ISSN 0798 1015

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Vol. 38 (Nº 29) Año 2017. Pág. 21

Contribuições das estratégias de marketing e do comportamento do consumidor para a construção do sistema alimentar de base ecológica

Contributions of marketing strategies and consumer behavior towards the construction of the ecologically based food system

ARAÚJO, Heliene M. 1; MARJOTTA-MAISTRO, Marta C. 2

Recibido: 12/01/2017 • Aprobado: 15/02/2017


Conteúdo

1. Introdução

2. Metodologia

3. Discussão Teórica

4. Conclusões

Referências bibliográficas


RESUMO:

O objetivo deste artigo é apresentar as abordagens do comportamento do consumidor e do marketing como caminhos em potencial para superação das limitações da agricultura familiar na comercialização. A metodologia utilizada foi a revisão de literatura. Constata-se que as cadeias curtas de comercialização se constituem em respostas estratégicas frente às adversidades enfrentadas e, as estratégias de marketing devem ser englobadas na comercialização. Os planos de marketing elaborados devem considerar a identidade da organização e a construção social dos mercados.
Palavras chiave: Agroecologia; mercados de proximidade; marketing; comportamento do consumidor.

ABSTRACT:

The objective of this article is to present the approaches of consumer behavior and marketing as potential ways to overcome the limitations of family farming in marketing. The methodology used was the literature review. It can be seen that the short marketing chains are strategic responses to the adversities and marketing strategies must be included in the marketing. The marketing plans elaborated should consider the identity of the organization and the social construction of the markets.
Key words: Agroecology; Proximity markets; marketing; consumer behavior.

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1. Introdução

A estruturação atual do setor agroalimentar e a possibilidade de inserção igualitária dos diferentes atores econômicos não ocorrem devido à concentração corporativa e aos padrões hegemônicos necessários à inserção no mercado sendo, portanto, um processo excludente. Van der Ploeg (2008) aprofunda a compreensão da organização do setor agroalimentar e no processo de exclusão de importantes atores econômicos. O autor identifica os Impérios Alimentares (IA) e afirma que estes geram crises constantes na agricultura.

Os IA são um modo de organização do sistema agroalimentar que tendem a ser dominantes.  São constituídos da interação entre o mercado global que orienta a produção e comercialização da agricultura, indústrias de processamento, empresas de comercialização e cadeias de supermercados. Essas crises ocorrem devido ao controle exercido pelos IA tanto da produção, quanto do processamento e distribuição de alimentos, gerando monopólio de distribuição e comercialização, tornando mais difícil aos agricultores venderem seus produtos e aos consumidores adquirirem produtos que não estejam nesta lógica mercantil excludente.  O setor que recebe prioritariamente as consequências negativas desta estruturação é a agricultura familiar. Ribeiro et al (2003) afirma que a dificuldade de inserção no mercado consumidor pelos agricultores familiares é relatada desde da década de 1950 por pesquisadores, passando por debates políticos dos movimentos sindicais e rurais, preocupação de sociólogos e extensionistas e, ao longo das décadas de 1990 e 2000, foi inserido nas pautas de políticas públicas. (RIBEIRO et al, 2003). No entanto, Van der Ploeg (2009) considera que neste setor está a maior força de resposta de superação de tal situação.

Na busca de respostas que visem superar a dificuldade da agricultura familiar no que se refere ao acesso ao mercado de consumo alimentar, este artigo parte da seguinte pergunta: a abordagem do comportamento do consumidor e as ferramentas de marketing podem apresentar um caminho em potencial para superar essas dificuldades de comercialização?

Isto posto, o presente artigo tem como objetivo geral a reflexão a respeito das abordagens do comportamento do consumidor e do marketing, sendo estas avaliadas como caminhos em potencial para superação das limitações da agricultura familiar referente ao acesso ao mercado de consumo alimentar. Como objetivo específico, apresentar a possibilidade de construção de um sistema agroalimentar tendo como referência a agroecologia e os mercados de proximidades.

2. Metodologia

A pesquisa teve natureza exploratória e a metodologia utilizada foi a revisão de literatura. A pesquisa exploratória tem como objetivo proporcionar a visão geral, de tipo aproximativo, acerca de um determinado fato (GIL, 2002). Encontram-se na literatura pesquisada diversos trabalhos relacionados às estratégias de marketing, comportamento do consumidor, levantamento das dificuldades da agricultura familiar em inserirem-se no mercado consumidor, tais como: Solano e Marjotta-Maistro (2013), Heinz et al (2014), Paula et al (2012), Barboza e Arruda Filho (2012), e Nava (2009).

Contudo, referente a esses temas relacionando-os à ciência agroecológica, dada sua natureza sistêmica e holística, ainda há escassos trabalhos que abordam o tema. Para a revisão de literatura foi utilizado com fonte de dados livros, teses, dissertações, periódicos científicos nos temas agroecologia, agricultura familiar e acessos aos mercados e marketing. Como referencial teórico os conceitos de agroecologia, teoria do consumidor, nova sociologia econômica e teoria do marketing foram considerados.

 

3. Discussão Teórica

3.1 Atores econômicos no sistema agroalimentar

No Brasil, entre as décadas de 1960 a 1980 houve intenso incentivo à modernização da agricultura, seguindo os pilares da Revolução Verde através de políticas de fomento a pesquisas, e transferência de tecnologia, via serviços de extensão rural. A Revolução Verde e sua consequente modernização da agricultura pôde ser considerada no Brasil como conservadora. Isso ocorreu, pois se buscou somente a substituição de aspectos tecnológicos, enquanto a estrutura social, permaneceu a mesma (JESUS, 2005). Como resultado, de maneira simplificada, pôde-se observar dois tipos de agricultura praticados no Brasil: a patronal e a familiar.

