ISSN 0798 1015

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Vol. 39 (Nº 37) Ano 2018 • Página 30

Levantamento projeto de assentamento de reforma agrária Planalto do Retiro, Touros, RN

Survey project of agrarian reform settlement Planalto do Retiro, Touros, RN

Débora Nogueira LOPES 1; Rachel Nogueira de Sousa LOPES 2

Recebido: 12/04/2018 • Aprovado: 30/05/2018


Conteúdo

1. Introdução

2. Metodologia

3. Caracterização da área estudada

4. Análise situacional do PA Planalto do Retiro

5. Manejo da Reserva Legal e dos Agroecossistemas

6. Conclusões

Referências bibliográficas


RESUMO:

O estudo detalhado dos agros ecossistemas existentes, permite o uso de mecanismos capazes de fortalecer o desenvolvimento de atividades sem causar maiores danos ambientais. É nesse sentido que esse estudo no Assentamento Planalto do Retiro, município de Touros, Território do Mato Grande, RN, resultante do plano nacional de Reforma Agraria, busca o uso de instrumentos legais em relação ao disciplinamento do uso dos recursos naturais. Justificando-se a necessidade de um monitoramento sistemático da qualidade e distribuição dos recursos naturais.
Palavras-Chiave: Reforma agraria, recursos naturais, monitoramento.

ABSTRACT:

The detailed study of existing ecosystems allows the use of mechanisms capable of strengthening the development of activities without causing major environmental damages. It is in this sense that this study in the Planalto do Retiro Settlement, in the municipality of Touros, in the Territory of Mato Grande, RN, resulting from the National Plan for Agrarian Reform, seeks the use of legal instruments in relation to the disciplining of the use of natural resources. Justifying the need for a systematic monitoring of the quality and distribution of natural resources.
Keywords: Agrarian reform, natural resources, monitoring.

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1. Introdução

A elaboração desse estudo tem como objetivo fortalecer a conservação e ou recomposição da área de Reserva Legal do Assentamento através da apropriação por parte das famílias assentadas de tecnologias alternativas de convivência com o semiárido possibilitando a melhor exploração dos recursos naturais bem como a preservação ambiental. Além de proporcionar um conhecimento mais detalhado dos agros ecossistemas existentes, permitindo o uso de mecanismos capazes de fortalecer o desenvolvimento de atividades agrícolas sem causar maiores danos ambientais, onde o conteúdo exposto servirá como parâmetro importante na construção socioambiental do Projeto de Assentamento, de forma a garantir o desenvolvimento de atividades produtivas e ou extrativistas que garantam a melhoria da qualidade de vida das famílias.

2. Metodologia

As ferramentas metodológicas basearam-se nas informações das famílias, visitas, mapeamento dos agrossistemas existentes e consultas bibliográficas. A partir do uso da metodologia participativa e consequentemente o envolvimento das familiais assentadas, que possibilitarão o desenvolvimento no assentamento de atividades voltado para a preservação ambiental, bem como o fortalecimento das demais atividades já existentes.

3. Caracterização da área estudada

O Assentamento Planalto do Retiro, localizado no município de Touros, no Território do Mato Grande – antiga Fazenda Boa Esperança. Resultante do plano nacional de Reforma Agraria coordenado pelo Instituto de Colonização e Reforma Agraria – INCRA SR 19/RN, com área total de 1.005,0004 ha, sendo 202,1453 ha referentes à reserva legal registrada no Cadastro Ambiental Rural – CAR (AUGUSTO, 2002).

O Assentamento foi criado em 04 de março de 2004 sob o código RN 0262000 para atender 50 famílias de agricultores familiares (LUCENA JR. & DAMASCENO, 2009).

O Território do Mato Grande abrange uma área de 5.986,20 Km², composto por 16 municípios (IBGE, 2010). Ocupa importante área do território estadual, na qual encontra-se inserido no contexto do semiárido no Estado do Rio Grande do Norte, em consonância com a realidade nordestina.

No contexto de sua geografia, está circundado, ao Norte, pelo Oceano Atlântico, formando uma faixa litorânea que envolve 08 municípios; a Leste, pelo Território Terras dos Potiguaras, que tem como polo de influência a Área Metropolitana de Natal. Limita-se à Oeste, com o Território Sertão Central Cabugi e Litoral Norte; e, ao Sul, com o Território do Potengi.

O Território do Mato Grande agregava em 2007, uma população de 217.519 habitantes, correspondendo a 7,2% da população total do Estado do Rio Grande do Norte, segundo dados da Contagem Populacional realizada pelo IBGE. Dessa população, 113.054 habitantes residiam na zona rural e 104.465 residiam na zona urbana, representando 51,6% da população total. O grau de urbanização era de 48,4% e a densidade demográfica por km² correspondia a 37,5%, inferior à média do Estado, que era de 57.1% habitantes por km². Dentre os municípios mais populosos está Ceará Mirim, que abriga 30,10% da população do Território, seguido de João Câmara, com 13,99% (IBGE, 2010).

