ISSN 0798 1015

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Vol. 38 (Nº 47) Ano 2017. Pág. 7

A agricultura familiar e os circuitos curtos de comercialização de alimentos: estudo de caso da feira livre do município de Jaguarão, RS, Brasil

Family farming and the short circuit of supply: a case study of the free fair of the city of Jaguarão, RS

Monica Nardini da SILVA 1; Samanta Tolentino CECCONELLO 2; Shirley Grazieli Nascimento ALTEMBURG 3; Fernanda Novo da SILVA 4; Cláudio BECKER 5

Recebido: 25/05/2017 • Aprovado: 28/06/2017


Conteúdo

1. Introdução

2. Marco Teórico

3. Metodologia

4. Resultados e Discussões

5. Conclusões

Referências bibliográficas


RESUMO:

Os circuitos curtos de comercialização têm se tornado estratégico ao escoamento da produção agrícola familiar. Este artigo trata do processo de formação, organização, socialização e coordenação de um destes canais – a feira livre de Jaguarão-RS – a partir de um estudo de caso, realizado com a colaboração, via entrevistas semiestruturadas, de atores sociais importantes, como produtores/feirantes e consumidores da feira livre. Pode-se inferir que as relações estabelecidas ultrapassam as trocas mercantis, identificando-se atributos intangíveis como a conquista de autonomia pelos produtores.
Palavras chave Cadeias Agroalimentares Curtas. Feiras livres. Consumo. Hortifrutigranjeiros.

ABSTRACT:

The short circuit of supply have become strategic to the flow of familiar agricultural production. This article deals with the process of formation, organization, socialization and coordination of one of these channels - the free fair of Jaguarão-RS - based on a case study carried out with the collaboration, through semi-structured interviews, of important social actors such as producers / marketers and customers of the fair. It can be imply that the connected established go beyond the commercial exchanges, identifying intangible attributes as the conquest of autonomy by the producers.
Keywords Short circuits in agro-food. Free fairs. Consumption. Horticultural.

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1. Introdução

Na atualidade muito se discute sobre a relevância da categoria social representada pela agricultura familiar, não apenas pelo seu importante papel no desenvolvimento do país, mas, sobretudo, pela sua capacidade de gerar trabalho e renda, ocupando a mão de obra das pessoas que desejam permanecer no campo. Além disso, contribui com a produção de uma variedade de alimentos, atributo que é fundamental quando nos reportamos ao propósito de refletir sobre a segurança alimentar em nosso país.

A agricultura familiar é caracterizada, dentre outros aspectos, pela utilização da mão de obra familiar e pelo cultivo da terra em áreas de pequena extensão, onde é possível adotar práticas produtivas mais adequadas, como a diversificação de cultivos, minimização do uso de fertilizantes industriais e substituição destes por fertilizantes orgânicos, além da preservação do patrimônio genético através das sementes de variedades tradicionais ou crioulas, que foram selecionais e melhoradas pelas mãos dos homens.

Os estabelecimentos da agricultura familiar representam 84,4% do total de estabelecimentos, segundo o último censo agropecuário, realizado no ano de 2006 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística- IBGE e mesmo ocupando 24,3% da área total de estabelecimentos, a agricultura familiar é responsável por 38% do valor bruto total da produção agropecuária (IBGE, 2015). A horticultura é a atividade mais desempenhada pelos agricultores familiares, onde a olericultura e a fruticultura apresentam um maior percentual de produção.

O cenário de insegurança alimentar vivenciado nos últimos anos conduz as sociedades a mudar o olhar sobre a qualidade do que estamos consumindo. Neste sentido, a procura por produtos produzidos sem o uso de agrotóxicos e a valorização da agricultura familiar vem aumentando com o passar do tempo, pois, de acordo com Silva, Cardoso, Souza & Almeida (2013), as características físicas de um produto alimentício não são os atributos mais valorizados pelos consumidores contemporaneamente, a tomada de decisão dos compradores tem sido fortemente influenciada pelos condicionantes que conferem a qualidade nutricional. Os hábitos alimentares da população brasileira estão se modificando e incentivando, assim, a busca por alimentos, frescos, com origem e processos transparentes e que promovam a saúde.

Os circuitos curtos de comercialização, notadamente as feiras livres, têm se mostrado estrategicamente promissores no propósito de efetivar o escoamento da produção de muitos agricultores familiares. As feiras livres são caracterizadas por ocorrerem em espaços públicos e com periodicidade, são locais onde ocorrem trocas de mercadorias entre produtores, além de propiciar o escoamento da produção agrícola local. Nas feiras ocorre a proximidade nas relações comerciais, há contato direto entre produtor e consumidor, vivência, tradição e cultura (Pierri & Valente, 2015).

Nesse contexto, o objetivo deste estudo é compreender como está estruturada a cadeia produtiva curta dos produtos hortícolas, através de um estudo de caso que centrou atenção ao processo de formação, organização, socialização e coordenação da feira livre de produtos da agricultura familiar no município de Jaguarão-RS.

Em uma época que muito se fala e se tem feito no sentido de prover e promover a agricultura sustentável e a produção orgânica, ao mesmo passo em que se busca robustecer iniciativas de respeito ao meio ambiente, o que se tem observado no município de Jaguarão vem, de certa forma, na contramão deste contexto. A expansão da área cultivada de soja, nos últimos anos, tem, proporcionalmente, asseverado as preocupações dos produtores de hortaliças e frutas, tanto pelo receio de contaminação por deriva de agrotóxicos, quanto pela redução das áreas disponíveis para o desenvolvimento de outras atividades produtivas como pecuária, bovinocultura de leite e horticultura, impactando negativamente sobre a agricultura familiar.