Convém esclarecer que, concomitante ao processo de reestruturação dos mercados sob a orientação neoliberal, a partir de esforços políticos e acadêmicos, o setor agrícola denominado de “pequeno” correlacionado às práticas ineficientes do uso dos recursos, ou ao não acesso destes, transformou-se em “agricultura familiar” vinculando-os como um ator estratégico no desenvolvimento rural.  A pauta da reforma agrária, agricultura familiar e pluriatividade, multifuncionalidade das propriedades tornaram-se foco de pesquisas acadêmicas (WILKINSON, 2000) e houve o fortalecimento e lutas dos movimentos sociais do campo. Posteriormente, direcionaram políticas públicas à agricultura familiar visando sua estruturação.   No ano de 2006 foi criada a Lei 11.326 que “estabelece as diretrizes para a formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais” (BRASIL, Lei no 11.326, 24 de julho de 2006). Segundo esta lei para ser considerado agricultor familiar deve-se ter a área da propriedade não superior a quatro módulos fiscais; utilizar mão de obra predominantemente da própria família; possuir renda familiar predominantemente originada de atividades econômicas vinculadas ao próprio estabelecimento ou empreendimento; dirigir seu estabelecimento com sua família (BRASIL, Lei no 11.326, 24 de julho de 2006).

Van der Ploeg (2008) ao analisar o panorama geral da agricultura mundial identifica três categorias distintas, mas que se relacionam. A primeira se refere a agricultura camponesa, cujo conceito é muito próximo da categorização da agricultura familiar definida na Lei 11.326/06, diferenciando para o autor que esta categoria econômica é baseada no capital ecológico, policultura, não dependente de insumos externos a propriedade, enquanto na legislação brasileira não há definição quanto ao uso ou não do capital industrial para ser considerada produção familiar. Na agricultura camponesa, a produção é também destinada ao mercado, mas, sobretudo é realizada para a reprodução da propriedade e da própria família. A família é detentora da propriedade, dos meios de produção e é a mão de obra existente para a produção. Dessa maneira, pode-se dizer que toda agricultura camponesa é familiar, mas nem toda agricultura familiar é camponesa, segundo sua relação com o capital ecológico (FERNANDES, 2001). A segunda categoria econômica definida por Van der Ploeg (2008) é a do tipo empresarial. Este tipo de agricultura é baseado no capital financeiro e industrial, através de créditos, insumos industriais, tecnologias. A produção é altamente especializada e orientada ao mercado. A terceira categoria é denominada capitalista ou corporativa de grande escala. A produção é voltada para maximização dos lucros, para exportação e utiliza mão de obra assalariada.

As três categorias se relacionam e a diferença entre elas é referente a escala em que são aplicadas e em relação a interligação dos atores com a sociedade em geral. A agricultura camponesa é vinculada às unidades de produção pequenas e de importância secundária para a economia nacional e, em lado oposto, a agricultura capitalista sendo considerada forte e importante. Já em lugar intermediário seria a agricultura empresarial, ora em unidades produtivas pequenas, ora em unidades produtivas grandes (VAN DER PLOEG, 2008). Quanto à relação com a sociedade, via mercado, a agricultura camponesa centra-se na construção de circuitos curtos de comercialização e na descentralização; já a agricultura capitalista é altamente centralizada, constituído por grandes empresas de processamento e comercialização e trabalham em escala mundial. Como referido na introdução deste trabalho, Van der Ploeg (2008) trata desta relação como Impérios Alimentares (IA).

A agricultura empresarial e capitalista foram as categorias que mais incorporaram em seu sistema de produção os princípios da Revolução Verde, tendo como consequência o aumento da discrepância entre as categorias de agricultores e a dificuldade de inserção do mercado por parte da agricultura familiar camponesa.

3.2. A Revolução Verde, Modelo de Produção Convencional e Agroecologia

A Revolução Verde baseou-se em três pilares: agroquímica, motomecanização e manipulação genética (JESUS, 2005). Como resultado houve um aumento significativo da produção em larga escala.  Contudo, o modelo de agricultura praticado resultante da Revolução Verde, denominado convencional, não pode ser visto somente do ponto de vista tecnológico e produtivo. Há outras dimensões que devem ser consideradas, pois este modelo agrícola trouxe aumentos na produtividade, mas também, gerou inúmeros problemas ecológicos e socioambientais.

Além disso, segundo Mazoyer e Roudart (2010), menos de 10% dos estabelecimentos agrícolas a nível mundial tiveram acesso as tecnologias provenientes da Revolução Verde e concomitante à esta ocorreu a Revolução dos Transportes. A Revolução dos Transportes facilitou a distribuição de mercadorias, colocando em um mesmo mercado global, distintos sistemas de produção com níveis tecnológicos diferentes, e devido à produtividade alcançada ter sido grande a partir da incorporação de novas tecnologias, os preços da maior parte dos gêneros agrícolas reduziu. Como resultado, grande parte dos agricultores menos equipados, enfrentaram e, muitos continuam a enfrentar, dificuldades em competir no mercado global (MAZOYER; ROUDART, 2010).

Nesse sentido, na busca de mitigar os impactos negativos provenientes da Revolução Verde e superar o modelo convencional, como também buscar formas de fortalecimento das agricultoras e agricultores alijados dos processos de modernização, desde a década de 1970, inúmeras linhas filosóficas e movimentos sociais, em várias partes do mundo, surgiram para contestar e também propor alternativas de produção, tais como a agricultura orgânica, biodinâmica, natural, biológica, permacultura, agroecologia, entre outras (JESUS, 2005).