O Estado do Rio Grande do Norte apresenta-se como um dos mais carentes do Nordeste em oferta hídrica, o que decorre de uma associação de fatores tais como: ter 90,69% do seu território inserido no semiárido (48.343,60 Km²), o que corresponde a 4,55% do semiárido nordestino; depender de um regime pluviométrico extremamente irregular, de um meio físico que, em grande parte de sua superfície, não possibilita a acumulação das águas das chuvas (áreas sedimentares do semiárido), aliada a uma crescente demanda para os programas de abastecimento público e projetos de irrigação.

Vale ressaltar que o Território é uma área com uma considerável faixa litorânea e de relevo relativamente plano e pequena altitude. É uma das regiões do RN, onde o domínio das condições climáticas, ao lado das características geológicas, topográficas e da natureza física dos seus solos, tem agravado sobremaneira, a escassez hídrica.

O Território do Mato Grande é banhado pelas seguintes bacias hidrográficas: Boqueirão, Punaú, Maxaranguape, Ceará Mirim e Doce e sub-bacias de Faixa Litorânea Norte de Escoamento Difuso e Faixa Litorânea Leste de Escoamento Difuso (SEMARH, 2012). O Território é constituído pelas seguintes classes de solos: Neossolos Quartizarenicos; Latossolos Vemelho amarelo; podzolicos Vermelho Amarelo; Gley Eotrofico; Planossolo Solodico; Cambissolo Eutrófico; Bruno não Cálcico.

Apresenta uma cobertura florestal composta por resquícios de mata atlântica e mangue, protegidas por lei, e predominância de caatinga, caracterizada principalmente por duas tipologias: arbustiva arbórea densa e arbórea densa, porém ocorrendo uma terceira tipologia, definida como arbustiva arbórea aberta.

Nos últimos anos, está vegetação vem sofrendo processos de desmatamentos desordenados em função de inúmeros projetos de assentamentos, causando grandes prejuízos ao ecossistema. A vegetação existente no Território vem apresentando problemas, tais como: rebaixamento do lençol freático, aumento da salinidade das águas e solos, aumento das pragas nocivas à agricultura, aumento de processos erosivos e assoreamento dos rios e açudes, empobrecimento dos solos e baixa produtividade levados pela má utilização dos recursos naturais. Esses efeitos foram causados devido à falta de informações e orientação de técnicos qualificados, assim como, à exploração madeireira visando à obtenção de produtos florestais, tais como: vara, estaca, lenha e produção de carvão vegetal.

Estima-se que a participação dos produtos florestais no PIB do Rio Grande do Norte é de 9%, sendo 3% de forma direta e outros 6% indiretamente, principalmente através da produção industrial, que usa a lenha ou o carvão vegetal como energético. Porém, a maior importância consiste na criação de empregos, gerando renda de cerca de pelo menos 15%, ocupando, preponderantemente, trabalhadores não qualificados, notadamente no período de estiagem, que sempre ultrapassa a metade do ano, verificando-se, portanto, o caráter fixador do homem no campo (IBGE, 2010).

A situação florestal requer a tomada de medidas que visem ordenar os desmatamentos e a exploração dos recursos florestais, assegurando a continuidade da oferta de produtos florestais, conservando e preservando este valioso recurso natural.

O Território do Mato Grande apresenta evidentes agressões ao meio ambiente caracterizado por intermédio dos desmatamentos das áreas de vegetação nativas. A cobertura florestal nativa igualmente substituída pela agricultura e pela agropecuária, o que foi agravada pelas concentrações populacionais. A pressão antrópica sobre os remanescentes florestais, gerando problemas com consequências ambientais, econômicas e sociais. Os riscos de poluição dos recursos hídricos por agrotóxicos que se apresentam a partir da implantação de empreendimentos e de explorações agrícolas que, em consequência eleva o consumo de defensivos agrícolas e pelo escoamento superficial são levados pelos cursos d’água. Este fato contribui para a poluição dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos, daí a importância de monitorar esses riscos, visto que cursos d’água e mananciais subterrâneos do Território têm como uso primordial o abastecimento humano.

Outro fator restritivo são os instrumentos legais inadequados em relação ao disciplinamento do uso dos recursos naturais. Justifica-se a necessidade de um monitoramento sistemático da qualidade e distribuição dos recursos naturais do Território.

De um modo geral, percebe-se que estão presentes diversos focos de poluição e contaminação dos mananciais de água existentes no Território. Essa poluição vem sendo ocasionada por um conjunto de fatores como: lixo sem o destino adequado; esgotamento sanitário e águas servidas sem tratamento descarregadas a céu aberto em riachos, rios, lagoas ou em fossas que estão contaminando o lençol freático.

