ISSN 0798 1015

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Vol. 38 (Nº 07) Año 2017. Pág. 24

Atitudes, comportamentos e dissonância cognitiva: Um estudo do consumo sustentável de água

Attitudes, behaviors and cognitive dissonance: A study about the sustainable consumption of water

Claudio DAMACENA 1; Julie Brun MROSS 2; Verner Luis ANTONI 3

Recibido: 30/08/16 • Aprobado: 18/09/2016


Conteúdo

1. Introdução

2 Referencial téorico

3 Método

4 Análise e discussão das entrevistas

5 Considerações finais

Referências


RESUMO:

Fundamentado na Teoria da Dissonância Cognitiva, o estudo investigou porque e como atitudes e comportamentos podem ser modificados em função de conflitos cognitivos no consumo sustentável. Foram aplicadas entrevistas em profundidade, junto a 18 indivíduos, com idade média de 24 anos e com formação superior. Mesmo sabendo de seus deveres, mas por não conviverem com a falta de recursos ambientais, alguns indivíduos deixam a questão ambiental de lado, gerando dissonância cognitiva e utilizando mecanismos para reduzi-la, dentre esses está a transferência para o governo e autoridades da responsabilidade quanto a água e outras questões ambientais.
Palavras-chave: Dissonância Cognitiva; Consumo sustentável.

ABSTRACT:

Based on the theory of cognitive dissonance the study investigated why and how cognitive conflicts related to sustainable consumption can modify attitudes and behaviors. We used the method of in-depth interviews, in a sample of 18 individuals, with an average age of 24 years, all with higher education. Even though their duties, because they do not live with the lack of environmental resources, some individuals, leave this question a side, creating cognitive dissonance and using mechanisms to reduce it, one of this, is transfer the responsibilities for the problems of water consumption and other environmental issues to government.
Keywords: Cognitive dissonance; Sustainable consumption.

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1. Introdução

O foco do estudo desenvolvido se insere no campo do Marketing e na sua inter-relação com a Psicologia social, mais especificamente no âmbito do estudo do comportamento do consumidor. Fundamentado na Teoria da Dissonância Cognitiva (Festinger, 1957) se investigou porquê e como atitudes e comportamentos podem ser modificados em função de conflitos cognitivos relacionados com o consumo sustentável.

A Teoria da Dissonância Cognitiva explica que os indivíduos buscam informações para confirmar as decisões tomadas ou mudam suas atitudes para se conformarem com suas escolhas. Isso ocorre porque os indivíduos passam por experiências conflitantes ao decidir entre alternativas (Festinger, 1957). A Teoria da Dissonância Cognitiva é utilizada para avaliar as condições que levam os indivíduos a contradizerem comportamentos para serem coerentes com o que pensam. Quando os indivíduos são inseridos em um cenário com questões relacionadas ao consumo sustentável, demonstram ter atitudes pró-ambientais, porém, nem sempre conseguem alinhá-las com seus comportamentos, fazendo com que ocorra a dissonância cognitiva.

É notável e justificável a crescente preocupação das pessoas com respeito ao uso racional de recursos naturais (Gallup, 2015) e há um interesse, em grande parte dos governantes, em adotar políticas que possam motivar os cidadãos a seguir estilos de vida mais amigáveis com o meio-ambiente (Whitmarsh & O’neill, 2010).  Apesar disso, a maior parte das pessoas se comporta de uma forma incoerente, ou seja, possuem atitudes muito positivas em relação ao meio ambiente, mas não conseguem transformá-las em comportamentos mais amigáveis com o meio-ambiente (Whitmarsh & O’neill, 2010). 

A consciência ambiental está ligada a fatores externos e internos, como traços de personalidade, fatores sociais e culturais que contribuem para gerar diferenças entre comportamentos e atitudes (Moser, 2015). Fielding, Russell, Spinks e Mankad (2012) comprovaram esse gap por meio de um levantamento sobre atitudes e comportamentos acerca do consumo de água, em uma amostra de, aproximadamente, 1000 residências australianas. Os resultados mostraram que foram nas residências dos indivíduos mais confiantes em suas habilidades em se engajarem em conservação diária de água que houve o maior consumo de água.

Colmos e Algemam (2002) afirmam que os indivíduos omitem uma discussão sobre os desejos de conforto, conveniência e o envolvimento em questões ambientais como forma de reduzir dissonâncias cognitivas. Assim, compreender os mecanismos psicológicos que permeiam o processo de geração e redução da dissonância cognitiva em atitudes e comportamentos pró-ambientais, pode representar mais um passo importante na redução de problemas ambientais (Sörqvist, Hedblom, Holmgren, Haga, Langeborg, Nöstl, & Kagstöm, 2013; Osbaldiston & Schott, 2011). Nesse sentido, Osbaldiston e Schott (2011), por meio de uma metanálise, concluíram que a dissonância cognitiva é um tratamento efetivo para mudar comportamentos e tem sido subutilizada pelos pesquisadores.

Essa é a contribuição deste estudo realizado no contexto brasileiro, que tem como objetivo identificar a existência de diferenças e conflitos entre atitudes e comportamentos, no que diz respeito ao consumo sustentável da água e identificar as formas pelas quais os indivíduos conseguem reduzir sua dissonância cognitiva. O contexto brasileiro aufere ao estudo mais um grau de relevância, pois os brasileiros fazem parte de uma cultura com traços diferentes de muitos países. Por exemplo, brasileiros, quando comparados aos americanos, apresentam uma aversão maior a incerteza e uma distribuição social de poder muito menor (Demooij & Hofstede, 2002), por isso, é plausível a suposição da existência também no povo brasileiro de diferenças e conflitos entre atitude e comportamento no consumo sustentável (Vicente-Molina, Fernández-Sáinz, & Izagirre-Olaizola, 2013). As formas para resolução dos conflitos gerados pela dissonância cognitiva, entretanto, podem ser diferentes.

Assim, o artigo está estruturado da seguinte forma: na próxima seção é exposta uma breve revisão da literatura, logo após, o método, seguido dos resultados e considerações finais.

