ISSN 0798 1015

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Vol. 38 (Nº 12) Año 2017. Pág. 9

Pensamento estatístico como suporte das ações gerenciais para melhoria contínua

Statistical thinking in support of management actions for continuous improvement

Nelio Garbellini de CARVALHO 1; José Carlos de TOLEDO 2

Recibido: 15/09/16 • Aprobado: 15/10/2016


Conteúdo

1. Introdução

2. Método de pesquisa

3. Pensamento estatístico e engenharia estatística

4. Pensamento estatístico, Programa Seis Sigma e métodos para melhoria de processos

5. Barreiras à implantação do pe e fatores críticos de sucesso

6. Perspectivas para maior aplicação do pensamento estatístico

7. Conclusão

Referências


RESUMO:

O Pensamento Estatístico vem se destacando como um poderoso suporte à implantação da melhoria contínua nas organizações, visto que seus conceitos e ferramentas permitem uma análise profunda dos dados e da variação dos processos, indicando ações a serem tomadas para melhorar o desempenho organizacional. Neste trabalho, a partir da revisão sistemática do tema, tem-se como objetivo apresentar e discutir o Pensamento Estatístico, demonstrando seus conceitos, seu papel nos níveis hierárquicos das organizações, as dificuldades para sua implantação nas empresas e sua relação com métodos de solução de problemas e de melhoria dos processos e com programas da Qualidade como o Seis Sigma.
Palavras-chave: Pensamento Estatístico, Melhoria de Processos, Desempenho Organizacional

ABSTRACT:

The Statistical Thinking has emerged as a powerful support to the implementation of continuous improvement in organization, since its concepts and tools enable thorough analysis of data and process variation, specifying actions to be taken to improve organizational performance. In this article, from the systematic review, has as objective to present and discuss the Statistical Thinking, showing his concepts, his role in the organizational hierarchical levels, the difficulties in his implementation in enterprises and his relation with problem-solving methods, improvement processes and with quality programs such as Six Sigma.
Keywords: Statistical Thinking, Processes Improvement, Organizational Performance

1. Introdução

Segundo Montgomery (2010), vários programas da qualidade vêm surgindo, desde a década de 1980, como alternativas para melhorar a qualidade de uma organização, dentre os quais destaca-se o Seis Sigma. Tal programa, segundo Coleman (2013), tornou-se uma grande oportunidade para aplicações do Pensamento e das Técnicas Estatísticas, uma vez que possibilitou que suas ferramentas fizessem parte dos métodos e técnicas utilizadas para melhoria da qualidade, despertando um interesse maior para o Pensamento Estatístico.

A utilização da abordagem estatística vem se destacando com grande potencial para superar desafios atuais do mercado, a partir da difusão do Pensamento Estatístico (PE), o qual, segundo Snee (1990), consiste em uma abordagem que reconhece a presença da variação em tudo o que é feito, compreende o trabalho como uma série de processos conectados e que entende que a variabilidade dos processos deve ser conhecida, controlada e reduzida para fornecer oportunidades de melhorias.

Segundo Makrymichalos e outros (2005), o Pensamento Estatístico e seus princípios devem ser bem difundidos e implantados para que as potenciais melhorias organizacionais sejam obtidas e que seja possível proceder com a implantação de programas da qualidade como o Seis Sigma. Ainda segundo o autor, a compreensão desses princípios pode ser um diferencial que promove a efetividade da companhia.

Dessa forma, torna-se essencial discutir os conceitos do PE, sua relação com metodologias de solução de problemas, seu uso nas ações gerenciais, os obstáculos à aplicação de seus princípios e as perspectivas para sua maior difusão, visto o potencial do PE em promover o aumento de competitividade às organizações por meio das abordagens de melhoria.

Este artigo tem por objetivo apresentar e discutir o uso do Pensamento Estatístico como base de ações gerenciais para melhoria contínua das organizações, a partir de uma revisão bibliográfica sistemática sobre o tema.

2. Método de pesquisa

Elaborou-se um estudo exploratório, feito por meio de levantamento bibliográfico, o qual, segundo Kitchenham e Charters (2007), consiste em uma metodologia bem definida para identificar, analisar e interpretar as evidências disponíveis relacionadas a um fenômeno de interesse de forma imparcial.

O problema inicial que motivou a revisão bibliográfica foi caracterizar e analisar o que é Pensamento Estatístico, quais seus conceitos e os obstáculos e perspectivas para a sua difusão. As bases de dados utilizadas para análise foram: Engineering Village, Scopus e Web of Science. Essas bases foram escolhidas devido ao número de revistas que abrangem, as editoras que as publicam e o potencial de conter artigos sobre o tema da pesquisa.

Iniciou-se a pesquisa com o termo de busca relacionando o Pensamento Estatístico e as Técnicas Estatísticas, porém, poucos resultados foram obtidos. Como pode ser observado na tabela 1, foram utilizados outros termos para que um maior número de trabalhos fosse obtido. Tentou-se utilizar o termo geral “Statistical Techniques” para a busca, mas o retorno foi de mais de 12000 resultados, inviabilizando a análise. Os resultados do procedimento de revisão bibliográfica, conforme bases pesquisadas, encontram-se na tabela 1.

Tabela 1 - Resultados do procedimento de revisão bibliográfica para Pensamento Estatístico e Técnicas Estatísticas

Termo de busca

("statistical thinking" and "statistical techniques")

("statistical thinking" and “critical success factors”) /

("statistical thinking" and “difficulties” or “implementation”) /  

("statistical techniques" and “implementation difficulties”) / 

(“statistical thinking”)

Bases consultadas

 

Web of Science

Período:1945-2014

Busca: Tópico*

Scopus

Período:1960-2014

Busca: Título, resumo e palavras-chave

Engineering Village

Período:1969-2014

Busca: Título, resumo e assunto

Total de artigos resultantes após pesquisa por termos pré-definidos

244

310

115

Artigos após refinamento por trabalhos de periódicos e congressos e por áreas de publicação

78

 

143

 

85

 

Artigos salvos

14

22

13

* Tópico: busca no título dos artigos, resumos, palavras-chave do autor e keywordsplus
(função da base Web of Science que busca palavras ou frases extraídas dos títulos dos artigos citados).