Para atender ao objetivo proposto organizou-se este artigo em cinco seções. Após a seção introdutória, trataremos do referencial teórico e conceitual, que nos fornece lentes para desvendar os resultados. Na seção três, são explicitados os roteiros e percursos metodológicos. Em seguida, na seção 4, serão apresentados os resultados do estudo. E por fim, na última seção, tecemos as considerações finais da pesquisa.

2. Marco Teórico

A partir de uma breve revisão da literatura, para contextualizar os principais temas abordados neste trabalho, buscar-se-á apresentar os principais conceitos relacionados à cadeia de produção (filière), à cadeia curta de comercialização de alimentos – CCCA, à comercialização da produção da agricultura familiar e as feiras livres e o mercado consumidor dos produtos da horticultura.

2.1. Cadeias de Produção

Abordar assuntos relacionados à agricultura é, em grande medida, tratar de sistemas alimentares, os quais compreendem todos os aspectos da produção, distribuição e consumo dos alimentos. Assim, há uma relação direta entre a qualidade intrínseca e extrínseca do alimento produzido e a saúde da população, que se atrela à crescente preocupação com as questões ambientais referentes ao contexto na qual a propriedade está inserida. O enfoque trazido pelo conceito de sistema alimentar, também inclui os sistemas culturais que influenciam os valores e crenças das pessoas a respeito sobre como se produz e se consome alimentos.

Com a crescente produção de alimentos passou-se a depender cada vez mais dos insumos industrializados adquiridos no mercado ao invés dos produzidos localmente. As atividades de armazenagem, processamento e distribuição dos alimentos tornaram-se complexas para serem conduzidas integralmente pelo produtor rural, sendo assim, muitos produtores optam por restringir suas relações comerciais à entrega de sua produção para que um intermediário se torne encarregado pelas etapas de armazenamento, processamento e distribuição. Tal atividade, muitas vezes, é realizada por cooperativas de agricultores e/ou associações.

Podemos dizer que os sistemas alimentares ou cadeias podem ser compreendidos como todas as etapas necessárias, desde a produção até o consumidor final. O conceito de cadeias de produção sob a abordagem americana recebeu o nome de Agribusiness Commodity Approach (CSA) e sob a abordagem francesa chamou-se de filière ou fileiras. Recentemente, na Itália, vem sendo discutido o conceito de fileira curta, que explora a territorialidade na abordagem de fileira. (Vial; Sette; Batisti & Sellitto, 2009).

Segundo outro autor,

Um CSA engloba todos os atores envolvidos com a produção, processamento e distribuição de um produto. Tal sistema inclui o mercado de insumos agrícolas, a produção agrícola, operações de estocagem, processamento, atacado e varejo, demarcando um fluxo que vai dos insumos até o consumidor final. O conceito engloba todas as instituições que afetam a coordenação dos estágios sucessivos do fluxo de produtos, tais como as instituições governamentais, mercados futuros e associações de comércio (Goldber, 1968) (Zylbersztajn, 1995, p. 118).

De acordo com Montigaud (1991) (Dutra; Azevedo & Elias, 2008, p. 90), a filière é conceituada como “um conjunto de atividades estreitamente imbricadas, ligadas verticalmente por pertencer a um mesmo produto (ou a alguns produtos muito próximos), cuja finalidade é satisfazer aos consumidores”. A diferença entre uma filière e um sistema de commodities é que a filière parte do estudo do produto final para a matéria-prima, ou seja, estuda o que é necessário para produzir o produto final, enquanto as commodities são o inverso.

De acordo com Vial, Sette, Batisti e Sellitto (2009), a cadeia de produção é uma sequência de operações de transformação, que por um encadeamento técnico podem ser ligadas ou separadas entre si.

Com o intuito de promover o desenvolvimento local, melhorar a renda e a qualidade de vida dos produtores rurais, surgiu na Itália a abordagem de cadeia produtiva curta, que possibilita diminuir a quantidade de intermediários comerciais, colocando os produtores e consumidores face a face, criando valor agregado no território de origem e reforçando as especificidades do produto (Vial; Sette; Batisti & Sellitto, 2009).

2.2. Cadeia Produtiva Curta ou Circuitos Curtos de Comercialização de Alimentos

O enfoque dos circuitos curtos de comercialização de alimentos - CCCA ou cadeias agroalimentares curtas, que envolve relações de maior conexão entre produtores e consumidores, tem sido campo de discussão entre pesquisadores, ocasionando o surgimento de conceitos e caracterizações em diversas partes do mundo, como por exemplo nos  Estados Unidos, Reino Unido, França e Brasil. Não obstante, “A relação entre mercados e agricultura familiar constitui-se em um tema que somente recentemente passou a despertar o interesse dos estudiosos rurais” (Schneider & Ferrari, 2015, p. 59).

De acordo com Guzzatti, Sampaio e Turnes. (2014) o circuito curto pode ser definido como a comercialização de produtos agrícolas, que visam o estabelecimento de relações mais diretas entre agricultores e consumidores. Os autores esclarecem ainda que pode ocorrer de forma direta, ou indireta, com a interferência de apenas um intermediário.