O desmatamento indiscriminado e as queimadas, práticas comuns no preparo da terra para a agricultura, também estão presentes e têm contribuído para a destruição da cobertura vegetal e da biodiversidade, comprometendo a manutenção da fauna silvestre, dos recursos hídricos naturais, a qualidade da água, o equilíbrio do clima e do solo (erosão e empobrecimento dos solos), afetando os rios e barragens com os assoreamentos.

A identificação dos problemas e fragilidades ambientais constitui elementos de importância fundamental no estabelecimento de planos e políticas públicas. De modo geral, é baixo o índice de conscientização ambiental, necessitando de campanhas e atividades de educação ambiental, aliada a uma temática/disciplina que poderá ser tratado como um tema transversal no sistema de ensino formal e complementada com atividades informais. Acerca da educação ambiental, é importante está presente em todos os momentos de implementação de programas e projetos de responsabilidade governamental e não-governamental.

Nesse sentido, ressalta-se a necessidade de incrementar a pequena participação das empresas no desenvolvimento de programas de responsabilidade social. Paralelo a isso, identifica-se o comprometimento desta população por meio de suas entidades representativas, no sentido de colaborar com o poder público na implementação de ações de sustentabilidade para a região, à medida da percepção de que, aplicadas isoladamente, isto é, sem a participação efetiva das comunidades, as ações governamentais correm sério risco de não produzirem os benefícios desejados.

3.1. Caracterização socioeconômica do Projeto de Assentamento Planalto do Retiro

O PA Planalto do Retiro é composto por 300 famílias que são organizadas em associação. A associação representa as famílias junto a órgãos e instituições na busca de políticas públicas, bem como é responsável pela organização social do assentamento.

Em relação às atividades culturais e de lazer o assentamento não possui muitas alternativas. Existe no assentamento anualmente a festa da padroeira da comunidade, que é organizada por jovens, os mesmos também organizam bingos e outras ações com o objetivo de arrecadar recursos para finalização da construção da Igreja católica. Em relação ao lazer, existe na comunidade um campo de futebol que é uma das únicas opções de lazer, principalmente para os jovens.

A Infraestrutura identificada no assentamento é muito deficitária, só existindo poço para abastecimento da agrovila. Não existe escola no assentamento, os alunos estudam em comunidades vizinhas, sendo para as séries do ensino fundamental na comunidade da Baixinha e para o ensino médio na sede do município, sendo o transporte escolar realizado em ônibus. Também não existe posto de saúde, o atendimento médico que é realizado a cada 15 dias é feito de forma precária na sede da associação.

Outra questão estrutural importante que merece destaque no assentamento é a destinação do lixo produzido na agrovila, embora o lixo doméstico não seja um problema muito visível ao chegar ao assentamento, nas visitas de campo realizadas foram constatados que os quintais estão começando a acumular bastante material não biodegradável (plástico, vidro, latas, etc.) que são enterrados ou queimados.

Os agricultores têm acesso a algumas Políticas Públicas como a Bolsa Família, Garantia Safra e PNAE.

As instituições que se fazem mais presentes neste assentamento são o INCRA, Sindicato Rural, Secretaria de Agricultura do município e o IDEC que a instituição de assistência técnica contratada pelo INCRA. Com a introdução de parques eólicos nas proximidades do assentamento algumas empresas, visando diminuir os impactos socioambientais causados pela instalação dos aero geradores, estão fomentando a realização de algumas obras estruturais no assentamento. A CERVENG com a contrapartida de mão de obra das famílias proporcionou o cercamento da área de Reserva Legal; a CPFL contribuiu na instalação de um dos poços do assentamento, proporcionou a reforma de 28 cisternas de placas que estavam com problemas de vazamento, juntamente com a associação do assentamento está construindo um centro de múltiplo uso e pretende fomentar através do Projeto Raízes a implantação de uma área de 17 hectares irrigada, para tanto será perfurado um poço e instalado o sistema de irrigação.

A única atividade econômica de exploração dos recursos naturais é a extração de madeira para produção de carvão vegetal, que nos períodos de estiagem prolongados se torna a única alternativa de geração de renda para algumas famílias do assentamento.  A extração é feita de forma desordenada sem o uso técnicas de manejo adequadas. As receitas obtidas pela comercialização do carvão juntamente com os benefícios sociais da bolsa família, mal dar para suprir as necessidades básicas dessas famílias.