Para seleção dos artigos pesquisados, realizou-se o refinamento por artigos de periódicos e de congressos e, na sequência, por área de publicação. Com isso, para a base Web of Science, de 78 artigos resultantes após refinamento, 14 textos foram salvos; para a base Scopus, de um total de 143 artigos resultantes, 22 textos foram salvos; e para a base Enginnering Village, de um total de 85 artigos resultantes, 13 textos foram salvos.

Com a realização deste procedimento de revisão e, retirando-se os textos repetidos encontrados nas diferentes bases de pesquisa, foram obtidos 32 textos completos para posterior leitura completa e compilação dos dados. A partir da leitura completa foram selecionados 17 artigos a serem utilizados para consulta.

Dentre os motivos para a não utilização dos demais 15 artigos selecionados no procedimento de revisão, destaca-se o fato de que alguns artigos descrevem o uso do Pensamento Estatístico em uma esfera social e sobre os princípios da profissão de estatístico, outros discutem o desenvolvimento de algum método estatístico/matemático, e, por fim, outros enfatizam as características e conceitos do programa Seis Sigma que, embora tenham relação com o Pensamento Estatístico, não é o foco deste trabalho.

Com a leitura destes 17 artigos obtidos em procedimento de revisão, outros artigos e autores foram identificados (por referência cruzada), e, assim, outros 14 artigos foram obtidos, principalmente com a utilização de outras plataformas de pesquisa, como Google Scholar e Emerald Insight, bem como por meio do próprio site dos periódicos cujos artigos foram publicados. Com isso, foram utilizados 31 artigos para elaboração da revisão bibliográfica sobre o uso do PE nas organizações.

Baseado no procedimento de revisão bibliográfica e na pesquisa por referência cruzada, seguem no Quadro 1 os artigos consultados, oriundos da pesquisa nas bases de dados e plataformas citadas, e os periódicos em que foram publicados.

Quadro 1 - Artigos e periódicos utilizados na revisão bibliográfica

Periódico

Tipo*

Artigos

QualityEngineering

Periódico

Goh (2002); Hoerl e Snee (2010b); Mast e Does (2010); Vining (2011); Anderson-Cook e outros (2012); Hare (2012)

InternationalStatisticalReview

Periódico

Dransfield, Fisher e Vogel (1999); Wild e Pfannkuch (1999); Abraham (2005); Nolan e Lang (2007)

QualityProgress

Periódico

Snee (1998); Hoerl e Snee (2010a)

International Journal of Quality and Reliability Management

Periódico

Ahmed e Hassan (2003); Grigg e Walls (2007); Kumar e outros(2008)

Quality and Reliability Engineering International

Periódico

Kenett, Coleman e Stewardson (2003); Goh (2011)

ManagerialAuditingJournal

Periódico

Coleman e Stewardson (2002); Makrymichalos e outros (2005)

Journal of the American Statistical Association

Periódico

Snee (1990); Brown e Kass (2009)

The TQM Journal

Periódico

Coleman (2013)

International Journal of Six Sigma and Competitive Advantage

Periódico

Hare (2005)

International Journal of Lean Six Sigma

Periódico

Montgomery (2010)

Gestão & Produção

Periódico

Santos e Martins (2008)

Quality Management Journal

Periódico

Bjerke e Hersleth (2001)

Technometrics

Periódico

Steinberg (2008)

5th InternationalQualityConference

Congresso

Milanovic e Stamenkovic (2011)

Applied Stochastic Models in Business and Industry

Periódico

Hoerl e Snee (2009)

ORiON

Periódico

Montgomery (2000)

IEEE 17th International Conference on Industrial Engineering and Engineering Management

Congresso

Krishnamoorthi (2010)

*Com base em classificação adotada em Currículo Lattes (CNPq).

Com relação aos resultados do procedimento de revisão adotado, verifica-se que diversos trabalhos obtidos contribuíram para a descrição dos conceitos do Pensamento Estatístico e seus desdobramentos nas organizações, como os de Snee (1990), de Makrymichalos e outros (2005) e o de Hoerl e Snee (2012), os quais ressaltam a presença da variabilidade, a necessidade de seu controle e a importância do uso do PE no nível estratégico das organizações e para a melhoria de processos.

Outros trabalhos, como o de Coleman (2013), destacam o PE como um processo de conscientização organizacional, à luz da variação e da probabilidade. Já trabalhos como o de Goh (2011) relaciona o PE com a importância de utilização das técnicas estatísticas. Os artigos de Hoerl e Snee (2010a) e Anderson-Cook e outros (2012) ainda tratam do tema Engenharia Estatística e o seu papel de ligação entre o uso PE e das TE.

O procedimento de revisão permitiu ainda identificar trabalhos que discutem as dificuldades de aplicação do PE nas empresas, como os trabalhos de Ahmed e Hassan (2003), Abrahan (2005) e também o de Makrymichalos e outros (2005). Foi possível observar alternativas propostas por autores para a maior difusão do PE, como nos trabalhos de Montgomery (2000) e de Brown e Kass (2009).

3. Pensamento estatístico e engenharia estatística

O Pensamento Estatístico é uma forma de pensar que reconhece todo trabalho como uma série de processos conectados, os quais devem ter suas variações identificadas, quantificadas e reduzidas como forma de fornecer oportunidades de melhoria (SNEE, 1990). Makrymichalos e outros (2005) e Hoerl e Snee (2012) definem PE como uma filosofia de aprendizado e ação baseada nos seguintes princípios:

- Todo trabalho ocorre em um sistema constituído de processos interconectados: um processo tem uma ou mais atividades conectadas, nos quais “entradas” são transformadas em “resultados” com propósito específico, sendo que as empresas são constituídas por uma coleção de processos interconectados que fornecem um bem ou serviço para um cliente, usuário ou consumidor;

- A variação existe em todos os processos: a variação existe em tudo que fazemos e em todos os sistemas que criamos, sendo entendida, por exemplo, como a diferença entre dois itens ou unidades produzidas por um mesmo processo e com as mesmas especificações;

- Entender e reduzir a variação são elementos-chave para se alcançar o sucesso: identificar, caracterizar, quantificar, controlar e reduzir variações fornecem oportunidades de melhoria e a consequente possibilidade de maior satisfação dos funcionários, clientes, acionistas e da comunidade afetada direta ou indiretamente pelo processo.

