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Vol. 39 (Nº 14) Ano 2018 • Página 14

Especialização produtiva regional e inovação: relacionamentos entre instituições científico-tecnológicas e empresas do setor sucroenergético no Triângulo Mineiro, Brasil

Regional productive specialization and innovation: relationships between science and technology institutions and sugar-energy sector companies in the Triângulo Mineiro, Brazil

Luís Angelo dos Santos ARACRI 1

Recebido: 04/12/2017 • Aprovado: 25/01/2018


Conteúdo

1. Introdução

2. Questões de ordem teórica

3. Resultados e discussões

4. Conclusões

Referências bibliográficas


RESUMO:

O presente artigo apresenta uma análise da relação entre a concentração espacial de um setor ou ramo de atividades na escala regional e o modo como as infraestruturas locais de ciência e tecnologia e a produção do conhecimento científico são integradas ao ciclo produtivo da empresa capitalista no processo de geração e difusão de inovações elegendo como estudo de caso o setor sucroenergético na região do Triângulo Mineiro em Minas Gerais (Brasil).
Palavras-Chiave: Região, setor sucroenergético, inovação, Triângulo Mineiro

ABSTRACT:

This paper presents an analisys of the relationship between the spatial concentration of a branch of industry in the regional scale and the way how the local-based scientific and technology infraestructures and the production of the scientific knowledge are integrated into the business cycle of the capitalist Enterprise in the process of generation and diffusion of innovations, proposing as case study the sugar-energy sector in the Triângulo Mineiro, Minas Gerais (Brazil).
Keywords: Region, sugar-energy sector, innovation, Triângulo Mineiro.

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1. Introdução

O presente artigo tem por objetivo compreender a relação entre a concentração espacial de um setor ou ramo de atividades na escala subnacional – o que denonimanos de especialização produtiva regional – e o modo como as infraestruturas locais de ciência e tecnologia e a produção do conhecimento científico são integradas ao ciclo produtivo da empresa capitalista no processo de geração e difusão de inovações. Como estudo de caso, propõe-se a análise das interações entre empresas do setor sucroenergético na região do Triângulo Mineiro (Figura 1) e instituições científico-tecnológicas e os desdobramentos em termos de renovação técnica e eficiência econômica.

Figura 1
Localização da mesorregião geográfica do Triângulo Mineiro / Alto Paranaíba

Fonte: IBGE (2017)

Este estudo é produto de dois projetos de investigação: “Os novos fronts do etanol no Brasil: a inserção do Triângulo Mineiro no setor sucroenergético” (encerrado em 2016) e “Especialização produtiva, competitividade e mudança tecnológica: interações entre instituições científico-tecnológicas e o setor produtivo no agronegócio em Minas Gerais” (em andamento), ambos executados no Departamento de Geociências da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF),com apoio financeiro, respectivamente, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) e do Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Tecnológica (CNPq).

1.1. Metodologia

A pesquisa aqui apresentada está amparada pela literatura que trata das vantagens competitivas que um “entorno geográfico” definido pela proximidade e co-presença de empresas e agentes produtivos pertencentes a um mesmo setor compartilham entre si e que os tornam mais produtivos e eficientes: capitais físicos (condições naturais específicas ou infraestruturas), estrutura fundiária, tradições laborais, instituições, força de trabalho experimentada e qualificada, benefícios fiscais, acesso a informação, universidades e centros de pesquisa (PORTER, 1990; CASTELLS, 2000; SANTOS, 2002; SHEPPARD, 2003; RODRÍGUEZ e ESTEBAN, 2009; CASTILLO, 2011). A contribuição dos geógrafos sobre a relação entre a configuração territorial e processos de renovação técnica também foi levada em conta (SÁNCHEZ, 1991; RIGBY, 2003; ARACRI, 2012). Consideramos igualmente as contribuições de Suzigan, Albuquerque e Cario (2011) acerca da interação universidade-empresa no Brasil.

