento do conhecimento e pela degradação do ambiente, marcados pelo logocentrismo da ciência moderna e pelo transbordamento da economização do mundo guiado pela racionalidade tecnológica e pelo livre mercado. Nestes termos a crise ambiental e a crise do saber surgem como a acumulação de “externalidades” do desenvolvimento do conhecimento e do crescimento econômico. Surgem como todo um campo do real negado e do saber desconhecido pela modernidade, reclamando a “internalização” de uma “dimensão ambiental” através de um “método interdisciplinar”, capaz de reintegrar o conhecimento para apreender a realidade complexa (Left, 2000).

Em meio a esta dimensão ambiental vale ressaltar que a temática ligada aos recursos hídricos tem (de forma similar ao que aconteceu com o recorte disciplinar) passado por uma estruturação ao longo do tempo,  indo de um olhar centralizado (ligado a gestão)  até a ampliação de foco. Fato constatado nos modelos de gestão que se sucederam, desenvolvendo um percurso cada vez mais voltado para um olhar holístico.

Em termos de recursos hídricos no Brasil Setti et al (2001) faz uma critica ao recorte disciplinar, destacando a necessidade de um olhar amplo sobre a gestão de recursos hídricos e apresentando a evolução de uma modelo burocrático até o modelo atual que  busca contemplar a totalidade, os autores destacam a necessidade de um modelo que vá além do recorte disciplinar.

3. Evolução na gestão de recursos hídricos no Brasil: rumo a interdisciplinaridade

Em termos de recursos hídricos, pode se inferir que os modelos adotados no Brasil ao longo da história recente de gestão, tem demonstrando um caminho rumo a totalidade, uma  vez que evolui partindo inicialmente de uma postura centralizada e localizada, para uma postura atual voltada para um olhar holístico. Neste sentido Lanna (1997) destaca que é impossível  comtemplar tal totalidade sem romper com o recorte disciplinar.

Partindo então para apresentação dos modelos, de acordo com Lanna (1997) a  gestão dos recurso hídricos na Brasil se inicia a partir de um modelo voltado para instrumentos burocráticos com a centralização e a tendência legalista como características principais. Tal modelo começou a ser implantado no final do século XIX, sendo seu marco referencial estabelecido no Brasil no início da década de 30 com a aprovação do Decreto no 24.643 de 10 de Junho de 1930, denominado Código de Águas. Nele, o objetivo predominante do administrador público é cumprir e fazer cumprir os dispositivos legais. Tem como principais características a racionalidade e a hierarquização.  Para instrumentalização deste processo, em face da complexidade e abrangência dos problemas das águas, é gerada uma grande quantidade de leis, decretos, portarias, regulamentos e normas sobre uso e proteção, alguns dos quais se tornam inclusive objeto de disposições constitucionais. Como consequência, a autoridade e o poder tendem a concentrar-se gradualmente em entidades públicas, de natureza burocrática, que trabalham com processos casuísticos e reativos destinados a aprovar concessões e autorizações de uso, licenciamento de obras, ações de fiscalização, de interdição ou multa, e demais ações formais de acordo com as atribuições de diversos escalões hierárquicos (Lanna, 1997; Setti et al, 2001).

Um segundo modelo adotado no Brasil foi o modelo Econômico-FinanceiroTal  modelo pode ser considerado como um desdobramento da política econômica preconizada por John Maynard Keynes que destacava a relevância do papel do Estado como empreendedor, utilizada na década de 30 para superar a grande depressão capitalista e que teve como uma das consequências a criação nos EEUU da Tennessee Valley Authority em 1933, como a primeira Superintendência de Bacia Hidrográfica. É também fruto do momento de ápice da análise custo-benefício, cujas bases de aplicação aos recursos hídricos foram estabelecidas pelo Flood Control Act, novamente nos EEUU, em 1936. No Brasil tem como marco de sua aplicação a criação, em 1948, da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (CODEVASF).