2. Referencial téorico

A Teoria da Dissonância Cognitiva surgiu em meados de 1950 e tornou-se formal no ano de 1957 quando Leon Festinger e James Carlsmith realizaram o primeiro experimento na área (Harmon, 2012). O experimento de Festinger e Carlsmith (1959) foi realizado com um grupo de alunos e verificou como uma recompensa influencia a Dissonância Cognitiva. No primeiro momento, os alunos foram submetidos a fazer tarefas monótonas e sem sentido. O entrevistador informava que havia pessoas na equipe direcionadas a incentivá-los a realizar as tarefas com informações positivas. Os alunos foram convidados a incentivar outras pessoas a realizar o experimento e, neste caso, estavam contando uma mentira, pois diziam a outros alunos que a tarefa era divertida e que valia a pena realizá-la. Para tal tarefa foi-lhes oferecida um recompensa, alguns alunos receberam US$ 1.00 e outros US$ 20.00. Os alunos que receberam US$ 1.00 fizeram a escolha de aceitar o convite e após terem tomado sua decisão, convenceram-se de que o experimento era realmente divertido. Isto porque precisavam diminuir o gap entre a crença que tinham (que a tarefa era monótona) e o comportamento atual (que a tarefa era divertida). Os alunos que receberam US$ 20.00 não possuíram dissonância cognitiva, pois se sentiram confortáveis em mentir apenas pelo dinheiro. Os indivíduos que receberam US$ 1.00 sabiam que a tarefa era entediante, mas possuíam dois pensamentos discrepantes. Para eles, ocorreu dissonância cognitiva, pois suas atitudes não condiziam com suas crenças. Concluiu-se então que sempre que houver recompensa insuficiente haverá dissonância cognitiva, pois comportamentos e atitudes não condizem.

A premissa da Teoria da Dissonância Cognitiva é a cognição, definida por Festinger (1957) como qualquer elemento do conhecimento, opinião ou crença sobre o meio ambiente, sobre si mesmo ou o próprio comportamento. Diferentes cognições podem manter entre elas três tipos de relações: a dissonância, a consonância, ou a neutralidade. Duas cognições são dissonantes quando não têm relação (eu fumo, mas sei que fumar mata), consonantes quando elas têm relação (eu fumo e adoro fumar), ou neutras quando elas têm nenhuma relação (eu fumo e gosto de comer churrasco). Há três maneiras pelas quais os indivíduos podem reduzir a dissonância cognitiva (Festinger, 1957): (a) substituir uma ou mais crenças, comportamentos ou atitudes que geram a dissonância; (b) adquirir novas informações que façam com que a concordância aumente, reduzindo assim a dissonância; e (c) tentar esquecer ou não dar importância àquelas cognições que façam com que ocorra a dissonância.

Vários estudos mostram como ocorre a dissonância cognitiva em processos decisórios que contém como alternativa o consumo sustentável (Dickerson,Thibodeau, Aronson, & Miller, 1992; Thogersen, 2004; Goldstein, Cialdini, & Griskevicius, 2008; Tobler, Visschers, & Siegrist, 2012; Sörqvist et al., 2013; Nogueira & Cherman, 2014; Tanford & Montgomery, 2015).

Dickerson et al. (1992) realizou um experimento voltado para a economia de água, em um grupo de nadadoras, em um centro de recreação na Califórnia. O fenômeno da dissonância cognitiva foi explorado no momento em que, individualmente, houve a revelação que os nadadores do centro de recreação estavam desperdiçando água ao tomar banho, e, foram perguntadas quanto ao seu comportamento diante do fato. Dessa maneira, através da resposta dada (atitude), seria possível identificar através do monitoramento da duração do banho, como as nadadoras resolveram a dissonância cognitiva: o desperdício de água (comportamento) poderia ser reduzido pelo compromisso público assumido quanto à economia de água (atitude)? O experimento ocorreu ao final da prática esportiva e a caminho da área para banho, quando foram divididos aleatoriamente três grupos e perguntou-se: (grupo 1) ao tomar banho você desliga a água enquanto se ensaboa ou lava os cabelos?; (grupo 2) permitiria que fosse veiculado um cartaz com frases relacionadas ao consumo de água em que aparecesse seu nome?; (grupo 3) ambas as questões ao mesmo tempo. Isso feito possibilitaria identificar a atitude acerca dos hábitos de consumo de água (compromisso) e, logo após, era controlada a duração do banho, bem como se as nadadoras desligavam a água enquanto se ensaboavam ou lavavam os cabelos. Os resultados sugerem que há uma maior probabilidade de desligar a água enquanto se ensaboa ou lava os cabelos nos grupos 1 e 2, se comparado ao grupo 3. Também, que ao assumir um maior compromisso (grupo 3), ou seja, resultado da exposição a altos níveis de dissonância promoveu maior economia de água, tomando banhos mais curtos. O padrão identificado nos dados sugere que a economia de água é maior no grupo 3, por que os participantes experimentaram uma sensação maior de compromisso, do que nos grupos 1 e 2.

Thogersen (2004) realizou um estudo com trezentos e nove consumidores de dois shoppings em uma cidade da Dinamarca para avaliar o desejo das pessoas de se comportarem de maneira ecologicamente correta. O instrumento de pesquisa apresentava perguntas sobre a similaridade ou dissimilaridade a partir de um conjunto de quinze comportamentos ambientalmente relevantes. Ao fazer julgamentos de similaridade, as pessoas ativamente procuravam as maneiras pelas quais os estímulos eram semelhantes e as percepções sobre as consequências desempenhavam um papel fundamental em suas escolhas. A dissonância cognitiva ocorreu quando os indivíduos possuíam o desejo de que suas expectativas se tornassem reais, mas não conseguiam alcançar esse objetivo, criando assim inconsistências entre crenças e atitudes. Sendo assim, a dissonância cognitiva pode ser desagradável para os indivíduos, porém o desconforto dos sacrifícios necessários, com o intuito de se comportar de maneira ambientalmente responsável pode gerar mais desgosto. Nota-se que a maioria dos indivíduos adota diferentes maneiras comportamentais para diminuir a dissonância ou optam por conviver com as inconsistências percebidas. A influência de se comportarem assim depende da similaridade percebida dos comportamentos e da importância em suas atitudes serem ecologicamente corretas.

