ISSN 0798 1015

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Vol. 38 (Nº 22) Año 2017. Pág. 4

Accountability e Política Pública: uma análise do programa de segurança Viva Brasília - Nosso Pacto pela Vida

Accountability and Public Policy: An analysis of the security program Viva Brasilia - Our Pact for Life

André NUNES 1; Pollyanna Costa MIRANDA 2; Juliana Maria ARAÚJO 3

Recibido: 09/12/16 • Aprobado: 17/12/2016


Conteúdo

1. Introdução

2. Accountability: a construção de um conceito e seus elementos

3. A Política Pública: o programa de Segurança “Pacto pela vida”

4. Interfaces da accountability democrática com a política de segurança pública

5. Considerações Finais

Referências


RESUMO:

Na última década, consequência de maior controle social, a accountability no setor público ganhou destaque ímpar. Entretanto, o conceito permanece com um significado evasivo e limites difusos. Uma forma de jogar luz sobre o tema e aprofundar o debate é realizar estudos de caso com base empírica. Este trabalho procura analisar como os processos de accountability foram aplicados no programa de segurança do Distrito Federal “Viva Brasília - Nosso Pacto pela Vida”. O artigo apresenta a efetividade desses canais na transparência administrativa, para o estabelecimento ou ampliação de mecanismos de responsabilização e melhoria do desempenho do programa.
Palavras-chave: accountability, política pública, segurança pública.

ABSTRACT:

In the last decade, as consequence of greater social control, accountability in the public sector has gained unique prominence. However, the concept remains with evasive meaning and diffuse limits. One way of shedding light on the subject and deepening the debate is to conduct empirical case studies. This study tries to analyze how the processes of accountability were applied in the security program of the Distrito Federal "Viva Brasília –Nosso Pacto pela Vida". The article presents the effectiveness of these channels in the administrative transparency, for the establishment or expansion of mechanisms of accountability and improvement the performance of the program.
Keywords: accountability, public policy, public security.

1. Introdução

Apesar de diferentes grupos e áreas se atentarem à importância da accountability no setor público, o conceito ainda é pouco explorado, permanecendo com um significado evasivo, com limites difusos e estrutura interna confusa. Pinho e Sacramento (2009), revisitando Campos (1990) e buscando compreender o conceito de accountability ratificam a ideia de fluidez do tema e a dificuldade de construção de uma verdadeira cultura de accountability. Pereira, Silva e Araújo (2014), no mesmo sentido, ao fazerem um levantamento da produção científica sobre o tema na área de Administração Pública constataram baixa quantidade de trabalhos em periódicos nacionais e dispersão na literatura internacional, dificultando a formação de um corpo teórico consistente sobre accountability.

Embora exista algum esforço que procure examinar o conceito de accountability, observa-se ainda lacuna relevante acerca de estudos empíricos que aproximem o conceito às políticas públicas. Assim, buscando contribuir com o aprofundamento teórico sobre o temae a necessidade de base empírica para testar sua aplicabilidade, o presente trabalho examina como os processos de accountability foram inseridos no programa de segurança do Distrito Federal “Viva Brasília - Nosso Pacto pela Vida”. Procura-se discutir, a partir de literatura especializada, a efetividade desses canais na transparência administrativa e seu papel para o estabelecimento de mecanismos de responsabilização e melhoria do desempenho das políticas públicas.

Trata-se assim de um estudo exploratório e descritivo, focado em refletir sobre o tema accountability, apoiando-se em um caso real, buscando elementos de intersecção e de distanciamento entre teoria e prática. Espera-se que este trabalho impulsione a análise da temática, proporcionando uma visão geral do tema accountability, refletindo as seguintes questões: Como os processos de accountability tem se desenhado dentro das políticas nos territórios? Em sua aplicação prática, os processos se aproximam dos objetivos a que se propõem em teoria? Estão sendo utilizados dentro do corpo das políticas públicas? Estão gerando reorientação dessas políticas?