Por sua vez, Matte, Neske, Borba, Waquil e Schneider (2014) ressaltam que o termo “curto”, que teve como precursor o geógrafo e sociólogo Terry Marsden, diz respeito as características do produto que chega ao consumidor, conservando suas informações, e não à distância física que o alimento percorre. Ferrari (2011) aponta como uma característica importante das cadeias agroalimentares curtas a habilidade para ressocializar ou reespacializar o alimento, possibilitando o julgamento de valor pelo consumidor. O autor comenta também, que se espera que os mercados de venda direta possibilitem melhores preços de venda e que os produtores reconquistem controle sobre as vendas e que os consumidores participem da qualificação dos produtos.

Para Pierri e Valente (2015), os circuitos curtos de comercialização são significativos para a economia local, através da geração de trabalho e renda e oferta de alimentos saudáveis. Ainda na visão desses autores, o intermediário pode atuar de forma positiva na cadeia, auxiliando no escoamento da produção de uma região, oferecendo maior volume e uma oferta diversificada, colocando também no mercado, produtos de agricultores que não estão realizando tarefas de comercialização direta.

Conforme Scarabelot e Schneider (2012), o estudo das cadeias agroalimentares curtas sugere formas de comercialização da produção agrícola com maior proximidade entre produtores e consumidores, permitindo uma vinculação com maior interatividade na construção mútua de relações de confiança. Mercados emergentes formam-se a partir do âmbito local e do relacionamento direto entre compradores e vendedores na lógica do estabelecimento de cadeias curtas de mercantilização. Percebe-se a insistência e ampliação dos mercados de proximidade, mesmo na situação de comércio informal (Schneider & Ferrari, 2015).

Segundo Schneider e Ferrari (2015), as cadeias curtas se apresentam como opções com diferentes dimensões: (i) espaciais, ao abreviar as distâncias que os alimentos percorrem entre a produção e o consumo; (ii) social, ao gerar contato face a face entre produtores e consumidores, que resultam em confiança e integração na cadeia; e, (iii)  econômica, criando mercados locais para a produção. Ainda conforme os referidos autores, devido à complexidade da produção alimentar contemporânea, as cadeias curtas e convencionais acabam não tendo seus limites definidos. Não obstante, “As cadeias agroalimentares curtas parecem representar uma dimensão importante nos novos padrões de desenvolvimento rural emergentes. Através delas estabelecem-se novos padrões de consumo agroalimentares e uma maior conexão entre produtores e consumidores” (Ferrari, 2011, p. 92).

As principais características das cadeias curtas são: especificidade, aproximação entre produção e consumo, e, enraizamento. Os autores esclarecem também que as cadeias curtas são uma forma de comercialização que visa à eliminação da intermediação ao longo da cadeia e que são uma maneira dos produtores recuperarem o controle sobre suas vendas e obter um ‘justo’ preço pelos seus produtos. As cadeias curtas podem acontecer através dos produtos produzidos nas pequenas agroindústrias rurais familiares ou em relações face a face, como vendas a domicílio e feiras livres (Schneider & Ferrari, 2015).

Conforme Marsden, Banks e Bristow. (2000) existem três tipos de cadeias curtas (short food supply chains – SFSC): (i) proximidade espacial: os produtos são produzidos e distribuídos na região especifica de produção; (ii) espacialmente estendida: produtos carregados com valores, significados e informações locais e podem ser comercializados fora da região de produção; e, (iii) face a face, através da venda direta do produtor para o consumidor, como ocorre nas feiras livres.

2.3. A comercialização da produção da agricultura familiar

A agricultura familiar é a principal responsável pela comercialização de produtos a nível local, “o papel mais destacado da agricultura familiar continua a ser a agregação de valor à produção agrícola e à transformação desta em produtos e serviços que circulam em nível local” (Scarabelot & Schneider, 2012, p. 102).

A lógica de comercialização utilizada pelos agricultores familiares é diferente do mercado convencional, apesar de estar inserida no mesmo contexto. Como esclarecem Kiyota e Gomes (1999), na comercialização dos produtos agrícolas a família de agricultores tem uma relação com um meio no qual a conexão é diferente da sua e, inserido nele, sustentam suas táticas, que, não raras vezes, são estranhas aos agentes externos. Conforme admitem os autores, “As estratégias dos agricultores familiares no processo de comercialização são a combinatória entre as suas vontades subjetivas e as regras sociais” (Kiyota & Gomes, 1999, p. 49). Em relação às especificidades da agricultura familiar Ribeiro e Galizoni (2009) argumentam que esses agricultores são muito ligados ao meio, através de com sistemas de produção singulares, o que impede que as experiências locais se disseminem, como ocorre no mercado geral de bens.

Pierri e Valente (2015) classificam em quatro os canais de comercialização dos produtos da agricultura familiar: venda direta ao consumidor, integração vertical com o agronegócio processador, vendas para o setor de distribuição e mercados institucionais. Kiyota e Gomes (1999) também destacam formas de comercialização da produção da agricultura familiar, diante do sistema de produção em integração vertical, o qual sujeita o agricultor a regras rígidas, normas e prescrições, tornando o processo produtivo limitado a tais exigências; a comercialização da produção de grãos, através de cooperativas; o comércio local, como supermercados e restaurantes, que demandam pouca quantidade, mas exigem qualidade e periodicidade de fornecimento e, a relação direta entre produtores e consumidores, através da venda direta em domicílio e das feiras.