No estudo de Goldstein et al. (2008) foram realizados dois experimentos de campo examinando a eficácia de apelos relacionados à reutilização de toalhas por parte dos hóspedes de um hotel. Um dos apelos continha normas descritivas como, por exemplo, "a maioria dos hóspedes reutilizam suas toalhas". O outro apelo continha apenas uma frase tradicional sobre a proteção ao meio ambiente. Apelos empregando normas descritivas foram mais eficazes do que o apelo tradicional. Esta “comparação” gerou nos hóspedes uma necessidade de se enquadrar na norma. Goldstein et al. (2008) verificaram que as mensagens normativas utilizadas no seu estudo, foram significativamente melhores para estimular a participação dos hóspedes na conservação do meio ambiente dos hotéis do que as mensagens comumente utilizadas. Este tipo de mensagem faz com que os hóspedes se identifiquem mais como sendo ambientalistas.

Em um estudo voltado para entender como os consumidores influenciam a mudança climática através dos seus padrões de consumo, Tobler et al. (2012), traçaram dois objetivos: classificar diferentes formas de lidar com a mudança climática e analisar os fatores determinantes que influenciam a vontade das pessoas de se envolverem em tais comportamentos. Foi elaborado um questionário, enviado em grande escala via correio, e novecentas e dezesseis pessoas retornaram com respostas, que proporcionaram que os entrevistadores pudessem avaliar a vontade dos indivíduos em apoiar possíveis ações e medidas de mitigação. A análise de custos percebidos e benefícios climáticos foram identificados como os fatores mais fortes dos indivíduos em apoiar medidas de mitigação. Concluiu-se que a forte influência do benefício climático percebida pode refletir uma estratégia para reduzir a dissonância cognitiva. Isso porque as pessoas tendem a superestimar sua contribuição para a mitigação das alterações climáticas e a subestimar o impacto negativo de suas ações. Como comportamentos de alto custo são mais difíceis de adotar, os consumidores podem reduzir a dissonância ao rejeitar esses comportamentos, por acreditarem que não são eficazes.

Sörqvist et al. (2013) realizaram um experimento para mensurar o grau de importância que os consumidores dão a questões relacionadas com embalagens ecologicamente corretas. Foi percebido que rótulos ecológicos não só promovem uma vontade de pagar mais pelo produto, como também levam a uma perceptiva mais favorável do mesmo. No experimento, os consumidores tinham que escolher entre dois cafés: um normal e outro com a embalagem sustentável. Mesmo apreciando mais o café normal, a maioria dos indivíduos optou pela compra do café com embalagem ecológica, isto porque os rótulos criam expectativas que influenciam o processamento sensorial e os indivíduos tornam-se dispostos a pagar mais por um produto ecológico, mesmo preferindo o sabor de outro. Esses consumidores experimentam a dissonância cognitiva quando percebem que preferem o gosto do café normal ao invés do ecológico. Suas atitudes são moldadas para serem coerentes com suas preferências, mas como são incompatíveis com seus pensamentos, os leva a dissonância cognitiva. 

Nogueira e Cherman (2014) analisaram o comportamento de funcionários em empresas que geram grande impacto para o meio ambiente. Dos funcionários entrevistados nas três empresas, pode-se listar quais possuem dissonância e os motivos que levam a isto. Na primeira empresa, dos três entrevistados, todos possuíam dissonância cognitiva, pois mesmo sabendo dos impactos negativos gerados pela empresa, faziam de tudo para contribuir de maneira positiva. Além disso, ressaltaram que a organização oferece mais do que tira do meio ambiente. Na segunda empresa, que vendia produtos derivados do tabaco, dos três funcionários entrevistados, dois não possuíam dissonância, o que relaciona-se, ao fato de que os funcionários não veem como um problema a empresa oferecer um produto que seja maléfico aos consumidores finais. Isso faz com que seus discursos sejam condizentes com os da organização, não havendo contradições. Na terceira empresa, nenhum colaborador possuía dissonância, pois usa-se uma legislação que é seguida pelos colaboradores, fazendo com que suas ações sejam condizentes com as estratégias da empresa.

Tanford e Montgomery (2015), em estudo realizado para avaliar como os indivíduos são influenciados por fatores que comprometem suas escolhas, analisaram o comportamento de estudantes que iriam realizar uma viagem e deveriam optar entre um resort verde e um não verde. Nesse estudo foram utilizadas várias ferramentas para atrair os estudantes a escolherem os resorts e influenciar em seus comportamentos e atitudes. Como previsto pelos autores, a dissonância cognitiva os levou a escolher a alternativa mais favorável, mostrando que as atitudes pró-ambientais condiziam com seu comportamento. Foi após tomarem suas decisões que estes indivíduos experimentaram a dissonância, pois sentiram vontade em optar pelo resort verde, mas havia mais aspectos favoráveis para o resort não verde. Isso gerou um conflito no processo de tomada de decisão e fez com que os indivíduos fossem buscar uma coerência entre o que pensam e o que iriam escolher. Mesmo com alguns comentários negativos sobre o resort verde, isto se tornou um aspecto incompatível com a crença de que era desejável, levando os indivíduos para cognições contraditórias, que segundo Festinger (1957) são uma condição definidora para a dissonância.

3. Método

Os dados primários foram coletados através de entrevistas em profundidade, cujas questões foram elaboradas tendo como base a revisão da teoria sobre dissonância cognitiva e sustentabilidade. Foram utilizadas dez perguntas norteadoras (Quadro 1) e, quando necessário, foram feitas mais indagações durante a entrevista a fim de ampliar o entendimento da percepção e a opinião dos indivíduos sobre o tema versado, visto que, para Mack, Woodsong, MacQueen, Guest, & Namey, (2005), o entrevistador deve ser capaz de demonstrar simpatia, possuir um papel de aconselhamento, incentivar os participantes a elaborar as suas respostas sem expressar aprovação, desaprovação, julgamento ou preconceito.