Coleman (2013) afirma que o Pensamento Estatístico se refere a um processo de conscientização, no qual se analisam situações à luz da variação, fazendo uso das técnicas estatísticas fundamentais.

Segundo Snee (1998), o foco do Pensamento Estatístico é obter um melhor gerenciamento da organização e produzir melhores resultados no negócio, já as Técnicas Estatísticas são utilizadas na realização de análises de processo e produto. Goh (2011) afirma que, com o PE, a qualidade passa a ser vista em termos do desempenho dos processos, com o reconhecimento de que um processo operacional está, inevitavelmente, sujeito à variabilidade e de que as ferramentas baseadas na coleta de dados são fundamentais para compreender e lidar com esta variabilidade. Para Krishnamoorthi (2010), o Pensamento Estatístico fornece técnicas que mensuram a variabilidade e que revelam a relação entre os parâmetros do processo com a qualidade do produto final.

Com isso, nota-se a importância do Pensamento Estatístico, o qual, segundo Hoerl e Snee (2012), ao ser difundido em nível estratégico na organização, gera um maior impacto e racionalidade às ações do que simplesmente a utilização de Técnicas Estatísticas. Nesta busca pela redução da variação e melhoria dos processos, o PE possui um papel fundamental, visto que incentiva, a partir do nível gerencial estratégico da organização, a difusão e utilização de ferramentas e conceitos estatísticos através dos níveis táticos e operacionais (SNEE, 1990; HOERL e SNEE, 2012). Tal relação é expressa na figura 1.

Figura 1 - O Pensamento Estatístico no nível estratégico de uma organização

Fonte: Hoerl e Snee (2012).

A partir da tradução das diretrizes estratégicas pela Engenharia Estatística (EE) pelo nível tático, a qual, segundo Hoerl e Snee (2010a), consiste no estudo de como utilizar os conceitos estatísticos e transmitir o PE em técnicas aderentes aos objetivos de melhoria de desempenho, pode-se planejar quais as técnicas mais bem adaptadas a cada situação operacional. Hoerl e Snee (2010a) destacam, ainda, a função da Engenharia Estatística, que tem o papel de ligação entre o PE e a aplicação das TE, e o potencial de expandir o impacto da abordagem de melhoria baseada em processos, variação e dados.

Abraham (2005) cita as principais atribuições de cada nível da organização, bem como vislumbra a Estatística tendo um papel cada vez mais importante em todos estes níveis:

- Em nível estratégico, a grande ênfase deve ser no Pensamento Estatístico, contemplando a visão de processos, a tomada de decisões baseada em dados, o entendimento da variação e a interpretação sistemática das situações;

- Em nível tático ou gerencial, ocorre o planejamento para implantação das diretrizes estratégicas, tendo como responsabilidades o desenvolvimento de processos e produtos robustos, de melhorias e ações para capacitação e treinamento, bem como a compreensão do Pensamento Estatístico e das Técnicas Estatísticas. Hoerl e Snee (2010a) ressaltam a relevância da Engenharia Estatística no nível tático das organizações;

- Em nível operacional, a compreensão das Técnicas Estatísticas, tais como gráficos de controle, análise de capacidade, projeto de experimento, análise do sistema de medição e análise de regressão, deve estar devidamente difundida nos colaboradores, bem como a sabedoria em sua aplicação.

Nesse sentido, Dransfield, Fisher e Vogel (1999) ressaltam os principais papéis dos profissionais utilizando a classificação em zonas estratégica, tática e operacional. Na zona estratégica, a compreensão em estatística dos profissionais deve, no mínimo, permitir a interpretação de gráficos de controle, gráficos de dispersão, familiaridade com diagrama de Pareto e com indicadores de desempenho, além de uma apreciação por análises sistemáticas. Na zona tática, os gestores devem ter um bom entendimento de distribuições, de histogramas, de diagrama de caixa (box plot), bem como possuir habilidade para interpretar gráficos complexos e compreender a utilidade de projetos de experimento na melhoria dos processos. Já na zona operacional devem ser aplicados métodos e técnicas para controle e melhoria, como projetos de experimento, gráficos de controle processual, análises de regressão e correlação. Nessa zona, é importante que os gestores estimulem outros profissionais a conduzirem experimentos, de maneira a difundir conceitos de melhoria e a importância da agregação de valor ao consumidor final.

Dessa maneira, pode-se expressar a estrutura do Pensamento Estatístico através dos níveis organizacionais, baseado em Britz e outros (2000), seguindo até as Técnicas Estatísticas, conforme figura 2.

Figura 2 - O Pensamento Estatístico através do nível estratégico ao operacional

Fonte: adaptado de Britz e outros (2000).

É importante destacar o papel fundamental da Engenharia Estatística (EE) em conectar os princípios do PE com a aplicação das TE, visto que, segundo Anderson-Cook e outros (2012), a Engenharia Estatística pode ser usada em um projeto de melhoria com a função de avaliar os resultados gerados pelas técnicas no nível operacional, podendo levar à conclusão do processo de melhoria ou a novas instruções para análise, conforme demonstrado na figura 3.

Figura 3: Uso da Engenharia Estatística relacionada às Técnicas Estatísticas

Fonte: baseado em Anderson-Cook e outros(2012).

Com o desenvolvimento desta nova linha de estudo, na qual o foco é o PE e a EE, segundo Anderson-Cook e outros (2012), criam-se novas perspectivas para o crescimento da importância do uso dos conceitos estatísticos, de maneira a trazer benefícios como a geração de melhores soluções para problemas complexos e a redução no número de ciclos para análise de um problema, por meio da utilização adequada das TE, o que conduz a ganhos financeiros nas corporações.