O modelo Econômico-Financeiro foi  caracterizado pelo emprego de instrumentos econômicos e financeiros, ministrados pelo poder público, para promoção do desenvolvimento econômico nacional ou regional, e indução à obediência das disposições legais vigentes. Pode aparecer com duas orientações: em uma delas ele é alicerçado em prioridades setoriais do governo. Tem como força motora programas de investimentos em setores usuários dos recursos hídricos, como saneamento, irrigação, eletrificação, etc, e como entidades privilegiadas, autarquias e empresas públicas. Na outra orientação, mais moderna, ele busca o desenvolvimento integral e, portanto, multi-setorial da bacia hidrográfica. Esta segunda orientação foi mais rara devido a organização institucional do Estado ser orientada por setores econômicos, dificultando e até inviabilizando o preparo de planos multisetoriais. As Superintendências de Bacia Hidrográfica ficavam vinculadas, via de regra, a ministério ou secretaria estadual setorial cujas atribuições são limitadas ao setor específico.

Setti et al (2001) destaca que a principal falha desse modelo é que adota concepção relativamente abstrata para servir de suporte para a solução de problemas contingenciais: o ambiente mutável e dinâmico exige grande flexibilidade do sistema de gerenciamento para adaptações freqüentes e diversas. No caso do gerenciamento das Águas ele esbarra na necessidade de criar um enorme sistema que compatibilize as intenções espaciais e temporais de uso e proteção das águas, ficando ainda mais evidenciada a necessidade de flexibilidade. Esta dificuldade leva à definição de sistemas parciais, relativamente fechados, como demonstra a experiência brasileira. Nessa orientação, a injeção de recursos financeiros acarreta o desenvolvimento dos setores selecionados pelos programas governamentais. Isto pode causar um desbalanceamento entre os diversos usos dos recursos hídricos e destes usos com os objetivos de proteção das águas. Pode ocorrer uma apropriação excessiva e, mesmo, perdulária, por certos setores, o que restringe a utilização social e, mesmo, economicamente ótima da água, por um lado. Possibilita a intensificação do uso setorial não integrado em certas bacias de importância econômica acarretando quase sempre os mesmos conflitos do modelo burocrático, agora com caráter intersetorial e, até mesmo, intrassetorial. Finalmente, tende a subdimensionar a questão ambiental, ou a superdimensioná-la, no processo do planejamento integrado da bacia, dando origem a processos traumáticos e muitas vezes histéricos de contestação por parte de grupos desenvolvimentistas ou ambientalistas.

Não obstante estas críticas, este modelo, mesmo com a orientação setorial adotada, representa um avanço em relação ao anterior já que, pelo menos setorial e circunstancialmente, possibilita a realização do planejamento estratégico da bacia e canaliza recursos financeiros para implantação dos respectivos planos diretores. Isto permite a ocorrência de um certo grau de desenvolvimento no uso, no controle ou na proteção das águas. Pode falhar porém na promoção do gerenciamento integral, pois não assegura o tratamento global de todos os problemas e oportunidades de desenvolvimento e proteção já que depende das diretrizes estabelecidas pelo poder público que eventualmente é distante e insensível aos problemas locais e organizacionalmente é restrito ao tratamento setorial. Tende a criar entidades públicas com grandes poderes que estabelecem conflitos com outras preexistentes, resultando em impasses políticos de difícil solução. E tem uma grave consequência que aparece quando os programas são encerrados: muitas vezes são perdidos grandes investimentos realizados para propiciar um uso setorial dos recursos hídricos que não será mais privilegiado no futuro ou a bacia se torna extremamente vulnerável a atividades com potencial de degradação ambiental (Lanna, 1997).