Quadro 1 – Roteiro de perguntas utilizado nas entrevistas

Objetivos

Perguntas

Identificar atitude

Qual sua preocupação com o meio ambiente?

Identificar comportamento

Como você poupa recursos no seu dia a dia? Cite exemplos.

Analisar qual sentimento possui em relação ao coletivo

Como você vê o cenário atual que passamos no Brasil, em que grande parte da população não possui acesso a água potável?

Identificar atitude

Você é a favor da conservação da água?

Identificar comportamento

Você possui hábitos ecologicamente corretos, como por exemplo, desligar a água ao escovar os dentes, tomar banho e lavar louça?

Comparar atitude e comportamento

A água é um recurso fundamental no dia a dia e a utilizamos em diversos momentos. Poderia dizer como você faz para poupá-la ao lavar louça.

Identificar comportamento

Como você age quando se depara com desperdícios de água?

Comparar atitude e comportamento

Ao tomar banho você se preocupa com a quantidade de água que está utilizando? Explique-me como você faz para poupá-la.

Identificar atitude

Como você busca informações no seu dia a dia para ter um consumo consciente?

Identificar atitude

O que você acha que deveria fazer para contribuir com a redução do consumo de recursos que são tão importantes para a população?

Fonte: dados da pesquisa.

Todas as entrevistas foram gravadas para a transcrição e análise posterior sem que fosse perdido qualquer tipo de informação. Ao todo, foram entrevistados 18 indivíduos, 12 do sexo feminino e 6 do sexo masculino. A faixa etária média foi de 24 anos (Quadro 2).

Quadro 2 – Descrição da Amostra

Nomes fictícios

Idade

Ocupação

Formação

Amy

27

Securitária

Administração

Adam

28

Advogado

Direito

Brigite

25

Estudante

Administração

Cindy

26

Estudante

Direito

Dóris

24

Administradora

Administração

Cléo

22

Administradora

Administração

Benjamin

25

Advogado

Direito

Grace

24

Estudante

Administração

Bruce

18

Assistente de Recursos Humanos

Administração

John

24

Analista Comercial

Administração

Hilda

21

Estudante

Psicologia

Kirsten

24

Psicóloga

Psicologia

Léa

21

Estudante

Veterinária

Sophia

30

Arquiteta

Arquiteta

Sam

29

Administrador

Administração

Tina

29

Servidora Pública

Administração

Andy

36

Estudante de Mestrado

Publicidade

Will

33

Executivo

Administração

Fonte: Dados da Pesquisa

4 Análise e discussão das entrevistas

4.1 Atitudes em relação ao consumo sustentável

Pode-se verificar uma grande preocupação dos entrevistados em relação ao meio ambiente, pois o consideram fator importante para suas vidas e para o futuro, demonstrando  disposição em adotar um comportamento que venha contribuir na economia de recursos naturais. Os entrevistados indicam claramente uma apreensão com o seu futuro e de suas famílias, destacando a necessidade de adotar comportamentos que diminuam os riscos relacionados à má gestão de recursos naturais, em especial ao consumo de água.

“Preocupo-me com o meio ambiente, primeiramente porque ele está relacionado à minha vida, a minha saúde e ao mundo em que vivemos. Se utilizarmos os recursos naturais que temos de forma errada estaremos fazendo mal ao nosso próprio bem-estar e prejudicando a nós mesmos.” (Dóris)

“Minha preocupação com o meio ambiente é grande, ficando entre as prioridades logo atrás de educação, saúde e segurança pública. Tendo em vista grandes catástrofes ocorridas nos últimos anos, bem como aquecimento global, derretimento de geleiras, calor e frio excessivos, penso que cada vez mais devemos nos preocupar com ele.” (Benjamin)

“A preocupação tende a ser cada dia maior, visto que uns anos atrás isso não era muito comum, pois todos achavam que a degradação não ia afetar em nada nossa vida como sociedade, e hoje com tantas catástrofes provocadas pela natureza estamos nos conscientizando que, quanto menos importância dermos a isso, menos recursos naturais iremos utilizar.” (Bridgite)

“Porque a gente sabe que é um bem que, apesar de ser abundante, é finito. Um dia pode acabar e como é algo de necessidade básica a gente não consegue viver sem e é óbvio que tem que ter um cuidado com a água.” (Sam)

“Na verdade, a preocupação é constante. A gente vê incentivos na mídia, enfim, eu acho que é uma preocupação que a gente tem que ter o tempo inteiro.” (Will)

Em alguns casos foi possível observar a criação de atitudes referentes à sustentabilidade, devido à preocupação com as gerações futuras.

“Eu tenho muito foco no presente, mas muito do que eu faço tem um pensamento no futuro do meu filho e das outras crianças. Sabe, é muito nesse sentido. Eu fico pensando em que mundo a gente vai deixar para eles, que condição eles vão ter.” (Andy).

“É de conservar o máximo que podemos para que um dia os nossos filhos e nossos netos possam usufruir o meio ambiente como a gente ainda consegue um pouco.” (Sophia)

Os trechos vistos apontam que as atitudes são positivas em relação ao meio ambiente e que os entrevistados possuem o desejo de serem ecologicamente corretos, tal qual apontam os estudos de Sörqvist et al. (2013), Tobler et al. (2012) e Thogersen (2004). Esta condição é determinante para identificar a existência do gap entre atitude e comportamento no que diz respeito ao consumo sustentável e economia de água.

4.2 Comportamentos em relação ao consumo de água sustentável

Para identificar o comportamento dos entrevistados, foram realizadas perguntas que constatassem como agiam diariamente, tendo o intuito de avaliar se efetivamente havia uma preocupação com o meio ambiente e quais hábitos eram recorrentes.

