ISSN 0798 1015

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Vol. 38 (Nº 38) Año 2017. Pág. 17

Implementação e prospecções do Programa Mais Médicos no Brasil sob o enfoque do modelo de Múltiplos Fluxos de Kingdon

Formulation and implementation of the More Doctors Program, guided by the Multiple Streams Model created by John Kingdon

Dominic Doula RIBEIRO 1; Tatiane PELEGRINI 2; Cristiana Tristão RODRIGUES 3;

Recibido: 20/06/2017 • Aprobado: 30/06/2017


Conteúdo

1. Introdução

2. Saúde pública no Brasil, o Programa Mais Médicos e o Modelo de Múltiplos Fluxos

3. Metodologia

4. Resultados

5. Considerações finais

Referências bibliográficas


RESUMO:

O presente trabalho teve como principal objetivo a análise do processo de formulação e implementação do Programa Mais Médicos pautado nas reivindicações populares e no contexto da saúde no Brasil, por meio do Modelo de Múltiplos Fluxos de Kingdon. Realizou-se uma investigação de caráter aplicado por meio de uma pesquisa de cunho exploratório e descritivo. Analisando fatores antecedentes à implantação do programa, foi observado que o problema da distribuição dos médicos passou a constar na agenda decisória do governo por meio da insatisfação popular expressa nas manifestações ocorridas entre junho e julho de 2013. Esses eventos contribuíram para que o Governo Federal aprovasse a Medida Provisória referente a criação do Programa Mais Médicos, mesmo com a forte oposição de entidades médicas e limitado respaldo da população, como apontaram as pesquisas de opinião contemporâneas a criação do programa. Ao longo de sua implantação, foi perceptível a existência da ambiguidade na tomada de decisão como uma dinâmica caótica de acordo com Kingdon (2003). Atualmente, esta política continua gerando opiniões controversas.
Palavras-chave: Programa Mais Médicos, Múltiplos Fluxos, Manifestações Populares, Políticas de saúde.

ABSTRACT:

This article has as main objective the analysis of the process of formulation and implementation of the More Doctors Program, guided by the popular claims and the context of health in Brazil. To perform the analysis, the Multiple Streams Model created by John Kingdon was used. The authors performed exploratory and descriptive research. Going through the precedents of the process of implementation, it’s possible to perceive that the problem of the concentration of doctors entered the government’s decisional agenda after the manifestations in June and July of 2013. Those events contributed to the approval of the Provisional Measure referent to the creation on the More Doctors Program. The program was not supported by the health institutions of Brazil and some opinion polls pointed to the limited support of the population. Over the program’s implementation, it became perceptible the existence of ambiguity at the decisional process as part of the chaotic dynamic proposed by Kingdon (2003). Today, this politics still creates controversial opinions,
Key-words: More Doctors Program, Multiple Streams, Popular Manifestations, Health public policy

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1. Introdução

Em 2013, o Brasil foi testemunha de uma importante manifestação pública cuja pauta de reivindicações ultrapassou a temática do direito ao transporte coletivo de qualidade e com preços coerentes ao serviço prestado; expandindo-se para demandas acerca de outros aspectos do setor público, notoriamente, serviços da saúde e educação, bem como combate à corrupção e à violência (ANTUNES & BRAGA, 2014).

De acordo com pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em 2013, 85,5% dos 3.810 entrevistados responderam que o avanço na saúde era o fator mais importante (dentre 16 opções possíveis) para a melhoria na qualidade de vida para si e sua família. Nesse caso, a pesquisa evidenciou que a saúde pública deveria ter importância mais significativa na agenda política.

Segundo Póvoa e Andrade (2006), há uma desigualdade ampla na distribuição de médicos no território brasileiro. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, recomenda-se que o número de médicos por mil habitantes seja superior a 1. Comparando as regiões do país, os autores mostram uma maior disparidade entre as regiões Norte e Sudeste, onde a primeira apresenta média de 1,12 e a segunda conta com 2,81 médicos por mil habitantes. Para o Nordeste, o valor do índice foi de 1,20.

Com a crescente demanda por melhorias na saúde e a eclosão das manifestações de 2013, houve, então, a abertura de uma janela de oportunidades para a efetivação do Programa Mais Médicos. O programa foi criado em outubro de 2013, a partir da forte pressão da sociedade. No curto prazo, o intuito do programa é equilibrar a oferta e a demanda por médicos nas comunidades nas quais há escassez desses profissionais. Para isso, o governo promove a migração de médicos brasileiros e estrangeiros para as periferias. No longo prazo, o programa visa garantir a ampliação de postos de formação universitária nas áreas de menor oferta.

Como esta é uma questão relativamente recente, atualmente, não existe um grande número de trabalhos na literatura que buscaram analisar políticas de saúde, de forma mais específica, o Programa Mais Médicos; entretanto, alguns estudos tem abordado as políticas e sistemas de saúde no Brasil como Viana e Baptista (2008), Sousa (2008), Cortês (2009), Guerreiro e Branco (2011), Giovanella et al. (2013) e Göttems et al. (2013).

Embora os trabalhos supracitados tenham realizado análises a respeito da saúde pública e do Sistema Único de Saúde no Brasil, na atualidade, não existem estudos que buscaram analisar o Programa Mais Médicos por meio da abordagem de Kingdon 1. Diante disto, pesquisas direcionadas à análise específica deste programa como resultante das manifestações populares no Brasil, verificando os principais resultados decorridos após um ano de programa, representam uma contribuição importante à literatura.