No Brasil a Lei No 10.831/2003 que dispõe sobre a agricultura orgânica e considera como sistema de produção orgânico aquele que não utiliza materiais sintéticos, transgênicos, radiações ionizantes e otimizem o uso dos recursos naturais e socioeconômicos disponíveis. O § 2º do Artigo 1º define o conceito de sistema orgânico de produção agropecuária abrange os sistemas de produção denominados: ecológico, biodinâmico, natural, regenerativo, biológico, agroecológicos, permacultura e outros.

Embora a Legislação considere todos estes sistemas como orgânicos, neste trabalho considerar-se-á a agroecologia o modelo de produção capaz de superar as contradições e limitações existentes na estruturação do sistema agroalimentar sob a égide dos IA e da agricultura convencional. O referencial teórico e prática da agroecologia une as dimensões produtivas, econômicas, sociais, políticas, ambientais, técnicas, energéticas, administrativas, ética e de soberania alimentar, categorias que para Machado e Machado Filho (2014) são indissociáveis. Não se trata apenas do uso da tecnologia apropriada para determinado tipo de produção ecológica como a produção orgânica está sendo atualmente praticada, apropriando-se dos valores e práticas agroecológicas e reduzindo-as à procedimentos técnicos somente de substituição de insumos, nos moldes próximos da agricultura convencional (NIERDELE e ALMEIDA, 2013). A convencionalização da agricultura orgânica, como é denominada, não ocorre somente na produção, mas com a participação crescente de todos os setores vinculados aos IA. A agroecologia, por sua vez, utiliza tecnologias apropriadas para a construção de um modelo agroalimentar de base ecológica, mas fortalecendo uma categoria social que historicamente é alijada dos processos de desenvolvimento do país como a agricultura familiar, povos tradicionais, comunidades quilombolas e indígenas, não admitindo de maneira alguma a concentração de riqueza, e por isso mesmo, não admite também a limitação de acesso à alimentação ecológica vinculada ao poder aquisitivo dos consumidores.

A agroecologia, dessa forma se configura como modelo de produção que engloba as dimensões sociais, culturais, econômicas, políticas, ambientais e produtivas de uma sociedade, busca a partir da análise crítica do atual modelo de desenvolvimento da agricultura, contribuir com o estabelecimento de estratégias de produção e de organização social que, por sua vez, tem como base os princípios da ecologia no redesenho dos agroecossistemas, este visando desenvolvimento sustentável (GLIESSMAN, 2000; ALTIERI, 2002).

. Os dados do Censo Agropecuário de 2006 mostram que 84,36 dos estabelecimentos agropecuários são pertencentes à agricultura familiar, embora ocupem 24% da área total dos estabelecimentos agropecuários. No que concerne à produção, a agricultura familiar contribui com 70% dos alimentos que compõe a dieta dos brasileiros. Produzem 83% da produção nacional de mandioca, 69,6% da produção de feijão, 45,5% do milho, 38% do café, 33% do arroz, 58% do leite, entre outros. (IBGE, 2006). Dessa maneira, a escolha da agricultura familiar como a categoria econômica mais adequada para a construção do modelo agroalimentar agroecológico decorre do fato de que o fortalecimento desta categoria promove a equidade e a inclusão social, como também uma maior e mais diversificada oferta de alimentos aos consumidores (MALUF, 2004).

3.3. Agricultura familiar e acesso aos mercados

O acesso da agricultura familiar aos mercados é distinto, passando por tipos de mercados, sejam estes locais e personalizados ou mercados nacionais e internacionais guiados apenas pelos preços dos produtos. Essa distinção leva às tipologias de mercado caracterizadas como sendo de cadeias longas e curtas.

Em relação à cadeia longa, especificamente ao mercado de commodities, caracterizado pela transparência de informações, pluralidade dos atores, impessoalidade de transações e cadeia a longa distância, os desafios para a agricultura familiar, apresentados estão relacionados à padronização, qualidade mínima, escala e a legislação (WILKINSON, 2000). No entanto, segundo Van der Ploeg (2008), os IA organizam-se de forma cada vez mais eficaz para controlar todo o processo produtivo. Isso decorre, pois, a criação de uma commodity ocorre a partir de um processo em que se define um padrão que substitui a multiplicidade de produtos e processos. Este padrão, seguindo interesses sociais de alguns atores, é transformado em normas técnicas que são universalizados atingindo “não apenas os produtos e os processos, mas também os atores (...) tanto o agricultor quanto o grão, ator e artefato, são sujeitos de um mesmo processo de valorização” (WILKINSON, 2002, p.98). Essa estratégia de inserção não tem sido praticada pela maioria dos agricultores familiares, somente a agricultura familiar empresarial mais tecnificada se beneficia com este mercado (WILKINSON, 2002)

Outro mercado possível de inserção em cadeia longa é a integração vertical com a agroindústria processadora. Esta refere-se à entrega do produto como matéria-prima para beneficiamento; as vendas para o setor de distribuição em que os produtos são destinados a atacadistas, varejistas, restaurantes, lojas especializadas de agricultura orgânica, etc. Assim como no mercado de commodities, esta forma de acesso requer maiores escalas de produção, maior capacidade financeira por parte dos integrados, maior especialidade e logística, sendo uma forma excludente para a agricultura familiar menos tecnificada (WILKINSON, 1997).