As críticas a esse modelo podem ser contestadas pela argumentação de que algumas bacias brasileiras apresentam tal grau de carência quantitativa ou de deterioração qualitativa, real ou potencial, que somente programas de desenvolvimento ou proteção, envolvendo grandes investimentos, poderão solucioná-los. O estabelecimento de programas de investimentos não é aqui condenado e nem poderia sê-lo. O que se alega é que o gerenciamento das águas não pode ser efetivado exclusivamente por programas setoriais, através da mediação do poder executivo. Há necessidade de estabelecimento de um modelo de gerenciamento que possibilite o desenvolvimento econômico integral, ou seja, multi-setorial da bacia, socialmente eficiente e ambientalmente sustentável, o que implica no fomento, articulação e coordenação dos programas que sejam necessários para atender demandas e oportunidades de curto e longo prazo, e não apenas a implementação de programas setoriais não integrados e de caráter transitório. Um modelo que aumente a eficácia da geração e emprego de instrumentos legais, ao contrário de produzir uma legislação caótica. Enfim, há necessidade de um modelo de gerenciamento das águas com a capacidade de abordar a totalidade dos problemas e oportunidades de desenvolvimento (crescimento econômico, equidade social e sustentabilidade ambiental), gerando e aplicando com eficiência os instrumentos legais e econômicos necessários, integrando e articulando as instituições públicas, privadas e comunitárias interessadas, dentro de uma concepção sistêmica, e por isto multi e inter-setorial, do gerenciamento.

Com base nesta constatação posteriormente o modelo que sucedeu o modelo econômico financeiro foi o modelo Sistêmico de Integração Participativa. De acordo com Lanna (1999) e Setti et al (2001) trata-se do modelo mais moderno de gerenciamento das àguas, objetivo estratégico de qualquer reformulação institucional e legal bem conduzida. Ele é caracterizado pela: a) Transformação das águas em bem público, pela qual o Estado assume seu domínio, legal ou para efeitos práticos; b)  Descentralização de seu gerenciamento, através da qual o Estado, sem abrir mão de seu domínio sobre a água, permite que o seu gerenciamento seja realizado de forma compartilhada com a sociedade, mediante a participação de entidades especialmente implementadas; c) Adoção do planejamento estratégico na unidade de intervenção da bacia hidrográfica; d) Utilização de instrumentos normativos e econômicos no gerenciamento das águas, de acordo com diretrizes do planejamento estratégico.

Lanna (1997) destaca que um bem estratégico como a água, na medida em que seja abundante, pode ser tratado como um bem livre, ou seja, qualquer um pode usá-lo na quantidade que necessite sem causar problemas aos demais usuários. Esta situação existia no passado, antes que o uso da água assumisse as proporções que hoje apresenta nas regiões mais desenvolvidas. Quando este bem se torna escasso há necessidades de serem estabelecidas formas de controle desta apropriação. Uma delas é permitir o estabelecimento de direitos de propriedade e de comercialização sobre a água deixando ao mercado o seu controle. Devido a diversos problemas de obtenção de eficiência social neste tipo de controle, devidamente analisados nos textos de Economia Ambiental, uma outra forma de controle é adotada, isoladamente ou em conjunto com a anterior. Nela, o Estado assume o domínio da água. Isto ocorre no Brasil, de forma constitucional, e na França, para efeitos práticos.  Diante das dificuldades que um controle centralizado poderia acarretar o Estado, apesar de manter o domínio sobre a água, descentraliza o seu gerenciamento permitindo a participação da sociedade através de entidades especialmente implementadas. Neste sentido se percebe ainda para além da participação da sociedade uma olhar o mais holístico possível, que possa de fato fornecer os parâmetros necessários com a realidade.