Nesse sentido, as Técnicas Estatísticas, que podem ser consideradas ferramentas úteis para a descoberta de padrões em cenários nos quais os fenômenos são baseados em dados, podem ser usadas em análise de processos industriais para atacar os problemas da qualidade e produtividade. As técnicas só são efetivas se forem aplicadas de acordo com as diretrizes estratégicas e táticas (VINING, 2011).

Conforme Santos e Martins (2008), o Pensamento Estatístico fornece uma abordagem mais holística para a melhoria, a qual é complementada pelas técnicas estatísticas que são pautadas no uso de dados e na análise das fontes de variação existentes em processos, produtos e serviços.

A respeito da importância do uso de dados, Coleman e Stewardson (2002) reforçam que são a base para a melhoria da qualidade, uma vez que eles fornecem evidências que facilitam o controle e a redução da variabilidade. Entretanto, para que os dados resultem em informações confiáveis, sua coleta e análise devem seguir um planejamento e execução fundamentados estatisticamente (GRIGG e WALLS, 2007). Deming (1986) destaca que a utilização das técnicas estatísticas deve enfatizar a redução da variação dos processos, visto que, à medida que esta variação é reduzida, os benefícios se manifestam, como redução das não-conformidades, dos desperdícios e dos custos da não-qualidade.

Hare (2005) ressalta que o entendimento do processo é chave para possibilitar a redução da variação e que, a partir disso, o foco na variação leva ao estabelecimento de um sistema de medição e monitoramento da qualidade, o qual está atrelado ao uso de Técnicas Estatísticas.

A utilização das Técnicas Estatísticas e a difusão do Pensamento Estatístico em uma organização fornecem as condições para que programas da qualidade, como o Seis Sigma, sejam desenvolvidos de forma bem-sucedida em uma empresa (MAKRYMICHALOS e outros, 2005). De acordo com Kumar e outros (2008), o PE pode ser utilizado para criar uma cultura que deve ser enraizada em todo profissional de uma organização que esteja se preparando para o Seis Sigma.

4. Pensamento estatístico, Programa Seis Sigma e métodos para melhoria de processos

Para Hoerl e Snee (2010b), é fundamental o uso de métodos de solução de problemas e melhoria de processos para aproveitar as oportunidades de melhoria de uma forma bem-sucedida, o qual deve ser aplicado em uma ampla variedade de situações, de forma simples e com técnicas relacionadas de maneira sequencial. Para aplicação efetiva do PE e implantação de programas da qualidade, como o Seis Sigma, deve haver etapas a serem seguidas para que haja um progresso sustentável até a obtenção dos resultados.

Segundo Goh (2011), o segredo do sucesso do programa Seis Sigma não está ligado às Técnicas Estatísticas por si só, mas sim à difusão do Pensamento Estatístico por todos os níveis e departamentos de uma organização. Santos (2006) cita, ainda, que a abordagem estatística do Seis Sigma está alicerçada no Pensamento Estatístico, destacando o foco em processos, o entendimento da variação e o uso de dados para planejamento de ações como componentes fundamentais para o gerenciamento dos processos.

Tal relação entre o Pensamento Estatístico e o Seis Sigma também é endossada por Goh (2002) que enfatiza a necessidade de projetos Seis Sigma para atacar problemas interfuncionais e multidisciplinares, gerando e enriquecendo ideias e técnicas com subsídios do PE. Assim, pode-se relacionar os princípios deste com as Técnicas Estatísticas aplicadas pelo referido programa da qualidade, conforme quadro 2.

Quadro 2 - Relação entre os princípios do Pensamento Estatístico e os métodos e técnicas utilizadas pelo programa Seis Sigma

Princípios do Pensamento Estatístico

Métodos e Técnicas do Seis Sigma

Todo trabalho ocorre em um sistema de processos conectados

Mapeamento de processo, SIPOC, mapeamento da cadeia de valor, análise de causa e efeito, QFD (Quality Function Deployment), FMEA (Failure Mode and Effect Analysis).

Variação existe em todos os processos

Histograma, gráficos de controle, gráficos multivariados, runchart (gráfico pelo tempo), box plot (diagrama de caixa), análise de capacidade do processo, sistema de medição de análise.

Compreender e reduzir a variação são a chave para o sucesso

Teste de hipótese, análise de correlação, análise de Pareto, ANOVA (Analysis of Variance), gráficos de controle, análise de regressão, DOE (Design Of Experiment), SPC (Statistical Process Control), Métodos Taguchi (Projeto Robusto).

Fonte: elaborado pelo autor, baseado em Makrymichalos e outros (2005).

O extenso uso de Técnicas Estatísticas, valorizadas tanto pelo Pensamento Estatístico como no programa Seis Sigma, está vinculado à metodologia para análise de problemas. No caso do Seis Sigma, tal metodologia é conhecida pelo DMAIC (Define, Measure, Analyse, Improve, Control), que, segundo Vining (2011), consiste em um ciclo de melhoria que integra técnicas simples e complexas com o objetivo de resolver problemas da qualidade e produtividade. No caso do Pensamento Estatístico, a metodologia recomendada é a PPDAC (Problem, Plan, Data, Analysis, Conclusions), a qual, segundo Wild e Pfannkuch (1999), representa uma forma de integrar elementos estatísticos a um processo de resolução de problemas.

O ciclo PPDAC (figura 4) está voltado à compreensão do problema por meio da análise dos dados. A etapa Problem consiste no aprendizado da dinâmica do processo e na definição do problema; a etapa Plan representa o planejamento do sistema de medição, o projeto de amostragem, a gestão dos dados e planos de experimentação e análise; a etapa Data denota a coleta dos dados, sua tabulação e saneamento; a etapa Analysis retrata a exploração dos dados, as análises planejadas e não planejadas, a aplicação de técnicas e também a geração de hipóteses; e, por fim, a etapa Conclusions consiste na interpretação das análises, gerando conclusões e ideias sobre a situação analisada (WILD e PFANNKUCH, 1999).