Nesse sentido, esse trabalho busca estudar a forma com a qual a demanda popular e as manifestações de 2013 influenciaram a implementação do Programa Mais Médicos utilizando o Modelo de Múltiplos Fluxos proposto por Jonh W. Kingdon, a fim de examinar as contribuições e os limites do modelo no estudo das políticas públicas da saúde. Para atender a este propósito, este trabalho divide-se em quatro sessões além desta introdução. A sessão dois sintetiza o contexto da saúde pública no Brasil quando da implantação do Programa Mais Médicos, bem como apresenta as principais proposições do modelo proposto por Kingdon (2003) para análise de políticas públicas. A sessão três trata da metodologia utilizada neste trabalho. Na sessão quatro, por sua vez, são apresentados os resultados e as respectivas discussões. Por fim, a sessão cinco contém uma conclusão acerca do processo de implementação do Programa Mais Médicos no Brasil a partir da análise realizada.

2. Saúde pública no Brasil, o Programa Mais Médicos e o Modelo de Múltiplos Fluxos

Em essência, a saúde pública é a tentativa de compreender as consequências e causas de deficiências, doenças e morte. Embora a ciência tenha os mecanismos para fornecer soluções aos problemas de saúde pública, somente a política pode fazer com que essas soluções sejam aplicadas (OLIVER, 2006). De acordo com Fleury e Ouverney (2008), a política de saúde deve ser tratada como uma política social, assinalando que a saúde é tida como um direito inerente à condição de cidadania.

A saúde pública está relacionada à produção de bens e serviços públicos como prevenção de acidentes e doenças, além de promoção da saúde; resultados que os indivíduos são incapazes de atingir sozinhos. Segundo Gostin (2000), a saúde pública não pode ser atingida por meio do esforço individual, mas apenas pela ação coletiva. Isso ocorre porque: 1) as ações individuais e institucionais produzem spillover significante (externalidades); 2) os indivíduos esperam que o governo identifique e satisfaça uma série de necessidades físicas, econômicas e psicológicas; 3) a proteção da saúde pública envolve juízos morais; e 4) uma mão de obra saudável é vital ao crescimento econômico e à ordem social.

Os diversos problemas enfrentados pela sociedade competem entre si por recursos e atenção governamental. Assim, para que determinado tema entre no foco da ação governamental, é preciso que os agentes se mobilizem para tal; para que uma situação se torne um problema e entre na agenda governamental, é necessário que ela tenha destaque. A transformação das questões da saúde em problemas ocorre quando os indivíduos percebem que seus desejos e necessidades são compartilhados por outros e, então, coletivamente, demandam a solução desses problemas ao governo. A resposta do governo a essa demanda depende da identificação e da definição do problema.

Segundo Kingdon (2003), existem meios de identificação e formas de definição que fazem com que um problema se torne mais evidente que outro. Os meios são: uso de indicadores, pesquisa científica e avaliação dos programas existentes. Já as formas são: situações que comprometem valores sociais importantes, comparação com outros países e classificação da situação em um problema de diversas áreas.

Entretanto, Oliver (2006) afirma que os números sozinhos são insuficientes para que um tema atraia maior atenção governamental. Estatísticas e outros tipos de pesquisa e análise podem ser usados como ferramentas de argumentação, mas as decisões estão sujeitas às interações sociais e conhecimento comum. Segundo o autor, “A problem must be especially salient to important constituencies in order to overcome public ambivalence about governmental intervention into what are ordinarily private affairs”. (OLIVER, p.198, 2006).

Segundo Göttems et al. (2013), as políticas públicas voltadas para a saúde no Brasil são desenvolvidas em cenários marcados pelo conflito entre valores e interesses dos agentes participantes da escolha pública. Assim sendo, o estudo da ação dos agentes participantes, principalmente do governo, ganha importância na análise destas políticas.

No caso do Brasil, uma política pública que gerou grande debate no decorrer de sua implantação foi o Programa Mais Médicos, política que busca resolver o problema da má distribuição de atenção básica à saúde pelos municípios do país. Estudando a distribuição geográfica de médicos e outros profissionais da saúde no Brasil, as informações apresentadas por Póvoa e Andrade (2006) permitem perceber que há forte concentração dos médicos nas regiões sul e sudeste do Brasil, bem como nas cidades maiores. De acordo com os autores, a escolha locacional do médico depende em grande parte do local de realização de sua residência médica, independente de mecanismos de mercado, como salários.

De acordo com Scheffer (2004), constatou-se que o contingente de médicos no Brasil nunca foi tão numeroso, porém, a concentração desses profissionais em determinados territórios, estruturas e especialidades não apresentam as mesmas atratividade e distribuição. Ainda, os desequilíbrios na repartição geográfica somados à concentração que favorece o setor privado de saúde, mostram um país que convive com carências de médicos quanto com altas densidades destes profissionais.

Portanto, a partir das análises de Póvoa e Andrade (2006) e Scheffer (2004), foi possível perceber que a má distribuição de médicos no país não era um problema novo. Além disso, o uso de indicadores e pesquisas científicas não foi suficiente para fazer com que esse tema fosse englobado pela agenda governamental.