No tocante a produção agrícola as famílias do assentamento em sua totalidade praticam a agricultura de sequeiro, ou seja, dependem exclusivamente do período chuvoso para efetuarem o plantio. A mandioca, milho, feijão, sorgo, abacaxi, batata-doce, melancia, dentre outras são as principais culturas plantadas pelas famílias, sendo que são usadas basicamente para alimentação da família e dos animais, de forma a não gerar renda monetária. No período que antecede o início das chuvas a área a ser planta é brocada, é feito o encoivaramento e posterior queima dos restos vegetais, nas primeiras chuvas é feito a aração com o uso de tratores ou arados a tração animal.

Quase que a totalidade das famílias não usa técnicas de manejo e conservação do solo como cobertura morta, adubação verde, rotação de culturas, pousio, outras. As áreas utilizadas para o cultivo são as áreas coletivas, pois são mais próximas da agrovila possibilitando acesso mais rápido.

A principal atividade econômica no PA Quilombo dos Palmares é a criação de bovinos, apesar de existir algumas famílias que criam ovinos, caprinos e aves caipira, sendo esta última para o consumo da família. A criação de bovinos é de forma extensiva e geralmente são utilizados os lotes das famílias para tal exploração. As famílias não têm o abito de armazenar forragem para o período de escassez de chuvas, com isso, nesse período muitas famílias são obrigadas a diminuir o seu rebanho por falta de suporte forrageiro.

Em relação ao acesso ao credito, além dos créditos iniciais de fomento para instalação do assentamento, 37 famílias já tiveram acesso ao Pronaf A e 10 famílias acessaram Pronaf Estiagem. Sendo estes recursos investidos no fortalecimento da criação de bovinos. Pelo período prolongado de estiagem e o manejo incorreto dos animais, as famílias estão tendo dificuldades em efetuar o pagamento das parcelas.

3.2. Caracterização ambiental do PA Planalto do Retiro

3.2.1. Reserva Legal – RL

Com área de 202,15 ha – 20,11% da área total do imóvel a reserva legal - RL do PA Boa Esperança está situada ao Leste do imóvel, concentrada em um único local. Sua escolha deveu-se a fatores determinantes como: representatividade do bioma, estado de conservação da cobertura vegetal e por garantir e assegurar proteção/abrigo às espécies da fauna silvestre local. De uma visão geral esta área de reserva apresenta-se preservada, em bom estado de conservação. Possui cobertura vegetal natural secundária, de aspecto denso, em estágio médio de sucessão da vegetação (LUCENA JR. & DAMASCENO, 2009).

Em estudo realizado pelo IDEC em setembro de 2014 com objetivo de verificar possíveis ações antrópica na RL do PA Boa Esperança, verificou-se que a fauna e a flora presentes na RL ainda se encontram diversificadas e em bom estado de conservação, apesar da ação de possíveis caçadores que agem na região e da retirada de matérias lenhosos (estacas, varas, lenha para produção de carvão). No tocante a fauna foram encontrados vestígios (rastros e dejetos) de alguns animais como Tatu (tolypentis tricinctus) eVeado (Cervus elaphus), sendo relatado pelos assentados a presença na RL de espécies animais como:

Mamíferos - Raposa (Vulpes Vulpes), Guaxinim (Cerdocyon), Preá (Cavia aperea), Peba (Euphractus sexccenctus);

Aves – Seriema  (Cariama cristata), Golinha (Sporophila albogularis), Rolinha (Ruddy Ground-Dove), Periquito (Brotegeris tirica), Nambú (Crypturellus strigulosus), Galo Campina (Paroaria dominicana), Azulão (Cyanocompsa brissonii), Carcará (Polyborus plancus), Gavião (Harpia harpyja), Cancão (Cyanocorax chrysops), Sabiá (Tinamus guttatus), Bem-te-vi (Pitangus sulphuratus), Coruja (Athene cunicularia), Xorró (Taraba major), Jacu (Penelope ochrogaster), Beija Flor (Ramphodon dohrmii), concriz (Icterus jamacaii), Juriti (Lepitotila verreauxi);

Repteis – Cobra Verde (Philodryas olfersii), Cobra Coral (Micrurus lemniscatus), Cobra Cascavel (Crotalus durissus), Cobra Corre Campo (Themnodynastes pallidus), Cobra de Veado (Corallus Hortulanus), cobra Salamatra (Trachemys scripta elegans), Cobra de Cipó (Chironius exoletus), Cobra Caninana (Spilotes pullatus), Camaleão (Chamaeleo chamaeleon), Tejo (Tupinambis merianae). Em relação a flora no estudo foram identificadas algumas espécies nativas: Catanduva (Piptadenia moniliformis), Espinheiro Branco (Crataegus laevigata), Umburana (Amburana claudii), Canela de Veado (Helietta apiculata Benth), Facheiro (Pilosocereus pachyeladus), Mororó (Bauhinia ungullata), Catingueira (Caesalpinia pyramidalis Tui) (Oliveira e cunha 2014).