Dentre os hábitos citados como mais importantes, identificou-se que a água foi o principal recurso apresentado como preocupação, seguido pela separação do lixo, cuidado com energia elétrica e redução do consumo de produtos plásticos. No ambiente corporativo, foi citado por alguns entrevistados à reutilização de folhas de rascunho e a tentativa de não utilização de copos plásticos, o que mostra que a consciência ecológica está presente em todos os ambientes.

Em relação ao consumo da água, que foi o principal fator citado pelos entrevistados como uma maneira de poupar recursos, todos afirmaram estar dispostos a atuar para que a água seja poupada, visto que atualmente é um dos recursos mais escassos no Brasil.

“Para poupar água eu utilizo um desengordurante em todos os utensílios e deixo um tempo de molho. Após isso, pego uma esponja com um pouco de sabão e passo em todos os utensílios para tirar a sujeira e após isso eu enxaguo os utensílios de uma única vez. O desengordurante já faz o trabalho de desfazer a gordura e assim não gasto tanta água.” (Cléo)

“Possuo filtro de água que não gera consumo de plásticos agressivos, desligo a torneira para escovar os dentes, para lavar a louça, entre outros. Também deixo um balde no chuveiro para aproveitar a água que não sai quente ainda e utilizo depois em alguma descarga ou para lavar a louça.” (Dóris)

“O que posso citar é juntar roupa para lavar tudo junto, para diminuir a quantidade de lavagem de roupa. Para a louça, não deixar a água correndo a todo o momento. Na hora de escovar os dentes também.” (Tina)

Ao falar sobre o cenário atual no Brasil foi citado como um dos fatores chave, poucos investimentos do governo em ações para diminuir o consumo.

“É uma pena que ainda em nossa sociedade atual exista pouca conscientização desse problema, existem poucos investimentos públicos para amenizar a escassez de água em nosso País. Os governos Federais e Estaduais parecem ignorar os alertas de desabastecimento que são emitidos pelas agências, investindo em poucas construções hídricas e algumas construções paradas.” (Benjamin)

Há também uma conscientização quanto ao mau uso dos recursos, prejudicando o meio ambiente e fazendo com que não sejam poupados de forma correta, ocasionando assim um consumo errado , pois muitos indivíduos não são atingidos pela falta de água.

“Ao mesmo tempo em que eu vejo um cenário crítico e acredito que podemos juntos mudar, eu vejo um pouco de desleixo e um pensamento egoísta da população, considerando que muitas pessoas que não viveram no dia a dia com a falta de água acabam deixando um pouco de lado essa preocupação e utilizam de uma forma inconsciente.” (Cindy)

Os entrevistados sabem de seus deveres quanto ao meio ambiente, porém, ao não conviver com a falta dos recursos em seu cotidiano, por vezes, podem deixar esta questão de lado, indicando, uma relação com o estudo de Thogersen (2004), o qual verificou que a maioria dos indivíduos atua com diferentes maneiras comportamentais para diminuir a dissonância ou optam por conviver com as inconsistências percebidas, mesmo tendo consciência da importância em terem atitudes ecologicamente corretas.

4.3 Geração da dissonância cognitiva

Para analisar conflitos entre atitudes e comportamentos relacionados à questão ambiental da conservação de água, ou seja, o que os indivíduos gostariam de fazer (atitude) e o que de fato fazem (comportamento), foram utilizadas perguntas para se identificar quando estes dois fatores eram condizentes, fazendo com que ocorresse ou não a dissonância cognitiva.

Ao serem perguntados se possuíam hábitos ecologicamente corretos, todos entrevistados responderam que sim, porém, quando solicitados a esclarecer como realizavam tarefas diárias, como lavar louça ou tomar banho, foi possível identificar uma discrepância entre atitudes e comportamentos, gerando assim a dissonância cognitiva.

“Quando escovo os dentes e tomo banho cuido para não desperdiçar água. Eu acredito que sou uma pessoa preocupada com o meio ambiente e que faço minha parte para contribuir.” (Hilda)

“Ao tomar banho eu cuido para não demorar muito, mas não desligo o chuveiro para me ensaboar ou quando lavo o cabelo.” (Hilda)

Nesse caso, a Teoria da Dissonância Cognitiva é aplicada, pois pode-se perceber que mesmo querendo ter atitudes pró-ambientais, a entrevistada percebeu que sua prática é contraditório a crença do que efetivamente deveria fazer. Isso mostra que mesmo possuindo o desejo de ser ecologicamente correto, encontra inconsistências entre atitudes, comportamentos e crenças, levando-a a possuir cognições dissonantes. Essa situação corrobora com o estudo de Thogersen (2004) o qual identificou que a dissonância cognitiva ocorreu quando os indivíduos possuíam o desejo de que suas expectativas se tornassem reais, mas não conseguiram alcançar esse objetivo, criando assim inconsistências entre crenças e atitudes.

“Quando vou tomar banho ligo o chuveiro, molho o corpo e após isso, desligo o chuveiro e me ensaboo. Demoro em média 10 minutos no banho e sei que se eu não fizesse isso de desligar o chuveiro eu iria gastar muita água.” (John)

“Na minha casa não separamos o lixo entre seco e orgânico, acredito que porque no bairro em que moro não passa a coleta seletiva. Quanto ao lixo, eu sou fumante e por vezes não percebo que jogo o cigarro no chão, mas isso acontece com pouca frequência, pois eu não fumo na rua.” (John)

O entrevistado possui dissonância cognitiva neste aspecto, pois primeiramente refere-se como uma pessoa muito preocupada e engajada com o meio ambiente, se mostra como um bom exemplo em relação ao consumo da água, mas não percebe que no seu cotidiano possui comportamentos que não são condizentes com o que pensa. Nota-se, nesse caso, que a dissonância ocorre e o entrevistado procura meios para reduzi-la.

4.4 Reduzindo a dissonância cognitiva

A pesquisa revelou que todos os participantes demonstraram preocupação com o meio ambiente. Ao mesmo tempo, quando atitudes e comportamentos não foram coerentes, tentaram buscar maneiras para reduzir o efeito da dissonância cognitiva. Os entrevistados estavam conscientes sobre tais discrepâncias e alguns admitiram sentir-se desconfortáveis com essa incompatibilidade.