Em junho e julho de 2013, houve no Brasil uma grande quantidade de manifestações que reivindicavam a atenção governamental a diversos problemas sociais, principalmente, o transporte público, mas também melhorias no sistema político, da qualidade do sistema público de saúde e do sistema educacional, bem como o combate mais efetivo à corrupção. Como resposta às exigências da população em relação a saúde, o Governo Federal instituiu o Programa Mais Médicos em 8 de julho de 2013, por meio da medida próvisória nº621.

A partir da análise acima, é possível supor que, nesse caso, a interação entre os grupos de interesse foi fundamental para a implementação de uma política como o Programa Mais Médicos, que visa, dentre outros objetivos, diminuir a carência de médicos nas regiões prioritárias para o SUS com a finalidade de reduzir as desigualdades regionais na área da saúde, além de fortalecer a prestação de serviços de atenção básica em saúde no país no longo prazo.

Para realizar a análise dessa interação entre os grupos de interesse, bem como da forma como o problema da distribuição entrou na agenda governamental, tornou-se interessante o uso do Modelo de Múltiplos Fluxos de John W. Kingdon.

O Modelo de Múltiplos Fluxos tem origem nos estudos de John Kingdon e Nikolaos Zahariadis (1999) sobre o modelo decisório das organizações. De acordo com Göttems et al. (2013), Kingdon e Zahariadis (1999) sugerem a existência de ambiguidade na tomada de decisão devido a três fatores: 1) grande rotatividade dos atores envolvidos no processo de decisão; 2) não compreensão por parte dos tomadores de decisão acerca dos impactos de suas decisões; e 3) setor público interdependente, disputas intra e intergovernamentais e conflitos em relação à divisão de atribuições e de responsabilidades.

Kingdon (2003) propõe que o processo de tomada de decisão no caso das políticas públicas seja representado por três dinâmicas principais: a dos problemas (problems), a das alternativas (policies) e a da política (politics). A formulação da agenda governamental perpassa as três dinâmicas, seguindo um processo “caótico”.

Parte do trabalho de Kingdon tratou de elucidar as razões pelas quais determinados temas entravam (ou não) na agenda governamental. Primeiramente, para que um tema entrasse na agenda, ele deveria receber atenção de algum agente, o que poderia ocorrer de três formas: 1) indicadores; 2) eventos e 3) feedback. Os agentes políticos precisam responder a esses “chamarizes”, considerando a situação um problema.

O fluxo das alternativas trata-se do conjunto de propostas que competem entre si na solução de um problema. Em geral, as alternativas apresentadas não são novas e muitas vezes se transformam no processo de formulação da política pública. As alternativas escolhidas geralmente apresentam os seguintes aspectos: confiabilidade técnica; aceitabilidade e compatibilidade entre os valores vigentes na sociedade; e capacidade de antecipar contingenciamentos futuros, como os orçamentários (KINGDON, 2003).Já no fluxo político são considerados três aspectos: o clima (humor, ambiente) nacional, as forças políticas organizadas e as mudanças no governo.

Interagindo nos fluxos do modelo estão os agentes, que podem ser divididos, segundo Kingdon, em visíveis e invisíveis. Os agentes visíveis são geralmente indivíduos de alto escalão do setor público e servidores de carreira; enquanto os invisíveis são os grupos de interesse e os membros da academia. Há ainda os chamados policy entrepreneurs, que detêm qualidades básicas, tais como: o apelo para se fazer ouvir, articulações políticas, habilidades para negociar e persistência. Quando a integração entre as três dinâmicas (fluxos) ocorre, há a abertura de uma janela de oportunidade para as políticas públicas.

Sendo assim, esse trabalho busca estudar o processo de implementação do Programa Mais Médicos, levando em consideração a interação entre os agentes (contrários e favoráveis à política) e a janela de oportunidades aberta com as manifestações de junho e julho de 2013.

3. Metodologia

A metodologia tem o papel de explicar o tipo de pesquisa e a forma como a mesma é utilizada para a concretização deste trabalho. É por meio do método de pesquisa que se busca a veracidade dos fatos ligados a ciência, o que, por sua vez, proporciona uma maior facilidade na execução e comprovação dos fatos (MARCONI e LAKATOS, 2007). No que se refere ao procedimento, utilizou-se o método histórico e monográfico.  Pretende-se analisar os antecedentes, o processo de implantação e os principais resultados do Programa Mais Médicos, além de realizar um estudo em um tempo e tema específico, a partir de uma análise de dados disponíveis sobre o programa.

A técnica de pesquisa adotada neste trabalho é indireta, por meio de pesquisa documental e bibliográfica. De acordo com Gil (2002), a pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído, em sua maior parte, de livros e artigos científicos, já a pesquisa documental assemelha-se muito à pesquisa bibliográfica, tendo como diferença essencial entre ambas a natureza das fontes. Enquanto a pesquisa bibliográfica se utiliza fundamentalmente das contribuições dos diversos autores sobre determinado assunto, a pesquisa documental utiliza materiais que ainda não receberam um tratamento analítico.

Por meio de pesquisa documental e bibliográfica, as fontes de informações para a pesquisa serão órgãos especializados em saúde pública no Brasil, como o Ministério da Saúde, o Conselho Federal de Medicina, os Conselhos Regionais de Medicina, além da consulta a livros, artigos científicos, revistas especializadas, pesquisas de opinião, reportagens jornalísticas e portais de notícias governamentais ou não.