Para a análise, o artigo está estruturado em cinco seções, sendo esta introdução a primeira. A segunda explora fundamentos teóricos sobre accountability, assumindo para esta discussão a perspectiva de accountability democrática, conforme as defesas de Abrucio e Loureiro (2005) ou Campos (1990). A terceira parte apresenta o programa “Viva Brasília - Nosso Pacto pela Vida”. Programa assumido pelo governo de Brasília como: “...uma nova maneira de enfrentar os problemas de segurança pública, que envolve a colaboração entre as polícias, a população e os diferentes órgãos de governo para a construção de saídas conjuntas para as violências.” (Viva Brasília, 2016, n.p.). O centro da discussão é colocado na quarta seção, na qual exploram-se as interfaces da accountability democrática com a política de segurança pública, admitindo-se, no entanto, que a teoria sobre accountability apoia-se no tipo ideal e, assim, analisa-se o caso prático. Finalmente, na quinta parte, apresentam-se as considerações finais.

2. Accountability: a construção de um conceito e seus elementos

O termo accountability, apesar de não ter tradução fiel para o português, tem se constituído um conceito importante dentro da linguagem da gestão pública, principalmente em estados democráticos, alinhando-se a um conjunto de palavras que para nós configuram o seu campo semântico e delineiam o seu próprio significado, o qual passa por controle, transparência, responsabilização, responsabilidade ou responsividade.

Apesar das limitações da nossa tradução, o que se mostra comum entre pesquisadores sobre do tema é a sua interlocução com o conceito de democracia e de seus processos (Campos, 1990; O’Donnel, 1997; Abrucio & Loureiro, 2000). De acordo com Abrucio e Loureiro (2000), formas distintas de accountability se apresentam, em menor ou maior grau, em todos os países democráticos. Já Campos (1990), explorando o tema, destaca que “quanto mais avançado o estágio democrático, maior o interesse pela accountability”. O que se observa deste ponto é que a accountability se constrói como uma ferramenta importante para a efetivação da democracia, quando fomentada com vias a aproximação entre a economia e a democracia e entre a eficiência e os imperativos democráticos. (Abrucio & Loureiro, 2000).

Nesse contexto, pode-se dizer, que a accountability democrática é uma resposta à necessidade de controle, transparência e responsabilização, permitindo a análise de eficiência das ações públicas, tanto no que tange a capacidade de gerar os efeitos por elas desenhados, mas também da qualidade desses efeitos. O conceito acomoda-se então não apenas no cumprimento de metas, mas na capacidade de promover melhores respostas às demandas, por meio de processos mais transparentes, passíveis de controle, promotores de responsabilização e de mudança política.

Voltando-se assim a qualidade da democracia e com o amadurecimento do tipo ideal de participação social, os estudos sobre accountability tem destacado não apenas a maior transparência e responsabilização dos burocratas e governantes, mas o aprimoramento das instituições estatais com a melhoria do desempenho das políticas e dos programas governamentais (Coneviva & Farah, 2006)

Considerando a influência do neo-institucionalismo, soma-se a esse corpo teórico a compreensão de que as intuições desempenham papel preponderante na economia e na política, “...afetando a ação dos indivíduos, suas escolhas e estratégias e os resultados das políticas governamentais...” (Abrucio & Loureiro, 2000, p. 79). Coneviva e Farah (2006) entendem, nessa perspectiva, que a literatura voltada à reforma do Estado, reforça o aprimoramento das instituições democráticas, mas também a criação de novos mecanismos de controle das ações do poder público, principalmente os mecanismos de controle social e os mecanismos de controle da administração pública por meio dos resultados das políticas e dos programas governamentais.

A avaliação de políticas e de programas governamentais é vista assim não apenas como um instrumento de gestão, mas sobretudo como um meio para aferir o desempenho e estabelecer os parâmetros para a prestação de contas da burocracia e dos governantes. A avaliação ex post das políticas determina, frente ao campo, a relevância e o cumprimento dos objetivos programados e seus impactos. Desta forma, a etapa de avaliação vincula-se diretamente “...à questão da efetividade, da eficiência, da accountability e, mais amplamente, do desempenho da gestão pública”. (Weiss, 1997 citado porConeviva & Farah, 2006, p. 2)

O’Donnell (1998) enfatiza, no mesmo caminho, que um dos aspectos mais importantes da accountability é exatamente a obrigação do governo em prestar contas dos seus atos com suficiente transparência para que os cidadãos possam avaliar a gestão (aqui, inclui-se políticas e programas) e, em razão disso, aprová-la ou não. Assim, no âmbito das organizações públicas, a accountability é composta de um corpo teórico que credita a ela a capacidade de dar visibilidade aos atos, gerando maior grau de confiança entre governantes e governados, legitimando os processos de participação e mesmo os de reformulação das políticas.