Olhando de forma mais ampla para a evolução dos modelos de gestão percebesse que de um enfoque meramente centralizado e burocrático, houve uma evolução para um modelo que busca contemplar toda a complexidade ambiental. Nestes termos, embora historicamente disciplinar setorizadas tem sido protagonistas na gestão de recursos hídricos, o olhar mais coerente com a complexidade da temática tem levado a  diversos apontamentos destacando a necessidade de uma abordagem que vá além do olhar disciplinar. Ou seja, o olhar holístico (totalizador) que busca contemplar os mais diversos aspectos relacionados ao tema tem sido a marca dos dias atuais. Nestes termos a seguir será apresentando diversos apontamentos recentes de pesquisadores destacados na área (Tucci, 2000; Setti et al, 2001; Lanna, 1997; Tundisi, 2001; Vieira, 2003) observando relação com recurso hídricos de forma ampla, levando assim ao entendimento que a interdisciplinaridade é um provável caminho a ser percorrido.

4. Apontamentos contemporâneos em torno da interdisciplinaridade e a gestão de recursos hídricos

De acordo com Barth & Barbosa (1993) a integração da hidrologia em outras ciências, exatas e humanas, está sujeita a constituição de equipes multidisciplinares nas quais participem engenheiros, geólogos, agrônomos, tecnólogos, economistas, advogados, sociólogos, cientistas sociais e comunicadores. A formação e a integração desses profissionais pode depender de treinamento e de cursos de pós-graduação que uniformizam conceitos e transmitam experiências interdisciplinares.

Vieira (2003) por sua vez destaca que a gestão integrada exigirá, também, e fortemente, a constituição de equipes multidisciplinares, onde se pratique efetivamente o conceito de interdisciplinaridade, com fundamentação epistemológica própria e metodologias de trabalhos adequadas. A capacitação institucional se viabilizará em função dos recursos humanos disponíveis e da articulação entre as áreas técnicas e científicas, entre universidades e órgãos de governo, entre instituições públicas e privadas. Enfim a sociedade como um todo terá que se qualificar, como gestão e beneficiária das disponibilidades hídricas, através de um processo de educação hídrica e ambiental e do exercício responsável da cidadania.

Para Vilas (2003) devido a falta de pessoal qualificado para a área de recursos hídricos, principalmente na medida em que prossegue a implementação da regulamentação com a criação de comitês e agências para as bacias, torna-se necessário, conceberem-se programas que, com apenas poucos meses de duração, capacitem profissionais de diferentes áreas em recursos hídricos, nos seus aspectos interdisciplinares.

Lanna (1999) discute a interdisciplinaridade em um tópico exclusivamente voltado para tal. Citando Glenne o autor faz uma relação entre interdisciplinaridade e gestão das águas destacando uma lista de diversos conhecimentos envolvidos na atividade de Gestão das Águas (conforme apresentado na Tabela a seguir) e defende ser impossível para uma única pessoa, ou mesmo um pequeno grupo de pessoas, ter o domínio necessário destas disciplinas. Isso leva necessariamente à formação de grupos interdisciplinares para a execução da Gestão das Águas. Como consequência, surge o problema de inter-relacionamento de profissionais com conhecimentos distintos. Para possibilitar isso, há necessidade de que cada profissional atuante em uma equipe de Gestão das Águas tenha conhecimentos básicos em diversas outras disciplinas que não aquela que domine. Por exemplo, um especialista na área dos recursos hídricos deve ter uma boa base em diversas disciplinas técnicas e conhecimentos gerais de diversas disciplinas classificadas como não-técnicas ou semi-técnicas.

Tabela 1. Disciplinas da gestão dos Recursos Hídricos (adaptado de Lanna, 1999)

Técnicas

Semi-técnicas

Não técnicas

Domínio Principal

Domínio Conexo

 