Quanto à sua natureza, o trabalho apresenta um caráter aplicado, onde se objetiva verificar os principais resultados propiciados pela política governamental, o que caracteriza a pesquisa como de cunho exploratório e descritivo, pois, primeiramente, foi realizado um levantamento bibliográfico a fim de estabelecer uma maior familiaridade e percepção para com o tema, seguido de uma descrição das principais características do programa. A abordagem utilizada pela pesquisa é predominantemente quantitativa, porém, utiliza-se também de variáveis conceituais em um menor número.

4. Resultados

4.1 Dinâmica da política do Programa Mais Médicos

4.1.1 Antecedentes

Segundo Póvoa e Andrade (2006), o Brasil é um país que conta com uma ampla desigualdade na distribuição de médicos em seu território. Essa desigualdade, decorre de inúmeros fatores, como a concentração de programas de residência, fatores econômicos, o papel dos cônjuges, dentre outros.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) assume como valor ideal de comparação a relação de um médico para cada mil habitantes. De acordo com informações da projeção da população para 2014 fornecida pelo IBGE (2014) e do número de médicos pelo Conselho Federal de Medicina, existem atualmente 395.020 médicos em atuação no país, servindo a um total de 202.768.562 habitantes. Isso resulta numa taxa de aproximadamente 1,95 médicos por mil habitantes no país, valor superior ao recomendado pela OMC. Todavia, como já mencionado, esses profissionais são distribuídos de maneira heterogênea pelo território nacional.

Considerando separadamente as unidades da federação, a que apresentou menor proporção entre médicos e habitantes foi o Maranhão, seguido pelo Pará, ambos apresentando valores menores que o recomendado pela OMS, sendo de 0,82 e 0,95 médicos por mil habitates, respectivamente. As unidades melhor colocadas foram o Distrito Federal, o Rio de Janeiro e São Paulo, com 4,28, 3,77 e 2,70 médicos por mil habitantes, respectivamente. Ainda analisando as mesmas informações, é possível comentar que, dos 17 menores valores para essa razão, 16 são pertencentes a estados das regiões Norte e Nordeste.

Em relação aos centros educacionais relacionados à saúde, foram observados os dados da Sinopse Estatística da Educação Superior (2014), fornecidos pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Em geral, havia, em 2013, 3.715 cursos superiores relacionados à saúde e ao bem-estar social. Destes, 436 eram federais, 233 estaduais, 166 municipais e 2.886 privados. Considerando somente os cursos de medicina (ou ciência médica), havia 214 instituições que forneciam o curso, sendo 55 federais, 34 estaduais, 11 municipais e 114 privadas.

Novamente, buscando captar a heterogeidade da distribuição de escolas médicas no país, a análise foi realizada por estados. De acordo com o Cadastro de Escolas Médicas do Brasil (2010), o Brasil contava, em 2010, com 242 faculdades de medicina, sendo 77 delas (31%) localizadas em São Paulo ou Minas Gerais. Roraima e Amapá apresentaram somente uma faculdade de medicina cada um, seguidos pelo Acre, com duas faculdades.

As informações acerca na relação número de médicos por mil habitantes e do número de faculdades de medicina por unidade da federação estão sintetizados na tabela abaixo:

Tabela 1 - Número de médicos por mil habitantes e número de faculdades de medicina por UF

Região

Unidade da Federação

Nº médicos por mil habitantes(2014)

Nº de Faculdades (2010)

CO

DF

4,284504

5

CO

GO

1,826551

6

CO

MS

1,831919

4

CO

MT

1,435015

6

NE

AL

1,284271

4

NE

BA

1,274265

14

NE

CE

1,278556

8

NE

MA

0,822814

5

NE

PB

1,554305

9

NE

PE

1,658811

9

NE

PI

1,222643

5

NE

RN

1,535862

4

NE

SE

1,544441

3

NO

AC

1,106188

2

NO

AM

1,153406

3

NO

AP

1,034742

1

NO

PA

0,925944

6

NO

RO

1,333119

4

NO

RR

1,450891

1

NO

TO

1,531185

4

SE

ES

2,246046

5

SE

MG

2,165274

36

SE

RJ

3,77786

17

SE

SP

2,703036

41

SU

PR

1,977676

15

SU

RS

2,469021

15

SU

SC

2,080376

10

FONTE: Cadastro de Escolas Médicas do Brasil (2010) - Conselho Federal de Medicina (CFM)
e Projeção da População de 2014 – IBGE

Buscando resolver esse problema, o Ministério da Saúde lançou, em conjunto com o Ministério da Educação, a portaria interministerial nº 2.087, de 1º de setembro de 2011, que instituiu o Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica - PROVAB. O programa trata da tentativa de valorização do profissional da saúde por meio da experiência. O programa prevê que os profissionais, médicos, enfermeiros e cirurgiões-dentistas inscritos sejam deslocados para municípios carentes desses profissionais e que eles permaneçam 12 meses no local, assumindo carga horária de 32 horas semanais para atividades práticas nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) e 8 horas destinadas à realização de um curso de especialização em AB provido pela Rede UNA-SUS.