A accountability constitui-se, portanto, com contornos da “boa gestão” e sob a perspectiva democrática reverte-se de múltiplos conceitos tomados dos elementos/componentes da própria democracia:  iniciando-se com a participação, passando pela transparência, o controle e a prestação de contas, sendo suporte a responsabilização/responsabilidade e subsidiando a avaliação e reformulação das políticas. Exemplificando esses elementos e o seu diálogo com os componentes democráticos, destaca-se:

Assim, as informações resultantes de todos esses instrumentos e canais resultariam em esquemas mais democráticos, funcionando como insumo das políticas e da própria gestão.

Para Cameron (2004), accountability é importante aspecto que caracteriza a boa governança no setor público. O conceito se relaciona à obrigação de se responder pelos resultados de decisões ou ações, para prevenir o mau uso do poder e outras formas inadequadas de comportamento. Para tanto o autor traça quatro fatores relevantes que compõem o processo: 1. fornecer explicações a todos os cidadãos; 2. prover informações posteriores sobre fatos relevantes, quando se tornarem necessárias; 3. rever sistemas ou práticas para atingir as expectativas dos cidadãos sejam eles eleitores ou não; e 4. conceder compensações ou impor sanções.

 Julnes e Holzer (2001), discutindo modelos de gestão mais eficientes, alinha-se a accountability, à medida que assume o uso de indicadores de desempenho como propulsores da transparência e responsabilização. Para os autores, o uso adequado de indicadores estaria associado a dois estágios: adoção e implementação, configurando-se com necessidades distintas ao sucesso da proposta.

O uso de indicadores pressupõe, de todo modo, a qualificação dos objetivos organizacionais e das metas a serem alcançadas, os quais servirão de apoio as ferramentas de accountability assumidos dentro da organização e de suas políticas. O uso eficaz dos indicadores exige que os objetivos estejam bem desenhados e que sejam de conhecimento generalizados, bem como dos meios a alcançá-los.  Para isso, os fatores como recursos (incluindo de pessoal), informação (possuir informações e canais de comunicação), orientação por objetivos (meios compartilhados para o atingimento das metas), e instrumentos legais e de controle externo, apoiam a adoção e a implementação, promovendo o sucesso da política.

Frente ao exposto, foi possível observar que accountability não se caracteriza de fato como conceito fechado, único, mas reforça-se por atributos consistentes e múltiplos elementos, os quais servirão, adiante, como base para análise de um caso real.

3. A Política Pública: o programa de Segurança “Pacto pela vida”

Beato (2012) discutindo a construção da violência como problema público aponta alguns componentes que são relevantes à configuração de uma política de segurança. Indica a ação do Estado como propulsor da resposta pública, como condutor da política e sugere a articulação de diversas instituições na execução dessa resposta (por considerar a complexidade do fenômeno); sem afastar, no entanto, a atribuição de responsabilidade a seus condutores. De acordo com o autor

Crime, acidentes de trânsito ou delinquência de menores são problemas sociais, mas como eles tornam-se problemas públicos? Isto é algo que envolve uma atuação mais moralmente empreendedora por parte do Estado, além do envolvimento de diversas instituições às quais cabem a responsabilidade de apresentar múltiplas possibilidades de resolução. Assim, responder à questão do crime como um problema público, remete-nos à discussão acerca das dimensões culturais e estruturais envolvidas. Isto implica necessariamente em atribuirmos responsabilidade a quem cabe resolvê-lo: significa decidirmos quem é seu ‘proprietário’. (Beato, 2012, p. 3).