Pesquisas demonstram que os agricultores familiares que produzem somente commodities não estão obtendo os rendimentos necessários para permanecerem na atividade (Kiyota & Gomes, 1999) e que os mercados de commodities e a integração vertical dos agricultores às cadeias agroindustriais especializadas os põe na posição de tomadores de preços fixados por empresas à jusante (Schneider & Ferrari, 2015).

Para Schneider e Ferrari (2015), o perigo para os produtores familiares é justamente mudar de um mecanismo de disputa de um produto diferenciado para o de preços, que é uma convenção do mundo mercantil. Os autores apontam como uma possível vantagem estratégica da agricultura familiar, a associação de seus produtos à tradição, à natureza, ao artesanal e ao local. O mercado local é uma das possíveis estratégias de reprodução física e social para a agricultura familiar (Silvestre & Ribeiro, 2011). Dessa forma, “Diferentes formas de comercialização, tendo grandes mercados como alvo, foram e têm sido experimentadas, porém pouca atenção tem sido voltada para as potencialidades dos mercados locais para o escoamento da produção da pequena agricultura familiar” (Silvestre, Calixto e Ribeiro, 2005, p. 3).

Os circuitos curtos de comercialização ou cadeias agroalimentares curtas são uma forma de comercialização da produção local de alimentos. Os agricultores familiares vêm construindo novas redes e cadeias agroalimentares, denominadas curtas, que passam a fazer a reconexão entre produtores e consumidores, dissolvida pelas cadeias convencionais de commodities agrícolas (Ferrari, 2011). As discussões sobre os circuitos curtos de produção e abastecimento também são uma resposta aos grandes circuitos produtivos e as crises e desordens alimentares (Goodman, 2003).

Diferentes canais de distribuição podem ser observados nas relações mercantis da agricultura familiar, uma delas é a feira livre, onde se comercializam produtos oriundos da agricultura familiar. As feiras livres são um dos principais vínculos dos produtores rurais com os consumidores. Além da renda obtida pelos produtores familiares com a comercialização direta dos produtos, também pode-se destacar a socialização entre os atores envolvidos.

2.4. As feiras livres e o mercado consumidor

Segundo Ângulo (2003), as feiras são, geralmente, empreendimentos locais que buscam a valorização da produção agroalimentar, principalmente em municípios de pequeno e médio porte. O mesmo autor afirma que “Existe toda uma série de diferenças produtivas e culturais entre os feirantes que determinam diferentes relações sociais e diferentes racionalidades econômicas” (Ângulo, 2003, p. 101).

Os estudos sobre feiras têm destacado que a atratividade das feiras em relação a outras formas de varejo centram-se no maior frescor dos produtos, mas, sobretudo, na dinâmica característica de negociação do preço e o atendimento diferenciado (face-a-face com o produtor). Ademais, “As feiras também se constituem em uma importante estratégia de reprodução social da agricultura familiar” (Silvestre, Calixto e Ribeiro, 2005, p. 4).

Os produtos da horticultura como as frutas, legumes e verduras compõem a dieta da população, sendo consumidos diariamente. Assim,  torna-se importante prever – considerando sua perecibilidade – a disponibilidade de tais produtos em condições de frescor e qualidade nutricional. Nesse sentido, o agricultor familiar deve se preocupar em manter disponível no mercado produtos com qualidade durante todos os dias do ano, visando manter o fluxo de consumo pela população e, por conseguinte, o fluxo de ingresso de renda em sua propriedade. Caso o agricultor não consiga abastecer o mercado com os produtos locais, haverá a necessidade de se adquirir produtos de outros locais, o que pode implicar em produtos finais com qualidade inferior ao desejado, devido aos problemas com armazenamento e transporte, além dos altos valores do produto final que será repassado ao consumidor devido aos custos com transporte (Andriolo, 2013).

De acordo com Andriolo (2013), a estrutura de comercialização centralizada nas Centrais de Abastecimento – CEASAs, apresenta como aspecto negativo a complexidade da cadeia de comercialização entre o produtor e o consumidor, pois devido a pequena produção do agricultor familiar, ele se vê obrigado a vender sua produção a um intermediário que reúne a produção de vários produtores familiares que estão próximos geograficamente e realiza o armazenamento e transporte de uma quantidade maior de produtos, podendo abastecer outros mercados, mas, inclusive, as CEASAs. Na Ceasa, os produtos são vendidos a outros intermediários que tem o papel apenas de comerciante e este, por sua vez, repassa os produtos ao mercado varejista local que então, vende ao consumidor final.

Silvestre e Ribeiro (2011) apontam que o benefício das feiras para os consumidores se dá pelo fornecimento semanal, sobretudo de alimentos adaptados aos hábitos culturais locais, proporcionando um diferencial em relação aos produtos provenientes das centrais de distribuição. Ou seja, os produtos ofertados nas feiras, que são ligados aos costumes e à alimentação local, na maioria das vezes não são ofertados por redes varejistas maiores, que optam por mercados mais amplos.

Há que sopesar que outro diferencial se apresenta no sentido do maior frescor dos produtos dos agricultores familiares feirantes. Os produtos, não raras vezes, são colhidos antes do raiar do dia e são levados diretamente às bancas das feiras, sem longos períodos de transporte e armazenamento, etapas que contribuem para acumular danos aos produtos e reduzir a qualidade física, sensorial e mesmo nutricional.

Além disso, “Os ganhos das famílias feirantes são transferidos semanalmente para os comerciantes e neste processo de circulação de riquezas, há geração de postos de trabalho e de renda” (Silvestre, 2011, p. 189).