Segundo Weiller e Schimith (2014), embora o PROVAB busque suprir os municípios que apresentam grande dificuldade para fixar profissionais da saúde; identifica-se que o programa não tem avançado no sentido de ampliar o vínculo dos profissionais atuantes com os usuários, uma vez que a permanência de médicos, enfermeiros e cirurgiões-dentistas tem caráter temporário. Atualmente, o PROVAB encontra-se associado ao Programa Mais Médicos, sendo que os profissionais inscritos recebem a mesma remuneração em ambos os programas.

4.1.2 Implantação da política

O Programa Mais Médicos foi lançado em 08 de julho de 2013, pela presidente Dilma Rousseff, por meio da Medida Provisória nº 621, alterando as Leis no 8.745, de 9 de dezembro de 1993, e no 6.932, de 7 de julho de 1981, e atribuindo outras providências. Este programa é lançado em meio a um clima de descontentamento por todo país, expresso nas das manifestações de julho de 2013, pautadas pelo apelo da população por mais saúde, educação e fim da corrupção de julho de 2013 (SEGALIN, 2013).

A iniciativa surgiu por meio da Medida Provisória nº 621, de 8 de julho de 2013 que Institui o Programa Mais Médicos e dá outras providências e cujo projeto de lei foi aprovado pelo Congresso Nacional. A MP foi aprovada com texto igual à versão aprovada na Câmara e a matéria foi debatida no plenário por cerca de 12 horas, ao longo de dois dias, até ter a aprovação concluída. No Senado, foram três horas de debate no plenário. Antes do plenário das duas casas, a MP passou por uma comissão especial de parlamentares, onde foram protocoladas 567 sugestões de mudanças ao texto original.

Mesmo havendo consenso a favor do Mais Médicos, a vinda de profissionais estrangeiros para atuar no programa, especialmente médicos cubanos, foi motivo de protestos de entidades médicas por todo o país desde que a MP foi anunciada pelo governo federal. Outro ponto polêmico do debate foi a necessidade de revalidação de diplomas de médicos estrangeiros, em que ficou estabelecido que os médicos estrangeiros teriam registro junto ao Ministério da Saúde sem a necessidade de revalidar o diploma em três anos de programa. Caberia aos Conselhos Regionais de Medicina a fiscalização dos participantes do programa.

Os Conselhos de Medicina em nota de repúdio também apresentaram críticas ao programa em razão da MP extinguir a manutenção do Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos expedidos por Universidades Estrangeiras (Revalida). As entidades médicas também se mostraram contrárias à alteração das diretrizes dos cursos de medicina no Brasil, onde a MP estabelece que uma carga horária, de no mínimo 30% da residência médica dos cursos de graduação, deveria ser prestado no Sistema Único de Saúde.

Apesar das críticas direcionadas ao programa, três meses após a aprovação da Medida Provisória 621/13, o projeto de lei que institui o Programa Mais Médicos foi aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pela presidente da república.

De acordo com o art.1º(1), o Programa Mais Médicos tem como finalidade formar recursos humanos na área médica para o Sistema Único de Saúde (SUS). São estabelecidos no art. 1º(1) os objetivos fundamentais do programa: i) diminuir a carência de médicos nas regiões prioritárias para o SUS, a fim de reduzir as desigualdades regionais na área da saúde; ii) fortalecer a prestação de serviços de atenção básica em saúde no País; iii) aprimorar a formação médica no País e proporcionar maior experiência no campo de prática médica durante o processo de formação; iv) ampliar a inserção do médico em formação nas unidades de atendimento do SUS, desenvolvendo seu conhecimento sobre a realidade da saúde da população brasileira; v) fortalecer a política de educação permanente com a integração ensino-serviço, por meio da atuação das instituições de educação superior na supervisão acadêmica das atividades desempenhadas pelos médicos; vi) promover a troca de conhecimentos e experiências entre profissionais da saúde brasileiros e médicos formados em instituições estrangeiras; vii) aperfeiçoar médicos para atuação nas políticas públicas de saúde do País e na organização e no funcionamento do SUS; e viii) estimular a realização de pesquisas aplicadas ao SUS.

O art. 2º(1) traz as ações adotadas para a consecução dos objetivos do Programa Mais Médicos: i) reordenação da oferta de cursos de Medicina e de vagas para residência médica, priorizando regiões com menor relação de vagas e médicos por habitante e com estrutura de serviços de saúde em condições de ofertar campo de prática suficiente e de qualidade para os alunos; ii) estabelecimento de novos parâmetros para a formação médica no País; e iii) promoção, nas regiões prioritárias do SUS, de aperfeiçoamento de médicos na área de atenção básica em saúde, mediante integração ensino-serviço, inclusive por meio de intercâmbio internacional.

Sendo assim, o país passou a estimular a entrada de médicos advindos de países com densidade alta de médicos. Em termos internacionais, a distribuição de médicos pode ser observada por informações coletadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Os países que apresentaram menor número de médicos a cada mil habitantes foram Libéria, com proporção de 0,014 (2008); em segundo, Malawi (2009), com 0,018 e em terceiro, Niger (2008), com 0,019.

Os países africanos estão entre os dez piores colocados na distribuição de médicos. Na América Latina, o país com a pior colocação foi a Guiana (2010), com 0,214 médicos por mil habitantes. Entre os melhores colocados no ano de 2014 (mais recente), estão Cuba (7,519), Mônaco (6,645) e San Marino (6, 623).

