ISSN 0798 1015

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Vol. 38 (Nº 38) Año 2017. Pág. 1

Dispositivo prisão: O tecer da criminalidade à luz da Teoria Ator Rede

Prison device: The weaving of crime in the light of Theory Network Actor

Tatiane Alves de MELO 1; Pablo Augusto Panêtto de MORAIS 2; Lucas POUBEL Timm do Carmo 3

Recibido: 12/03/2017 • Aprobado: 11/04/2017


Conteúdo

1. Introdução

2. Teoria ator-rede e as organizações

3. Conjunto heterogêneo: dispositivo prisão

4. O tecer da criminalidade à luz da teoria ator rede

5. Considerações

Referências


RESUMO:

O presente ensaio parte da lacuna identificada de estudos que relacionem o dispositivo prisão no tecer da criminalidade à luz da Teoria Ator Rede (TAR). Objetiva-se discutir como se configura o dispositivo prisão na produção dos atores na rede da criminalidade. Nos últimos anos há crescente interesse sociológico no papel que os atores não-humanos realizam no cotidiano. A TAR com seus escritos teóricos e empíricos propõe a discussão das relações sociais, abrangendo poder e organização. Evidenciando que o processo de estudo nas organizações deve ser considerado a partir dos resultados do processo de análise e não seu ponto de partida.
Palavras-chave: Teoria Ator-Rede; Dispositivo; Prisão.

ABSTRACT:

The present study starts from the identified gap of studies that relate the arrest device in the weaving of crime in the light of the Actor-Network Theory (ANT). The objective is to discuss how prison device is configured in the production of actors in the crime network. In recent years there is a growing sociological interest in the role that non-human actors perform in everyday life. The ANT with its theoretical and empirical writings proposes the discussion of social relations, encompassing power and organization. It evidences that the process of study in organizations should be considered from the results of the analysis process and not its starting point.
Keywords: Actor-Network Theory; Device; Prison.

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1. Introdução

Teoria Ator-Rede (TAR) ou Actor-Network Theory (ANT) é uma corrente de estudo que surgiu por volta de 1980, desenvolvendo-se a princípio nos Estudos da Ciência e Tecnologia. Seus principais percursores são os estudiosos Bruno Latour, John Law e Michel Callon. A TAR contribui como alternativa para a realização de pesquisas, em atenção especial aos fenômenos no campo organizacional nacional. Trata-se de uma abordagem com perspectiva epistemológica pós-estruturalista que entende as organizações como o resultado momentâneo de processos e eventos que não obedecem sempre a uma mesma lógica semelhante. De tal modo, as organizações são consideradas entidades com fronteiras claras e delimitadas, formadas por subdivisões que, em conjunto, trabalham para atingir objetivos comuns, sendo influenciadas pelo ambiente em que estão inseridas, tecnicamente e socialmente (ALCADIPANI; TURETA, 2009).  

Reside no núcleo da “teoria ator-rede” a abordagem sociológica ou sociologia da translação, que trata da mecânica do poder. A sociologia da translação tem a tarefa de caracterizar as formas pelas quais os materiais se juntam, e consequentemente geram e reproduzem os padrões institucionais e organizacionais nas redes do social (LAW; 1992).

Como perspectiva pós-estruturalista, associa-se a ideia da TAR a oportunidade de investigar os processos organizativos, valorizando os eventos e momentos nas organizações, ou seja, repensar as ideias padronizadas de estabilidade organizacional. Propõem para além do quantitativo, a análise da construção social por meio de relações e práticas. Importante ressaltar que os escritos de Michel Foucault também inspiraram a elaboração da Teoria Ator-Rede (ALCADIPANI; TURETA, 2009).

Por fim, o objetivo deste ensaio teórico é discutir como se configura o dispositivo prisão na produção dos atores na rede da criminalidade.

Este ensaio teórico está dividido nos seguintes tópicos: teoria ator-rede e as organizações; conjunto heterogêneo: dispositivo prisão; o tecer da criminalidade à luz da teoria ator rede, considerações e referências.  

2. Teoria ator-rede e as organizações

Nos últimos anos, houve um crescente interesse sociológico no papel que os objetos e atores não-humanos realizam na vida cotidiana. Nesse sentido, seres humanos e não-humanos estão ativamente envolvidos na confecção de mundos sociais, existindo correntes que definem um chamado “mundo pós-social” e uma sociabilidade centrada no objeto. Em alguns contextos, seres humanos e não-humanos não constituem uma dicotomia, mas sim uma “ecologia de representações” - pessoas, símbolos e máquinas operam em conjunto para estruturar e renovar o entendimento de uma situação social (BRUNI; 2005).