Pesquisas como a de Silvestre e Ribeiro (2011), Ângulo (2003) e Godoi (2005), deflagram a importância social e econômica das feiras livres para o desenvolvimento da região em que estão inseridas. Silvestre e Ribeiro (2011) constataram que na feira no vale do São Francisco, em Minas Gerais – objeto de seu estudo – havia a predominância de uma cadeia curta e a diminuição no número de pontos que vendiam somente a produção própria, com a concomitante redução do número de agentes intermediários. Também foi constatado que a maioria dos consumidores preferia comprar na feira ao comércio urbano, especialmente por esta proporcionar contato direto entre produtor e consumidor, que permite mais segurança na compra e oferecer produtos frescos – características de uma cadeia curta. Assim, “As feiras desempenham um papel muito importante de consolidação econômica e social da pequena propriedade, sendo também um espaço público sócio-econômico e cultural” (Pastro, Gomes & Godoy, 2003, p. 72).

Para Kiyota e Gomes (1999), a sintonia entre as famílias de agricultores cria um forte elo de ligação entre eles, que não pode ser compreendido por aqueles que enfocam suas análises pela perspectiva estritamente econômica. Dentro dessa lógica peculiar, as famílias vizinhas, muitas vezes, não são vistas como concorrentes, apesar de conduzirem as mesmas atividades produtivas, cultivando e/ou processando os mesmos tipos de produtos.

Silvestre, Calixto e Ribeiro (2005) ressaltam que as feiras são um exemplo de dinamização das economias locais, pois os produtores e consumidores são, igualmente, atores locais.

Diante desse quadro geral, foi realizado um estudo de caso que trata sobre o processo de formação, organização, socialização e coordenação da feira livre de agricultores familiares do município de Jaguarão-RS.

3. Metodologia

O presente estudo contou com diferentes atores (produtores/feirantes, consumidores e agentes públicos de desenvolvimento) implicados com a feira livre de produtores da agricultura familiar do município Jaguarão/RS a fim de analisar esta cadeia curta, que se dedica à comercialização de produtos hortifrutigranjeiros e de alguns produtos correlatos.

A feira livre analisada nesta pesquisa é uma feira livre convencional constituída por quatro feirantes/produtores e quatro bancas – três delas localizadas na Rua Menna Barreto e uma na Rua Odilo Gonçalves –, correspondendo a única feira livre do município de Jaguarão/RS.

Para subsidiar o delineamento do instrumento de coleta de dados foi realizada uma pesquisa na literatura sobre os temas: cadeias de produção (filière), Cadeias Curtas ou Circuitos Curtos de Comercialização de Alimentos – CCCA, comercialização da produção da agricultura familiar e feiras livres. As entrevistas semiestruturadas foram realizadas com os feirantes (produtores/feirantes) e consumidores, já com os técnicos do Escritório Municipal da Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural/Associação Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural (ASCAR/EMATER) de Jaguarão optou-se pela utilização de entrevistas abertas. Soma-se a isso o emprego da observação sistemática.

A respeito dos procedimentos metodológicos é importante destacar que após a identificação da feira livre, realizou-se um primeiro contato com o público-alvo já estabelecido com o objetivo de consultá-los a respeito de seu interesse e disponibilidade de participar da pesquisa, avaliando, neste sentido, a exequibilidade do estudo, conforme concebido inicialmente. Seguido da afirmativa de alguns dos atores implicados, procedemos a realização das entrevistas com produtores/feirantes e, sequencialmente, com os consumidores da feira livre e com os técnicos da ASCAR/EMATER.

Foram elaborados dois instrumentos, um questionários voltado aos produtores/feirantes e outro direcionado aos consumidores. O questionário aplicado aos produtores/feirantes continham 36 perguntas, e o questionário aplicado aos consumidores 22 perguntas, ambos foram concebidos utilizando por base o estudo de Godoy (2005). Os questionários aplicados aos produtores/feirantes teve como objetivo compreender a formação e o funcionamento da feira livre, a cadeia dos produtos comercializados na feira, os sistemas de produção utilizados por cada produtor, as características das atividades desempenhadas, a caracterização dos produtos oferecidos nas bancas e a percepção do produtor/feirante sobre o perfil dos consumidores atuais da feira. Para os consumidores o questionário teve como propósito, analisar o perfil socioeconômico, seus hábitos, razão pela escolha das feiras livres ao invés dos supermercados, seu entendimento sobre o processo produtivo, qualidade e procedência dos produtos comercializados na feira e suas concepções sobre a estrutura de comercialização. A entrevista com os técnicos buscou compreender aspectos da produção de hortifrutigranjeiros e as particularidades no município.

Foram entrevistados todos os produtores/feirantes. A metodologia utilizada para a seleção dos consumidores foi a amostragem aleatória. O consumidor era abordado pelo entrevistador e após explicado o objetivo da pesquisa consultava-se seu interesse em participar da pesquisa, respondendo um breve roteiro de questões. Foram entrevistados sete consumidores na feira livre de Jaguarão/RS e dois técnicos da ASCAR/EMATER.

Para a análise e interpretação dos dados obtidos, foram realizados sequencialmente os seguintes procedimentos: a) organização e preparação dos dados para a análise; b) realização de análise detalhada dos dados obtidos; c) descrição e interpretação dos dados (Creswell, 2007).