Os mercados de cadeia curta, também denominados de canais curtos de comercialização, abrangem todo tipo de comercialização cujo produto é entregue diretamente ao consumidor, como entregas em domicílio, feiras livres e especializadas, eventos comerciais, venda na propriedade, entre outros. É considerado, também, como canal curto, os mercados que mobilizam até no máximo um intermediário entre produtor e consumidor, como vendas a partir de associações, cooperativas e pequenos mercados locais (CHAFFOTE, CHIFFOLEAU, 2007). Dessa maneira, no canal curto de comercialização podem ocorrer vendas diretas e indiretas. Os mercados institucionais, criados por meio de ações de políticas públicas, podem ser considerados como canal curto, pois há apenas um intermediário e chegam ao consumidor via entidades. A comercialização nos circuitos curtos possui inúmeros desafios para os agricultores familiares como falta de mão de obra especialização, limitação de tempo, falta de investimento em estrutura e logística, entre outros (DAROLT, 2013).

Outra terminologia utilizada para os canais curtos de comercialização é mercado de proximidade. A proximidade, à primeira vista, relaciona com a distância curta percorrida pelo produto até chegar ao consumidor. No entanto, há também outra perspectiva de que além da proximidade geográfica, há uma maior aproximação entre agricultores e consumidores e isto se referem à democratização do acesso aos alimentos e a permite a existência de características singulares como solidariedade, proximidades, afetividade, troca de saberes e estabelecimento de confiança (MODEL; DENARDIN, 2014).

Dentre as possíveis formas de inserção no mercado pela agricultura familiar, os canais curtos, mesmo com os desafios apresentados e a necessidade de superá-los, apresentam inúmeras vantagens estratégicas ao produtor, tais como: facilitar o escoamento da produção, estimular a autonomia dos agricultores, diminuindo a presença de intermediários, movimentar a economia local, gerar renda para o campo, relacionar campo e cidade. Embora concorram com os varejistas, os mercados de proximidade continuam a existir, abastecendo as cidades com alimentos frescos e com outros produtos com identidade territorial, com preços competitivos e existindo como um espaço rico de socialização e resgate cultural. Além disso, contribuem com a Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) com a oferta de produtos social, economicamente e ambientalmente sustentáveis.

Segundo o Mapeamento de Segurança Alimentar e Nutricional nos Estados e Municípios (MapSan) desenvolvido pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, divulgado em 2015, em que participaram da pesquisa 1628 municípios, 1176 (72,2%) possuíam mercado de proximidade, em especifico as feiras, totalizando 5119 feiras livres no Brasil. Destas, 1331 feiras são de produções agroecológicas e/ou orgânicas e estão presentes em 624 municípios. Na região Sudeste se localizam 54% das feiras agroecológicas/orgânicas seguida da região Nordeste, com 22%. (MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE A FOME, 2015). É importante esclarecer que apesar de se fazer a distinção teórica entre produção agroecológica e orgânica, os dados apresentados no MapSan não se utilizam desta distinção ao classificar as feiras. Incluir a abordagem da SAN na comercialização estimula que se complemente o foco estritamente nas relações de mercado, com uma relação que vai além da dimensão econômica e monetária, constituindo os mercados de proximidade como espaços pedagógicos e de troca de conhecimentos, sobretudo entre o rural e o urbano, propiciando uma relação direta entre produtor e consumidor (PEREZ-CASSARINO, 2013).

Para Darolt (2012), a criação de novos mercados de proximidade, possibilitando a aproximação entre consumidores e produtores e o incentivo ao consumo alimentar de produtos advindos da agricultura familiar, constituem-se em desafios a serem superados para a criação de um modelo agroalimentar de base ecológica.  Embora no  momento histórico atual não  há garantia de acesso aos alimentos agroecológicos a toda população  apresentando um distanciamento entre o fundamento político de soberania alimentar da agroecologia e as realizações na prática, os mercados de proximidade tem destaque, sobretudo, por sua importância qualitativa no que se refere a conscientização dos consumidores quanto aos malefícios da agricultura convencional e dos IA (MACHADO; MACHADO FILHO, 2014), sendo um espaço rico de socialização e reciprocidade dos atores. Sua importância estratégica consiste em escoar a produção dos agricultores familiares, abastecendo cidades com alimentos de qualidade estimulando a autonomia e gerando renda para o campo.  Portanto, devem fortalecer os mercados de proximidade existentes e estimular a criação de novos (DAROLT, 2012). Nesse sentido, deve-se buscar ações que reduzam as dificuldades apresentadas, como também ferramentas que incentivem os consumidores a escolherem produtos agroecológicos, assim como propiciar uma maior aproximação entre produtores e consumidores. Uma das possíveis abordagens que podem contribuir para o êxito em superar estes desafios é aquela apresentada pela adoção de estratégias de marketing.

3.4. Estratégias de marketing no setor agroalimentar, mercados de proximidade agroecológicos

 Em relação ao setor agroalimentar, o marketing possui diferentes enfoques: rural, agrícola, agroindustrial e alimentar (TEJON; XAVIER, 2009). Os mercados de proximidade podem ser considerados no enfoque alimentar, dado que esse se caracteriza por se situar no nível do consumidor final e fazer a interface entre o comércio varejista e consumidor. O marketing alimentar divide-se em marketing de produto e da distribuição. O marketing do produto busca diferenciar o produto aos olhos do consumidor e o marketing da distribuição envolve o posicionamento do estabelecimento de vendas face às necessidades do consumidor (TEJON; XAVIER, 2009). Contudo, existem ferramentas que podem ser usadas em qualquer ramo de atividade: são as estratégias de marketing ou mix de marketing (MEGIDO; XAVIER, 2003). O objetivo das estratégias de marketing é fazer com que a organização cumpra sua missão eficazmente e eficientemente, integrando os objetivos, políticas e sequências de ação de forma coerente com os objetivos da organização.