3.2.2. Áreas de Preservação Permanente – APP

Durante os trabalhos de vistoria no Assentamento e nas conversas com famílias assentadas, além da análise de Cartas da SUDENE, não foram identificadas a existência de áreas de preservação permanente no imóvel em estudo. Existem pequenos barreiros que não estão barrando a sequência de riachos, logo, não se considerou a existência de áreas de preservação permanente (LUCENA JR. & DAMASCENO, 2009).

3.2.3. Estágios sucessionais da vegetação

O Assentamento não apresenta áreas significativas de vegetação no estágio inicial de desenvolvimento. Existem pontos desse estágio nas áreas coletivas. Em estágio médio de desenvolvimento existem cerca 721,7608 ha com predominância desse estágio. Em geral a vegetação apresenta bom estado de conservação e de fisionomia arbustivo-arbórea predominando sobre as herbáceas, cobertura vegetal fechada. Toda a área de reserva legal está incluída neste estágio de desenvolvimento. O Assentamento não apresenta áreas significativas de vegetação em estágio avançado de desenvolvimento. O Imóvel não apresenta áreas de várzeas e nem de florestas públicas nas imediações e ou no entorno do projeto de assentamento (LUCENA JR. & DAMASCENO, 2009).

3.2.4. Clima, Solos, Relevo e Recursos Hídricos

O clima, na classificação de Köppen-Geiger (1928), é do tipo As’ situado em área de transição para BSs’h’, com precipitação pluviométrica média anual da ordem de 600 a 750mm. Pela classificação bioclimática de Gaussen, o clima mediterrâneo quente ou nordestino de seca acentuada (3aTh), com valor do índice xerotérmico variando de 200 a 120 e 7 a 8 meses secos. Os solos são constituídos por associações de Argissolos Vermelho Amarelo Eutrófico e Neossolos Quartzarênicos. O relevo é plano com suaves ondulações na área da RL. Com essas características de solo e relevo não foi identificado indícios de erosão, havendo possibilidade de erosão laminar nas áreas cultivadas onde o solo está totalmente exposto, principalmente nas áreas coletivas e em alguns lotes, que pode ser evitada com a utilização de práticas conservacionistas (LUCENA JR. & DAMASCENO, 2009).

Quanto à disponibilidade hídrica (quantidade/qualidade) existem dois poços tubulares no Assentamento, ambos apresentam água salobra apropriada somente para consumo animal. O assentamento não apresenta potencial para aproveitamento de água de superfície através de açudes em razão da topografia plana. As 50 famílias possuem cisternas de placas com capacidade para 16000 litros de água captados da chuva através do telhado que serve para beber e cozinhar, algumas famílias têm suas cisternas também abastecidas por carro pipa.

Além das cisternas de água para beber existe no assentamento 12 cisternas calçadão com capacidade para 52000 litros de água da chuva captada através do calçadão que serve principalmente para produção de alimentos (hortaliças, frutas e grãos), bem como para a criação de pequenos animais. Não foram identificados cursos d’água no Assentamento nem a ocorrência de mananciais (olho d’água, nascente, fonte perene e açudes). Com isso o imóvel apresenta disponibilidade hídrica limitada em quantidade e qualidade.

4. Análise situacional do PA Planalto do Retiro

Baseado na caracterização socioeconômica e ambiental do PA Planalto do Retiro pode-se analisar que é necessário a realização de um Plano de Manejo Ambiental que englobe todos os agroecosistemas existentes no assentamento (Áreas coletivas, lotes e quintais), bem como a área de Reserva Legal - RL. Com isso serão diminuídos os impactos ambientais causados pela agropecuária, como também será possibilitada a melhoria da qualidade de vida das famílias. Para tanto devemos identificar as oportunidades e ameaças e sua zona de amortecimento, para que sejam definidos os elementos da gestão e os cenários futuros.

  No quadro abaixo estão descritas as oportunidades, ameaças e zona de amortecimento para os agroecossistemas e RL do PA Planalto do Retiro.

Quadro 1
Análise situacional do PA Planalto do Retiro

 

Oportunidades

Ameaças

Zona de Amortecimento

Áreas coletivas

Cultivos diversificados para garantia da soberania alimentar, suporte forrageiro para os animais e geração de renda.

Esgotamento do solo, predisposição a erosão laminar, uso de insumos químicos.

Uso de práticas de conservação do solo (cobertura morta, rotação e consorcio de culturas, pousio, adubação verde), uso dos princípios agroecológicos.

Lotes

Potencialização da criação animal para geração de renda.

Desmatamento, pastejo intenso, degradação do solo.

Criação de pequenos animais, pastejo rotativo, manejo silvipastoril.

Quintais

Garantia da soberania alimentar.