4. Resultados e Discussões

A respeito do nosso universo empírico, cabe registrar que o município de Jaguarão está localizado no extremo sul do estado do Rio Grande do Sul e conta com a área total de 2054,39 Km² e população total de 27.931 habitantes (IBGE, 2015).  Na zona rural do município, as lavouras de arroz e, mais recentemente, as de soja ocupam a maior parte da área destinada à agricultura. Além disso, a atividade pecuária possui uma importância considerável. Os agricultores e pecuaristas empresariais de Jaguarão apresentam características da modernização tecnológica e mecanização da agricultura, enquanto os agricultores e pecuaristas familiares, devido à baixa disponibilidade de recursos financeiros para acompanhar essa “modernização”, apresentam dificuldades na produção e comercialização de seus produtos.

Recentemente, vêm ocorrendo algumas ações visando à inclusão desses agricultores de forma qualificada aos mercados. Algumas dessas iniciativas são mobilizadas pelos próprios agricultores. Dentre estas iniciativas está a participação dos agricultores familiares na feira livre, que ocorre na zona urbana do município.

A feira livre do município de Jaguarão teve início no ano de 2012, a partir de uma reunião do Fórum da Agricultura Familiar da Região Sul, RS , na qual estavam presentes o presidente da Associação dos Pequenos Produtores Rurais de Jaguarão (APRIJ) e o vice-prefeito do município. Nessa reunião surgiu a possibilidade da criação da feira – que já era uma meta antiga de alguns produtores do município – a partir do aporte de verbas intermediadas pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA). A ideia foi aceita por alguns agricultores e a implantação do projeto teve início com a aquisição de um caminhão, de 10 barracas, de 10 balanças e de um conjunto de caixas para armazenamento da produção, através de recursos disponibilizados pelo MDA e pela prefeitura municipal.

A feira iniciou com a participação de nove produtores familiares, em que pese o projeto inicial ter sido dimensionado para contemplar dez produtores. Um deles desistiu antes mesmo do começo das atividades, temendo pelo insucesso da feira, conforme mencionam os entrevistados. Atualmente, apenas quatro produtores permanecem na feira. Segundo as informações obtidas durante a incursão de campo, os demais desistiram por motivos diversos. Dentre as razões destaca-se a descontinuidade das atividades produtivas por motivo de doença e problemas de logística ligados à distância da propriedade até o local da feira.

Esse quadro não enseja desânimo. A perspectiva relatada nas entrevistas com os feirantes é de aumentar o número de produtores na feira, e de conseguir melhores condições de infraestrutura, além de aderir à produção orgânica.

A cadeia produtiva estudada é composta por estes três subsistemas – conforme cita Zylbersztajn (2000) – sendo o primeiro a produção agrícola, o segundo a unidade de transformação e beneficiamento dos produtos e a terceira o ponto de venda direta ao consumidor, ou seja, a feira livre ou vendas à domicílio, conforme pode-se observar na Figura 1. Já, na Figura 2 se pode visualizar os elos da cadeia produtiva dos hortifrutigranjeiros, do município de Jaguarão, RS. Na sequência o esforço está dado no sentido de desvelar as relações que constroem especificamente esse fluxograma.

Figura 1: Fluxograma da cadeia produtiva dos hortifrutigranjeiros.

A estrutura da cadeia dos hortifrutigranjeiros do município de Jaguarão funciona da seguinte maneira: os produtores/feirantes recebem o auxílio da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Rural (SMDR), através do Programa Troca-troca, que possibilita aos produtores utilizar o maquinário da prefeitura municipal para usufruto em suas propriedades, mas também viabiliza à aquisição de insumos como sementes, fertilizantes, lonas e sombrites. O pagamento à prefeitura é feito em espécie, ou seja, a produção é repassada pela SMDR às escolas municipais para uso na alimentação escolar. Ademais, por intermédio do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), os produtores têm acesso aos recursos financeiros a juros acessíveis.

Figura 2: Fluxograma dos elos da cadeia produtiva dos hortifrutigranjeiros do município de Jaguarão/RS.

Por intermédio da APRIJ, da qual todos os produtores/feirantes são sócios, os produtores receberam a estrutura que permitiu a realização da feira. Eles receberam as tendas, balanças e caixas de armazenamento utilizadas na feira, bem como o caminhão que permite autonomia e organização logística no transporte da produção.

Segundo a percepção dos produtores/feirantes, ainda é necessário melhorar a infraestrutura da feira, bem como qualificar o acesso dos produtores à feira, especialmente com a melhoria nas estradas. Todavia, as fragilidades identificadas pelos produtores não os motivam, em hipótese alguma, a desistir da feira. Todos propalaram sua satisfação com a construção desse mercado, que lhes permite, entre outros benefícios, ampliar o ingresso de renda nas propriedades, especialmente, pela eliminação da figura do atravessador, notadamente, em relação à comercialização de sua produção.

Do ponto de vista dos processos de formação e organização deste grupo. A ASCAR/EMATER, a SMDR e o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), através do Sindicato Rural do município, atuam nas ações de assistência técnica e extensão rural aos produtores/feirantes, através de atendimentos, visitas, palestras, capacitações e reuniões. Além disso, há que considerar sua participação em cooperativas e associações de produtores.

Os resultados obtidos, a partir das entrevistas, nos permite afirmar que os produtores/feirantes são relativamente jovens, situando-se na faixa etária entre 21 a 50 anos, e possuem escolaridade máxima segundo grau incompleto. Todos eles residem no rural, sendo em sua ampla maioria proprietários de terras (apenas um deles não o é), que possuem em média 5,7 ha destinados à produção. A força de trabalho é exclusivamente familiar, não havendo mão de obra contratada, participando do processo produtivo em média cinco pessoas por propriedade.

