ISSN 0798 1015

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Vol. 38 (Nº 08) Año 2017. Pág. 28

A linha tênue entre combater a violência e o sofrimento psíquico: O ambiente laboral da Polícia Militar e a saúde mental

The fine line between combat violence and psychological distress: The working environment of the Military Police and mental health

Gabriela CECARECHI 1; Henrique Guilherme SCATOLIN 2

Recibido: 28/08/16 • Aprobado: 02/09/2016


Conteúdo

1. Introdução

2. Fundamentação teórica

3. Metodologia

4. Resultados

5. Análise e discussão

6. Considerações finais

Referências bibliográficas


RESUMO:

A Polícia Militar se caracteriza por sua forte disciplina e hierarquia. A organização do trabalho e das atividades desenvolvidas podem propiciar tensão e sofrimento psíquico aos policiais que escolheram esta profissão. Estes profissionais lidam, ao mesmo tempo, com a precarização do trabalho aliado a visão da sociedade contemporânea, na qual lutam contra a violência. Todos estes fatores implicam na saúde mental dos profissionais, aumentando os casos de síndrome de burnout, depressão, alcoolismo e até mesmo suicídio. O presente artigo, por meio de uma revisão de literatura, tem como objetivo identificar quais os fatores do ambiente laboral da Policia Militar que afetam a saúde mental dos policiais, definindo e demonstrando as consequências do ambiente laboral/organização do trabalho na saúde mental dos policiais militares, bem como as consequências para a organização Polícia Militar. Com base em uma análise crítica aliada a psicologia do trabalho, serão discutidos quais são as possíveis intervenções para minimizar o sofrimento psíquico destes profissionais. Dessa forma, a conscientização da importância de se obter conhecimentos sobre o ambiente laboral, e quais os danos que o mesmo ocasiona na saúde mental deste profissional é um desafio que instiga os psicólogos do trabalho das possíveis práticas e intervenções a serem elaboradas.
Palavras-chave: Policia Militar; Ambiente Laboral; Saúde Mental; Psicologia do Trabalho; Sofrimento Psíquico.

ABSTRACT:

The Military Police is characterized by its strong discipline and hierarchy. The organization of work and of the activities can provide tension and mental suffering to the police who have chosen this profession. These professionals deal at the same time, with the precariousness of work combined with vision of contemporary society, in which fight against violence. All these factors imply mental health professionals, increasing cases of burnout syndrome, depression, alcoholism and even suicide. This article, through a literature review, aims to identify the factors of labor Military Police environment that affect the mental health of police, defining and demonstrating the consequences of workplace / organization of work in the mental health of police military, as well as the consequences for the military Police organization. Based on a critical analysis combined with work psychology, will discuss what are the possible interventions to minimize the psychological suffering of these professionals. Thus, awareness of the importance of obtaining knowledge about the work environment, and what damage it causes mental health professional this is a challenge that excites psychologists work possible practices and interventions to be developed.
Keywords: Military Police; Labour environment; Mental health; Work Psychology; Psychic suffering.

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1. Introdução

 O trabalho da Policia Militar é combater a violência presente em nossa sociedade. Baseada na hierarquia e na disciplina, este trabalho permuta por meio de uma linha tênue entre o combater a violência e o adoecimento psíquico dos policiais (profissionais estes que lidam constantemente com a precarização das condições de trabalho). O raciocino rápido em situações de conflito coloca em prova a capacitação destes profissionais, contribuindo para um cenário de estresse e forte pressão em todos os dias de trabalho (SILVA; VIEIRA, 2008).

A saúde e o bem-estar dos profissionais garante se o trabalho do mesmo terá eficiência e eficácia. Esta relação de interação e transformação é exemplificada por Codo (p.41, 1997): “trabalho é uma relação de dupla transformação entre o homem e a natureza, geradora de significado”, ou seja, de forma mais sintética, “trabalho é o ato de transmitir significado a natureza”. Transmitir significado é uma troca, na qual o homem coloca sua força a disposição naquilo que acredita (o trabalho). É, nesta interação que o homem vai construindo a si próprio.