A Teoria da Dissonância Cognitiva de Festinger (1957) prevê que os indivíduos utilizam maneiras para reduzir a dissonância, sendo a mais usual, a mudança de atitude. Pelo comportamento dos entrevistados, constatou-se que estes buscavam adquirir novas informações para aumentar a concordância, o que segundo Festinger (1957), reduz a dissonância. Esta constatação pode ser explicada com a teoria denominada auto-consistência, pela qual, segundo Aronson (1992), a dissonância não ocorre apenas devido a inconsistências entre cognições, mas quando o indivíduo age de maneira que viole seu autoconceito, realizando então um comportamento inconsistente com o sentido de si mesmo.

“Eu sei que deveria desligar a água enquanto lavo a louça e tomo banho, porém onde moro possuo somente chuveiro a gás, que faz com que a água demore a esquentar, assim fica difícil controlar essa questão do consumo da água.” (Cleo)

Mesmo querendo ter uma atitude ecologicamente correta, a entrevistada sabe das barreiras que possui para que seu objetivo seja alcançado, pois mesmo sua atitude sendo correta, há um conflito com seu comportamento. Neste caso, a dissonância ocorre e uma maneira de diminuí-la é a partir da aquisição de informações para apoiar suas decisões (Tanford & Montgomery, 2015).

“Eu tento economizar água, mas às vezes é difícil ter que desligar o chuveiro para me ensaboar ou lavar o cabelo. Eu gostaria de ser uma pessoa mais engajada com estas questões, mas penso que deveria haver um consenso geral, eu sozinha não posso mudar o mundo.” (Kirsten)

A entrevistada apesar de possuir o desejo de ser mais comprometida com o meio ambiente e contribuir para que os recursos sejam poupados, busca um meio para reduzir a dissonância, conformando-se de que nem todos fazem sua parte, justificando, assim, porque não age de maneira correta.

Em diversos casos percebeu-se que os indivíduos procuram ter comportamentos sustentáveis como, por exemplo, o de escovar os dentes e lavar a louça. No entanto, tomar banho acabou não participando deste tipo de comportamento. Diversas justificativas fazem com que o indivíduo diminuía a dissonância quanto ao comportamento sustentável no banho, por exemplo:

“Tá, na verdade eu tenho uma preocupação com o desperdício de água corrente, tipo na hora de lavar a louça………uma coisa que realmente às vezes não faço muito é no banho, porque eu gosto de relaxar, eu acho que tem uma questão de recuperação de energias. Aí eu acabo desperdiçando um pouco mais do que eu deveria.” (Will)

“Pode ser uma forma, mas tem que tentar mensurar também o impacto disso na qualidade de vida das pessoas. Porque, a partir do momento que tu trabalhas o dia inteiro, tu tens direito a três minutos de banho. O banho, pelo menos para mim, faz muita diferença. Chegar em casa, relaxar, é um momento mais do que se lavar, é um momento para expurgar aquele estresse todo do dia-a-dia.” (Andy)

Nestes dois últimos exemplos, a justificativa por não tomar um banho rápido diz respeito às consequências “terapêuticas” deste ato, à necessidade de relaxar e expurgar o estresse.

“O único cuidado que eu tenho é lavar a louça e escovar os dentes, mas no "tomar banho" não.” (Tina)

“A gente faz coleta seletiva, tento lavar a louça com mínimo de água possível, e no banho às vezes consigo controlar no verão, mas no inverno normalmente não.” (Sophia)

Nos trechos, é possível verificar que os entrevistados justificam o banho demorado como uma espécie de contrapartida por já realizarem outros comportamentos sustentáveis. Outro aspecto bastante observado foi a transferência da responsabilidade frente aos comportamentos sustentáveis. Por exemplo, o governo em muitos casos foi culpado pelos entrevistados. Mesmo que isso possa de fato ter sentido, os indivíduos utilizam esta ferramenta para justificar toda a falta de comportamento sustentável:

“Acho que a gente também tem a nossa parte de conscientização, de melhor aproveitamento, de repente construir uma casa construindo então uma cisterna com sistema de captação de água que seja reutilizado para vasos, enfim, todo mundo tem a sua parcela de comprometimento, mas eu acho que o governo, eles não dão a atenção devida ao problema.” (Sam)

“Até é difícil, não existe nenhuma campanha de conscientização. Eu acho que falta esse lado educacional do governo, dizendo aonde que a gente pode economizar. Como se constrói uma cisterna? Eles poderiam dar mais dicas, para o pessoal que tem casa. A gente mora em apartamento e temos certas limitações, mas o pessoal que mora em casa, principalmente de baixa renda.” (Sophia)

“Acho que também há por parte do governo e das autoridades, uma maquiagem em relação a isto. A gente não tem ideia da real proporção. Posso te dizer que sim, quando eu lembro disso, me toca, mas eu não lembro disso o tempo inteiro. A sensação que a gente tem no dia-a-dia é que não é tão grave assim em termos de acesso à água potável.” (Will)

“Acho que primeiro de tudo é a consciência da população de economizar, mas acho que mais do que isso, ou tão importante quanto, é elaborar políticas públicas e ações. Melhorias na própria infraestrutura dos grandes centros das cidades pra poder fazer essa separação (de lixo), essa filtragem em larga escala...... Acho que muito é uma questão de políticas públicas e de infraestrutura, reutilização de água, por exemplo, do banho para o vaso, essas coisas né.” (Will)

Repassar uma parte, ou toda a culpa para governos e autoridades, ajudou os entrevistados a diminuir tensão e consequentemente reduzir o desconforto causado pela dissonância entre atitude e comportamento.

Outro aspecto que auxilia os entrevistados a diminuir a dissonância é a falta e pouca clareza das informações recebidas.

“Assim, tem algumas informações que a gente ouve, inclusive na mídia, que são um pouco contraditórios com relação a essa questão do lixo, por exemplo, eu soube que aqui em Porto Alegre acho que não chega a 60% os locais que tem coleta seletiva e soube também que não adianta separar, ou lavar, os plásticos e tudo mais porque ele vai passar por uma lavagem depois então isso não seria útil. Então tem muita coisa contraditória...............” (Will)

Esta falta de informação faz com que, em muitos casos, as pessoas optem pelo comportamento mais prático.