Meteorologia

Oceanologia

Engenharia de Minas

Geografia

Biologia

Botânica

Zoologia

Piscicultura

Turismo

Saúde publica

Antropologia

Geologia

Agronomia

Química

Ecologia

Economia

Administração

Direito

Ciência política

Sociologia

Psicologia

Comunicação

Pedagogia

Hidráulica

Hidrologia

Saneamento ambiental

Saneamento básico

Estruturas hidráulicas

Erosão e Sendimentação

Computação

Modelagem matemática

Analise numérica

Instrumentação

Geoprocesamento

Sensoriamento Remoto

Estatística

Analise estatística

Setti et al (2001) em uma das mais conhecidas contribuições  voltada para a gestão de recursos hídricos destaca a ampla relação entre interdisciplinaridade e gestão das águas. Para os autores o olhar disciplinar não é capaz de suprir a demanda oriunda da complexidade observada na bacia hidrográfica. Neste sentido a relação de causa e efeito, comumente utilizada para explicação de fenômenos físicos, químicos, geológicos e outros, não tem sido eficaz para a compreensão das questão ambiental e em sua analise descobre-se que é no inter-relacionamento das práticas do meio social (ação humana) sobre o meio físico natural que estão as explicações que permitem a compreensão do problema ambiental em sua totalidade. Diante destes fatos,  busca-se proceder para lidar com os problema surgidos, o que fazer para compreender, controlar, evitar e solucionar os problema decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais e que abordagem metodológica deve ser adotada – a unidisciplinar, multidisciplinar ou interdisciplinar. A visão unidisciplinar do método científico , portanto, vem conduzindo as ciência a uma crescente especialização, fazendo com que o objetivo da pesquisa seja decomposto em partes que sofrem uma analise minuciosa por meio de métodos e técnica de observação próprios de cada disciplina. Nestes termos os autores destacam que a motivação disciplinar é isolada e se traduz numa visão parcial do universo, levando a uma entendimento distorcido do mesmo. Sua contribuição, entretanto, é fundamental no processo do conhecimento, para a identificação e tratamento de variáveis específicas. A multidisciplinaridade, por sua vez é originária da percepção da interveniência de muitos elementos na explicação do universo considerado. A conceituação heterônoma de um problema define as disciplinas envolvidas que, usando de seus métodos e técnicas, apresentam contribuições particulares a compreensão do mesmo.

Já a interdisciplinaridade  é um processo de conhecimento que, usando uma estrutura multidisciplinar, procura estabelecer vínculos intencionais na compreensão e explicação do universo de pesquisa, superando dessa forma a excessiva compartimentação científica provocada pela especialização das ciências modernas. Essa integração deve ocorres em nível de inventário, de modo a produzir conhecimento e informações integradas e compreensíveis entre si (Setti et al, 2001). Nesse processo observa-se um aumento de autonomia na regulação dos conflitos metodológicos, já que a interação entre disciplinas ocorre sem a presença de uma coordenação que especifique as contribuições individuais. A ação se desenvolve a partir de um entendimento como um das questões criando-se assim as condições necessárias para discussão das diferentes abordagem metodológicas. Assim a gestão de recursos hídricos como para da questão ambiental, exige esforços de coordenação multidisciplinar e intersetoriaaal como consequência dos atributos e das peculiaridades do recursos que se pretende gerir. É algo fundamental à gestão dos recursos hídricos, incontornável é que independe das normas jurídicas e das instituições que possam existir. Para os autores ignorar esse fato é desconhecer a realidade, com sérios riscos de conflito para o futuro (Setti et al, 2001).

Barth (1987) ainda na década de 80 (embora não usando o termo interdisciplinaridade) em uma contribuição clássica na área de gestão de recursos hídricos,  apresenta uma lista (apresentada a seguir) de diversas conhecimentos correlacionados a análise de recursos hídricos. Levando de forma indireta a uma apologia a um olhar que vá além do eminentemente disciplinar.