O trabalho da polícia militar é uma tarefa árdua que torna o construir-se com o trabalho uma relação difícil. Esta relação ão colocados a prova constantemente. A organização do trabalho cem duas fases: fase operatória que trata das tarefas desempenhadas pelo colaborador (seu trabalho). E, na segunda fase, a divisão das tarefas, que abarca a responsabilidade e a hierarquia. Estas fases fazem da organização do trabalho uma relação intersubjetiva, podendo ser vista como um dos maiores fatores de agravamento psicológico entre os policiais militares (SPODE; MERLO, 2006).

O relacionamento interpessoal é um fator que pode tanto facilitar o trabalho quanto prejudicá-lo. Refletindo sobre o trabalho da polícia militar, o relacionamento interpessoal dependerá do trabalho em equipe, bem como da empatia. Ter empatia é um fator primordial para exercer o papel de um policial militar, contudo a hierarquia e o forte militarismo exigem do policial uma outra “farda”. Esta com caráter rígido apoiada nos valores éticos e morais da organização.

Silva e Vieira (2008) nos mostram que:

Frequentemente, a atividade da polícia militar é considerada como "desumana" por parte dos próprios profissionais. Eles chegam a admitir que, para exercê-la, é preciso ser um "robocop", ou seja, uma máquina cujas capacidades humanas devem ser subtraídas. Nesse sentido, é importante considerar algumas determinações que podem estar na origem dessa concepção, sendo que a principal delas é a própria formação dos policiais. (p.165, 2008).

Ocupar outra farda e lidar com a precarização do trabalho exigem do policial uma grande resiliência. Entretanto ser resiliente exige do profissional uma boa estrutura psicológica e que, em muitos casosode vir a faltar. Drago (1992) nos mostra como a sociedade reprime nossos desejos, contribuindo para um processo de alienação do trabalho:

“Como não tem meios suficientes para sustentar a vida de seus membros sem trabalho por parte deles, a sociedade trata de restringir o número de seus membros e desviar as suas energias das atividades sexuais para o trabalho. ” (DRAGO, p. 61, 1992).

Portanto, coloca-se a disposição do trabalho as forças e desejos. É por meio do amor que reproduzimos e pelo trabalho que produzimos. Porem adoecemos pelo amor e pelo trabalho, pela grande pressão que os dois sentidos da vida nos colocam. A pressão tem dois lados de uma mesma moeda: ela pode impulsionar o ser humano para que este amplie seus horizontes, e pode estagnar um ser humano por meio do medo conduzindo-o ao abandono de seus objetivos.

Essa pressão também pode acabar em um exacerbado sentimento de responsabilidade e produtivismo adoecendo qualquer ser humano. O trabalho do policial é lidar com a pressão constante. Podemos ver que vários fatores podem afetar nossa saúde mental: o ambiente de trabalho, a falta de comunicação, o trabalho em equipe mal planejado, um plano de ação mal estruturado, a constante precarização do trabalho, a organização do trabalho, sua hierarquia e também a falta de apoio psicológico por parte do estado.

Neste sentido, as condições de trabalho, a organização do trabalho e tudo que ela abarca, cercam os policiais militares podendo contribuir para o seu adoecimento psíquico. Estes são os objetos de analise desta pesquisa qualitativa e bibliográfica, que pretende identificar, descrever, analisar criticamente os fatores que podem contribuir para a exaustão emocional, contextualizando as finalidades e utilidades do serviço de segurança pública.

2. Fundamentação teórica

Este artigo visa estudar os fatores do ambiente laboral da Polícia Militar que afetam a saúde psíquica dos policiais militares. O trabalho que transforma tanto a sociedade também é transformador da vida pessoal do ser humano. Dentro da organização Polícia Militar, o policial é treinado a cultivar a cultura organizacional da polícia militar, que pauta os seus valores na disciplina e na hierarquia. A diferença entre as organizações se dá por meio da cultura organizacional que cada uma carrega, o conjunto de crenças, valores, estilo de trabalho e relacionamentos refletem a forma como ela pensa e enxerga o mundo (LUZ, 2003).