Figura 4 - Ciclo investigativo (PPDAC) utilizado para compreensão de problemas por meio de análise de dados

Fonte: adaptado de Wild e Pfannkuch (1999).

Ainda segundo Wild e Pfannkuch (1999), em um processo de análise de problemas na abordagem estatística PPDAC, devem ser consideradas as restrições relacionadas, como conhecimento técnico da equipe envolvida e restrições de tempo, capital e material para realizar a coleta da amostra, o que pode limitar a obtenção de dados para análises. Os autores destacam que a abordagem estatística PPDAC torna o processo de mapeamento de processo mais eficiente, visto que cria arquétipos dos problemas e os vincula a modelos e técnicas para solução, as quais, para serem utilizadas, devem ter sua aplicabilidade conhecida.

O PPDAC, por meio da extensa coleta, estruturação e interpretação dos dados, permite a identificação das causas de variação nos processos, sejam elas comuns ou especiais. De acordo com Britz e outros (2000), a variação oriunda de causa-comum é caracterizada por flutuações normais no comportamento de um processo, exercendo um menor impacto nas características padrões e valores esperados, já a decorrente de causa-especial é caracterizada por oscilações temporárias provocadas por algum agente externo ao processo, exercendo um maior impacto nos valores padrões esperados.

Anderson-Cook e outros(2012) destacam que a eliminação dessas causas de variação é fundamental em uma estratégia de melhoria de processos baseada em Pensamento Estatístico, principalmente quando são causas-especiais, considerando que estas ocorrem em circunstâncias isoladas e, normalmente, requerem menos esforços para seu controle e redução do que as causas-comuns, as quais estão sempre presentes.

Dessa maneira, retornando à definição do Pensamento Estatístico, nota-se a integração de temas como processo, variação, análise de dados e tomada de decisão, resultando na melhoria da qualidade e satisfação do cliente, o que permitiu desenvolver um diagrama (figura 5) relacionando os conceitos e métodos de análise e solução de problemas, bem como os de melhoria de processos baseado no PE, propostos por Snee (1990), Wild e Pfannkuch (1999), Makrymichalos e outros (2005) e Hoerl e Snee (2012).

Figura 5 - Estratégia integrada de melhoria de processos e solução de problemas baseada no Pensamento Estatístico

Fonte: elaborador pelo autor, baseado em Snee (1990), Wild e Pfannkuch (1999),
Makrymichalos e outros (2005) e Hoerl e Snee (2012).

A estratégia integrada de melhoria de processos e solução de problemas, demonstrada na figura 5, destaca a utilização do ciclo PPDAC em três fases distintas. Na primeira delas, o ciclo segue até a etapa de coleta de dados (Problem – Plan – Data), tendo em vista que tem o objetivo de identificar o problema e a variação e obter os dados necessários para futuras análises. Nas outras duas fases o ciclo PPDAC encontra-se completo, visto que predomina a necessidade de um entendimento profundo de um problema e o desenvolvimento de um conhecimento detalhado do processo e de suas variações, o que é obtido com a análise criteriosa de dados, permitindo implantar mudanças e controles nos processos, melhorando a qualidade percebida pelo cliente final.

Tal estratégia, demonstrada na figura 5, destaca também a importância da abordagem estatística na melhoria de processos, a qual, segundo Shewart (1986), deve especificar uma maneira de observar uma sequência de dados com o objetivo de se identificar causas-especiais de variação, bem como determinar ações corretivas a serem tomadas em caso de desvios das especificações.

A identificação de qual tipo de causa está provocando a variação no processo é imprescindível para conduzir a uma iniciativa adequada pois, como afirmam Milanovic e Stamenkovic (2011) e Snee (1990), as estratégias de melhoria dos processos diferem conforme a classificação da causa em comum ou especial. Segundo os autores, a abordagem para melhorar um processo estável estatisticamente (existência somente de causas-comuns) é buscar a redução da variação por meio de mudanças no processo; já a abordagem para melhorar um processo instável estatisticamente (existência de causas-comuns e também especiais) é buscar a redução da variação através da implantação de controles no processo.

Dessa maneira, tanto em um ambiente no qual se incorram somente causas-comuns, como em outro no qual irrompem causas especiais, uma estratégia de melhoria deve ser definida e, consoante Vining (2011), para esta ter um sucesso duradouro, deve apresentar uma equipe para gerenciamento das mudanças, uma gestão de projetos apropriada e a utilização de técnicas analíticas adequadas, as quais são frequentemente embasadas na abordagem estatística.

5. Barreiras à implantação do pe e fatores críticos de sucesso

Kenett, Coleman e Stewardson (2003) afirmam que, embora seja importante que as técnicas estatísticas sejam realmente implantadas e desenvolvidas de forma que seus benefícios sejam mantidos e reutilizados por diferentes departamentos de uma empresa, ainda há uma tendência de as aplicações estatísticas serem desenvolvidas por equipes técnicas e não por equipes gerenciais. Bjerke e Hersleth (2001) relatam que a estatística vem sendo praticada, na maioria das vezes, ao nível operacional, sendo pouco utilizada na tomada de decisões nos níveis gerenciais e estratégicos.

Ahmed e Hassan (2003), em estudo realizado em empresas manufatureiras de pequeno e médio porte na Malásia, concluíram que a falta de suporte e envolvimento da alta administração e a ausência de conhecimento estatístico apropriado comprometem a implantação de Técnicas Estatísticas nessas organizações. Os autores ainda afirmam que os engenheiros e gerentes de manufatura necessitam de treinamentos para compreender a importância da abordagem estatística. Grigg e Walls (2007) relatam também a falta de suporte da alta gestão, a ausência de conhecimento estatístico e o sistema inadequado de medição e coleta de dados como fatores que barram a utilização das TE nas empresas.