Tabela 2.  Conhecimentos relacionados aos recursos hídricos (adaptado de Barth, 87)

1. Aproveitamento de recursos hídricos

    1. Uso com derivação ou extração de agua
    2. Usos sem derivação de agua

Abastecimento humano

Abastecimento industrial

Irrigação

Abastecimento rural

Aquicultura e piscicultura

Geração hidrelétrica

Navegação fluvial e lacustre

Recreação e esportes náuticos

Pesca

Diluição, assimilação e transporte de despejos

Usos ecológicos

2. Controle dos recursos hídricos

    1. Controle de regime
    2. Controle de poluição
    3. Controle de erosão

Aguas superficiais

Aguas subterrânea

Controle de cheias

Controle de usos consultivos

Esgotos urbanos

Esgotos industriais

Resíduos de agricultura

Escoamento superficial urbano

Solo urbano

Solo rural

3. Setores usuários

    1. Setor primário
    2. Setor secundário
    3. Setor terciário

Agricultura

Extração vegetal e silvicultura

Mineração

Industrial

Energia

Transportes

Comércio

Serviços públicos e privados

4. Recursos naturais

    1. Recursos minerais
    2. Meio ambiente
    3. Solo
    4. Seres vivos

Aguas subterrâneas

Outros recursos minerais

Meio ambiente biológico

Meio ambiente físico

Solo urbano

Solo agrícola

Fauna

Flora

5. Outros campos relacionados com a sociedade

Saúde publica

Defesa civil

Qualidade de vida

Meio ambiente

Socioeconômico

 

Tundisi (2003) após uma ampla análise da problemática relativa a recursos hídricos destaca que a solução para tal deve passar por uma contribuição interdisciplinar a partir de diversos ramos de conhecimento. Ou seja, segundo o autor a solução para a problemática ligada ao recurso hídrico está relacionada a ações locais e regionais diversificadas que usam a cultural local sobre a agua e o ciclo hidrossocial que influencia processos globais e estimulam novos procedimentos e atitudes em nivel nacional e internacional. Para o autor há muitos exemplos de sucesso na gestão das aguas que devem ser utilizados. Jornalistas, instituições, cientistas, técnicos, organizações, educadores, professores e população em geral podem contribuir para a compreensão efetiva do problema e ajudar a soluciona-lo.

Tucci (2000) um dos pesquisadores de maior destaque na área de recurso hídricos no cenário nacional e internacional, escreve um capítulo voltado para  analisar o desafio de recursos hídricos em termos de interdisciplinaridade e destaca  o objetivo de contribuir com uma visão dos recursos hídricos dentro da atualidade dos problemas da sociedade, mostrando que essa área é interdisciplinar por natureza, principalmente na medida em que os desafios colocados pela sociedade apresentam dificuldades que exigem o desenvolvimento científico fortemente integrado a objetivos tecnológicos. Para a sociedade e para o ambiente não interessam os conflitos corporativistas das disciplinas e dos profissionais. Para buscar soluções adequadas e produtivas é necessário transitar e interagir nas diferentes disciplinas sem preconceitos e com linguagem comum, que, infelizmente, ainda é muito limitada.        

Para tanto segundo Tucci (2000) é preciso formar um novo tipo de profissional, com a visão específica de uma área, mas com o conhecimento básico e suficientemente amplo para transitar entre as diferentes áreas do conhecimento necessário ao gerenciamento adequado dos recursos hídricos. Semelhante profissional não se forma na graduação com essas características, mas retira das diferentes profissões sua matéria-prima para ser preparada dentro de conhecimentos comuns e específicos de recursos hídricos através dos diferentes níveis de pós-graduação. O cenário de desafios é muito grande; não existem problemas iguais, nem realidades padrões. Existe, sim, a necessidade de desenvolver conhecimento dentro das diferentes realidades complexas postas pela sociedade e pelo ambiente. Talvez seja essa a parcela mais gratificante no qual se depara o profissional de recursos hídricos.

Em outra publicação Tucci (2001) destaca que é necessário se conceberem programas que introduzam os profissionais de diferentes áreas em recursos hídricos nos aspectos interdisciplinares. O País necessita de profissionais com conhecimentos intermediários para a atuação prática do gerenciamento dos recursos hídricos e não pode investir, apenas, em profissionais com mestrado e doutorado. Além disso,  os problemas e conflitos nas áreas urbanas relacionados a recursos hídricos, são os mais variados e o profissional municipal não tem conhecimento adequado para o gerenciamento de tantos tópicos. Nesse sentido, torna-se necessária, também, a formação desses profissionais para gerenciar esses assuntos de forma mais ampla, sem necessidade de conhecimento detalhado de todos os aspectos relacionados a recursos hídricos.