Além da revisão de literatura teórica, este trabalho se apoia também na consulta a textos específicos sobre o setor sucroenergético brasileiro, com destaque para a atuação desse segmento na região estudada (EID, 1996; BESSA, 2004; BOSCO, 2012; CASTILLO, 2013; ARACRI, 2013 e 2015). Os aspectos de cunho empírico da pesquisa foram aprofundados mediante consulta a diversas fontes de dados primários e secundários, quantitativos ou qualitativos, tais como Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais (SEAPA-MG), Censo do Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq (ano 2010), Rede Interuniversitária para o Desenvolvimento do Setor Sucroenergético (RIDESA) e Centro de Tecnologia Canavieira (CTC).

Dados primários qualitativos foram obtidos em pesquisas de campo realizadas entre os días 04 e 08 de agosto de 2015 em cinco municipios da região: Santa Vitória, Canápolis, Capinópolis, Araporã e Centralina. A metodología empregada no trabalho de campo abrangeu a realização de entrevistas semiestruturadas a sujeitos selecionados com base no criterio de “homogeneidade ampla”, o que possibilitou a delimitação de três conjuntos de informantes: (a) órgãos da administração pública dos municipios visitados (secretarias municipais de agricultura, meio ambiente e desenvolvimento económico); (b) sindicatos de trabalhadores rurais; e (c) empresas do setor sucroenergético e sindicatos patronais situados nos mesmos municipios destacados. O método de amostragem escolhido foi o da “amostragem por saturação”, ou seja, a amostra é fechada quando as respostas de novos informantes são consideradas repetitivas na avaliação do pesquisador (PESSÔA e RAMIRES, 2013). O criterio de validação dos dados e informações obtidos em campo foi o da “validação interna”, ou seja,  com base no próprio “background do pesquisador na prática de realização de entrevistas” (PESSÔA e RAMIRES, 2013, p. 131).

2. Questões de ordem teórica

Diversos autores, dentre eles Porter (1990), Castells (2000), Santos (2002), Sheppard (2003), Rodríguez e Esteban (2009) e Castillo (2011), sustentam que a produtividade e a competitividade não são atributos apenas de empresas, mas, também, de “lugares”, “territórios”, “regiões” ou “países”.

Tomemos, por exemplo, as considerações de Santos (2002) acerca da chamada “produtividade espacial”. Para o autor, cada subespaço, local ou regional, não é igualmente capaz de rentabilizar uma produção, uma vez que cada fração de um espaço total (um território nacional, por exemplo) possui uma combinação portadora de uma lógica própria, com formas de ação particulares e relativas a agentes sociais específicos. Isso quer dizer que os lugares se distinguem por diferentes capacidades de oferecer rentabilidade aos investimentos, sendo esta maior ou menor em razão de condições locais de ordem técnica (equipamentos, infraestrutura, acessibilidade) e organizacional (leis locais, sistema tributário, relações trabalhistas ou tradições laborais, instituições). No entanto, essa eficácia mercantil não é um dado absoluto do lugar e se refere a determinado produto. Em outras palavras, a produtividade espacial é uma noção que se aplicaria a um lugar ou região, porém em função de uma atividade ou conjunto de atividades e com referência aos espaços produtivos.

“Os lugares se especializam, em função de suas virtualidades naturais, de sua realidade técnica, de suas vantagens de ordem social. Isso responde à exigência de maior segurança e rentabilidade para capitais obrigados a uma competitividade sempre crescente” (SANTOS, 2002, p. 248). O desdobramento desse processo é o aprofundamento da heterogeneidade entre cada unidade territorial e da divisão do trabalho.

O conceito de “região competitiva” defendido por Castillo (2011) segue igual raciocínio, mas vai um pouco mais além. Na visão desse autor, uma região competitiva é um “compartimento geográfico” (um subespaço ou fração de um espaço total, portanto) que se caracteriza pela especialização produtiva com base em parâmetros externos (via de regra internacionais) de custos e de qualidade. Segundo essa concepção, essas frações do espaço oferecem maior rentabilidade a  produtos e segmentos produtivos específicos porque reúnem determinadas condições materiais, naturais ou técnicas (capitais fixos, infraestruturas), e organizacionais, como leis, impostos, instituições regionais públicas e privadas e formas de cooperação, dentre as quais pode-se destacar os acordos e parcerias entre instituições de pesquisa e empresas.