Nessa lógica, surge a ideia da TAR, cujo objetivo nos estudos organizacionais é valorizar a análise das práticas e processos de organizar, associando os diferentes atores que partilham objetivos em rede, compreendendo a heterogeneidade e complexidade dos múltiplos processos e fluxos, a interação entre elementos humanos e não-humanos nas particularidades de cada organização, e, tamanha relevância destes, nas redes que constroem e produzem o centro e periferia, a prática e construção social (ALCADIPANI; TURETA, 2009). As organizações são produzidas por conhecimento, e os dispositivos integram aprendizagens no individual e coletivo (CALLON, 2002; AMERICO, 2014), ou seja, o saber é poder, e poder é saber (FOUCAULT, 1979). 

Assim, a teoria ator-rede propõe a discussão das relações sociais, abrangendo poder e organização. Ressalta não somente o social, que em um primeiro momento remete ao conceito de relações humanas, mas, entende-se que as redes são materialmente heterogêneas e que não existiria sociedade e nem organização se essas fossem simplesmente sociais. De tal modo, o material e imaterial devem ser analisados com a mesma importância e sobre o mesmo prisma. Podemos estudar como o poder, tamanho e organização são gerados, e a partir dos materiais e estratégias do ordenamento da rede, é possível descrever os pontos de atenção organizacionalmente relevantes da TAR (LAW; 1992).

Constata-se, com isso, que a proposta da TAR não é defender uma diferença fundamental entre pessoas e objetos, sendo apenas uma instância analítica. Assim, ela não se adentra em questões éticas, no sentido de que as pessoas são tratadas como máquinas, ou que se devem negar seus direitos, deveres e responsabilidades (LAW; 1992; TURETA; ALCADIPANI, 2009). Dessa forma, a teoria ator-rede não coloca o humano e não-humano em dimensões diferentes. Ao contrário, a rede é heterogênea e os humanos e os não-humanos devem ser analisados nas mesmas dimensões, sem dar importância maior a este ou aquele, propondo a simetria. O propósito é apenas colocá-los em um mesmo plano, proporcionando uma limpeza do campo, para que o pesquisador possa entender melhor o fenômeno e a função exercida pelos atores dentro da rede (LAW; 1992).

A TAR não é uma teoria do social, muito menos uma teoria do sujeito, ou uma teoria de Deus, ou uma teoria da natureza. É uma teoria do espaço ou fluidos que circulam numa situação não moderna. Tal movimento e circulação são permeados por objetividade e subjetividade (LATOUR; 1999). Nesse sentido, a noção de translação associada à teoria ator-rede enfatiza a continuidade dos deslocamentos e transformações ocorridas, pois é um processo (CALLON; 1986).

Ao estar baseada na sociologia da translação, a TAR evidencia esse processo em quatro etapas: problematização, interesse (interessement), envolvimento e mobilização de aliados de uma rede. É válido ressaltar que o termo interessement é o conjunto de ações pelas quais uma entidade tenta impor e estabilizar os atores, definindo-os através de sua problematização e objetivos determinados (CALLON; 1986). Sendo assim, a sociologia da translação defende a ideia de que os seres humanos podem estabelecer uma rede social no momento de interação com outros humanos e outros materiais (MELO, 2011).

É válido ressaltar que, ao discutir agência e estrutura, a TAR utiliza uma lente que compreende o macro e micro em performance contínua nas situações diárias, resultantes da articulação e interação das redes-de-atores (TURETA; ALCADIPANI, 2009).  E, ao abordar a construção da rede, a sociologia da translação evidencia os objetivos em comum entre os diversos atores que constituem uma rede de relações, com o intuito de atingir tal objetivo partilhado (ALCADIPANI; TURETA, 2009).

Por fim, a TAR evidencia que o processo de estudo nas organizações deve ser considerado a partir dos resultados do processo de análise e não seu ponto de partida. É tarefa do observador seguir os atores e assim identificar a maneira como agem, definem e associam os diferentes elementos (CALLON, 1986; ALCADIPANI; TURETA, 2009). Desse modo, é possível compreender a maneira que estes constroem e explicam o mundo, ou seja, seguir à risca a TAR é percorrer o campo, literalmente, indo e vindo, para além dos métodos e teorias, e sem subestimar nem superestimar as capacidades de construção de um ator.

No próximo subitem apresentaremos alguns conceitos de dispositivo e prisão no entendimento de Foucault (1926-1984). A proposta é conectar as ideias discutidas na Teoria Ator-Rede com conceitos que fundamentam a análise do dispositivo prisão na produção dos atores na rede da criminalidade.