Lixo inorgânico, deficiência hídrica.

Seleção do lixo, uso de técnicas de aproveitamento das águas residuais.

 

 

Reserva Legal

Preservação da fauna e flora, aproveitamento de espécies madeireiras (estacas e varas), desenvolvimento de atividades alternativas (apicultura), Alternativa de alimentação animal durante a estiagem.

Queimadas, caça predatória, desmatamento, pastejo animal intenso.

Apropriação e fiscalização por parte das famílias da RL, manejo florestal, manejo silvipastoril.

5. Manejo da Reserva Legal e dos Agroecossistemas

A proposta de um sistema de produção sustentável para regiões semiáridas deve levar em conta que, geralmente, os ecossistemas são frágeis, e que a conservação de seus recursos naturais renováveis merece atenção especial. Deve-se ficar atento ao fato de que, quase sempre, a pecuária constitui a exploração mais adequada a essas regiões. Assim, a presença da atividade pastoril como um dos componentes do sistema de produção parece ser fundamental para sua sustentabilidade ecológica, econômica e social. Deve-se dar ênfase à exploração pecuária, preferencialmente, com base nas pastagens nativas e/ou enriquecidas, pois as áreas com melhor potencial devem ser utilizadas para o componente agrícola (ARAÚJO FILHO, 2013).

5.1. Manejo dos recursos florestais da RL

Para a RL em questão o manejo florestal sustentável se configura como alternativa de apropriação por parte das famílias assentadas dos recursos naturais de forma a minimizar as ameaças que podem afetar a área de reserva. A exploração será sem propósito comercial, ou seja, para uso na própria propriedade. Para tanto só poderão ser explorados mourões, estacas e varas, para recomposição de cercas nos lotes, áreas coletivas e quintais, bem como da própria RL. No Quadro 2 estão descritas as quantidades que poderão ser retiradas da RL no período de um ano.

Quadro 2
Manejo dos recursos florestais

Materiais

Quantidade/família/ano

Total/ano

Varas

50

2500

Estacas

30

1500

Mourões

10

500

Além da exploração citada no quadro acima será de responsabilidade das famílias beneficiadas a recomposição de algumas espécies florestais nativas através do plantio de mudas e ou sementes no período de inicio das chuvas na região. Para cada estaca ou mourão coletado o beneficiário terá que efetuar o plantio de duas mudas de espécies apropriadas para tal finalidade.

5.2. Manejo pastoril e apícola na RL

Há diversos modelos de sistemas de produção silvipastoris para a região da caatinga, podendo ser incluídos nessa categoria os bancos de proteína, a caatinga manipulada e os lotes florestais (ARAÚJO FILHO, 2013).

Na área de reserva legal, o rebanho, que deve ser de acordo com a capacidade de suporte de pastejo, poderá ser introduzido em alguns períodos específicos conforme Quadro 3.

Quadro 3
Capacidade de suporte de pastejo

Início do período chuvoso – permanência por 30 dias

Rebanho

Animais/há

Total na RL

Bovino

0,5

100

Ovino

2

400

Caprino

2

400

Inicio do período seco – permanência por 60 dias

Rebanho

Animais/ha

Total na RL

Bovino

0,5

100

Ovino

2

400

Caprino

2

400

Conforme descrito no quadro acima os animais só podem permanecer na RL por um período de no máximo três meses durante o ano, não podendo ser excedido e nem desobedecido a quantidade máxima de animais.

Outra atividade econômica que pode ser explorada na RL sem causar danos ambientais é a apicultura. Essa atividade se configura em uma das atividades mais rentáveis do ponto de vista econômico, pois não são usados nenhum tipo de insumo e a produtividade é elevada. Do ponto de vista ambiental a apicultura favorece de forma concreta a preservação de espécies silvestres.

5.3. Manejo dos Agroecosistemas

A produtividade de um agroecossistema expressa a produção por unidade de área ou de insumo. Todavia, o aumento da produtividade nem sempre constitui o objetivo mais desejado pelo agricultor, sobretudo em condições de alto risco, quando, então, a redução do risco e a consequente otimização da produção passam a ser as metas a serem alcançadas. Em que, pese a agricultura moderna, os investimentos tecnológicos, em busca de uma produtividade cada vez maior, estão tornando as culturas alimentares mais vulneráveis a epidemias (ARAÚJO FILHO, 2013).

5.4. Manejo Silvipastoril dos Lotes

Na região semiárida do Nordeste, a pecuária segue o modelo de exploração misto, com cerca de 90% das propriedades criando bovinos, caprinos e ovinos, simultaneamente. O regime de criação é predominantemente extensivo, baseado em condições de sobre pastejo, constituindo a vegetação da caatinga a principal e, em muitos casos, a única fonte de alimento para os rebanhos. A disponibilidade insuficiente, aliada à baixa qualidade da forragem, principalmente no período seco, resulta nos baixos índices de produção e produtividade dos animais.