Ainda segundo o Tucci (2001) o sistema de pesquisa, voltado para recursos hídricos no Brasil, está setorizado, com engenheiros, biólogos, geógrafos, agrônomos e geólogos, entre outros, adotando cada um a sua linguagem, no âmbito de ambientes científicos e tecnológicos compartimentados. Recursos Hídricos é uma área de desenvolvimento científico e tecnológico com características fortemente interdisciplinares, que necessita abordar os problemas regionais com uma abordagem global e cooperativa entre os diferentes tipos de conhecimentos. O desenvolvimento tecnológico e científico tem sido incentivado por programas especiais do CNPq, PADCT/CIAMB e FINEP, por meio do PROSAB e REHIDRO. Existem grupos qualificados no País, mas, em sua maioria, com visão setorizada dos recursos hídricos. Devido às características continentais do País e à grande variabilidade dos ambientes, é necessário um maior enfoque na especialização de conhecimentos nas regiões hídricas do País como a Amazônia, Cerrado, Pantanal e Nordeste (entre outras), onde características e problemas são diversos, exigindo pesquisas de médio e longo prazos que apoiem o desenvolvimento sustentável e a conservação ambiental nessas regiões.

Como prioridade para atuação interdisciplinar Assis (2000) também destaca o setor de ligado a gestão de recursos hídricos. Segundo o autor esta estratégia que vem se firmando como opção de gerenciamento dos recursos hídricos, tendo em vista a Lei Federal no 9.433, de 8 de janeiro de 1997, que estabelece a Política e Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, que apresenta como objetivo, entre outros: “a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte aquaviário, com vistas ao desenvolvimento sustentável e estabelece em suas diretrizes a adequação da gestão de recursos hídricos às diversidades físicas, bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais das diversas regiões do País”. Para Assis (2000) tais  características exigirão dos órgãos técnicos a produção de estudos integrados capazes de embasar estratégias de gerenciamento viáveis não só do ponto de vista da conservação dos recursos hídricos – entendidos em seus aspectos de quantidade e qualidade, em associação como a manutenção da biodiversidade nos hidrossistemas –, como também tornando-as compatíveis com os interesses dos diferentes grupos sociais, a médio e longo prazos. Nestes termos o delineamento e a condução de tais estratégias dependerão não apenas da capacidade técnico-científica para a produção dos estudos necessários mas, também, da formação de grupos institucionais capazes de atuar de forma integrada, produzindo resultados tangíveis do ponto de vista do uso sustentado dos recursos hídricos, a partir de metas socialmente estabelecidas no âmbito dos Comitês de Bacia.

Com vias a fornecer um panorama do pensamento voltado para gestão de recursos hídricos e interdisciplinaridade a seguir a lista dos principais apontamentos considerados neste artigo. 

Tabela 3 – lista dos principais apontamentos

Autor

Tipo de publicação

 

Resumo do apontamento

Carlos Tucci

Capitulo de livro

 

Analisa o desafio da interdisciplinaridade em relação aos recursos hídricos (em uma publicação organização pelo Arlindo Phillip Jr) focalizando a necessidade de construção de um novo profissional formado a partir de uma ótica interdisciplinar. 

 

José Tundisi

Livro

 

Em uma conhecida publicação voltada para analisar a situação da agua no século atual, Tundisi destaca a necessidade da adoção de uma postura interdisciplinar como resposta a tal complexidade ligada a gestão da agua.

 

Antônio Carlos Lanna

Livro

 

Apresenta um breve tópico destacando uma lista de disciplinas relacionadas aos recursos hídricos, destacando ser impossível para um único conhecimento abordar tal complexidade.