Makrymichalos e outros(2005) afirmam que existem diversos fatores que dificultam a aplicação do Pensamento Estatístico de uma forma integrada com processos de negócio da organização:

- A Estatística tem sido mais utilizada para resolver problemas individuais (localizados) do que para tratar gerencialmente das organizações;

- Os gestores veem a Estatística como uma ferramenta para ações imediatas e de curto prazo;

- Muitos engenheiros têm uma formação em Estatística deficiente e não conseguem aplicá-la na prática, existindo um “gap” entre o conhecimento de métodos e técnicas estatísticas e as necessidades das organizações e gestores;

- De modo geral, os gestores não sabem distinguir causas comuns e especiais de variação em seus processos-chave de negócio;

- Os gestores e engenheiros têm dificuldades para visualizarem os processos com foco na variabilidade.

Tais dificuldades gerais para difusão e aplicação do Pensamento Estatístico acometem também a utilização de Técnicas Estatísticas específicas, como o projeto de experimento (DOE), a qual, segundo Montgomery (2010), é considerada a mais poderosa técnica de melhoria da qualidade.

Baseado nos cenários destacados a respeito da dificuldade em implantação do Pensamento Estatístico e das Técnicas Estatísticas, Abrahan (2005) destaca alguns fatores de sucesso para que haja uma difusão e implantação bem-sucedida dos conceitos estatísticos:

- Envolvimento da alta direção: os colaboradores devem perceber o comprometimento da gerência sênior da organização, que deve reconhecer que as técnicas estatísticas contribuem para a resolução de problemas e melhoria de processos;

- Papel dos estatísticos: a função desses profissionais deve ser ampliada, visto que tradicionalmente atuam como consultores de projetos. Com a extensão de suas atividades, os estatísticos passariam a ensinar todos os níveis hierárquicos, facilitando e orientando a gestão em tomadas de decisão;

- Plano de implantação: antes de iniciar a implantação dos conceitos estatísticos, deve-se ter definido quem serão os responsáveis, onde as Técnicas Estatísticas serão utilizadas, o cronograma das atividades e qual o sistema de medição que acompanhará o processo;

- Treinamento/Consultoria: devem-se avaliar, antes de iniciar a implantação dos conceitos estatísticos, quais são as habilidades e conhecimentos já difundidos pela organização. Assim, o treinamento deve ser adaptado de acordo com as necessidades de cada nível hierárquico e também levar em consideração as situações reais da empresa.

Abrahan (2005) ainda destaca que a educação universitária deve enriquecer o ensinamento estatístico, de forma que o estudante tenha conhecimentos técnicos concretos a respeito. Neste contexto, Steinberg (2008) afirma que existe um significativo desencontro entre as pesquisas acadêmicas em estatística e as práticas de melhoria e controle da qualidade, provocado pelo fato de que os pesquisadores não focam seus trabalhos nas necessidades percebidas pelos profissionais da área da Qualidade e também por estes não procurarem pelas mais recentes descobertas de pesquisas na área. A esse respeito, Montgomery (2000) endossa a necessidade de haver uma atualização e reforço no ensino estatístico, tanto em cursos e workshops oferecidos nas empresas, como também nas universidades.

Segundo Hoerl e Snee (2010b), para aumentar o papel da estatística na gestão da qualidade e organizacional, os estatísticos devem focar esforços em definir alternativas para, baseado no uso do Pensamento Estatístico, proporcionar melhorias e liderança à organização; utilizar a ampla gama de conceitos e técnicas em favor da obtenção de vantagens competitivas; contribuir além dos limites da estatística para melhorar os resultados do negócio; e entender que a estatística é tanto uma disciplina pura como também uma disciplina de engenharia.

Hare (2012) também afirma que, em projetos de Engenharia Estatística, os quais representam a ligação entre o PE e as TE, deve-se procurar garantir o sucesso em sua implantação por meio de fatores como: pró-atividade em fundamentos estatísticos, um sólido histórico de retorno financeiro, suporte e envolvimento da gestão, planejamento cuidadoso e comunicação efetiva e persistente.

Dessa forma, conforme Coleman (2013), os profissionais da área da qualidade devem aderir à evolução do Pensamento Estatístico e dominar as disciplinas relacionadas à análise de dados e resolução de problemas, de forma a aumentar a aceitação geral das análises quantitativas estatísticas e superar as dificuldades encontradas. Tais dificuldades para aplicação do PE e para uso das TE estão consolidadas no Quadro 3.

Quadro 3 - Dificuldades para aplicação do Pensamento Estatístico e Técnicas Estatísticas

Motivos que dificultam o uso do Pensamento Estatístico e das Técnicas Estatísticas

Autores

Estatística é lembrada, principalmente, em nível operacional, sendo pouco utilizada nas tomadas de decisão gerenciais.

Bjerke e Hersleth (2001), Makrymichalos e outros (2005)

Falta de suporte e envolvimento da alta direção para promover a aplicação do PE e TE.

Ahmed e Hassan (2003), Grigg e Walls (2007)

Ausência de conhecimento estatístico adequado aos gerentes e engenheiros de manufatura.

Ahmed e Hassan (2003), Makrymichalos e outros (2005), Montgomery (2010), Coleman (2013)

A crença de que a utilização das Técnicas Estatísticas não é suficiente para entregar as melhorias organizacionais, sendo vistas como iniciativas de curto prazo.

Makrymichalos e outros (2005)

A educação universitária é deficiente no ensino estatístico, de forma que o estudante não obtém conhecimentos técnicos concretos a respeito.

Abrahan (2005)

Desencontro entre o conhecimento de Técnicas Estatísticas e as necessidades das organizações, havendo um descolamento entre as pesquisas acadêmicas estatísticas e as necessidades de melhoria da qualidade.

Makrymichalos e outros (2005), Steinberg (2008)

Fonte: baseado em Bjerke e Hersleth (2001), Ahmed e Hassan (2003), Abrahan (2005),
Makrymichalos e outros (2005), Grigg e Walls (2007), Steinberg (2008), Montgomery (2010) e Coleman (2013).