Por sua vez, o conceito de “competitividade territorial” do qual tratam Rodríguez e Esteban (2009) designa o êxito com o qual cidades e regiões constroem suas vantagens competitivas com relação a três fatores: a atração de investimentos estrangeiros, a atração de mão-de-obra especializada e a conquista de mercados externos. Segundo esses autores, o principal mecanismo de competitividade de empresas e territórios é a inovação tecnológica, que por sua vez é um processo dinâmico e endógeno, isto é, contextualizado e localizado, e que se desenvolve tanto a partir do conhecimento científico quanto a partir do conhecimento gerado pela prática da vida social. Logo, o reconhecimento da territorialidade dos processos de produção do conhecimento e da inovação converte o contexto territorial (local ou regional) num elemento-chave na geração de vantagens competitivas.

A concentração / co-presença de atividades interdependentes em um mesmo espaço regional constitui um “sistema" localizado, ou melhor, “territorializado”, no interior do qual criam-se vantagens que são compartilhadas pelos agentes econômicos e que os torna mais produtivos. Alguns exemplos: infraestruturas de uso comum, frete mais barato, serviços especializados, menores custos com treinamento e qualificação da mão-de-obra, mais rápido acesso a informações atualizadas sobre o setor e inovação (PORTER, 1990).

Não se trata necessariamente de uma questão nova ou recente. Economistas e geógrafos estudam, há bastante tempo, as vantagens competitivas advindas das chamadas "economias de aglomeração” - a concentração espacial de atividades econômicas que são complementares entre si e que pertencem a um mesmo setor ou ramo da produção - e que são aquelas diretamente implicadas em processos de especialização produtiva regional (PRECEDO LEDO e VILLARINO PEREZ, 2014).

As vantagens competitivas disponíveis no “entorno geográfico” no qual as empresas estão situadas e que por elas são compartilhadas cumprem o papel de fontes de produtividade externas aos estabelecimentos e unidades de produção (PORTER, 1990) e, por essa razão, são chamadas de “externalidades positivas”. Tais externalidades compreendem fatores de produção de ordem tanto material quanto imaterial. Dentre esses fatores, destacamos as universidades e os centros de pesquisa – o que no presente artigo denominamos de “instituições científico-tecnológicas” (ICT's). Rigby (2003) afirma que os processos locais de pesquisa e aprendizado canalizam a mudança tecnológica para diferentes trajetórias regionais, além de considerá-la uma força catalizadora da competitividade entre regiões. O autor assinala ainda que a geografia sempre nutriu um interesse pelas “diferenças geográficas” das tecnologias e da influência do espaço no processo de mudança tecnológica.

Em estudo anteriormente desenvolvido sobre o emprego da “agricultura de precisão” na produção de grãos em Mato Grosso, Aracri (2012) apontou o importante papel desempenhado pelo relacionamento entre as ICT's e o setor produtivo (firmas e produtores rurais) no processo de difusão de inovações e, inclusive, na adaptação das novas tecnologias aos contextos e características locais e regionais. Para Sánchez (1991), isso significa que existe uma “dupla direção” nas relações entre o "meio" geográfico e as novas tecnologias, haja vista que não apenas os territórios se adaptam às inovações, como o contrário também é verdadeiro.

Além disso, para dos Santos (1987) a empresa capitalista procura integrar a produção do conhecimento científico no seu interior convertendo-o em uma fração do capital e fazendo com que a pesquisa fundamental e/ou aplicada passem a configurar um momento de seu ciclo. Os setores agroindustriais representam o melhor caso dessa natureza a se estudar no Brasil. Em primeiro lugar porque o agronegócio, apesar de suas contradições e controvérsias, é o grande alicerce da economia brasileira (em 2016 correspondeu a 23% do PIB segundo a Confederação Nacional da Agricultura), além de ser um dos principais geradores de divisas cambiais para o país; em segundo, “a reconhecida competitividade internacional do Brasil em produtos agropecuários e agroindustriais baseia-se não somente em vantagens comparativas, como também em um longo processo de criação de instituições de ensino e pesquisa na área” (SUZIGAN, ALBUQUERQUE e CARIO, 2011, p. 34).