3. Conjunto heterogêneo: dispositivo prisão

O termo dispositivo pode ser entendido como um conjunto heterogêneo - instituições, medidas administrativas, discursos, enunciados científicos, decisões regulamentares, organizações arquitetônicas, leis, proposições filosóficas, morais, filantrópicas - que têm por elementos o dito e o não dito. “O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre estes elementos” (FOUCAULT, 1979, p.244). Agimos e pertencemos a certos dispositivos. Nesse entrecruzar estão as linhas de visibilidade, enunciação, força, subjetivação e ruptura (DELEUZE, 1990).

As instituições, discutidas a partir dessa lógica, podem ser estudadas como espaços atravessados por tecnologias de poder e suas aplicabilidades não devem se restringir a muros institucionais e práticas de confinamento (LEMOS; CARDOSO JUNIOR; ALVAREZ, 2013). Este espaço de “verdade” compreende algo em constante metamorfose, fruto de uma relação de forças, de um embate, de uma guerra, de uma construção histórica (SOUZA et.al., 2006).

Espaço de ação sobre os indivíduos que deveria ser um instrumento tão aperfeiçoado como a escola ou hospital, a prisão fracassa imediatamente (FOUCAULT, 1979). Deve-se reconhecer que o formalismo é fator significante para o exercício do poder (HERZFELD, 1992), desse modo, tem o poder de revelar diferentes saberes sobre as organizações complexas (LAW, 2002) e instituições totais.

Há tempos, conhecemos os inconvenientes da prisão, sabemos que é perigosa, e um tanto inútil. No entanto, não conseguimos ver um aparelho disciplinar substituto, daí ser possível afirmar que o cárcere é a detestável solução da qual não conseguimos abrir mão (FOUCAULT, 2013). Ao tratar das condições de um bom funcionamento da prisão, reafirma-se a difícil tarefa de efetivar a responsabilidade que a justiça confia ao Estado, tal como, os efeitos de poder dos dispositivos de normalização (FOUCAULT, 2013).

A prisão se fundamenta em seu papel, quer seja suposto ou exigido, de ser aparelho para transformar os indivíduos. É imediatamente aceita, pois, ao encarcerar, retreinar, tornar dócil e reproduzir, acentua mecanismos que encontramos no corpo social (FOUCAULT, 2013). Neste sentido, a prisão pode ser entendida como um dispositivo, que a presente discussão elucida a ideia de instituição total que também produz criminalidade.

Nesse sentido, o próximo subitem apresenta conceitos de TAR e Foucault ao propor uma análise do dispositivo prisão no tecer da criminalidade à luz da Teoria Ator-Rede.

4. O tecer da criminalidade à luz da teoria ator rede

Desde 1820, constatou-se que o cárcere não transforma gente criminosa em honesta, mas, fabrica novos criminosos ou inclui ainda mais na criminalidade. Para a produção de criminosos, existem mecanismos de poder que utilizam (estrategicamente) os indesejáveis e inconvenientes. De tal modo, se a prisão fabrica delinquentes, estes podem ser úteis no domínio econômico e político, ou seja, os criminosos servem para alguma coisa. Por volta dos anos 1835-1840, a ideia de agrupar e rotular os criminosos tornou-se evidente para fins econômicos ou políticos, confirmando a ideia do dispositivo prisão como produtor da criminalidade (FOUCAULT, 1979).

Metaforicamente, o dispositivo é um de novelo, um conjunto multilinearcomposto por linhas heterogêneas que se aproximam e se afastam uma das outras, formando processos sempre em desequilíbrio (DELEUZE, 1990). Nesse sentido, o dispositivo é um tipo de formação que em dado momento, tem a função de obter respostas para determinadas urgências, ou seja, caracteriza-se por ter uma função estratégica dominante. Desse modo, está ligado à relação poder-saber e sustenta estratégias de forças (FOUCAULT, 1979).

Tendo como premissa os conceitos acima relacionados, entende-se que a partir da Sociologia da Translação, a TAR pode oportunizar a discussão do dispositivo prisão na produção de criminalidade ao abordar a mecânica do poder,. Na discussão do humano e não-humano, o poder é desmistificado, ou seja, inicialmente a teoria ator-rede defende que não há diferença entre o poder, o poderoso e o miserável, mas reconhece que na prática existe (LAW; 1992). De fato, nos fios meados de um dispositivo, há emaranhados que precisam se desmesclar, isto é, as produções de subjetividade que escapam da relação poder-saber de um dispositivo e colocam-se aos poderes e saberes de outro, com outras formas para nascer (DELEUZE, 1990).  