 

Flavio Terra Barth

 

Livro

 

Em um dos livros mais conhecidos ligado a temática de recursos hídricos Barth (embora que não use o termo) deixa subentendido a ideia de ir além de uma temática disciplinar, uma vez que apresenta uma lista de conhecimentos e disciplinas necessários a gestão de recursos hídricos.

 

Vicente Vieira

Artigo de periódico

 

Único artigo publicado na Revista Brasileira de Recursos Hídricos (que faz menção da relação recursos hídricos e interdisciplinaridade) focaliza a formação de equipes multidisciplinares envolvidas a partir de uma relação interdisciplinar.

 

Arnaldo Augusto Setti e colaboradores

 

 

Em uma publicação introdutória da área de recursos hídricos do Brasil Setti (e colaboradores) apresentam uma ampla contribuição em termos de relação recursos hídricos e interdisciplinaridade. Apresentando talvez o maior aprofundamento desta relação (em termos de  materiais voltados para a gestão de recursos hídricos) o autor detalha a problemática e define conceitos de uni, multi e interdisciplinaridade bem como a viabilidade ou não da sua aplicação no âmbito dos recursos hídricos, destacando que a interdisciplinaridade é de fato uma reposta adequada a problemática ligada a realidade dos recursos hídricos.

 

Com base no quadro acima convém destacar a ênfase dada quanto a questão da interdisciplinaridade por parte de diversos pesquisadores brasileiros. Neste sentido fica evidente a busca por transpor barreiras disciplinares em recursos hídricos.

5. Considerações finais

Embora a interdisciplinaridade  seja um campo ainda em construção e, portanto foco de criticas e discursões, a mesma já tem sido apontada de forma considerável como o caminho a ser percorrido na gestão de recursos hídricos. Nestes termos, a observação da evolução nos modelos de gestão recursos hídricos adotados no Brasil tem  fornecido um forte indício para entender que a busca por uma resposta a complexidade ambiental (a partir de um olhar holístico) terá a construção interdisciplinar como uma alternativa cada vez mais presente nos mais diversos contextos acadêmicos e públicos. Interessante perceber, neste sentido, certa relação no percurso histórico que culminou com a retomada da temática interdisciplinar na academia com a evolução histórica da gestão de recursos hídricos no Brasil, uma vez que o percurso em busca da totalidade foi, em ambos os casos, o rumo adotado, em detrimento a uma centralização localizada que por vezes se configurava como algo inconsistente com a complexidade relativa ao respectivo tema.

Por fim, um segundo aspecto a ser levado em consideração quanto a relação interdisciplinaridade e gestão de recursos hídricos são os apontamentos de diversos pesquisadores da área de recursos hídricos (embora seja algo ainda localizado em termos de publicação em periódicos) fazendo apologia a adoção da temática interdisciplinar como alternativa (às vezes única) para o futuro da gestão de recursos hídricos. Tal fato, longe de ser atualmente considerado como algo apenas momentâneo, pelo que foi percebido ao longo desta publicação,  já se mostra fazer parte do pensamento de alguns dos principais teóricos do país na área de recursos hídricos configurando-se em um tendência em vias de se ampliar cada vez mais.

Referencias

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VILAS, A. T. (2003) Racionalização do Uso da Água no Meio Rural : Documento Final. Brasília: Centro de Gestão e Estudos Estratégicos – CGEE.


1. Universidade Federal de Campina Grande, Brasil, daniloduarte777@yahoo.com.br

2. Universidade Federal de Campina Grande, Brasil, gacandido@uol.com.br

3. Universidade Federal de Campina Grande, Brasil, geraldobaracuhy@yahoo.com.br

4. Universidade de Brasília, Campus Universitário Darcy Ribeiro, Brasília. Email: hchaves@unb.br

5. Universidade Federal de Campina Grande, Brasil, gacandido@uol.com.br


Revista ESPACIOS. ISSN 0798 1015
Vol. 38 (Nº 01) Año 2017

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