De acordo com o mesmo autor, programas e estratégias de segurança baseados em uma articulação multi-institucional entre estado e sociedade é o que tem se mostrado mais eficaz na resposta à violência. Sob o entendimento de que o crime é uma coisa “muito séria” para ser deixada apenas sob o encargo de policiais, advogados ou juízes, defende a atuação combinada de várias instâncias do Estado e, sobretudo, da mobilização da sociedade na condução do problema.

O “Viva Brasília - Nosso Pacto pela Vida” é construído sob essa perspectiva.  O programa se apresenta como “...a principal política de segurança do governo de Brasília...”, destacando-se como “...uma nova maneira de enfrentar os problemas de segurança pública, que envolve a colaboração entre as polícias, a população e os diferentes órgãos de governo para a construção de saídas conjuntas para as violências.” (Viva Brasília, 2016, n.p.).

O Pacto é estabelecido na gestão do governador Rodrigo Rollemberg, implementado em abril de 2015, e instituído, via decreto, em julho de 2015. De acordo com seu Documento Orientador trata-se de:

[...] uma estratégia que busca fortalecer a capacidade de governança no enfrentamento e na prevenção de violências, contemplando as ações conjuntas entre as organizações de segurança pública, a utilização de métodos de resolução de problemas de criminalidade e a realização de ações preventivas e de promoção da cultura cidadã (Governo do Distrito Federal, 2015, p. 11).

Essa definição aponta os principais elementos que compõem o programa: a) ações intersetoriais; b) foco na resolução de problemas; e, c) ações de prevenção, visando maior capacidade de resposta a problemas públicos na área de segurança. A preocupação do programa é, portanto, ampliar os canais de entrada dos problemas de segurança, de articular os órgãos na formulação de respostas, de qualificar essas respostas e prevenir a reincidência dos problemas.

O Pacto pela Vida do Distrito Federal é “...inspirado em modelos de gestão por resultados...” (Governo do Distrito Federal, 2015, p. 28), replicando experiências de gestão em segurança já desenvolvidos em outras realidades, dentro e fora do país – Nova Iorque, Bogotá, Minas Gerais e Pernambuco.

O modelo de Gestão por Resultados, base do Programa, apresenta-se, de acordo com Gomes (2009), como uma das principais recomendações da Nova Gestão Pública, isso porque foca na efetividade, com base nos interesses do cidadão/sociedade, flexibiliza a condução dos processos, evitando disfunções relacionada ao apego exacerbado às normas e procedimentos, e propicia mais eficiência e accountability. O modelo é desenhado por um ciclo que começa com o delineamento dos resultados desejados, dos objetivos de governo; passando pelo monitoramento e a avaliação do desempenho da política, com vistas ao alcance desses resultados, e se retroalimentando por meio de ações corretivas decorrentes dessa avaliação.

O modelo comporta as seguintes características:

• Alinhamento de expectativas de forma clara e transparente, entre todos os agentes políticos, externos e internos, sobre quais são as diretrizes e os objetivos da organização, por meio da tradução destes em resultados e metas a serem atingidas, o que inclui a definição de indicadores para sua apuração;

• Concessão de autonomias aos executores / implementadores das políticas públicas;

• Contratualização de resultados, autonomias e sanções;

• Avaliação dos resultados e retro-alimentação do sistema de gestão para eventuais correções de rota, constituindo assim uma ferramenta gerencial;

• Fortalecimento de uma modalidade de “accountability” – cujos “principais” são tanto os cidadãos em relação aos políticos, quanto estes em relação à burocracia – baseada no desempenho mensurado a partir de indicadores de resultados;

 • Modificação do comportamento autoreferido da burocracia, substituindo pela atenção a metas claras e contratualizadas. (Gomes, 2009, p. 69).

Para Gomes (2009) a contribuição esperada com a adoção desse tipo de modelo para o aumento da eficiência da administração pública é clara: a consistência dos objetivos, dos resultados esperados e das metas da organização diminuem os problemas relacionados aos déficits de informação sobre os fins esperados e permitem o engajamento coletivo em torno dos objetivos, favorecendo a racionalidade do sistema e da organização. Além disso, permite também o controle mais efetivo pelo cidadão e demais stakeholders sobre o desempenho dos governos e dos burocratas, pelos políticos.