A ideia é investigar as diferenças nos materiais e métodos empregados para produção e reprodução do poder, a fim de entender como eles se realizam, dado que opoder é fluido e presente nas relações sob diferentes prismas (LAW; 1992). Nesse sentido, ao invés devolver à liberdade “indivíduos corrigidos”, a prisão semeia os criminosos na sociedade, afinal, a prisão não poderia deixar de produzir criminosos - delinquentes. Produto da existência vivenciada pelos indivíduos (isolamentos, tortura, trabalho inútil) a prisão educa para a não reflexão do homem em sociedade, impõe limitações violentas, executa as leis (ensina e confere o cumprimento das mesmas). Tal funcionamento é resultante do sentido abusivo de poder (FOUCAULT, 2013). 

Nesse sentido, a translação ocorre no cruzamento entre o mundo natural e o mundo social, resultando na determinação de que uma entidade pode dominar a outra. Volta-se o olhar para o conceito de poder, já que aborda como essas relações são fabricadas. Nesse processo de translação, ocorre à formação das alianças entre os atores, envolvimento, informações, persuasão, identidade, compartilhamento, subjetividade, tal como, os efeitos das relações de poder (controle/dominação) que permeiam a rede-de-atores (CALLON, 1986; ALCADIPANI; TURETA, 2009).

Ao discutir a História da Violência nas Prisões, no livro Vigiar e Punir, o filósofo francês Michel Foucault (1926-1984) apresenta o tema do Panóptico de Jeremy Bentham, que nos anos 1830-1840 tornou-se o programa arquitetural para a maioria das prisões, obtendo um local privilegiado de realização. O Panóptico tomou forma material em um bloco, traduzindo inteligência da disciplina, individualização, observação, segurança, saber, isolamento, gestão do poder, vigilância, ordenação do espaço, efetivando os códigos e teorias penitenciárias da época (FOUCAULT, 2013).

Nesse sentido, cabe ressaltar que na teoria ator-rede a ordem é um efeito gerado por meios heterogêneos e, portanto, não se diferencia pessoas de um lado e objetos do outro. Desse modo, o termo ator-rede se sustenta a partir da ideia de que alguns verbos são atribuídos aos seres humanos, pois, são produzidos em redes que passam através do corpo e se ramificam tanto para dentro e como para além dele, assim, um ator é também, e sempre, uma rede (LAW; 1992). As redes constroem, mobilizam, acumulam, recombinam o mundo. Produzem diferentes espaços e tempos em seu interior; produzindo diferentes realidades espaciais e temporais que se manifestam nas e por pessoas (LATOUR, 2000; TAYLOR; VAN EVERY, 2011; AMERICO, 2014).

Portanto, se a delinquência é também fabricada no encarceramento, e o delinquente é mais um produto da instituição prisão (FOUCAULT, 1979), o dispositivo prisão produz a rede da criminalidade na sociedade panóptica, composta por: atores humanos (legisladores, políticos, empresários, criminosos, delinquentes, policiais, juízes, servidores do sistema prisional, usuários de drogas, traficantes, vítimas dos crimes, etc) e não-humanos (armas, cerimônias, transações, drogas, uniformes, algemas, grades, dinheiro, relatórios, sentenças, propina, camburões, viaturas, presídios, torres de vigilância, caixões, câmeras de segurança, chuchos, pirulitos - artefatos produzidos a partir de materiais cortantes - etc).

Assim, as conexões estabelecidas na rede de atores podem ser compreendidas como instrumentos de poder (CASTELLS, 2003). A estabilidade e o formato da rede formada são resultantes da interação dos elementos heterogêneos (LAW, 1987; AMERICO, 2014). Evidencia-se a utilidade da criminalidade, pois, a sociedade não poderia funcionar sem os delinquentes. Afinal, sem a delinquência não há polícia (FOUCAULT, 1979). Nesse sentido, os atores não podem alcançar o que querem por si mesmos, precisam de movimentos, às vezes de desvios que devem ser aceitos e alianças que devem ser forjadas, descrevendo associações entre entidades, que definem a identidade e o que eles querem (CALLON; 1986).

Ao mencionarmos teoria-ator-rede nas instituições totais e/ou organizações, remetemos devida importância aos stakeholders (as partes interessadas) ou, simplesmente atores. Essa ideia de partes interessadas enfatiza a análise da estruturação das relações de poder atuantes nas redes, no contexto social específico, tal como, as identidades, demandas e interesses dos atores (BERGSTRÖM; DIEDRICH, 2011).