Para se ter uma ideia, a capacidade de suporte para bovinos da maioria dos sítios ecológicos da caatinga é de 10-12 ha/animal/ano, com a produção anual de 8 kg de peso vivo animal por hectare. Por outro lado, nunca é demais enfatizar que o agricultor deve adotar sempre técnicas de pastoreio conservadoras, evitando o super pastoreio e zelando pelo bem-estar da pastagem (ARAÚJO FILHO, 2013).

Os lotes do PA Planalto do Retiro apresentam em sua maioria áreas com vegetação secundaria que poderão ser usadas para o manejo silvipastoril. Cada lote individual possui 12 hectares, sendo a principal atividade a criação de bovinos, existe hoje cerca de 150 cabeças distribuídas em aproximadamente 15 famílias do Assentamento. O manejo desses animais nos lotes é feito de forma desordenada, ocorrendo o sobrepastejo. Partes dos lotes são totalmente desmatados e os animais são colocados para pastejar durante o ano inteiro, no período seco essas áreas ficam totalmente desprovidas de forragem, obrigando as famílias a buscarem forragem em outros locais, isso encarece o custo de produção acarretando a venda dos animais por um preço bem inferior ao de mercado. O manejo silvipastoril das áreas de lotes aproveitando a vegetação remanescente da caatinga e o seu enriquecimento com espécies forrageiras adaptadas, tornará possível a atividade agropecuária sem causar danos econômicos às famílias e ao mesmo tempo resultará em ganhos ambientais através de práticas conservacionistas.

   Do ponto de vista da produção de forragem, a vegetação lenhosa da caatinga pode ser manejada com o objetivo de aumentar a produção e a disponibilidade de forragem, tanto do estrato arbustivo-arbóreo, como do herbáceo. No que tange ao estrato herbáceo, objetiva-se enriquecê-lo com novas espécies exóticas ou nativas e estabilizar sua composição florística ao longo dos anos, principalmente se constituído por espécies anuais. No caso do estrato lenhoso, além das mudanças na composição florística e na arquitetura, constituem objetivos importantes o repovoamento de áreas de vegetação degradada, com espécies nativas, e a formação e o manejo de bancos de proteína (Araújo Filho 2013).

Os lotes serão manejados para a criação animal utilizando as técnicas de: rebaixamento com manejo das rebrotações, raleamento e enriquecimento. O rebaixamento feito através da broca manual das espécies lenhosas com o objetivo de aumentar o acesso a forragem de arvores e arbustos, melhorar a qualidade alimentar da dieta dos animais e estender a produção de folhagem verde por mais tempo na estação seca.

O raleamento da vegetação arbórea e arbustiva consiste no controle seletivo de espécies lenhosas com o objetivo de reduzir o sombreamento e a densidade de arvores e arbustos indesejáveis e consequentemente aumentar a produção de forragem. Para aplicação das técnicas citadas acima o lote será dividido em 4 piquetes com 3 ha cada um, e a depender do tipo de vegetação existente em cada piquete será aplicada uma das técnicas acima ou mais de uma ao mesmo tempo. Para as áreas totalmente desmatadas será introduzido plantio de forrageiras adaptadas como a Palma forrageira, bem como um banco de proteínas com o uso de gliricidia, leucena e moringa para produção de silagem.

5.5. Manejo Agroecológico das áreas coletivas

As áreas coletivas do PA Planalto do Retiro são os agroecossitemas mais explorados pelas famílias. Neles são cultivadas basicamente culturas anuais como mandioca, milho, feijão, sorgo, dentre outras. Com isso são as áreas que apresentam maiores impactos ambientais negativos, pois grande parte está totalmente desmatadas e sujeitas a erosão laminar, além das práticas utilizadas nos cultivos como queima dos restos vegetais, monocultivo e uso de insumos químicos que contribuem para a degradação do solo.

   Para reduzir os impactos causados pelo uso inadequado do solo pode-se adotar algumas práticas conservacionistas como:

As práticas acima citadas devem ser realizada anualmente de forma a potencializar os efeitos benéficos para a conservação do solo e consequentemente melhoria da produção.

5.6. Manejo Ecológico dos quintais produtivos

A proposta de manejo de quintais consiste no fortalecimento estrutural, funcional e da base de conhecimentos existentes nas famílias sobre o uso dos recursos vegetais e animais no espaço próximo às casas. Dessa forma, cresce o papel dos quintais na geração de alimentos para consumo e geração de renda nos agro ecossistemas mais diversificados e com maior sinergia entre os seus subsistemas.