O mix de marketing é composto por 4P's: produto, preço, ponto de distribuição e promoção. Estes, por sua vez, possuem subitens que devem ser analisados. O produto refere- se como este se relaciona com o consumidor em atributos tangíveis como cor, sabor e aroma, embalagem, design, rótulo e em atributos intangíveis como marca, serviços pós-venda, garantias e diferenciação. O preço, diferente das outras categorias que geram custos, gera receitas. Os subitens vinculados ao preço são: política de preços, métodos para determinação, descontos, condições de pagamento. O ponto de distribuição refere-se como o produto chega ao consumidor no local certo, em quantidades, qualidades e preços adequados para satisfazer demandas existentes, através dos canais de distribuição/comercialização, transportes, armazenagem   e   centro   de   distribuição.   A   promoção   são   todas   as   ferramentas   de comunicação    que    transmitem    mensagens    do    produto    ao    consumidor    como propaganda, promoção de vendas, relações públicas, força de venda e marketing direto (NAVA, 2009; BATALHA, 2008).

Nesse sentido, dentro do contexto agrário, o marketing utiliza os mesmos conceitos de outros setores produtivos, mas se deve, também, considerar algumas especificidades destacadas por Eid e Eid (2003) como a natureza do produto referente a perecibilidade e sazonalidade. Particularmente, as estratégias de marketing para a agricultura familiar, devem ser direcionadas em composto mercadológico, focando em análises técnicas dos principais produtos, levando em consideração sua natureza; os canais de distribuição devem ser direcionados ao mercado local e regional, visto que reduz o custo de transporte e também o preço final; a promoção dos produtos deve ser feita através de preços competitivos, qualidade do produto e um bom atendimento (EID e EID, 2003, p.3).

O marketing deve integrar em suas ações, uma imagem que inclui a sensibilidade ambiental, apresentando em seu produto toda a trajetória de fabricação (SANTOS, 2014). Dessa maneira, inclui-se nas dimensões do marketing a variável ambiental, em que o sistema de gestão da organização deve ser mais ético, transparente e com processos produtivos que gerem o menor impacto ao meio ambiente, englobando também a embalagem, a logística de distribuição e o pós-consumo. O produto final deste processo é um produto verde cujos atributos ambientais e sociais são melhores que as ofertas convencionais. As ações do marketing, com a vertente de marketing verde, devem ter como objetivo orientar e educar os consumidores quanto à conscientização ambiental e responsabilidade do consumo, contudo cumprindo as metas de comercialização da organização. (LOPES; PACAGNAN, 2014).

Estas abordagens do marketing mix e ambiental são essenciais na qualificação do processo de comercialização e acesso aos produtos agroecológicos, uma vez que a construção de um sistema agroalimentar de base ecológica pressupõe a possibilidade de acesso destes alimentos por toda população. Machado e Machado Filho (2014) apontam a necessidade de pensar escala e acesso aos alimentos a nível global, visando primeiramente, suprir o mercado doméstico. Qualificar as estratégias de marketing, observando características como embalagem, design, rótulo, marca, métodos para determinação de preço, condições de pagamento,  descontos,   formas  diferenciadas  de  acesso  aos  produtos  (Feira,  Cestas, Mercados, Venda direta na propriedade, entre outros), melhoria dos processos de transporte e logística,   propaganda, promoção de vendas, capacitação em vendas diretas, aliados as variáveis ambientais e sociais contidas nos processos produtivos agroecológico, irá fomentar a escolha por parte dos consumidores destes produtos tornando os produtos agroecológicos mais competitivos frente aos IA.

Para que as estratégias de marketing sejam utilizadas de acordo com o objetivo das organizações dos agricultores é necessário focar na compreensão de como se estruturam os mercados de proximidade, pois estes possuem certas particularidades que os distinguem   da visão puramente empresarial comumente adotada no referencial teórico do marketing. Neste raciocínio pode se citar Wilkinson (2002) que utiliza a abordagem da Nova Sociologia Econômica (NSE).

A NSE surgiu em virtude de resposta da expulsão da vida social na análise econômica da economia neoclássica, teoria do oligopólio, teoria neo-shumpeteriana e teoria dos distritos industriais. Essas teorias, de maneira simplista, vinculam a pequena escala da agricultura familiar a não competitividade, uso ineficiente dos recursos e não explicam as dinâmicas dos produtores tradicionais do campo. A NSE aborda a análise econômica como um enraizamento das dimensões políticas, culturais, sociais e científicas (WILKINSON, 2002). Mark Granovetter é uma das principais referências da NSE. Para ele, a ação econômica é construída socialmente, ou seja, dependendo do tipo de rede social estabelecida, funciona o mercado. Granovetter (1973), analisa a função estratégica dos atores nas redes, em que o ser humano sempre determina suas relações econômicas a partir da sua inserção em redes sociais. Nesse sentido, a existência desse tipo de mercado não seria resultado somente de um processo de exclusão frente aos IA, mas também esses mercados existem devido ao prolongamento das redes de relações familiares com a relação ao consumidor. Dessa maneira, esses mercados se constituem e os IA não seriam uma limitação para a perpetuação desse canal de comercialização, uma vez que a produção aumentaria com a demanda (WILKINSON, 2002).

Para a construção de um sistema alimentar de base ecológica, contudo, os mercados de proximidade serem fortemente enraizado nas redes sociais apresenta-se, à primeira vista, como um problema, pois o mercado e rede social são sinônimos e os atores envolvidos nos processos reproduzem conhecimentos existentes. Para Wilkinson (2002)

o desafio da expansão da produção não se reduz ao gerenciamento de quantias maiores, nem aos problemas ligados aos custos fixos mais onerosos, mais implica na extensão do mercado além da rede social. Como negociar essa ruptura entre mercado e rede social se torna o desafio fundamental. (WILKINSON, 2002, p 94).