A presença do policial é tolerável e solicitada pela sociedade a partir do medo que o delinquente oferece. A instituição polícia se justifica a partir da existência do crime, do criminoso, do perigo, da insegurança. Enquanto, os juízes elaboram sentenças a partir do discurso justificado e amparado pelas leis, trabalham para a polícia e sabem que os instrumentos de pena de morte, reclusão, detenção, não transformam os indivíduos (FOUCAULT, 1979). Admite-se que o formalismo é importante para o exercício do poder (HERZFELD, 1992), pois, definem e distribuem papéis resultantes de negociações multilaterais, durante o qual a identidade dos atores é determinada e testada (CALLON; 1986).

Por fim, a história da prisão e seus efeitos visíveis evidenciam o imenso fracasso da justiça penal, e, o encarceramento - técnica corretiva ou detenção punitiva -, são rememorados por formulações inalteradas com o passar dos séculos (FOUCAULT; 1979), reforçando o dispositivo prisão, tecendo a criminalidade desta rede heterogênea.

5. Considerações

O contato com a Teoria Ator-Rede instigou a percepção de uma relação que na maioria das vezes desconsideramos, ou seja, a interação humano e não-humano. As potencialidades da TAR são ainda largamente inexploradas, especialmente as implicações políticas de uma teoria social que não teria a pretensão de explicar o comportamento e as razões dos atores, mas apenas encontrar os procedimentos que tornam atores capazes de negociar seus caminhos através de outra atividade de construção de mundo (LATOUR; 1999).

A partir da elaboração deste ensaio, verificou-se a possibilidade de relacionar a TAR com o pensamento Foucaultiano.  Desse modo, a TAR inspira novos estudos nas organizações, a partir de análises críticas que possibilitem um olhar de mudança social e melhoria da sociedade, compreendendo a relação sujeito e objeto, sem se esquecer que nós seres humanos temos a capacidade de construir e destruir. O agente objeto atua de acordo com nossos propósitos e desejos, sejam para o bem coletivo ou não. 

A aplicação da TAR nos estudo organizacionais em instituições totais, e no presente estudo, a prisão, pode ser um caminho para analisar os dispositivos dessa rede de atores que compõem e controlam o sistema prisional. Desse modo, identificamos duas lacunas de estudos futuros: (1) aprofundar o presente ensaio, propondo um estudo empírico para analisar como se configura o funcionamento do dispositivo prisão na inclusão e manutenção de atores na rede da criminalidade à luz da Teoria Ator-Rede; (2) entender como se configura o funcionamento do dispositivo educação na inclusão e exclusão da criminalidade à luz da Teoria Ator-Rede; (3) analisar como se configura o funcionamento do dispositivo raça na inclusão e exclusão da criminalidade à luz da Teoria Ator-Rede.

De fato, as prisões não contribuem para a redução da taxa de criminalidade, ao contrário, produz aumento e transformação na quantidade de casos dos criminosos. A detenção pode conduzir ao caminho da reincidência, pois, ao sair da prisão, o indivíduo tem mais chances do que anteriormente de retornar ao crime, e consequentemente, de voltar para o sistema prisional. Ao serem banidos socialmente, encontram dificuldades para inserção no mercado de trabalho e são vistos como vadios, são os chamados “egressos do sistema” ou antigos detentos (FOUCAULT, 2013).

A prisão é uma invenção desacreditada desde que nasceu. Ela está enterrada no meio de dispositivos, relações de forças e estratégias de poder (FOUCAULT, 2013). Conforme reflexão de Foucault (2013, p.290) “[...] se há um desafio político global em torno da prisão, este não é saber se ela será não corretiva; se os juízes, os psiquiatras ou os sociólogos exercerão nela mais poder que os administradores e guardas [...]”, mas, o grande desafio da sociedade panóptica é pensar em alternativas à privação de liberdade. 

Vislumbra-se que este ensaio seja recebido pela sociedade acadêmica com o intuito de pensar como o dispositivo prisão produz a criminalidade, e, como a TAR pode contribuir para novos olhares em relação a novas alternativas à prisão.Por fim, a teoria-ator-rede oportuniza aos pesquisadores uma lente heterogênea para analisar os contextos sociais (TURETA; ALCADIPANI, 2009), a (re) construção das relações e subjetividades, arranjos e acontecimentos nas organizações, afinal, o campo é espaço e tempo de constantes alterações e estabelecimento.

Referências

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1. Mestre em Administração - Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). E-mail: tatymellomkt@gmail.com

2. Mestre em Administração - Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). E-mail: pablopanetto@gmail.com

3. Mestre e ​Doutorando em Administração - Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).E-mail: lucaspoubel@uol.com.br


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