Os quintais do PA Planalto do Retiro têm potencial para desenvolvimento de atividades produtivas, porem apresentam algumas limitações como pouca disponibilidade de água, estrutura deficiente e acumulo de lixo.

A tecnologia de reuso de água servida a partir do Bioágua Familiar consiste num processo de filtragem por mecanismos de impedimento físico e biológico dos resíduos presentes na água cinza, sendo a matéria orgânica biodegradada por uma população de microrganismos e minhocas (Eisenia foetida). Com a digestão e absorção da matéria orgânica retida na água pelas minhocas, ocorre a retirada de seus principais poluentes (Santiago, et al 2012). A água de reuso é utilizada num sistema fechado de irrigação destinado à produção de hortaliças, frutas, plantas medicinais e outros tipos de alimentos. Com a implantação dessa tecnologia seria suprida a deficiência de água existente nos quintais produtivos.

Ao mesmo tempo em que resolve um problema de poluição ambiental, a água cinza, promove a segurança alimentar através da produção de alimentos; apresenta um baixo custo de implantação e manutenção (o custo de energia é baixo); operacionalização adequada à dinâmica e disponibilidade de mão de obra familiar; não contamina e não produz mau cheiro devido aos processos biológicos usados; água de reuso para irrigação já com boa quantidade de nutrientes; rápida instalação e início de operação; sistema modular com possibilidade de ampliação e adaptação as condições de cada caso.

A cerca viva seria uma das alternativas estruturais para isolamento dos quintais. Podendo ser usada plantas como sabiá, leucena ou gliricidia que alem da função de isolamento do quintal podem ser usadas como forragem paras os animais.

Em relação ao lixo, através de processo educativo, fazer a separação dos materiais de forma a possibilitar o seu reaproveitamento. 

Com a implantação das tecnologias alternativas citadas, tornará possível o desenvolvimento de atividades diversificadas como a criação de pequenos animais e produção de frutas e hortaliças, de forma a garantir a soberania alimentar das famílias e ao mesmo tempo diminuir os impactos ambientais.

6. Conclusões

O plano de manejo ambiental é de fundamental importância para a preservação dos recursos naturais existentes no assentamento, além de proporcionar alternativas produtivas que viabilizem a soberania alimentar e a geração de renta sem causar grandes impactos ambientais. Com isso podemos concluir que:

Com a implantação do plano de manejo ambiental haverá por parte das famílias assentadas uma maior apropriação da área de reserva legal e com isso maior proteção da mesma;

Através das técnicas de convivência com o semiárido descritas no plano de manejo ambiental as famílias assentadas poderão desenvolver atividades produtivas sem causar danos ambientais;

A partir do manejo silvipastoril nos lotes será possível o desenvolvimento da atividade agropecuária e a minimização dos impactos ambientais causados pelo super pastejo;

O manejo agroecológico das áreas coletivas e dos quintais produtivos será fundamental na diversificação da produção e garantia da soberania alimentar, além de propiciar incremento na renda das famílias sem afetar o meio ambiente;

O plano de manejo ambiental possibilitará a preservação das áreas de reserva legal, pois trará alternativas de exploração sustentável para as demais áreas do assentamento, de forma a proteger a biodiversidade existente nas áreas de proteção ambiental.

Referências bibliográficas

AUGUSTO, J. Laudo de Vistoria e Avaliação Fazenda Boa Esperança. 2002. 19p. Natal, INCRA/RN.

ARAÚJO FILHO, J. A. de. Manejo pastoril sustentável da caatinga: Projeto Dom Helder Câmara, 2013. 200p. Recife, PE. Obtido em: http://www.cstr.ufcg.edu.br/ppgz/manejo_pastoril_sustentavel_caatinga.pdf

IBGE. Censo de 2010. Obtido em: http://cidades.ibge.gov.br/xtras/uf.php?coduf=24

KOPPEN, W. & GEIGER, R. Klimate der Erde. Gotha: Verlag Justus Perthes. Wall-map 150cmx200cm, 1928.

LUCENA JR., J. B. & DAMASCENO, G., L., X. Relatório Ambiental Simplificado PA Boa Esperança. 2009. 10p. Natal, INCRA/RN.

SEMARH. Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos. Relatório Síntese – Plano Estadual de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos do Rio Grande do Norte. 2012. Natal, RN.


1. Geóloga, Pós-graduanda no Curso de Ciências Naturais no Departamento de Gestão Ambiental na Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN), Mossoró/RN. E-mail: deboranogueira@hotmail.com.br

2. Agrônoma, Especialista em Gestão Pública pela Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB). Atuante no Instituto Potiguar de Desenvolvimento de Comunidades (IDEC), São Miguel do Gostoso/RN


Revista ESPACIOS. ISSN 0798 1015
Vol. 39 (Nº 37) Ano 2018

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