“Eu acho que não tem muito esse acompanhamento. Como a gente busca esse tipo de informação? Hoje em dia talvez aquilo que a gente consome do dia a dia em produtos que talvez não tenham uma procedência muito clara é difícil de saber e de ter noção de onde aquilo vem e do que aquilo acontece. Como a gente consome a maioria de marcas conhecidas, existe certa confiança de que aquilo segue uma norma, mas a gente se engana muitas vezes.” (Sam)

“Acho que falta sim informação. Vejo como uma coisa que não é natural a busca no dia-a-dia para reciclar. Acho que isso é uma coisa que tem que ser instruído, tem que vir de forma prática, gratuita e constante, mas além da informação, acho que falta estrutura. Porque é extremamente decepcionante você saber que está fazendo um esforço pra separar o lixo dentro de casa mas a coleta vai colocar tudo junto. Então isto desmotiva, você acha que está contribuindo com o meio ambiente e na verdade você está fazendo um papel que não vai ser útil.” (Will)

4.5 Tensões que auxiliam na mudança de comportamento

Com base no artigo Goldstein et al. (2008) foi perguntado ao entrevistado como ele agirá após descobrir que se comporta de forma menos ecológica do que pessoas próximas a ele; por exemplo, que a maioria das pessoas não está mais utilizando sacolas plásticas para transportar suas compras no supermercado respondeu:

“Ah, eu faria de tudo pra diminuir o consumo porque se os outros estão conseguindo eu também consigo. Acho que sim. Acho que essas informações de certa maneira poderiam ser um pouco mais abertas.” (Andy)

Ou quando o entrevistado é perguntado como se sentiria se soubesse que consome mais luz e água que os outros moradores do seu prédio:

“Sem dúvida eu repensaria meus hábitos. Porque me comparando com a média eu estaria agredindo mais o meio ambiente do que os outros. Sem dúvida isto geraria algum tipo de comportamento para tentar economizar. No mínimo parar para repensar sobre isso né.......um dado de comparação que eu produzo mais ou não lixo. Acho que esse tipo de informação, ou de atividade motiva a pessoa a tomar uma atitude ativamente.” (Will)

Observa-se que os entrevistados, ao se compararem com outras pessoas indicam uma intenção de mudar seus comportamentos, relacionando essa mudança à importância da informação recebida sobre o consumo ou atitudes sustentáveis de outras pessoas. De acordo com o artigo Dickerson et al. (1992), fazer com que as pessoas se sintam hipócritas faz com que elas se comportem de maneira diferente nas próximas oportunidades. Vários entrevistados alegaram que começariam a prestar mais atenção em seus comportamentos após a entrevista. No entanto, verificou-se que essa mudança de comportamento não persistiria ao longo do tempo. A forma que os indivíduos abordam a hipocrisia reforça a importância do reforço da “informação” sobre o tema que lhes gera tensão.

“Eu acho que num primeiro momento sim. Mas é o que eu falei, a conscientização deve ser contínua e frequente. Agora eu vou pensar, mas amanhã ou semana que vem eu já esqueci.” (Sophia)

“Eu acho que sempre que a gente para pra refletir sobre o assunto, a gente começa a repensar as coisas que não fazemos e que poderíamos fazer. Eu acho que sim, acho que vou lembrar um pouco mais por conta desta conversa. Agora, justamente por isso, talvez esta conversa aqui esteja servindo como um motivador pra tomar algum tipo de atitude pra relembrar.........” (Will)

Em virtude dos últimos aumentos das taxas de energia elétrica que ocorreram, procurou-se saber se houve uma alteração no comportamento em relação ao consumo de energia por parte dos entrevistados:

“Gerou uma preocupação maior sim, porque hoje eu tenho notado que aumentou cerca de 100% do que eu gastava e estou tentado detectar aonde é o problema, se é tomada todo o tempo na luz, qual é o problema.” (Tina)

“É, o gasto de energia elétrica, hoje em dia tem muito mais a ver com o preço da conta do que com a preocupação com o meio-ambiente bem sinceramente falando.” (Andy)

Assim, buscou-se um paralelo, caso o custo da água subisse, se haveria algum tipo de mudança no comportamento, ou então, caso supermercados iniciassem a cobrança por sacolas plásticas, se ocorreria um consumo menor. A maioria dos entrevistados alegou que sim:

“Eu acho que talvez sim. Cobrando o que é justo, o que a média internacional cobra. Claro que vai encarecer o preço dos produtos no Brasil, mas...vai incentivar o investimento em cisternas na reutilização da água, isso vai ser um investimento inicial, mas depois irá se pagar.” (Sam)

Já o entrevistado Will pensa de uma forma diferente:

“Eu acho que pode gerar certo tipo de ressentimento e as pessoas não colaborarem, principalmente as que tem recursos e não vão se importar em gastar mais. Seria interessante, de repente, uma política de premiação pra quem economizar, por exemplo, mas sempre depois da conscientização. Acho que isso seria uma alternativa.”

5. Considerações finais

No cenário brasileiro é comum se lidar com falta de água e grandes catástrofes ambientais, o que leva os indivíduos a desejarem ter uma atitude e comportamento positivos em relação a questão ambiental. Nesse sentido e considerando o contexto do Brasil, o estudo analisou a ocorrência da existência do gap entre atitude e comportamento quanto ao consumo sustentável de água e os resultados permitiram identificar de que forma os indivíduos reduzem as tensões resultantes de sua dissonância cognitiva.

Foi possível verificar que há uma preocupação por parte de todos os indivíduos em relação a conservação do meio ambiente, o que demonstra uma atitude positiva. Como citado por Tanford e Montgomery (2015), os indivíduos possuem uma tendência a quererem possuir comportamentos ecologicamente corretos e isso faz com que busquem informações para que suas atitudes e comportamentos sejam compatíveis. Ao serem questionados sobre quais preocupações possuíam em relação ao meio ambiente, citaram diversos fatores como: conservação da água, separação do lixo e reutilização de folhas em ambiente corporativo.