Quando a cultura organizacional interfere no clima organizacional, as relações entre os membros e as equipes de trabalham ficam adoecidas, e o indivíduo perde a voz ativa no ambiente de trabalho. Dentro da polícia militar, a voz ativa ocorre por meio dos níveis hierárquicos, culminando ao policial militar realizar tarefas que em alguns casos não são condizentes com os seus valores éticos e morais. Este dilema se perpetua dentro das organizações de trabalho, fazendo com que muitos colaboradores façam algo que não julgam como correto. É neste momento que a saúde psíquica entre em jogo, pois o policial realizando a tarefa não desejada é, muitas vezeslgado pela sociedade contribuindo ainda mais para o adoecimento psíquico (LUZ, 2003).

Clot (2006) nos ensina que:

[...] a ação se forma num meio saturado de atividades heterogêneas, libertando-se - na melhor das hipóteses – de suas contradições. Esse meio não é um ambiente exterior à ação. Trata-se de alguma maneira de seu meio interior. Ele é povoado, e até superpovoado, por intenções “estranhas” a que o profissional deve submeter-se, impondo assim uma espécie de trabalho de refração com referência à sua intenção. Afinal de contas, a ação não pode ser compreendida a partir de si mesma. Seu desencadeamento deve ser vinculado a atividades que se intercambiam em certos contextos e seu funcionamento, as operações que se exercem no âmbito de outras. Entre esses dois pré-supostos, ela se forma, se transforma e se deforma (2006, p. 34).

A ação, muitas vezes, executada pelos policiais militares é permeada por contextos externos que estão inseridos dentro do ambiente organizacional assim como foi evidenciado na citação acima. Resultando em forma, quando é colocada em prática, se transformando pelo olhar da sociedade e da mídia e deformando o indivíduo que a executou. É neste momento que se ressalta a importância do atendimento psicológico e da equipe multidisciplinar de saúde para estes profissionais, bem como o apoio do estado. A frequência com que as ações acontecem determinam o grau de deformidade psíquica do policial militar, resultando em altos níveis de depressão, burnout e suicídio.

Este estado de deformidade psíquica contamina o ambiente de trabalho da polícia militar, enrijecendo as relações entre as equipes de trabalho, resultando no sofrimento da organização, que em alguns momentos não sabe como agir. Encaminhando assim o policial para o acompanhamento psicológico, culminando em altos índices de restrição de porte de arma dentro das corporações.

O trabalho, portanto, tem o poder de motivar o indivíduo, quando o mesmo propicia condições dignas de desenvolvimento profissional sem abalar a saúde mental do indivíduo. Pode ser que quem escolha a organização polícia militar para trabalhar e projetar seus desejos no trabalho se identifique com a mesma, mas o fato é que ao adentrar neste universo do militarismo, o mesmo deve propiciar um ambiente laboral que respeite e preserve a saúde psíquica e física do policial militar.

Preservar a saúde mental ofertando serviços de qualidade por meio da equipe multidisciplinar e mostrando a sociedade que por traz da “farda” existe um ser humano é dever do estado. Estes cidadãos trabalham para o país, para a sociedade brasileira, contudo em alguns casos são massacrados e vítimas da mídia brasileira, que aliena o ser humano. Portanto necessita-se de uma constante reflexão e discussão acerca destes fatores e do papel desta equipe multidisciplinar para a prevenção de doenças físicas e psíquicas, e também o papel do estado são alguns pontos que serão discutidos a seguir.

3. Metodologia

A metodologia utilizada para a realização do presente trabalho consiste em uma pesquisa qualitativa, realizada através de uma revisão de literatura apoiada em uma pesquisa bibliográfica. A presente pesquisa parte de um tema pouco estudado e que apenas recentemente vem sendo pesquisado – saúde mental do policial militar.

Todos estes mecanismos proporcionam uma abrangência sobre o tema abordado. A escolha detalhada dos materiais a serem pesquisados e analisados permite que a pesquisa se torne ampla. Sendo assim, Goldenberg (2004) nos mostra os objetivos da pesquisa qualitativa:

[...] Não se preocupam em fixar leis para se produzir generalizações. Os dados da pesquisa qualitativa objetivam uma compreensão profunda de certos fenômenos sociais apoiados no pressuposto da maior relevância do aspecto subjetivo da ação social. (2004, p.49).