Nessa perspectiva, o Pacto, captando aspectos da Gestão por Resultados, manifesta-se como uma resposta objetiva aos problemas de segurança no Distrito Federal (DF), sendo conduzido a partir dos pressupostos de: responsabilização e transparência; identificação de estratégias e de ações nos planos plurianuais e nos orçamentos anuais; e de estímulo à participação social. (Decreto nº 36.629, 2015).  Alinhando, portanto, ideais econômicos e de democracia, conforme configurado pelo conceito de accountability democrática exposto por Abrucio e Loureiro (2000).

Assim, com um trabalho orientado, com a integração entre as forças segurança pública e entre atores públicos e órgãos de governo, com participação da sociedade civil e com o estabelecimento de processos de informação e transparência, o Viva Brasília define os objetivos específicos, que também se comportam como os eixos da política: I) redução dos crimes violentos letais intencionais; II) redução dos crimes violentos contra o patrimônio; III) aumento da confiança da população nas instituições de segurança pública e melhoria da prestação do serviço público de segurança; e, IV) diminuição da vulnerabilidade social por meio da promoção da paz social e de políticas de prevenção de violências.

Deste modo, em consonância com os atributos assumidos pelo modelo de Gestão por Resultados o Pacto utiliza-se de objetivos bem definidos que servem de base para a composição dos demais elementos da política e mesmo aos processos de accountability, os quais compõem a discussão deste trabalho.

4. Interfaces da accountability democrática com a política de segurança pública

A primeira avaliação neste trabalho testa a aderência do Pacto pela Vida às noções de accountability assumidas por Cameron (2004). Cabe retomar que o autor evoca quatro elementos para compor o conceito, são eles: a) a relação com os cidadãos; b) a disponibilização de informações; c) os processos de revisão dos sistemas e práticas para o atingimento das metas estipuladas, e; d) as compensações ou sanções ao não cumprimento dos resultados estipulados. Segue então, a análise de como a política se comporta frente aos quatro elementos.

No que se refere ao primeiro elemento, a relação com os cidadãos, observa-se que o Pacto pela Vida se constitui sob um estruturado ”fluxo de governança”, caracterizado pela participação social na construção das respostas aos problemas de segurança. O fluxo prevê o recebimento de demandas por meio de escutas públicas (Voz ativa e Conselhos de Segurança – CONSEG). Os problemas relatados nesses canais alimentam a pauta a ser discutida nas reuniões estratégicas do Pacto pela Vida, sendo encaminhadas primeiro nas reuniões locais e levadas ao conhecimento do Comitê das Áreas Integradas de Segurança Pública – AISP, compostas por representantes locais das forças de segurança e de instituições governamentais da comunidade, os quais deverão configurar uma resposta à situação.

As demandas não resolvidas nos encontros locais seguem para as reuniões nas Regiões Integradas de Segurança Pública – RISP, que reúnem, pelo menos, seis Regiões Administrativas. As demandas que não são resolvidas nas reuniões de RISP seguem para o Comitê Executivo, formado pelo secretário da Segurança Pública e da Paz Social, comandantes e diretores das forças de segurança e dirigentes de outros órgãos de governo. E, por fim, o problema pode ser encaminhado para o Comitê Gestor, o qual tem o governador do DF como o membro central, presidente, além da participação de autoridades do primeiro escalão.

Figura 1: Fluxo de Governança do Pacto pela Vida

Fonte: Documento Orientador do Viva Brasília – Nosso Pacto pela Vida, p. 46

Observa-se que o Pacto pela Vida busca a promoção de canais a aproximação da sua relação com os cidadãos. Ele enfatiza a importância do papel da participação social e prevê espaços de interlocução entre tutelados e tutores, sob a compreensão que “...os agentes sociais promovem a legitimidade do processo, bem como garantem a transparência e o papel ativo da cidadania no âmbito do Estado.” (Governo do Distrito Federal, 2015, p. 51). Diretriz que dialoga com os parâmetros estabelecidos para uma accountability vertical, no qual, segundo O’Donnell (1998), os cidadãos controlam de forma ascendente os governantes, entre outros, por meio do controle social.