Uma das respostas possíveis seria “a adaptação formal dos produtores as exigências de mercados impessoais e capacitação dos produtores aos novos conhecimentos que moldam esses mercados” (WILKINSON, 2002, p. 94). Esse processo, no entanto, neutraliza as redes sociais existentes e os agricultores mais tecnificados são os maiores beneficiados. Wilkinson (2002) afirma que o desafio, na realidade, é estender as redes sociais para garantir novos mercados.  Dessa maneira, o enraizamento da vida social na economia não seria um problema, mas um objetivo a ser alçado em trazer novos atores econômicos/consumidores para integrarem esses mercados. Darolt (2012) complementa que a necessidade de aproximação entre consumidores e produtores é   um dos desafios para a criação de um sistema agroalimentar de base agroecológica.

Nesse sentido, criar condições para a aproximação entre consumidores e produtores, constitui-se na expansão do mercado para além das redes sociais já consolidadas. Incluir nas ações de comercialização as estratégias de marketing tem o potencial de contribuir para isto. Inclusive, essa abordagem torna-se de importante uma vez que, como afirmado a respeito da convencionalização da agroecologia, a existência dos mercados enraizados socialmente, muitas vezes informais, é fortemente ameaçada, já que os IA têm buscado e conseguido apropriar-se do nicho, devido, sobretudo às pressões de regras de higiene e sanidade do mercado formal.

A esse respeito é importante considerar que em mercados com forte vínculo social, a qualidade dos produtos é interpretada pela própria comunidade, a partir da confiança e reciprocidade estabelecida entre os atores.   Esse processo “está em forte contraste com a visão neoclássica de transparência e autossuficiência do produto onde o mecanismo de preços incorpora toda informação requerida” (WILKINSON, 1999, p.111). O conhecimento da história do produto e as dúvidas sobre a produção podem ser sanadas quando há um contato direto entre produtor e consumidor a partir de construção de uma relação de confiança.

No entanto, o processo e as relações sociais contidas no processo de produção podem ser complementados além da comunicação verbal com informações contidas no próprio produto. A embalagem, design, rótulo e marca podem ser utilizados para apresentar a biografia deste produto, contendo os significados sociais do alimento: “saúde, sustentação da agricultura familiar e modos tradicionais, solidariedade, comércio justo e ético, preservação da diversidade e dos usos sociais e simbólicos da comida” (NIERDELE et al, 2013, p.16). Esta é uma ação que torna o processo de comercialização mais transparente, atraindo consumidores e expandindo o mercado para além das redes familiares.

O uso do marketing verde na agroecologia apresenta os valores vinculados ao alimento consonante com a ética da agroecologia relacionado ao cuidado com meio ambiente e com o ser humano, projetando nos atributos do produto a construção do sistema agroalimentar de base ecológica, justo e democrático.

Um exemplo é a marca Dom Divino, de agricultores familiares agroecológicos dos municípios de Divino e Orizania/MG na Zona da Mata Mineira. Na embalagem dos produtos contém uma poesia escrita por um agricultor seguida da descrição do produto

“Há que se respirar...pensar com calma, quando se houve dizer que produto tem alma. Produto tem sangue. Num instante o pensamento voa e descobrimos que o produto tem sua história”.  Ao escolher um produto da marca Dom Divino, você traz para sua mesa saúde e realiza um gesto de solidariedade, reconhecendo na agricultura familiar e de respeito ao meio ambiente. Todos os produtos da linha Dom Divino são produzidos sem agrotóxicos de maneira artesanal. Este produto é fruto do trabalho coletivo, de família participantes da Associação de Pequenos Produtores Rurais de Divino e Orizania/MG (Fonte: embalagem do produto)

Aprimorar as estratégias de marketing incluindo a dimensão estética, como a poesia na embalagem do exemplo, pressupõe considerar que “o fazer humano não pode ser despossuído   de   seu   caráter   de   beleza   e   harmonia” (BARBOSA, 2013, p.9) e a comercialização de produtos agroecológicos, é dotada de beleza e harmonia ao socializar valores, trocar expressões culturais e produtivas, apresentar identidades sociais e modos de ser e fazer a agricultura. Todas estas características devem ser expressas a partir das relações próximas entre agricultores e consumidores, como também devem ser vistas nos produtos em si com seu odor, gosto, textura, imagem característicos. Com isso, o consumidor, a partir de estímulos sensoriais contidos no produto captados por órgãos sensoriais (olhos, ouvidos, nariz, boca, pele) interpretam o mundo ao redor transformando sensações em significados (SOLOMON, 2008). Neste momento é quando a arte, a beleza e a harmonia contida em todo o processo de produção agroecológico, rompe a dissociação entre produtor-produto- consumidor, característico da comercialização nos mercados domésticos pelos IA, se materializando na comunicação com o consumidor da própria história do produto.

É a união entre a beleza e a dimensão cultural da agroecologia com a elaboração das estratégias de marketing específicas para cada local que terá a capacidade de estimular a comercialização destes produtos, como apontado por Darolt (2012), como um desafio para a construção do sistema agroalimentar de base ecológica.