Nessa escolha pela Pesquisa Bibliográfica, a abordagem qualitativa enfatiza as informações que poderão ser geradas a partir do olhar do pesquisador. Analisando os resultados obtidos com o levantamento bibliográfico de forma minuciosa, o pesquisador interpreta as teorias, refletindo e discutindo a problemática estudada em questão, agregando conhecimento teórico para a produção. (SILVA, et all 2009, p.4556).

Portanto a Pesquisa Bibliográfica foi utilizada para a construção da revisão de literatura do trabalho. Foram utilizados como materiais livros, periódicos e documentos oficiais. Tais materiais foram utilizados da Biblioteca do Centro Universitário Hermínio Ometto, acervo pessoal da autora e do seu orientador, assim como das bases de dados consultados tais como Biblioteca Virtual em Saúde Psicologia (BVS-Psi) [3], Scientific Electronic Library Online (SCIELO) [4].

4. Resultados

 Repensar a organização polícia militar é repensar o caminhar que o estado está tomando em não ofertar apoio psicológico aos policiais militares por meio de equipes multidisciplinares dentro do ambiente organizacional. O programa PAAPM que é uma parceria da polícia militar do estado de São Paulo com o Centro de Atenção Social e Jurídica da Capital e Região Metropolitana visa ofertar atendimento psicológico. Para o psicólogo que ingressar na carreira militar, o mesmo também deve respeitar as diretrizes do Conselho Federal e Regional de Psicologia. Contudo o trabalho de prevenção da saúde física e psíquica não é respaldado dentro do ambiente laboral, colaborando assim para o adoecimento.

Na pesquisa de Oliveira e Bardagi (2009) foram analisados setenta e cinco policiais militares divididos em três grupos. Os estudos apontam que “57,3% dos participantes apresentaram sintomatologia de estresse, com 46,7% da amostra total na fase de resistência, 8% na fase de quase-exaustão e 2,7% na fase de exaustão” (OLIVEIRA; BARDAGI, p. 160, 2009). Com estes dados é notório o quanto o ambiente de trabalho propicia o adoecimento psíquico dos policiais militares. A hierarquia e a cultura organizacional podem colaborar com o adoecimento psíquico bem como a falta de ergonomia física e cognitiva. O fato de lidar com a sociedade é também um precursor de estresse, pois hora este policial é visto como vítima hora é visto como opressor.

O tipo do trabalho realizado pode alavancar os índices de estresse como por exemplo, as emergências que expõem o policial em situação de risco. Lidar com a tensão da emergência bem como comandar viaturas e policiais para a operação traz ao indivíduo um certo desequilíbrio, principalmente para aqueles que tem algum tipo de relacionamento interpessoal abalado com o grupo. A ergonomia cognitiva é fundamental para estes profissionais, para a ergonomia cognitiva não há separação entre mente e corpo, pois para ela alguns comportamentos no ambiente de trabalho não podem ser explicados sem levar em conta o estado funcional do profissional, ou seja, suas dores físicas e psicológicas.

Com altos índices de estresse o sujeito está fadado a outros tipos de patologias. A forma como o comandante do pelotão conduz as situações no ambiente de trabalho também pode prejudicar a saúde mental do policial. Estes fatores podem gerar o estresse ocupacional. Diminuição da eficiência, conflitos interpessoais, desmotivação, absenteísmo, rivalidade, desrespeito, problemas fisiológicos e psicológicos, entre outros são a prova do quanto este estresse pode afetar a vida pessoal e profissional do policial militar.

As doenças ocasionadas pelo estresse são conhecidas nos dias atuais. Estas seriam a depressão, burnout, hipertensão, disritmias cerebrais, sistema gastrointestinal afetado, sistema muscular e cardiovascular, fadiga, distúrbios do sono. Vários caminhos podem ser tomados, só depende da organização (que no caso seria o Estado) promover qualidade de vida, olhando para o colaborador, preservando as relações humanas, capacitando comandantes para exercer bem a função, analisando a carga horária de trabalho, levando ergonomia física e cognitiva para os ambientes de trabalho, ofertando serviços de apoio de saúde por meio de uma equipe multidisciplinar.