Foi também identificado que mesmo sabendo de seus deveres quanto ao meio ambiente, ao não conviver com a falta de recursos ambientais no seu dia a dia, os indivíduos deixam por vezes essa questão de lado, gerando então a dissonância cognitiva, a qual conforme Thogersen (2004), ocorre quando os indivíduos possuem o desejo de que suas expectativas se tornem reais, porém não conseguem alcançar esse objetivo.

Percebe-se que a dissonância cognitiva ocorreu para alguns indivíduos quando havia um conflito entre atitudes e comportamentos. Para Festinger (1957), este conflito leva os indivíduos a um desconforto, fazendo com que encontrem maneiras para reduzir a dissonância. As entrevistas possibilitaram identificar que mesmo querendo ter atitudes pró-ambientais, existem barreiras que fazem com que o comportamento seja incoerente com as atitudes. Aronson (1992) cita que a dissonância é mais frequente quando uma pessoa se comporta de maneira negativa, ou seja, quando possui um comportamento inconsistente com sua crença. Identificou-se que, quando os entrevistados foram questionados se possuíam hábitos ecologicamente corretos, todos responderam que sim, contudo nas suas atividades e tarefas diárias ocorre uma clara discrepância entre as atitudes e seus comportamentos. Numa perspectiva cross-cultural, ao se comparar com o estudo realizado por Thogersen (2004) na Dinamarca, repete-se a constatação de que os indivíduos apresentam inconsistências entre suas crenças e atitudes.

Verificou-se, que os indivíduos abordados possuem o desejo de serem ecologicamente corretos e, por consequência podem poupar recursos ambientais. Diante do desejo dos entrevistados em possuírem atitudes corretas e ao não conseguirem as colocar em prática, ocorre a dissonância cognitiva. Em vista das principais justificativas que auxiliam na alteração da atitude para a diminuição desta dissonância, seria importante que as partes relacionadas atuassem de modo a não deixar este espaço. Por exemplo, foi muito citado a falta de informação e clareza para não ter um comportamento sustentável. Para reduzir a dissonância, tal qual aponta Festinger (1957), os entrevistados indicaram a intenção de uma mudança de atitude, a qual ocorreria a partir da aquisição de informações para apoiar suas decisões, como apontam Tanford e Montgomery (2015).

Os entrevistados procuram reduzir a dissonância buscando uma saída para entenderem porque agem “daquela maneira” inconsistente com a atitude proativa a questões ambientais. Um bom exemplo, é a justificativa de gastar mais água devido os benefícios terapêuticos do banho, o que seria uma boa explicação para não terem um comportamento adequado. Ficou evidenciada uma transferência da responsabilidade do seu comportamento, para fatores externos, dentre estes se destaca a culpa do governo quanto ao consumo de água e de outras questões ambientais. Foi constatado que informações indicando procedimentos e vantagens de atitudes ecológicas diminuem a tensão dos indivíduos.

Quando se trata das tensões que auxiliam na mudança de comportamento, os entrevistados, ao se compararem com outras pessoas, indicam a intensão de equilibrar suas atitudes e comportamentos, relacionando isto, a importância das informações recebidas sobre como se comportam estas pessoas. Sentir-se hipócrita, faz com que as pessoas se comportem de forma diferente, contudo isto ocorre por que reforça a informação da importância de atitudes e comportamentos ecologicamente corretos. Finalmente, quanto a redução de tensões, o fator preço aparece nos relatos com considerável intensidade, uma vez que os entrevistados são muito suscetíveis aos aumentos de preço, o que é um forte motivador para a mudança de seus comportamentos.

O sentimento de hipocrisia nos indivíduos também pode ser trabalhado por já ter se mostrado eficaz, a curto prazo. Estudos podem ser realizados visando aperfeiçoar este conhecimento. Esse sentimento pode ser algo passageiro, porém pode ser o início da mudança de comportamento. Por outro lado, pode ser mantido e agir sempre como o tensor para que o comportamento sustentável de fato ocorra.

Numa perspectiva gerencial, os resultados podem auxiliar no desenho do modelo de negócios em organizações públicas e privadas, que sejam impactadas pelo fator ambiental. Isto ocorre no momento que as descobertas podem direcionar na construção de mensagens internas e externas, com informações referentes as suas ações, com o intuito de ajudar os indivíduos a gerar ou reduzir sua dissonância cognitiva, visto que a busca pelo reforço da informação, surgiu como uma estratégia utilizada pelos indivíduos para a redução de tensões entre atitudes e comportamentos referentes a questão ambiental.

As limitações do estudo se referem à abordagem qualitativa, a qual não permite inferir generalizações, contudo permitiu identificar traços relacionados a atitudes e comportamentos, e constatar como os indivíduos podem reduzir sua dissonância cognitiva a respeito do consumo sustentável de água, agregando, desta forma, informações numa perspectiva de psicologia social ao estudo do comportamento do consumidor, e abrindo a perspectiva para novas investigações e estudos futuros. Numa perspectiva de estudos futuros, a questão de os indivíduos destacarem a culpa do governo quando se trata do desperdício de água e do descaso com o meio ambiente, bem como a importância atribuída ao aumento do preço e sua relação com a mudança de comportamento, são fatores que merecem ser investigados e aprofundados, para que se possa verificar e compreender se estes aspectos estão relacionados com os traços culturais do brasileiro ou a um fenômeno global.

Referências

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1. Professor do Programa de Pós-Graduação em Administração da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) – Brasil. Email: damacena.claudio@gmail.com claudio.damacena@pucrs.br

2. Bacharel em Administração pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) – Brasil. Email: juliemross@hotmail.com

3. Professor do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade de Passo Fundo (UPF) – Brasil. Email: antoni@upf.br


Revista ESPACIOS. ISSN 0798 1015
Vol. 38 (Nº 07) Año 2017

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