Dos países com maior densidade de médicos em relação à sua população, Cuba é o que envia mais profissionais para o Brasil. Embora, Qatar e Mônaco liderem o ranking de densidade de médicos por habitante, a facilidade maior da entrada de médicos cubanos no país foi justificada por uma pretensa aproximação linguística e do conhecimento maior sobre doenças tropicais. Por outro lado, há que se considerar que, para os médicos cubanos, a oportunidade de trabalhar no Brasil pode ter se constituído numa forma de ampliação das liberdades individuais ou mesmo de deserção.

Um aspecto de menor conhecimento é que Cuba já apresentava desde 1963 uma política externa de envio de médicos para outros países. Grundy e Budetti (1880) afirmam que Cuba começou a “exportar” auxílio médico em 1963, enviando uma delegação de profissionais para a Algéria, a qual estava em conflito com o Marrocos. A partir de então, diversos países menores da África e da América Latina passaram a receber profissionais cubanos. De acordo com os autores, isso ocorreu pelo fato de Cuba ser, até então, um país socialista profundamente ligado à União Soviética e, por isso, ter provido auxílio médico-militar como forma de política externa.

De acordo com Garcia et al. (2014), embora a OMS não estabeleça um padrão a ser atingido em termos de número de médicos por mil habitantes, o governo usa como meta o índice do Reino Unido de 2,7 médicos/mil habitantes por ser considerado um dos melhores sistemas de saúde pública centrado na atenção básica.

A partir da análise dos fatores antecedentes à implantação do programa, é possível notar que a forma com a qual o problema da distribuição dos médicos passou a constar na agenda decisória do governo foi um conjunto de eventos de grande proporção: as manifestações de junho e julho de 2013. Além disso, esses eventos criaram uma janela de oportunidade para que o Governo Federal aprovasse a Medida Provisória de criação do Programa Mais Médicos, mesmo com a forte oposição do Conselho Federal de Medicina. Embora a existência de uma política anterior ao Mais Médicos, o PROVAB, possa indicar que o problema já constasse na agenda decisória, é importante salientar que os incentivos aos profissionais e o foco do PROVAB tratavam de aspectos, principalmente, econômicos, os quais Póvoa e Andrade (2006) salientaram ser de menor importância. Sendo assim, o PROVAB foi considerado uma alternativa dentro das três esferas decisórias propostas por Kingdon (2003).

Ao longo de sua implantação, foi perceptível a existência da ambiguidade na tomada de decisão como afirmaram Kingdon (2003) e Zahariadis (2007), principalmente devido a disputas inter e intragovernamentais. Nota-se que, mesmo buscando um modelo para a análise da política pública, sua dinâmica é, como propõe Kingdon (2003), caótica.

4.2 O programa na Atualidade

Até o presente momento, o Programa Mais Médicos pautou a seleção de profissionais em cinco etapas. Na primeira rodada de contratações, em agosto de 2013, o Ministério da Saúde selecionou 938 profissionais brasileiros, além de 400 cubanos, que confirmaram interesse em trabalhar em municípios que aderiram ao programa. A segunda fase de contratações do programa, realizada em outubro de 2013, selecionou 416 médicos brasileiros juntamente com 2.000 cubanos e 149 médicos com diploma estrangeiro, dos quais 44 são brasileiros formados no exterior e 105 vem de 11 diferentes países.

Concluídas as duas primeiras etapas de seleção, o governo distribuiu a 1.099 cidades e 19 distritos indígenas 3.663 médicos, dos quais 819 possuíam permissão para atuar no país, 457 atuavam no exterior e se inscreveram individualmente e 2.400 são cubanos do contrato firmado entre Brasil e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Entretanto, em função das duas primeiras rodadas terem atendido apenas um terço das 4.025 cidades que solicitaram profissionais, o Ministério da Saúde abriu uma terceira rodada de contratações ao final do mês de novembro de 2013.

Os médicos selecionados pela terceira rodada tiveram um início de atividades previsto para o mês de janeiro de 2014. Foram aceitos 466 médicos estrangeiros e 540 profissionais brasileiros, além de divulgada a relação de 2.206 municípios aptos a receberem médicos intercambistas. Durante o mês de novembro, 3.000 médicos cubanos integrantes da segunda fase do programa chegaram ao Brasil e o Governo Federal ampliou a bolsa paga aos profissionais do Mais Médico de R$ 10 mil para R$ 10.457,49.

O quarto ciclo do programa recebeu seus 3.500 participantes em julho de 2014. Desse total, 1.922 médicos estão alocados na região Sudeste, 842 na região Sul, 289 na região Centro-Oeste, 253 na região Nordeste e 238 estão alocados na região Norte. Em abril de 2014, o Ministério da Saúde anunciou o início da quinta etapa do programa a fim de atender 184 novas cidades consideras de alta vulnerabilidade social. Entre os critérios de vulnerabilidade utilizados para a pré-seleção os municípios contemplados pelo programa estão ter 20% ou mais da população em situação de extrema pobreza; ter IDHM baixo e muito baixo; com comunidades quilombolas ou assentamentos rurais; e as regiões dos Vales do Jequitinhonha, Mucuri e Ribeira; do Semiárido; e as periferias de grandes cidades.