Cerca de 46,7% dos policiais ainda estão na fase de resistência sendo que nesta fase as chances de eliminar e tratar o estresse são maiores. Deixando o policial com duas opções, ser identificado pelo comandante como possível profissional para passar pelo PAAPM, ou procurando ajuda fora do ambiente de trabalho, ato comum nos dias de hoje. As estratégias para o enfrentamento do estresse devem estar presentes na dinâmica organizacional, ou seja, tanto na operação quanto na polícia interna. Estes índices colaboraram para a restrição de porte de arma, fazendo com que o policial permaneça interno.

O fato da mudança de cargo e de ambiente de trabalho pode colaborar também para um sentimento de inferioridade. O policial militar que sempre esteve em contato com a rua e a sociedade pode se frustrar tendo que trabalhar internamente. Portanto é necessário trabalhar e ressignificar o valor do trabalho com estes indivíduos. Com exaustão, com o sono prejudicado, má alimentação, falta de práticas de exercícios, terapia e análises, o profissional deixa de refletir sobre o seu adoecimento no trabalho, colaborando para a perda de qualidade no serviço ofertado. É fundamental a saúde mental assistida para estes profissionais, pois sem ela o policial não exerce o seu trabalho com eficiência e eficácia, comprometendo a sociedade como um todo, refletindo em altos índices de marginalização. 

5. Análise e discussão

A Policia Militar ainda se caracteriza pela garantia de segurança pública e o exercício do controle social, tendo como base o forte militarismo, submetidas a subordinação e coordenação do Governo do Estado. A história da polícia militar permuta pela história do Brasil, pois durante o governo de D. Pedro I foi identificado que os presidentes das províncias não possuíam meios para promover a ordem e a manutenção pública, culminado assim na criação da Polícia (SILVA; VIERIA, 2008).

Sendo assim o fator principal deste trabalho é promover a ordem e gerar transformação. A organização Policia Militar está pautada no âmbito político que via de regra visa regular os interesses sociais internos e externos buscando tomar decisões com o objetivo de disciplinar as pessoas, envolvendo relações de poder e de forças sociais que, em muitos casos, são controlados pela coação física (ZANELLI et all,2004).

A estrutura de uma organização é composta por quatro níveis, sendo eles: o núcleo organizacional que regula entradas e saídas da produção fornecendo apoio para outras operações, a cúpula estratégica que visa observar e cumprir a missão da organização e tem total responsabilidade pela organização, já o terceiro nível é a linha intermediária que liga a cúpula com o núcleo operacional a gerencia, exercendo o papel de comunicação entre os mesmos levando normas e orientações, elaborando também estratégias e por fim, o último nível tecnoestrutura que tem por objetivo treinar os indivíduos da organização padronizando e propondo também intervenções na organização (ZANELLI et all, 2004).

Nota-se que toda organização é pautada em uma estrutura organizacional. A polícia militar também se enquadra nestes tramites, principalmente por forte disciplina e hierarquia. Estas estruturas presentes em toda organização nos mostram o quanto trabalhar em equipe é primordial para atingir a missão de uma organização. Sampaio e Messias (2002) colocam em evidência o que significa o trabalho:

Atividade especificamente humana, que se realiza por meio de instrumentos, tendo por base a cooperação e a comunicação, pois é social desde o início. Implica projeto em transformação da natureza e em transformação permanente de seu agente, criador das próprias condições de sobrevivência. O instrumento, mediatizando a atividade humana, permite que a atividade de cada um incorpore a experiência da humanidade. (2002, p. 151).

O trabalho é realizado por meio de instrumentos e por meio do próprio policial e do poder que lhe conferem, portando armamento de fogo e lutando por segurança pública. Toda sua função e todos os seus instrumentos alinhados ao constante desejo de mudança e de poder também transformam o indivíduo em questão. O policial também se transforma quando está inserido neste ambiente de trabalho, transformação esta que atinge sua vida pessoal e, em alguns casos, até a sua personalidade.