Outro exemplo positivo da união entre a agroecologia e as estratégias de marketing é a da Cooperativa Camponesa, no Sul de Minas Gerais que engloba os municípios de Guapé e Campo do Meio e vinculado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). Esta cooperativa tem como objetivo social proporcionar melhor qualidade de vida e a inclusão social dos agricultores familiares sul mineiros para o fortalecimento da solidariedade e da agroecologia. Investiram em processo de criação de marca para os produtos e de grafia própria para marca, assim como em um site próprio e designer diferenciado para seus produtos. A logomarca representa as assembleias, pois é a partir da reunião que as decisões ocorrem e as ideias, ações e produtos são plantados, germinados e cultivados pelo coletivo. Dessa maneira, o consumidor identifica na marca e no logo a história e biografia do produto.

As duas experiências apresentadas demonstram que as estratégias de marketing devem ser elaboradas de acordo com a identidade e organização dos produtores. Esta é uma forma de união entre a resistência, proposição frente à hegemonia dos IA e a expansão do mercado para além das redes sociais.

As estratégias de marketing em mercados de proximidade a fim da construção de um sistema agroalimentar ecológico devem ser organizadas com o objetivo de criar conexões entre a produção e o consumo de alimentos e atrair novos consumidores para as redes sociais já estabelecidas.

Nesse sentido, a importância central do consumidor na construção do sistema agroalimentar ecológico fundamenta-se no fato de que o consumidor é o responsável pela orientação do mercado a partir das suas necessidades e desejos (DAROLT, 2012; SOLOMON, 2008). As características dos consumidores como idade, gênero, renda, ocupação, interesses, estilos de vida, personalidade influenciam o direcionamento das escolhas dos produtos e quando estes conseguem satisfazer suas necessidades, o consumidor se fideliza ao produto. O consumidor se relaciona com o produto de diversas maneiras.  O produto contribui para a identidade do consumidor, permite uma relação nostálgica remetendo a momentos passados, vincula-se a rotina e necessidades diárias e também pode gerar emoções de afeto e amor (SOLOMON, 2008).

O estudo do comportamento do consumidor se fundamenta não somente sobre as motivações dos consumidores ao adquirir produtos, mas também como as estratégias de marketing podem influenciar os consumidores a escolherem estes produtos (SOLOMON, 2008). Há contundentes críticas aos profissionais do marketing em criar necessidades aos consumidores e contribuir para que os sujeitos sejam valorizados somente por aquilo que possuem, gerando inúmeros problemas socioambientais e de consumo como o consumo compulsivo (SOLOMON, 2008).

Para Boal (2009), as ideias dominantes de uma dada época são percebidas e reproduzidas pelos canais estéticos da palavra, da imagem e do som através de músicas, propagandas, shows, teatros, televisão, cinema, fotos, jornais, escolas, entre outros. O atual sistema agroalimentar ao ser regido pelos IA orientados pelo neoliberalismo objetivando concentração de riqueza e poder sem limites, excluindo importantes atores econômicos discorridos  ao  longo  deste  trabalho,  os  consumidores  são  foco  direto  do  marketing empresarial dos IA. São nestes domínios da imagem, palavras e som hegemonicamente utilizados pelos profissionais do marketing dos IA que devem se travar também as lutas sociais por autonomia e construção de um sistema alimentar agroecológico.

Esta reflexão parte da necessidade de unir no arcabouço teórico da comercialização apresentada os canais da estética e arte contido nas elaborações dos planos de marketing também no processo de mudança societária para relações econômicas diferenciadas e mais justas. Para isso, há a Pesquisa de Ação Participativa (PAP) ou Pesquisa de Consumidor Transformadora (PCT) (SOLOMON, 2008).  Estas pesquisas são organizadas a fim de aprofundar problemas sociais e estimular mudanças. O consumidor não é o objeto de pesquisa, mas são considerados colaboradores que contribuem para analisar a realidade e realizar mudanças sociais necessárias. Posto isso, não faz parte do escopo deste trabalho aprofundar na discussão dos problemas advindos da crítica feita aos profissionais do marketing, e sim centrando os esforços nas possibilidades estratégicas e positivas de utilizar a PCT de forma criativa pelos profissionais do marketing e agricultores familiares em mercados de proximidade, superando as limitações existentes.

Os consumidores, então, possuem um importante papel em mudanças sociais necessárias, como no enfrentamento de crises socioambientais. Estudos a este respeito possuem literatura recente (PORTILHO, 2005; BETTI et al, 2013) colocando o consumidor como sujeito político e ativo na sociedade, uma vez que “o ato de comprar não é apenas uma ação sem sentido, um ato privado, que envolve apenas o consumidor, gostos e desejos. Pode envolver valores sociais, econômicos e políticos” (DAROLT, 2013, p. 167). Esta visão coloca o consumidor não como um objeto a ser estudado e apenas satisfeito as suas demandas, mas o consumidor é um ator participante, importante no processo de mudança social, uma vez que este possui o poder de questionar a lógica hegemônica e responder às necessidades de mudança ao direcionar suas escolhas em compras de produtos sócio ambientalmente corretos, como os produtos agroecológicos. (BETTI et al, 2013).

Além disso, o entendimento do comportamento do consumidor contribui para que se fortaleça transparência e troca de informação entre produtores e consumidores. Ao conhecer as exigências dos consumidores se favorece que os agricultores familiares se aperfeiçoem em processos produtivos solucionando problemas, como também os padrões de qualidade, sanidade e disponibilidade podem ser negociados juntos aos consumidores, uma vez que os produtos agrícolas são influenciados pela sazonalidade e pelo clima (PEREZ-CASSARINO; FERREIRA, 2013). Essa negociação com os consumidores tem a possibilidade de fomentar a mudança de seus hábitos resignificando a relação com a natureza, pois estes estão habituados a terem produtos a disposição ao longo do ano, o que não ocorre na agroecologia, uma vez que a produção de alimentos estando em consonância com a natureza, as sazonalidades são respeitadas. Além disso, esse conhecimento do consumidor tem o potencial de promover a aproximação ainda maior entre os atores envolvidos no processo de comercialização, vinculado à democratização do acesso aos alimentos, fortalecendo sociabilidades, solidariedade e reciprocidade (PEREZ-CASSARINO; FERREIRA, 2013).