Em seu extenso estudo sobre a interação universidade-empresa no Brasil, Suzigan, Albuquerque e Cario (2011) recuperam diversas experiências bem sucedidas de relacionamento entre ICT's no desenvolvimento de produtos agropecuários e agroindustriais em setores como o cafeeiro, o algodoeiro e o de papel e celulose. Todavia, ignoraram o setor sucroenergético (ex-sucroalcooleiro), que segundo Castillo (2013) se confunde com a própria história da formação territorial do Brasil. Com o presente artigo, pretendemos preencher parcialmente essa lacuna examinando as particularidades de uma região que vem despontando nesse setor: o Triângulo Mineiro.

3. Resultados e discussões

A recente expansão do setor sucroenergético na região oficialmente denominada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de “Mesorregião do Triângulo Mineiro / Alto Paranaíba” (que doravante chamaremos pelo termo genérico “Triângulo Mineiro”), localizada no estado de Minas Gerais, se deve a uma diversidade de fatores. Em primeiro lugar, o setor atravessou um processo de reestruturação na década de 1990 decorrente do esgotamento do modelo baseado na intervenção direta do Estado e que resultou na extinção do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), na desativação do Programa Nacional do Álcool (PROALCOOL) e no fim da política de fixação de preços. Em segundo, a demanda interna foi alavancada com a introdução dos veículos flex fuel. Em terceiro, no esteio da questão do aquecimento atmosférico o governo brasileiro vem tentando afirmar o Brasil como país com grande potencial para a produção de "energias limpas” provenientes de fontes renováveis, o que gerou oportunidades para a conversão do etanol brasileiro em commodity (ARACRI, 2015).

O crescimento tanto da demanda externa quanto interna desencadeou um processo de desconcentração espacial da produção, expressada através da expansão dos canaviais e dos parques de usinas para regiões outrora sem grande tradição no setor, como o sudoeste de Goiás, o sudoeste do Mato Grosso do Sul e o Triângulo Mineiro. Mas a crise de 2008, que repercutiu sobre as usinas brasileiras, provocou um recuo nas exportações. Muitos usineiros se endividaram e esbarraram no problema da escassez de financiamento. Isso abriu caminho para a participação de capital estrangeiro nas empresas nacionais através de fusões e aquisições. Curiosamente, grande parte desses investidores já atuavam em outras atividades relacionadas ao agronegócio em outras regiões do país ou, então, eram empresas tradicionalmente ligadas à produção de combustíveis fósseis. Alguns exemplos: Bunge, Archer Daniel Midlands (ADM), Louis Dreyfus Commodities, Cargill e Shell.

A reestruturação iniciada na década de 1990 oportunizou a modernização do setor face a um mercado cada vez mais competitivo, tanto no plano interno quanto no externo. Dentre as estratégias competitivas engendradas pelas empresas se destacam a especialização na produção do açúcar e do álcool e no aumento da produtividade nas unidades agrícolas (canaviais) e industriais (usinas e destilarias) mediante mecanização de lavouras e automação industrial. Além disso, cabe ressaltar também práticas orientadas para crescente redução de custos, como a queima de resíduos do processamento industrial da cana-de-açúcar (palha e bagaço) para a cogeração de energia eletrica e a terceirização de serviços.

De acordo com dados da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), Minas Gerais é o terceiro maior produtor de cana-de-açúcar do país (na safra 2016/2017 teve uma participação da ordem 10,1% da produção nacional), segundo maior produtor de açúcar (9,7%) e terceiro de etanol (10,2%); somente a região do Triângulo Mineiro concentra mais de 70% da produção canavieira do estado, segundo a Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais (SEAPA-MG). Os dados apresentados ilustram a representatividade do estado de Minas Gerais, e mais particularmente da região estudada, no que se refere ao processo de expansão da agroindústria canavieira no país.