A transformação que o trabalho do policial militar faz pode colaborar para a alteração da sua identidade em alguns momentos nota-se que este profissional é visto como o herói da sociedade e, em outros, o vilão que não possui sentimentos. Sabe-se que o papel do trabalhador oferece a ele um papel social. Este papel social agrega valor ao trabalho do ser humano atribuindo a ele qualificações por sua atividade, bravura, força e honestidade. Vamos nos constituindo na medida em que aprendemos, exercemos e projetamos o que escolhemos para a sociedade, e a mesma retribui lançando-nos imagens e identidades de papel. (JACQUES,1984).

Contudo, em alguns casos, as imagens lançadas pela sociedade podem denegrir a imagem do policial, conferindo a ele o sentimento relatado no artigo de Silva e Vieira (2008, p. 165): “por trás desta farda existe um ser humano [...]”. Percebe-se que a sociedade, em algumas situações, esquece que o policial é um ser humano que possui desejos, medos, família, que possui sentimento como qualquer outro ser humano. Entretanto o seus “status quo” e o seu poder o colocam em destaque e este destaque contribui para imagem do policial que apenas exerce seu trabalho, porem que pode ser visto e interpretado erroneamente.

A estrutura da organização, o trabalho, a identidade distorcida, a falta de trabalho em equipe, comunicação e relacionamento interpessoal marcadas pela forte hierarquia podem colaborar para o adoecimento psíquico deste profissional. Estes fatores, portanto, podem colaborar para o adoecimento físico e psíquico do profissional.

Sampaio e Messias (2002) explicam:

 Podemos defender para a psiquiatria este último paradigma, pela definição da produção das condições de existência como campo de determinação do que vai atuar sobre o indivíduo, em malha sinérgica de fatores inter-relacionados (endógenos ou exógenos, diretos ou indiretos, gerais ou específicos: toxico, infecciosos, traumáticos, nutricionais, intrassubjetivos, ambientais, constitucionais, congênitos, hereditários, metabólicos etc.) que, dependendo da sequência, da intensidade relativa de cada um e da especifica organização social, podem desencadear corte ou desvio da história psíquica, ou na relação da história psíquica com a história da sociedade. (2002, p. 149).

Estes fatores desencadeadores são encontrados em vários âmbitos de nossa vida. Entretanto o ambiente de trabalho pode ser um dos âmbitos mais propícios para o surgimento de um sofrimento psíquico, muito comum em policiais militares. A condição de trabalho pode promover o adoecimento do corpo e a organização do trabalho atinge o psíquico pois esta pode gerar a fragilização mental dos seus indivíduos devido aos fatores que nela se abarcam.

A falta de realização profissional, desânimo, estresse, síndrome de burnout, depressão, suicídio são algumas consequências que a organização do trabalho pode desencadear no funcionamento psíquico do policial militar. O sofrimento psíquico “caracteriza-se pela dificuldade do sujeito em operar planos e definir sentidos para a vida, aliada a sentimento de impotência e vazio, o eu sendo experimentado como coisa alheia”. (SAMPAIO; MESSIAS, 2002, p. 151).

O estado não oferece apoio psicológico para os policiais militares, o que colaborou para o surgimento do Programa de Acompanhamento e Apoio ao Policial Militar (PAAPM), que tem por objetivo fornecer o acompanhamento, avaliação e assistência psicológica para os policiais militares. Este projeto foi implantado pela polícia militar com o aval do centro de assistência social e jurídica.

Neste programa é feito o encaminhamento do policial militar que esteve envolvido em circunstâncias trágicas, de alto risco ou eventos críticos. Percebe-se que ainda não existem projetos de prevenção aliados ao clima organizacional para a saúde mental dos policiais, e a saúde mental do trabalhador é ofertada apenas em situações de crise ou quando é identificado pelo comandante da unidade uma mudança comportamental do policial.

Entretanto nota-se que falta uma equipe multidisciplinar de profissionais que possam trabalhar com os fatores levantados acima por Silva e Messias ou seja, a falta de uma medicina do trabalho que hoje é vista como saúde do trabalhador e que consta de vários profissionais como; psicólogo, fisioterapeuta, nutricionista, enfermeiro, médico e ergonomista, podem contribuir para o adoecimento deste profissional que lida constantemente com a forte pressão do trabalho.