 De acordo com o portal de notícias do Governo Federal, o programa já ultrapassou a marca de 14 mil médicos para a atenção básica de todo o País e atualmente conta com 18.240 profissionais distribuídos em 4058 municípios (73% das cidades brasileiras e 34 Distritos Sanitários Especiais indígenas). Ainda de acordo com o portal de notícias do Governo Federal, além da ampliação imediata da assistência em atenção básica, o programa prevê reformas em infraestrutura de maneira a expandir e descentralizar a formação profissional dos médicos no país. Até 2017, pretende-se criar 11,5 mil novas vagas de graduação em Medicina e mais de 12,4 mil novas vagas de residência médica focadas em na atenção básica e demais áreas prioritárias. Atualmente já foram autorizadas mais de 5 mil vagas de graduação e de residência.

4.3 Opiniões e controvérsias

Foram realizadas inúmeras pesquisas de opinião junto a população acerca do Programa Mais Médicos, principalmente durante a fase de formulação e implementação. No mês de junho de 2013, o instituto Datafolha constatou em pesquisa que 47% da população mostrava-se favorável ao programa enquanto que uma parcela de 48% era contrária. No mês de agosto no mesmo ano, pesquisadores do Datafolha constataram que o percentual da população favorável ao programa perfez 54% da população, enquanto que 40% demonstrou contrariedade.

Ainda no mês de agosto, conforme levantamento do Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade (ICTQ) que entrevistou 2.650 pessoas em 15 capitais brasileiras mais o distrito federal, o índice médio de aprovação do programa foi de 33%. Em Aracaju, 91% dos entrevistados se mostrou contrário ao programa, em seguida estão Rio de Janeiro (87%), Curitiba (84%), João Pessoa (75%) e Maceió (72%). Porto Alegre é a única capital onde a aceitação alcançou o maior percentual, na capital gaúcha, a proposta apresentou 61% de aceitação, seguida de Goiânia (47%), Campo Grande (44%), São Paulo (43%) e Manaus (40%).

Em setembro de 2013, o instituto MDA realizou nova pesquisa a pedido da Confederação Nacional do Transporte (CNT), mostrando que 73,9% da população é a favor da vinda de médicos estrangeiros ao país pelo programa Mais Médicos, além de que pelo menos 49,6% dos brasileiros acreditavam que o programa Mais Médicos seria capaz de solucionar problemas graves de saúde.

Em julho de 2014, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em parceria com o Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe) realizou 4.000 entrevistas em 200 municípios de todos os estados do País que contavam com médicos do programa. Nos resultados, 95% dos entrevistados disseram estar satisfeitos com a atuação dos médicos do programa e deu notas acima de 8 à atuação dos profissionais. Para 86% da população ouvida, a qualidade do atendimento melhorou muito após a chegada dos profissionais.

O Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) divulgou no mês de outubro de 2014 uma pesquisa inédita com os médicos do Programa Mais Médicos. Para o levantamento, foram ouvidos 98 médicos e 115 profissionais registrados no Conselho que atuam na cidade de São Paulo, a fim de verificar as principais impressões dos mesmos após um ano de programa.

Dos 98 médicos entrevistados, a grande maioria (78,6%) dos médicos intercambistas da amostra são cubanos, seguidos por brasileiros (15,3%), e seis outras nacionalidades, sendo dois bolivianos; um argentino, um croata, um espanhol, um português e um uruguaio, que perfazem juntos 7,14% da amostra. Do total, 62,2% dos intercambistas são mulheres, contra 37,8% de homens e a média de idade é de 41,9 anos. Dos médicos intercambistas, 81 em 98 têm especialização em Medicina de Família – três são especialistas em Clínica Médica, um em Psiquiatria, um em Cirurgia Plástica, e 12 não declararam especialidade.

Sobre a profissão e local de trabalho, 82 dos 98 intercambistas disseram estar muito satisfeitos com a profissão médica, outros 14 estão satisfeitos e dois parcialmente satisfeitos. Quanto as condições de trabalho 90% dos entrevistados se mostram muito satisfeitos ou satisfeitos com as condições de trabalho onde atendem e outros 10% se dizem parcialmente satisfeitos. O salário recebido pelos profissionais vindos de outros países é de R$ 10 mil por mês, por uma jornada de 40 horas; os cubanos recebem o equivalente a US$ 1.245, que correspondem a, aproximadamente, R$ 3.112. [4]

A pesquisa da Cremesp também apontou falhas e irregularidades do programa na capital paulista. De acordo com a pesquisa, mais de um terço dos intercambistas do Programa Mais Médicos (35,7%) nunca teve contato com seu tutor, não sabe ou nunca foi informado de sua existência. Mais da metade dos entrevistados (53,06%) tem contato esporádico, a cada 30 ou 60 dias, com seu tutor. Esses dados sinalizam falhas no programa, pois a lei que institui o Programa Mais Médicos determina que o profissional selecionado pelo programa seja monitorado permanentemente por um tutor em suas ações.

Em nova pesquisa realizada pela UFMG em parceria com o Ipespe realizada em agosto de 2015, foram entrevistados 14.000 pessoas divididas entre médicos, gestores e a população atendida de 700 municípios. O estudo revelou que 94% dos entrevistados atribuíram nota nove ao programa (em uma escala de zero a dez), demonstrando estar satisfeitos ou muito satisfeitos com o atendimento dos médicos enviados pelo programa. Outro ponto que merece destaque, revelado pela pesquisa, foi a nota concedida pelos médicos participantes (9,1), sendo que, dos 391 profissionais ouvidos, 93% afirmaram estar satisfeitos ou muito satisfeitos com o programa. Entre os pontos negativos que merecem destaque estão problemas de infraestrutura e a falta de medicamentos, embora 56% dos entrevistados apontem uma melhora e 11% indiquem uma piora ao acesso aos medicamentos.