Parte da eficiência econômica do setor na região em tela se deve a uma sinergia cada vez maior entre os empresários do agronegócio canavieiro e a atividade científico-tecnológica. A Lei Federal de Inovação no 10.973, de 2004, e a Lei de Incentivo à Inovação do Estado de Minas Gerais no 17.348, de 2008, regulamentaram os incentivos à inovação e à pesquisa científico-tecnológica nos ambientes produtivos e o setor sucroenergético vem tirando proveito das oportunidades abertas por esses marcos legais.

De acordo com o Censo do Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq do ano de 2010, aproximadamente 14% do total dos grupos de pesquisa cadastrados no diretório declararam ter relacionamentos com empresas. Em termos absolutos, parece um percentual baixo, todavia representou, em termos relativos, um incremento da ordem 142% na comparação com os levantamentos realizados em 2002. Ainda de acordo com a pesquisa de 2010, destacam-se os relacionamentos no campo das “Ciências Agrárias” (32%), seguidos dos relacionamentos nas áreas de “Ciências Biológicas” (27%) e “Engenharias” (11%). O quadro abaixo resume algumas empresas do chamado “agronegócio” que declararam relacionamento com grupos de pesquisa cadastrados no CNPq e com sede em Minas Gerais:

Quadro 1
Empresas ligadas ao “agronegócio” com relacionamento
com grupos de pesquisa do CNPq sediados em MG (2010)

AGROQUÍMICOS

ARMAZENAMENTO

Adubos Santa Maria, Bayer, Bunge Fertilizantes, Fertipar Sudeste Adubos e Corretivos Agrícolas, Fosfértil Fertilizantes Fosfatados, Syngenta Proteção de Cultivos

Armazens Gerais Procafé, SAAG Sociedade de Armazenamento e Agricultura

SEMENTEIRAS

AGROINDÚSTRIA

Agrotech Sementes e Reflorestamento, 

Cotton Tecnologia de Sementes, Horti-Agro Sementes, Santa Helena Sementes, Sementes Biomatrix, Sementes Boa Esperança, Sementes Savana, Syngenta Seeds

Abdiesel, Biolaine Nutrição e Controle Animal, Cargill Agrícola, Fábrica de Produtos Alimentícios Vigor, Usina Coruripe Açúcar e Álcool, Usina Santo Ângelo, Usina Açucareira Passos, Usina Caeté, Usina Mendonça Agroindustrial e Comercial, Usina Monte Alegre

Fonte: Censo do Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq (2010).

A pesquisa com base no Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq apontou a existência de cinco usinas do setor sucroenergético localizadas no Triângulo Mineiro que declararam possuir relacionamentos com ICT's. São elas: Usina Caetê (instalada no município de Delta), três unidades do Grupo Usina Coruripe (em Iturama, Carneirinho e Campo Florido) e Usina Santo Angelo (em Pirajuba). As respectivas empresas/usinas integram o “Programa de Melhoramento Genético da Cana-de-Açúcar” implementado pela Universidade Federal de Viçosa (UFV).

A UFV, cujo campus sede se localiza na mesorregião da Zona da Mata Mineira, integra a Rede Interuniversitária para o Desenvolvimento do Setor Sucroenergético (RIDESA), uma rede interinstitucional de pesquisas de âmbito nacional que conta com a participação de dez universidades federais de várias partes do país: Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Universidade Federal de Goiás (UFG), Universidade Federal do Paraná (UFPR), Universidade Federal do Piauí (UFPI), Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Universidade Federal de Sergipe (UFS), Universidade Federal de Mato Grosso, além da própria UFV. As universidades vinculadas à RIDESA assumiram, a partir da década de 1990, as estações experimentais que pertenciam ao Programa Nacional de Melhoramento da Cana-de-Açúcar (PLANALSUCAR) e que, por sua vez, foi extinto por ocasião do fim do IAA.