Sendo assim, a organização da polícia militar caminha em uma linha tênue, o combater a violência fazendo o melhor para a sociedade brasileira se esbarra no adoecimento psíquico do profissional que luta diariamente contra os seus valores para dar vasão aos valores da organização. Dentro de um cenário onde falta preparação profissional, materiais de qualidade (armamento de fogo, objetos de segurança, viaturas), apoio psicológico, degradação da mídia que apenas mostra o que quer e quando quer ao povo brasileiro, a organização vive “apagando o fogo”.

6. Considerações finais

Durante este trabalho buscamos refletir e analisar quais fatores do ambiente laboral da polícia militar podem propiciar o adoecimento psíquico. Um tema delicado e pouco explorado mostrou o quanto o profissional transita por esta linha tênue entre o combater a violência e a saúde mental. Utilizando uma revisão de literatura os dados encontrados referentes ao ambiente laboral, ressaltam o quanto a disciplina e a hierarquia colaboram para o adoecimento do policial militar. Bem como outros fatores como; o ambiente de trabalho, a falta de comunicação, o trabalho em equipe mal planejado, um plano de ação mal estruturado, a constante precarização do trabalho, a organização do trabalho, sua hierarquia e também a falta de apoio psicológico por parte do estado.

O estado que ainda não fornece um apoio a estes profissionais, ressalta ainda mais a importância de uma equipe multidisciplinar para minimizar os efeitos do estresse no ambiente de trabalho, preservando a saúde mental do profissional.  O fato do PAAPM existir já é um ganho positivo para estes profissionais, entretanto a falta de apoio do Estado na prevenção contribui também para outros agravantes, como por exemplo, clima organizacional ruim, que consequentemente reflete na satisfação do profissional para com o trabalho resultando em baixa produtividade. O fato da hierarquia ter que identificar quem necessita de acompanhamento psicológico contribui para a perpetuação do pensamento que “fazer terapia é somente para aqueles que estão adoecidos”. Este pensamento errôneo, mostra o quanto a profissão psicologia deve rever e expandir suas formas de divulgação do trabalho, permeados pela ética e transparência com o intuito de aniquilar todo pensamento rotulante.

A psicologia deve estar em todo lugar, principalmente dentro deste ambiente organizacional permeado por conflitos; pois ela se faz de extrema importância. A prevenção e a mudança são as palavras chaves do momento, são elas que vão garantir a qualidade de vida ao profissional dentro do seu trabalho. Esperar o adoecimento psíquico sabendo que o profissional lida com condições de trabalho precárias que abalam a sua resiliência é o mesmo que deixar a ética dentro de casa.

Conscientização atrelada a informação são as portas para projetos de saúde mental que devem adentrar dentro das organizações. Parcerias que preservem a integridade humana e o pensamento humano olhando para o ser como ser pensante e de sentimento é o que confere satisfação ao psicólogo enquanto profissional dentro das organizações.

Os programas e as parcerias que já existem já são pontos a se comemorar, entretanto não podemos estagnar as formas de pensar para que a saúde mental esteja presente cada vez mais dentro do ambiente de trabalho. O trabalho é gerador de significado para o indivíduo, e este significado deve motivá-lo ao crescimento profissional. A ação deve transformar o indivíduo positivamente e não o aprisionando e reduzindo o seu trabalho. Portanto o acompanhamento psicológico é de suma importância para que o indivíduo consiga lidar melhor com o ambiente de trabalho criando resiliência e preservando sua saúde mental.

Referências bibliográficas

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1. Fundação Hermínio Ometto – UNIARARAS, Araras - SP, Brasil; Discente da Pós-Graduação em Psicologia Organizacional e do Trabalho

2. Fundação Hermínio Ometto – UNIARARAS, Araras - SP, Brasil; Orientador

3. Fonte: http://www.bvs-psi.org.br/php/index.php

4. Fonte: http://www.scielo.org/php/index.php


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