Devido à atualidade da política, ainda há poucas pesquisas acerca do Programa Mais Médicos, principalmente considerando as pessoas atendidas pelos profissionais participantes. O programa continua gerando, após um ano de sua implantação, opiniões controversas. Os profissionais da saúde brasileiros se posicionam contrariamente à medida, uma vez que, segundo o Conselho Federal de Medicina, a permissão para que os profissionais de outros países atuem no Brasil sem passarem por uma avaliação teórica e prática pode trazer riscos aos atendidos. Já em relação aos atendidos, é possível notar pelas pesquisas supracitadas uma visão positiva acerca da política, uma vez que os municípios que receberam os profissionais contavam com um contingente muito precário de médicos. Assim, um aumento pouco significativo no número de médicos nas localidades “alvo” apresentou grandes transformações no atendimento.

É possível perceber por meio da análise das pesquisas acima que o programa possui amplo espaço para transformações, de forma a melhorar o atendimento às populações de cidades pequenas, afastadas e periferias; bem como contemplar algumas reivindicações dos profissionais de saúde brasileiros.

5. Considerações finais

Este trabalho tratou de realizar uma análise histórica e descritiva do processo de formulação, a partir da abordagem de Múltiplos Fluxos de Kingdon bem como da implantação do Programa Mais Médicos no Brasil. Na literatura acerca do tema foi possível constatar que a referida política surgiu em meio a um clima de manifestações da população em prol de melhorias nos serviços oferecidos pelo setor público, o fim da corrupção, entre outros motivos.

Com a aprovação da Medida Provisória de nº 621 em julho de 2013 e do subsequente projeto de lei em outubro do mesmo ano ficou estabelecido que seriam contratados profissionais da saúde brasileiros e estrangeiros que suprissem as regiões do país com menor densidade de médicos, especialmente municípios do interior e comunidades indígenas. Inicialmente, a criação do programa foi motivo de críticas de entidades médicas e de boa parte da população que, mesmo reinvindicando melhorias na saúde, mostrou-se contrária a implantação do programa.

A parceria entre Ministério da Saúde e Ministério da Educação no gerenciamento do Programa Mais Médicos buscou resolver o problema da concentração de médicos a partir de sua principal causa: a concentração das oportunidades de residência médica. Embora o PROVAB já existisse, ele buscou atrair médicos para as áreas mais carentes por meio de critérios puramente econômicos, os quais, como afirmado por Póvoa e Andrade (2006), não são determinantes sobre a decisão do médico de se fixar em determinado lugar.

O programa tem perspectiva de duração de 6 anos e, até lá, o governo comprometeu-se a melhorar a distribuição de médicos no país de maneira mais duradoura, com ampliação do número de faculdades e melhorias na infraestrutura de unidades de atendimento e hospitais nas regiões mais deficientes de profissionais.

Atualmente, os médicos imigrados encontram barreiras culturais muito fortes, bem como rejeição por parte de alguns profissionais de medicina, o que torna difícil sua adaptação à realidade brasileira. Além disso, parte da remuneração dos profissionais cubanos, a maioria, é remetida ao país de origem, o que pode reduzir os incentivos para a adesão de novos profissionais dessa nacionalidade.

Um ponto importante nas críticas feitas pelos profissionais de medicina é que os profissionais inscritos no Programa não passaram por uma avaliação técnica para exercer a profissão no Brasil. Além disso, a maioria dos profissionais do Programa Mais Médicos não é assistida por tutores, como havia sido previsto na proposta. Uma proposta para solucionar tais problemas seria a criação de um método de avaliação dos médicos imigrados, uma vez que seria possível verificar a adaptação do profissional ao contexto de trabalho brasileiro.

Foi possível verificar que o Programa Mais Médicos possui falhas, como a falta de fiscalização e a dificuldade de adaptação de alguns profissionais, nacionais ou imigrados, à política. Sendo assim, há necessidade de melhorias no processo de implantação do Programa. Ainda, os investimentos em infraestrutura e ensino superior na área da saúde encontram-se em fase inicial, o que gera dúvidas acerca do sucesso da política ao final do seu período de duração.

Por fim, ressalta-se a escassa literatura existente acerca de políticas de saúde no Brasil, além da reduzida fonte de informações pertinentes à saúde no país. Faz-se de suma importância a contínua avaliação do Programa Mais Médicos e das demais políticas públicas, em razão das mesmas garantirem direitos inerentes à condição de cidadania e condições de vida essenciais ao bem-estar da população.

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1. Mestre em economia pela Universidade Federal de Viçosa; E-mail: dominicdoularibeiro@gmail.com

2. Estudante de doutorado em economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; E-mail: tatikpelegrini@gmail.com

3. Professora adjunta do programa de pós-graduação em economia da UFV; E-mail: cristiana.rodrigues@ufv.br

4. Esse valor é transferido pelo governo brasileiro à Organização Panamericana de Saúde (Opas), com a qual foi firmado um convênio para que os médicos cubanos fossem recebidos. A Opas repassa o dinheiro ao governo de Cuba, que paga os médicos.


Revista ESPACIOS. ISSN 0798 1015
Vol. 38 (Nº 38) Año 2017

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