No que tange à tipologia dos relacionamentos dominantes entre as empresas mencionadas e o Centro de Experimentação, Pesquisa e Extensão (CEPET), que compreende o conjunto das instalações utilizadas pelo “Programa de Melhoramento Genético da Cana-de-Açúcar” na região (está localizado no município de Capinópolis), destacam-se: (a) a pesquisa científica com consideração de uso imediato dos resultados; (b) a transferência de tecnologia da ICT para as empresas parceiras; (c) atividades de consultoria técnica. As usinas, por sua vez, transferem recursos financeiros diretamente para o programa, além de fornecer insumos materiais para as atividades de pesquisa.

Um dos resultados mais importantes da parceria entre as usinas pesquisadas e o programa de melhoramento genético da cana da UFV foi o desenvolvimento de novas cultivares, dentre elas a variedade “RB937570”, que se caracteriza pelo alto teor de sacarose (um aspecto importante, uma vez que vem se popularizando o modelo de negócios no qual o teor de sacarose é um critério de precificação do açúcar refinado), alta produtividade agrícola e bom desenvolvimento para o corte mecanizado. Além disso, a variedade “RB937570” foi desenvolvida para as características edafoclimáticas da região, todavia mostrou-se também bastante adaptável a diversas condições de solo e clima.

Com relação à eficiência da variedade “RB937570” frente à mecanização do corte da cana-de-açúcar, cabe ressaltar que se trata de uma resposta a uma demanda regional do setor. Em agosto de 2008 foi firmado entre representantes do segmento sucroenergético e órgãos do Governo Estadual o “Protocolo de Intenções de Eliminação da Queima da Cana no Setor Sucroalcooleiro em Minas Gerais” que estabeleceu um prazo até 2014 para a eliminação da queima da palha da cana-de-açúcar, prática necessária à colheita manual. O protocolo estabelece que a queima seja eliminada em 80% na cana de primeiro corte nas áreas com declividade inferior a 12% nos empreendimentos do setor instalados até 2008. O objetivo era chegar a 100% de eliminação até 2014.

A implantação do protocolo, associada aos fatores relativos à reestruturação do setor, vem contribuindo com o aumento das taxas de corte mecanizado da cana-de-açúcar. A colheita, segundo Eid (1996), foi uma das últimas fases do processo de produção canavieira a se mecanizar (as primeiras colhedeiras mecânicas foram introduzidas em meados da década de 1980). De acordo com o Programa PAMPA do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), o índice de mecanização da lavoura na colheita 2006-2007 (anterior à assinatura do protocolo) era de apenas 14%; na safra 2009-2010, essa taxa subiu para 43% (ARACRI, 2013). Na safra seguinte (2010/2011), Minas Gerais já havia atingido a marca de 79% (BOSCO, 2012).

Outro exemplo de inovação resultante de interação entre empresas e ICT's no Triângulo Mineiro e que vem beneficiando o setor sucroenergético na região foi o desenvolvimento de um fertilizante “organomineral” chamado Geofert. Esse novo tipo de fertilizante foi desenvolvido pela empresa Geociclo em parceria com a Universidade Federal de Uberlândia (UFU), a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) e a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG). As pesquisas que deram origem ao Geofert contaram com recursos do “Plano Estratégico de Pesquisa e Inovação” da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP).

O fertilizante é fabricado com a torta de filtro de cana-de-açúcar (um subproduto da indústria sucroenergética), com matéria orgânica de resíduos de aviários e com adição de elementos químicos minerais. Dado o seu menor custo de produção quando comparado com os fertilizantes minerais convencionais, o Geofert foi introduzido no mercado com um preço bastante competitivo. Segundo levantamento realizado pela Agrianual em 2015, os gastos com fertilizantes correspondiam a aproximadamente 89% dos custos totais do plantio da cana-de-açúcar – logo, adubos a preços mais baixos favorecem a competitividade do setor. Além disso, o fertilizante organomineral possui certificação ambiental e os estudos das ICT's envolvidas no seu desenvolvimento constataram um ganho de produtividade no plantio da cana da ordem de 20,5% em relação aos demais adubos disponíveis no mercado.