6. Perspectivas para maior aplicação do pensamento estatístico

Segundo Steinberg (2008), existe uma tendência para a democratização do uso da estatística, notada pelo desenvolvimento de softwares com interfaces mais simples e pelos intensos treinamentos estatísticos concedidos por iniciativas como Seis Sigma e por outras ações corporativas. Tal tendência tem resultado em profissionais que não são estatísticos desempenhando atividades relacionadas às técnicas estatísticas, principalmente em situações mais rotineiras.

Entretanto, como afirmam Hoerl e Snee (2010b), atualmente existe uma lacuna entre o desenvolvimento de novas teorias estatísticas e as necessidades práticas encontradas na gestão dos processos. Tais lacunas têm sido supridas pelo desenvolvimento de outras frentes de estudo que procuram atacar problemas práticos, como ciências da computação e pesquisa operacional.

Brown e Kass (2009) relatam que o ensino da estatística deve passar por algumas mudanças radicais, sendo uma delas o maior foco a ser dado ao Pensamento Estatístico, em oposição à ênfase dada às técnicas e métodos.

Montgomery (2000) descreve que o ensino estatístico deve ser projetado para que os estudantes possam obter conhecimento em engenharia e negócios, bem como na própria ciência estatística. Assim, o autor sugere diversas mudanças a serem adotadas para que a educação estatística tenha um amplo impacto na prática industrial:

- Menor ênfase em teorias matemáticas e de probabilidade;

- Maior ênfase em habilidades computacionais, incluindo softwares relacionados com gestão organizacional e não somente softwares estatísticos;

- Um mais amplo e menos profundo ensinamento da teoria estatística;

- Maior foco em disciplinas multidisciplinares, como engenharia e negócios em áreas particulares de interesse, ao invés de um profundo conhecimento matemático;

- Mais amplo ensino em habilidades de identificação e formulação de problemas, de comunicação e em aspectos organizacionais.

Nolan e Lang (2007) afirmam que muitos cursos focam o ensino de métodos estatísticos, baseados na demonstração das leis matemáticas teóricas. Com isso, não há uma preocupação objetiva em desenvolver as habilidades necessárias para abordar um problema científico do ponto de vista prático, utilizando conceitos estatísticos. Nesse sentido, Hoerl e Snee (2010b) afirmam que uma maior ênfase no ensino do Pensamento Estatístico promoveria uma maior reflexão a respeito dos dados e sobre os processos que os geraram.

Tal ênfase pode ser alcançada, segundo Hoerl e Snee (2010b), pela visão de que a estatística é tanto uma ciência pura como também uma disciplina de engenharia. Os autores também afirmam que, entre as décadas de 1950 e 1970, o foco era desenvolver a estatística como uma ciência pura, todavia, desde o início do século XXI, nota-se a necessidade de evoluir como uma disciplina de engenharia, especialmente na área de melhoria da qualidade.

Assim, haveria um avanço nos estudos de como utilizar de uma melhor forma os princípios e Técnicas Estatísticas, integrando-os à tecnologia da informação e outras disciplinas relevantes, objetivando melhores resultados. Dessa forma, o foco não seria avançar com o desenvolvimento de leis fundamentais, mas sim compreender como estas podem ser utilizadas para obter benefícios práticos, utilizando a Engenharia Estatística (HOERL e SNEE, 2010b).

Estes autores ainda destacam que a teoria estatística deve continuar sendo estudada, entretanto, atualmente a sociedade carece de pesquisas que permitam um melhor entendimento de como aplicar as técnicas já existentes, o que permitiria um benefício tangível em processos de melhoria. Essa mudança de foco nos estudos estatísticos, partindo da estatística como uma ciência pura para a ênfase prática, geraria um impacto positivo com o decorrer do tempo, conforme pode ser observado na figura 6.

Figura 6 - Impacto da estatística como ciência e como uma disciplina de engenharia

Fonte: elaborado pelo autor, baseado em Hoerl e Snee (2010b).

Hoerl e Snee (2010b) descrevem três medidas que devem ser tomadas para impulsionar essa mudança no foco dos estudos estatísticos e promover a Engenharia Estatística como um viabilizador da aplicação do Pensamento Estatístico e de métodos de melhoria da qualidade:

- Legitimar a EE como um curso acadêmico, assim como é engenharia mecânica, engenharia da computação, dentre outras;

- Incorporar o Pensamento Estatístico e suas técnicas nos processos executados nas organizações;

- Utilizar a EE para contribuir na gestão financeira das empresas.

De acordo com Hoerl e Snee (2010b), na primeira medida, deve-se pensar em uma abordagem de ensino que contemple métodos de solução de problemas baseados na coleta de dados, a necessidade de integração de Técnicas Estatísticas a outras ferramentas, estágios curriculares voltados ao uso da estatística na prática, bem como cursos para estimular a difusão do Pensamento Estatístico. Anderson-Cook e outros(2012) destacam que, para haver a consolidação da Engenharia Estatística como uma disciplina, as empresas e a academia devem estar em constante comunicação, alinhando os objetivos de cada setor, de maneira que haja estímulo para que os estatísticos difundam e apliquem o PE.

A segunda medida foca esforços em incorporar o Pensamento Estatístico em processos chave do negócio, visto que esses processos são utilizados rotineiramente e, assim, o uso das Técnicas Estatísticas também passaria a promover uma visão completa do desempenho dos processos. Para isso, de acordo com Hoerl e Snee (2009), é fundamental a análise periódica de dados por meio de TE, como, por exemplo, a utilização de gráficos temporais para indicadores de desempenho chave do negócio. Vinning (2011) ressalta ainda que a noção de como aplicar a técnica adequada no trabalho é fundamental para o sucesso da Engenharia Estatística.

A terceira medida enfatiza promover ganhos financeiros baseados nas melhorias sustentáveis dos processos e, para isso, pode-se utilizar o Lean Sigma ou Seis Sigma, programas da qualidade que utilizam técnicas comprovadamente efetivas na prática e propiciam resultados financeiros por meio da aprendizagem e organização dos processos. Hoerl e Snee (2009) destacam que, por meio do Lean Sigma, a organização pode definir as prioridades do negócio e equilibrar a necessidade de geração de receita com a exposição aos riscos.