Além da produção destinada à feira, os agricultores também se dedicam a outras atividades produtivas como pecuária leiteira, suinocultura e ovinocultura. Essas atividades estão em sinergia e produzem efeitos positivos. Por exemplo, os resíduos orgânicos da pecuária, como o esterco, são utilizados como adubo nas hortas.

No que tange a dinâmica da feira, os produtores/feirantes colhem os produtos na véspera da feira para manter o frescor dos produtos. Eles realizam a limpeza dos mesmos e acondicionam em caixas para que possam transportar até a cidade para comercializá-los, evitando danos físicos e químicos que poderiam comprometer a qualidade dos produtos. Os produtos de transformação caseira são preparados igualmente na véspera da realização da feira, visando preservação da sanidade, mas sobretudo das características de aroma e sabor de alimentos frescos, exceto os queijos que respeitam seu período de elaboração e maturação. Durante as entrevistas foi possível identificar que em que pese a flagrante preocupação com diversos atributos que conformam a qualidade intrínseca e extrínseca dos produtos, os produtos/feirantes não apresentam comedimento na utilização de alguns agroquímicos na produção.

Quando perguntamos aos feirantes sobre o perfil dos consumidores que frequentam a feira, ecoaram as seguintes características: os consumidores apresentam renda entre um e três salários e que optam por comprar na feira em função do menor preço, da garantia de aquisição de produtos mais frescos e mais confiáveis (comprados diretamente com o produtor), mas também porque já possuem a feira como rotina, ou seja, estes consumidores têm por hábito frequentar feiras.

Quando indagamos aos produtores/feirantes se eles acreditam que os consumidores compram produtos apenas na feira, todos responderam que estes compram também em supermercados e fruteiras os produtos que não encontram na feira ou, porventura, que venham a necessitar no decorrer da semana tendo em vista que a feira acontece apenas uma vez por semana (todas as sextas).

Segundo os entrevistados, parte considerável por produtos comercializados na feira são de produção própria. Entre os principais produtos tem-se uma gama diversa de hortaliças, mas também de flores e produtos de transformação caseira como pães, biscoitos, doces e queijos. Seja por razões de clima ou de espaço físico parte dos produtos comercializados na feira não é produzida pelos agricultores, segundo informam sua produção, em termos de variedade, ou ocasionalmente, quantidade, não é suficiente para atender a demanda dos consumidores da feira. A fim de não perder a fidelização destes clientes, os feirantes, por demanda, revendem uma parcela de produtos (tais como maçã, banana, alho, batata inglesa, abacaxi, mamão, manga e cebola) que são adquiridos em uma fruteira do município. A oferta de uma gama de produtos e a facilidade aos consumidores de adquirir os produtos em um único local, garante, em certa medida, a ‘perenidade’ da feira, em que pese as limitações de fidelização em virtude do largo intervalo de ocorrência da feira (semanal).

Os produtores/feirantes comercializam outra parte da sua produção através do Programa Nacional e Alimentação Escolar (PNAE), cuja dinâmica de funcionamento é coordenada pela EMATER. O restante da produção é vendido no mercado local, em fruteiras e supermercados, além da venda de ‘porta em porta’, venda direta na casa dos consumidores e na feira livre. Diante das informações coletadas, conforme Pierri e Valente (2015) e Kiyota e Gomes (1999) os canais de comercialização dos produtores/feirantes de Jaguarão são a venda direta ao consumidor e a venda ao setor de distribuição e mercados institucionais.

A análise das respostas dos consumidores permite constatar que todos são consumidores da feira desde a sua origem e a maioria faz compras semanais na feira. A idade média dos consumidores que frequentam a feira é de 53 anos e a maioria viveu a infância na zona rural, tendo contato direto com a produção de hortaliças e frutas. O bom relacionamento com os feirantes, foi ressaltado pelos entrevistados e os principais motivos apontados para a escolha da feira para realização das compras foram: o contato direto com o produtor e produtos mais frescos e ‘naturais’. Matte, Neske, Borba, Waquil e Schneider (2014, p. 09) também relataram em seu estudo que “é marcante nas cadeias curtas o envolvimento na construção de uma relação mais próxima entre produtor e consumidor, próxima não apenas no sentido físico, mas de um conjunto de valores e significados que os interligam e os conectam”.

Os produtos mais procurados pelos consumidores são alface, rúcula, cebola e tomate. Todos os entrevistados compram em supermercados e fruteiras além da feira e todos sabem que os produtos vendidos na feira são parte produzidos pelos feirantes e parte somente comercializados. Sendo que alguns entrevistados destacaram que só compram o que sabem que o feirante produz.

Aqui tem-se algo a ser destacado, pois não se trata da intencionalidade dos consumidores em conhecer a origem de todos os produtos adquiridos, visto que aqueles produtos que não são comprados na feira passam a ser buscados no varejo, nas fruteiras ou supermercados em que não há esse sistema de proximidade e conhecimento da procedência, do estabelecimento da relação de confiança ‘garantida’ na negociação olho no olho com o produtor.  Em grande medida, o que argumenta em prol da “não compra”, possivelmente seja o preço, ou mesmo, o prolongamento da cadeia de armazenamento e de transporte daquela parcela de produtos que o feirante vai adquiri no varejo, ou nas fruteiras para então ser revendida ao consumidor da feira. Não há uma resposta absoluta ou que plenamente satisfaça nossa curiosidade a respeito das motivações e das escolhas destes consumidores.