Coube verificar, no entanto, a capacidade de recepção e acompanhamento das demandas que são apresentadas por meio dos canais previstos na proposta. Isto é, a partir da entrada de uma dada demanda via reuniões locais, como é possível o acompanhamento dessa demanda? O Documento Orientador sugere que isso será conduzido de forma transparente para que a população possa acompanhar e monitorar os trâmites de resolução. Contudo, analisando os canais públicos de interlocução entre a Secretaria de Segurança e a população, verificou-se a inexistência de publização sobre as reuniões locais, sobre as demandas advindas dessas reuniões ou qualquer outro conteúdo que se relacione com essa parte do processo. Encontrou-se assim uma lacuna no processo de accountability via cidadão sugerido pelo programa, sabe-se que as reuniões locais são promovidas em diferentes regiões do DF, mas não há dados sobre essas nos principais meios de comunicação utilizados pela Secretaria de Segurança ou pelo Pacto pela Vida, o que gera a impossibilidade de reconhecimento amplo desses canais de participação.

Sobre o segundo elemento de Cameron, disponibilização de informações, o Documento Orientador da Política e o Decreto nº 36.619 preocupam-se em enfatizar a transparência e a prestação de contas como elementos a boa condução da política. Os documentos tratam da importância de apresentar diagnósticos e de informações que capacitem os atores envolvidos na política para a tomada de decisão e acompanhamento dos processos para o alcance dos objetivos. Nesse sentido, o programa aposta na publicação de uma série histórica com relatórios sobre os indicadores ligados aos Crimes Contra o Patrimônio – CCP e sobre Crimes Violentos Letais e Intencionais – CVLI, informações essas relacionadas a dois dos eixos do Pacto (eixo I e II, respectivamente). Tem ainda disponibilizado mensalmente dados estatísticos criminais (CCP, CVLI, tentativa de homicídios, estupro, roubo em residência, furto a transeunte, tráfico, uso e porte de drogas, posse/porte de armas e localização de veículos roubados) separados por Regiões Administrativas (31 regiões), por Regiões Integradas de Segurança Pública e no Distrito Federal,  além de promover coletivas de imprensa, em que são apresentados balanços das ações do Pacto (os slides que conduzem essas reuniões ficam disponibilizados no site).

A análise desses instrumentos mostra que os relatórios sobre CCP e CVLI são importantes para subsidiar comparações quantitativas entre regiões ou a nível nacional. Essas publicações são as mesmas praticadas pela maioria dos estados em relação ao acompanhamento criminal, mas, isoladamente, falam muito pouco sobre efeitos da política em estudo. Os dados não guardam relação com ações que possam estar sendo desenvolvidas via Pacto. As informações contidas nos slides para as coletivas, apontam algumas intervenções que parecem estar subsidiando as respostas aos problemas de violência, mas são dados muito resumidos e isolados, incapazes de dar substância a interpretações reais sobre a política ou sobre sua relação causa-efeito.

Ainda sobre informação/transparência o Decreto nº 36.619 suscita no seu art.3º, 2º parágrafo, que as ações voltadas à execução do Pacto serão conduzidas a partir de estratégias e de ações nos planos plurianuais e nos orçamentos anuais, entre outros. No entanto, recorrendo ao site da Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão do DF, além do próprio site da Secretaria de Segurança Pública e da Paz Social (SSP), não foram encontrados documentos que relacionassem o orçamento previsto para Secretaria de Segurança com ações próprias do Pacto pela Vida. Não sendo possível analisar dados orçamentários diretamente ligados ao programa.

Quanto ao terceiro elemento de Cameron, processos de revisão dos sistemas e práticas para o atingimento das metas estipuladas, o Pacto prevê, como indutor de resultados do programa, processos sistemáticos de avaliação. Para isso, como posto por Julnes e Holzer (2001)adota indicadores para fazer o acompanhamento contínuo dos resultados alcançados e de aperfeiçoamentos das ações executadas.  O Documento Orientador (2015) suscita ainda que “...os indicadores serão monitorados continuamente, sendo que os resultados serão analisados com os órgãos de segurança pública, demais órgãos vinculados, outros órgãos públicos e a sociedade civil, a partir dos CONSEGs. Além disso, os dados serão tornados públicos. ” (p.57).