Hoerl e Snee (2010b) destacam que o papel dos estatísticos nas organizações tende a crescer quando existe um contexto em que o Pensamento Estatístico e suas técnicas são incorporadas aos processos que operacionalizam os negócios, sendo importante a participação desses profissionais nas atividades de solução de problemas, nos treinamentos em gestão da qualidade para todos os níveis hierárquicos e nas tomadas de decisão gerenciais da organização. Mast e Does (2010) salientam que a colaboração dos estatísticos junto aos diretores e gerentes industriais, bem como a outras áreas de atuação, como financeira e voltadas a saúde, é fundamental para aplicação de Técnicas Estatísticas em seus contextos.

Notam-se diversos caminhos indicados pelos autores como alternativas para aumentar o papel e o impacto do Pensamento Estatístico nas organizações, como se pode observar no Quadro 4.

Quadro 4 - Medidas para promover maior aplicação do Pensamento Estatístico

Alternativas para impulsionar o uso do Pensamento Estatístico

Autores

Focar o ensino da estatística no Pensamento Estatístico em oposição à ênfase nas técnicas, contemplando também métodos de análise e solução de problemas e disciplinas multidisciplinares.

Montgomery (2000), Brown e Kass (2009), Hoerl e Snee (2010b)

Legitimar a Engenharia Estatística como uma disciplina acadêmica

Hoerl e Snee (2010b)

Estimular o uso do Pensamento Estatístico, por meio da Engenharia Estatística, nas organizações.

Hoerl e Snee (2010b)

Estimular a participação de estatísticos nas tomadas de decisões estratégicas organizacionais.

Hoerl e Snee (2010b), Mast e Does (2010), Anderson-Cook e outros (2012)

Fonte: elaborado pelo autor, baseado em Brown e Kass (2009), Hoerl e Snee (2010b),
Mast e Does (2010), Montgomery (2010) e Anderson-Cook e outros(2012).

Dessa maneira, com as alternativas sugeridas, determinadas barreiras à difusão, destacadas por autores como Makrymichalos e outros (2005), Montgomery (2010) e Ahmed e Hassan (2013), poderão ser minimizadas, como a ausência de conhecimento adequado em estatística pelos gerentes e engenheiros e a pouca aplicação da estatística nas tomadas de decisão, visto que haverá uma maior difusão dos conceitos estatísticos nos ambientes organizacionais.

Segundo Anderson-Cook e outros (2012), com a evolução do Pensamento Estatístico e da Engenharia Estatística, haverá a descoberta de novas ideias e estratégias, que proporcionarão soluções rápidas para problemas complexos, bem como a percepção de que se deve envolver o estatístico ou os profissionais com conhecimentos estatísticos nos estágios iniciais da abordagem de investigação de um problema. Segundo esses autores, outros benefícios serão obtidos:

- Aumento de atratividade na carreira estatística e de engenheiros da qualidade em conhecimentos estatísticos;

- Maior ênfase em pesquisa aplicadas oriundas da academia;

- Aumento da colaboração para o setor industrial;

- Estabelecimento das bases para contribuição com os resultados estratégicos de qualquer organização;

- Oportunidades para organizar e interpretar quantidade massiva de dados coletados e vincular a informação gerada com o entendimento do processo.

Coleman (2013) afirma que o Pensamento Estatístico deve incluir mais aspectos do pensamento analítico, fazendo melhor uso das análises de dados e estando mais atento a detalhes e à redução de desperdício. O autor ainda destaca que o volume de dados será cada vez maior e, assim, será fundamental a realização de uma análise inteligente dos mesmos, através da tecnologia da informação, buscando a solução de problemas práticos, com a ajuda da EE.

7. Conclusão

O Pensamento Estatístico, como um processo reflexivo baseado no controle da variabilidade das operações e com o objetivo de melhorar a qualidade de seus processos, vem ganhando importância com a dinâmica competitiva do mercado. Hoerl e Snee (2010b) afirmam que, para fazer uso de todo o potencial oferecido pela abordagem estatística de melhoria nos processos, deve-se utilizar a Engenharia Estatística, bem como embasar em métodos estruturados de solução de problemas, com técnicas pré-definidas e sequenciais.

Para promover o PE, o foco da capacitação em estatística deve ser em uma disciplina com viés de engenharia, como descrevem Brown e Kass (2009), ao endossar a necessidade de que o Pensamento Estatístico seja difundido e ensinado aos profissionais em geral, com o objetivo de promover um impacto prático da estatística aplicada. Hoerl e Snee (2010b) ainda relatam a necessidade de que todas as leis teóricas sejam adequadamente estudadas para serem aplicadas na prática, seja em organizações públicas, como em empresas privadas, de forma a promover as melhorias nos processos organizacionais.

Dessa forma, o ciclo PPDAC (Problem, Plan, Data, Analysis, Conclusions) ganha destaque, visto que segundo Wild e Pfannkuch (1999), este representa uma forma de integrar conhecimento estatístico em um processo de resolução de problemas, por meio de diversas análises e hipóteses a serem corroboradas ou refutadas. Hoerl e Snee (2010b) destacam ainda que um maior foco no ensino do PE promoveria uma maior reflexão sobre a importância de se considerar os dados e a compreensão dos processos que os geraram, levando à utilização adequada das TE, maximizando os benefícios obtidos com a difusão do PE.

Este trabalho demonstrou os conceitos do Pensamento Estatístico, seu papel nos processos de melhoria das organizações, visando promover uma maior compreensão do potencial do PE em impulsionar a competitividade nas empresas através da melhoria contínua de processos suportada pela abordagem estatística nas ações e decisões gerenciais. Também buscou-se levantar os principais obstáculos para difusão do PE e as perspectivas para sua maior aplicação, de maneira a possibilitar que as dificuldades para uso dos conceitos estatísticos na prática sejam gradativamente superadas pelas empresas.

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1. Mestre em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Email: nelio_garbellini@yahoo.com.br

2. Professor Doutor do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)


Revista ESPACIOS. ISSN 0798 1015
Vol. 38 (Nº 12) Año 2017

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