Outrossim, essa constatação também ilustra uma situação já descrita na literatura, visto que, “o risco é que nas cadeias convencionais nem sempre a necessária criação de fortes conexões entre qualidade do alimento e lugar é evidente e, ademais, podem ser apropriadas por grandes organizações varejistas” (Ferrari, 2011, p. 67). Por fim, cabe ressaltar que todos os consumidores entrevistados avaliaram positivamente a feira e destacaram que a falta de divulgação é um grande empecilho ao crescimento da mesma.

5. Conclusões

Os resultados permitem constatar que parte dos produtos comercializados na feira analisada são adquiridos no varejo, o que revela o principal questionamento em relação à feira, já que os circuitos curtos se caracterizam como produção e venda direta dos produtos ao consumidor. Não obstante, na literatura sobre o tema há uma vertente que admite a existência de um intermediário. No caso específico da feira de Jaguarão, ocorre a compra no varejo de parte dos produtos o que acaba por descaracterizar a feira como circuito curto e consequentemente a análise das possíveis vantagens da comercialização direta produtor/consumidor. Para Neske, Borba, Waquil e Schneider (2014), não existe cadeia curta sem a diminuição das distâncias entre produtores e consumidores. Segundo estes autores, a apreciação de como se dá este processo de construção de mercados passa a ser essencial para a afirmação e fortalecimento desta natureza de cadeias.

Percebe-se que a relação dos feirantes com os consumidores vai além da troca mercantil, estando relacionada ao estabelecimento de relações pessoais e de geração de confiança. Além disso, as feiras promovem o prolongamento da autonomia que os produtores têm na propriedade.

A existência de fatores limitantes na feira também foi observada. Ressaltamos a irregularidade na oferta de alguns produtos, pois os feirantes não conseguem produzir diversos cultivos devido à pequena área agrícola, pela sujeição às instabilidades climáticas (sem estruturas de túneis ou estufas) e pelas restrições decorrentes da sazonalidade. Todavia, inúmeros aspectos positivos foram notados, como a importante ação em promoção do desenvolvimento local, não só no âmbito econômico, mas também na valorização da produção e cultura local; diminuição de custos de atravessadores e transporte, por exemplo.

A participação dos feirantes em outros circuitos de cadeias curtas de abastecimento, como por exemplo a venda direta em domicílios, garante ao consumidor a aquisição a um preço mais baixo, pela inexistência de intermediários e, ao produtor, é dado o benefício de sair da “invisibilidade”, mostrando seus produtos e com isso tendo autonomia para negociar.

A troca de experiências entre consumidores e produtores, bem como entre produtores permitem o acesso a outras formas de conhecimento, o que pode proporcionar o aumento da produção, aumentando a renda e gerando alternativas para o abastecimento local. A feira representa uma alternativa para o desenvolvimento local e regional, contribuindo com a variedade e a melhoria na oferta de alimentos à população urbana.

Podemos perceber que ainda há muitos entraves a serem superados na feira livre de Jaguarão/RS, principalmente quanto aos incentivos para que outros agricultores familiares se agreguem a este mercado, bem como na melhoria da infraestrutura de acesso à feira por parte dos produtores. Quanto à estrutura da cadeia produtiva dos hortifrutigranjeiros do município, ela se caracteriza por uma cadeia curta de comercialização de alimentos e sua estrutura ainda que pequena e recente, mostra-se consistente no que tange a aceitação pelos consumidores.

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1. Bacharel em Desenvolvimento Rural e Gestão Agroindustrial. Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial e Sistemas Agroindustriais. moninardini@yahoo.com.br

2. Tecnóloga em Saneamento Ambiental. Docente do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia Sul-Riograndense – campus Pelotas. Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial e Sistemas Agroindustriais. satolentino@gmail.com

3. Dra. em Agronomia. Professora adjunta da Universidade Federal do Pampa – Campus Dom Pedrito .  shirley.altemburg@gmail.com

4. Dra. em Agronomia, Bolsista PNPD junto ao Programa de Pós-Graduação em Sistemas de Produção Agrícola Familiar, da Universidade Federal de Pelotas. fernandanovo@gmail.com

5. Dr. em Agronomia. Professor adjunto da Universidade Estadual do Rio Grande do sul – campus Santana do Livramento. cldbecker@gmail.com

6. Essa insegurança alimentar é reflexo de um contexto em que presenciamos e somos atores da cena de grandes escândalos alimentares (vacas loucas, crise aviária e suína, contaminação de laticínios, o mais recente caso da carne fraca) provocados, entre outros aspectos, pela crescente desvinculação entre produto agrário e produto alimentar e entre a esfera da produção e a do consumo.

7. Surgido em 1996, o Fórum da Agricultura Familiar reúne entidades e representações, organizações da sociedade civil e dos poderes públicos (municipal, estadual e federal), representativas da agricultura familiar, dos assentamentos de reforma agrária, da pesca artesanal e de comunidades quilombolas e indígenas. Trata-se de um espaço, que desde 2004, assumiu o estatuto de Colegiado de Desenvolvimento Territorial (CODETER), instituindo enquanto ambiente de discussão, deliberação, construção e implementação de ações e projetos voltados ao fortalecimento do Desenvolvimento Sustentável da Região Sul. (Alves, Alves, Reichert, Merheb & Fernandes)


Revista ESPACIOS. ISSN 0798 1015
Vol. 38 (Nº 47) Año 2017
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