O Pacto propõe, portanto, o controle por uma rede de monitoramento e para cada eixo é estabelecido um indicador de seus resultados:

Objetivo I: redução dos crimes violentos letais intencionais. Indicador: incidência de crimes violentos letais intencionais. Cálculo: taxa de CVLI por 100 mil habitantes;

Objetivo II: redução dos crimes violentos contra o patrimônio. Indicador: incidência de crimes contra o patrimônio. Cálculo: taxa de CCP por 100 mil habitantes;

Objetivo III: aumento da confiança da população nas instituições de segurança pública e melhoria da prestação do serviço público de segurança. Indicador: confiança no trabalho da polícia. Cálculo: percentual da população que confia no trabalho da polícia;

Objetivo IV: diminuição da vulnerabilidade social por meio da promoção da paz social e de políticas de prevenção de violências. Indicador: vulnerabilidade em relação ao envolvimento com violências. Cálculo: índice de vulnerabilidade composto pela agregação de itens diversos, envolvendo situações do ambiente escolar e do espaço público, situação de vida da juventude, uso de drogas, garantia de direitos da população, participação da sociedade na execução da política e questões de responsabilização e reintegração social de egressos. (Governo do Distrito Federal, 2015, p. 58-59)

Cabe salientar que dados sobre os indicadores referentes aos eixos 1 e 2 são periodicamente divulgados pelo site da SSP, conforme destacado na análise do elemento dois, dando a possibilidade de acompanhamento dessas informações. No que tange ao eixo 3, realizou-se em 2015 a primeira pesquisa distrital de vitimização, buscando reconhecer melhor os dados sobre a violência no DF. A pesquisa contemplava, entre outros tópicos, questões relacionadas à confiança da população nos órgãos de segurança. Além disso, ainda em 2016, a SSP realizou pesquisa telefônica com usuários dos “disque190 e disque 193”, avaliando a atendimento da polícia e colhendo dados sobre confiança. Contudo, os resultados dessas pesquisas não foram disponibilizados até o momento, não sendo possível discuti-los e consequentemente analisar os dados que dialogam com o indicador do eixo 3. Sobre o eixo 4, cabe destacar a insipiência do cálculo sugerido, o qual se baseia em “itens diversos”, tornando impossível dizer o que é considerado na sua composição, e que não foram encontrados resultados que se referissem a esse indicador.

No tocante à avaliação dos indicadores, retomando a análise Julnes e Holzer (2001), observou-se que os indicadores do Pacto dialogam com os elementos citados a fase de adoção na estrutura da organização, ao dispor de recurso, de informação, orientação por objetivos e disposição legal; no entanto deixando a desejar no que tange a implementação por apresentar limitações relacionados à capacidade de controle e responsabilização.

Ainda sobre o monitoramento, observou-se que houve a adoção de indicadores criminais, mas sem preocupar-se em descrever quais ações/processos/meios seriam adotados para o cumprimento dos objetivos propostos. Desta forma o ciclo é falho, de forma que é difícil separar quais resultados apresentados pelos indicadores traçados são resultados da política. Isso deixa frágil o processo de averiguação da qualidade da política e mesmo de responsabilização dos atores.

Por fim, sobre o quarto elemento de Cameron, que trata das compensações ou sanções ao não cumprimento dos resultados estipulados, o Pacto, conforme apontado, prevê a participação de diferentes atores das forças de segurança e de instituições governamentais na construção de respostas aos problemas de violência, em diferentes instâncias e níveis de atuação. Sabe-se que esses atores são os responsáveis primários pela resolução/contenção dos problemas de segurança e deste modo é possível inferir que o não atingimento das metas estipuladas pelo programa recaiam sobre eles. Entretanto, apenas com as informações contidas nos documentos analisados não é possível dizer como são os procedimentos de responsabilização e se eles estão sendo levados a prática.