4. Conclusões

Este artigo teve como objetivo geral a reflexão a respeito das abordagens do comportamento do consumidor e do marketing, sendo estas avaliadas como caminhos em potencial para superação das limitações da agricultura familiar referente ao acesso ao mercado de consumo alimentar e como objetivo específico apresentar possibilidade de construção de um sistema agroalimentar tendo como referência a agroecologia e os mercados de proximidades.

As dificuldades apresentadas se referem tanto como, atualmente, encontra-se estruturado o mercado agroalimentar segundo uma lógica concentradora e excludente, quanto a dificuldades organizativas da própria agricultura familiar.

Entre as possibilidades de inserção ao mercado consumidor encontram-se duas tipologias distintas: o de cadeias longas, como de commodities, e integração com a agroindústria processadora; e, de cadeias curtas, como mercados institucionais e mercados de proximidade. As cadeias curtas constituem-se em respostas estratégias frente as adversidades enfrentadas, tanto pelo fomento a partir de políticas públicas, quanto pelas vantagens ao aproximar os produtores ao mercado consumidor, diminuir a presença de intermediários, ao escoamento da produção e a preços competitivos. 

Devido ao processo de modernização da agricultura seguindo os moldes da Revolução Verde, a agricultura praticada, a convencional, gerou inúmeros problemas socioambientais. Nesse sentido, a agroecologia, a partir da reflexão crítica deste modelo, constitui-se   em   uma   rede interconectada de práticas produtivas, atores e conhecimentos diversos, visando a construção de um sistema agroalimentar que seja consonante com as especificidades das realidades locais no que se refere à ecologia, quanto as formas de organização social, levando em consideração as dimensões sociais, culturais, políticas, econômicas e ecológicas da sociedade para sua consolidação. Para se avançar e superar as limitações comerciais a agricultura familiar no tocante ao processo de comercialização, poderia traçar estratégias de marketing e assim, englobá-las no arcabouço de ações no processo da comercialização familiar. Estas são, sem dúvida, um importante instrumental para ser utilizado de maneira continuada, a fim de qualificar o processo de comercialização necessário para concretizar a mudança paradigmática da agricultura e inserir a agricultura familiar no mercado.

Este fato decorre, no sentido de que as estratégias de marketing terem como características abordar a comercialização de forma que, tanto os objetivos das organizações como as necessidades dos consumidores, sejam atendidos de maneira eficaz. Ao adotar as estratégias de marketing, observando características como: embalagem, design, rótulo, marca, métodos para determinação de preço, condições de pagamento,  descontos,   formas  diferenciadas  de  acesso  aos  produtos  (Feira,  Cestas, Mercados, Venda direta na propriedade, entre outros), melhoria dos processos de transporte e logística,   propaganda, promoção de vendas, capacitação em vendas diretas, e aliando as variáveis ambientais e sociais contidas nos processos produtivos agroecológico, tais estratégias  poderão fomentar a escolha por parte dos consumidores destes produtos, dado que os produtos da agricultura familiar tenderão a serem  mais competitivos. Além do mais, essas estratégias também tem a capacidade de orientar e educar os consumidores quanto à conscientização ambiental e responsabilidade do consumo.

Os planos de marketing específicos para os mercados de proximidade devem considerar a identidade da organização, a construção social própria dos mercados e a biografia dos alimentos vinculados a significado sociais, culturais e ecológicos.

Para a construção de um sistema alimentar agroecológico, tendo como referência o fortalecimento da agricultura familiar, o objetivo é, portanto, estender as redes sociais, focando na aproximação entre produtores e consumidores, sendo estes importantes atores político. A união no arcabouço teórico da comercialização na agricultura familiar, as estratégias de marketing, contribuem também no processo de mudança societária para relações econômicas diferenciadas e mais justas, pois as escolhas dos consumidores são determinantes para a consolidação dos sistemas alimentares agroecológicos. O consumidor é ator participante, importante no processo de mudança social, uma vez que este possui o poder de questionar a lógica hegemônica e responder às necessidades de mudança, ao passo que direcionam suas escolhas em compras de produtos sócios ambientalmente corretos. Além disso, o entendimento do comportamento do consumidor contribui para que se fortaleça a transparência e a troca de informação entre produtores e consumidores, reduzindo a assimetria de informação. Dada esta importância, o entendimento do comportamento do consumidor agroecológico deve ser ampliado, através de pesquisas de ação transformadora. 

Por fim, sugere-se como tema de trabalhos futuros, pesquisas com a temática de estratégias de marketing e do comportamento do consumidor em mercados de proximidade agroecológicos, uma vez que o aprofundamento do  tema tem como possibilidade contribuir para o entendimento mais claro acerca da inserção da agricultura familiar no mercado consumidor, como também no direcionamento de ações que visem a construção de um sistema alimentar agroecológico. 

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1. Universidade Federal de São Carlos. Mestranda no Programa de Pós Graduação em Agroecología e Desenvolvimento Rural. Email: hmaengflorestal@gmail.com

2. Universidade Federal de São Carlos. Professora do Departamento de Tecnologia Agroindustrial e Socioeconomia Rural. Email: marjotta@cca.ufscar.br


Revista ESPACIOS. ISSN 0798 1015
Vol. 38 (Nº 29) Año 2017

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