A Geociclo possui uma unidade de produção e um centro de “P + D” (pesquisa e desenvolvimento) localizados em Uberlândia. A empresa se beneficia de diversos fatores locacionais: presença de infraestrutura ciência e tecnologia (como, por exemplo, a Universidade Federal de Uberlândia), disponibilidade de mão-de-obra qualificada, expansão do agronegócio na região e grande disponibilidade de resíduos agroindustriais para a fabricação do fertilizante. Os fatores de ordem logística também são relevantes: de acordo com Bessa (2004), antes dos ciclos de modernização mais recentes Uberlândia já era portadora de condições historicamente construídas que lhe concederam um papel de destaque no Triângulo Mineiro. Na década de 1930 a cidade era um importante entreposto comercial – e essa função foi reforçada com a construção de Brasília na década de 1950 e com a ampliação e modernização de sua infraestrutura, composta por ferrovias, estradas de rodagem, terminais rodoviários, centrais hidrelétricas e aeroporto. Na década de 1970, com os programas governamentais de incentivo ao desenvolvimento e expansão agrícolas e de reorganização dos espaços produtivos, Uberlândia se transformou em uma cidade receptiva às novas infraestruturas econômicas, além de ser a cidade mais populosa da região e a de maior diversificação produtiva. O município também é conhecido como “Capital da Logística”, uma vez que se configura como um espaço de entroncamento, pois já existem em seu território terminais de diferentes modais de transportes, como o rodoviário, o ferroviário e o aquaviário.

4. Conclusões

Com base no que foi apresentado e discutido no tópico/ítem 3, concluímos que o setor sucroenergético na região do Triângulo Mineiro reproduz os padrões verificados na escala nacional nas últimas décadas: que a competividade internacional em produtos agropecuários e agroindustriais resulta de um processo de longo prazo de criação de instituições de ensino e pesquisa na área e do fortalecimento das interações entre firmas e tais instituições. Todavia, trata-se ainda de uma exceção, uma vez que, como assinalam Suzigan, Albuquerque e Cario (2011), a maior parte dos ramos da industria e setores de atividades no Brasil ainda não consegue mobilizar contingentes de recursos humanos em pesquisa e desenvolvimento nas mesmas proporções dos países desenvolvidos, apesar da existência de uma infraestrutura de ensino superior e pesquisa construída e consolidada.

Cabe ressaltar, no entanto, que o setor sucroenergético na região estudada também reproduz o padrão de interação universidade-empresa identificado pelos autores acima citados em âmbito nacional: os agentes produtivos acumulam conhecimento tecnológico obtido no processo de produção, gerando questões para a elaboração científica; por outro lado, as universidades e os centros de pesquisa geram, a partir da demanda das empresas, conhecimentos científicos que serão absorvidos por estas e convertidos em novos processos de produção, produtos e/ou serviços. Dessa forma, confirmam-se as teses de Rigby (2003) quando este afirma que os processos localizados de pesquisa são influenciados (ou direcionados) pela “trajetória regional”.

Outra constatação a ser considerada é que as redes de inovação do setor sucroenergético no Triângulo Mineiro não possuem uma delimitação espacial fixa, isto é, não se restringem aos limites territoriais da região. Em outras palavras, esas redes não são exclusivamente locais. Um exemplo disso é a parceria entre usinas canavieiras do Triângulo Mineiro com a RIDESA, da qual fazem partes universidades de varias partes do país, incluindo a Universidade Federal de Viçosa, que embora possua instalações de pesquisa e experimentação na região, seu campus sede está localizado na mesorregião da Zona da Mata Mineira. Nesse caso, a “proximidade geográfica” dá lugar à “proximidade organizacional”.

Referências bibliográficas

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1. Professor do Departamento de Geociências da Universidade Federal de Juiz de Fora. Geógrafo; Doutor em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: luis.aracri@ufjf.edu.br


Revista ESPACIOS. ISSN 0798 1015
Vol. 39 (Nº 14) Ano 2018

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