A fragilidade dos indicadores e a ausência de ações a elas relacionadas, a falta de informações que caracterizem causa-efeito, a pouca publicidade de dados e dos atos, tornam o processo de responsabilização pouco exequível nos parâmetros de accountability.

Observa-se, então, lacunas importantes na Política quando da ausência de descrição das ações implementadas ao atingimento de cada um dos objetivos propostos e dos seus efeitos nos demais processos. A falta dessas informações torna o acompanhamento da política aberto, sendo possível atribuir qualquer resultado a política ou, por outro lado, não sendo possível afirmar que qualquer um dos resultados atingidos são de fato decorrentes da política, além de dificultar ações de monitoramento e de responsabilização.

5. Considerações Finais

Diante do que foi analisado sobre os processos de accountability em regimes democráticos e para a consecução de políticas públicas, partindo da análise primária de um caso real, observou-se fragilidade dos elementos que compõem o conceito na prática.

Apesar da compreensão geral da necessidade de participação, de controle, de transparência e de prestação de contas, o caso analisado indica que esses componentes são considerados na formulação da proposta, mas difíceis de serem levados a prática, gerando responsabilização e recondução das políticas.

No caso do Viva Brasília – Nosso Pacto pela Vida, observou-se que processos de accountability foram incorporados ao desenho da política, sob uma formatação de caráter democrático. Verificou-se também, que houve preocupação em prever canais de participação, delineamento de indicadores, espaços de divulgação de resultados e espaços de acompanhamento da política, contudo, os processos apresentam lacunas significantes. Não é possível dizer que a accountability tem sido capaz de avaliar a eficiência da Pacto. Ou seja, os processos de accountability apresentados no corpo da política, embora aparentemente bem desenhados, não têm sido efetivos quanto: a transparência administrativa, o estabelecimento ou ampliação de mecanismos de responsabilização e a avaliação de desempenho do programa.

Evidenciou-se que a adoção de indicadores não significa a sua efetiva implementação. Além disso, a sua efetividade para análise dos processos exige a articulação com ações a eles relacionados ou para eles desenhados, o que não está claro no programa analisado, apesar dos esforços apresentados nos documentos legais e nos relatórios de resultados disponibilizados. Assim, pode-se dizer que a maior fragilidade da política é a ausência de descrição das ações implementadas e sua causalidade com os objetivos propostos. A falta dessas informações deixa solto o acompanhamento da política, sendo possível atribuir qualquer resultado a política ou, por outro lado, não sendo factível afirmar que qualquer uma das metas atingidas são, de fato, decorrentes dela.

O modelo de Gestão por Resultados no programa, com base no ciclo apontado por Gomes (2009), mostra-se interrompido nos aspectos monitoramento e avaliação, comprometendo adoção de ações corretivas decorrentes da avaliação, devendo ser observada.

As fragilidades discutidas nessa análise devem ser aprofundadas em estudos mais amplos. Elas não podem ser consideradas como aspectos essencialmente reprovadores da política em discussão, a qual demonstra diversos avanços, tanto do ponto de vista teórico, como na sua implementação, ressaltando a importância e a necessidade de aderência de processos de accountability nas políticas públicas para uma gestão alinhada à democracia.

O caso Viva Brasília – Nosso Pacto pela Vida é um exemplo de programa que busca, democraticamente, a promoção de ações de accountability para engendrar eficiência e a eficácia nas ações de governo.  Assim, as lacunas apontadas no artigo devem ser entendidas como sugestões de reanálise de seus processos, para o fortalecimento dos canais previstos e inclusão daqueles que se fazem necessários ao pleno desenvolvimento da política de segurança pública.

Referências

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1. Doutor em Economia pela Universidade de Brasília e Professor do Programa de Mestrado em Gestão Pública da Universidade de Brasília. andrenunes@unb.br

2. Mestranda em Gestão Pública da Universidade de Brasília. polly.miranda@gmail.com

3. Mestranda em Gestão Pública da Universidade de Brasília. julianaaraujo@unb.br


Revista ESPACIOS. ISSN 0798 1015
Vol. 38 (Nº 22) Año 2017

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