ISSN 0798 1015

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Vol. 39 (Nº 43) Ano 2018. Pág. 30

Formação do professor-alfabetizador no movimentum de uma gestão curricular ativa

Training of the literacy teacher in the movimentum of an active curricular management

Adriana Cavalcanti dos SANTOS 1; Maria Auxiliadora da Silva CAVALCANTE 2; Silvana Paulina da SILVA 3 Elton Casado FIREMAN 4

Recebido: 14/05/2018 • Aprovado: 30/06/2018


Conteúdo

1. Introdução

2. Metodologia

3. Resultados

4. Concluções

Referências bibliográficas


RESUMO:

Neste texto, movem-se reflexões para defender o princípio de que a formação do professor no Brasil, com vistas a mudanças curriculares e no desempenho dos alunos, implica numa concepção de formação que dialogue com o movimentum de uma gestão curricular de alfabetização ativa. Busca-se discutir e problematizar as concepções de formação de professores-alfabetizadores a partir contradição entre o discurso da política de formação continuada, instituída pelo MEC, por meio do PNAIC, e os discursos dos professores participantes dessa política.
Palavras chiave: Formação de professores; Políticas públicas; Alfabetização.

ABSTRACT:

In this text, reflections are moved to defend the principle that teacher training in Brazil, with a view to curricular changes and the students performance, implies a conception of training which dialogues with the movimentum of an active literacy curriculum management. The aim is to discuss and problematizing the conceptions of literacy teacher training from the contradiction between the discourse of continuing education policy, instituted by the MEC, through the PNAIC, and the discourses of teachers participating in this policy.
Keywords: Teacher training; Public policy; Literacy.

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1. Introdução

Ancorados no pressuposto de que ainda, no século XXI, precisamos abordar o necessário redirecionamento dos rumos dos processos de formação continuada (FC) do professor alfabetizador no Brasil, objetivamos, neste texto, discutir e problematizar perspectivas de formação de professores a partir da contradição entre os discursos da política de formação de professores alfabetizadores, implementada pelo Ministério da Educação (MEC), por meio da Portaria nº 867, de 4 de Julho de 2012, que instituiu o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), e os discursos dos professores alfabetizadores participantes do referido processo de formação. Esses, por sua vez, delineiam outras possibilidades de ser entender e se vivenciar um processo de formação docente.

Nos termos do MEC, o PNAIC se caracteriza como “um compromisso formal e solidário assumido pelos governos Federal, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, desde 2012, para atender a meta 5 do Plano Nacional da Educação (PNE)” (Brasil, 2017, p. 3). A referida meta define a obrigatoriedade de “Alfabetizar todas as crianças, no máximo, até o final do 3º (terceiro) ano do ensino fundamental”.

Ao longo de nossas investigações (Santos, 2017) no interior das escolas públicas, os discursos dos professores soam como clamores por mais qualidades nos processos de FC, no sentido de potencializarem mudanças em suas práticas curriculares (Leite & Fernandes, 2010). Dessa forma, reportamo-nos ao princípio de que é preciso defender a formação do professor construída dentro da profissão (Nóvoa, 1995).

As pesquisas desvelam que o mesmo modelo/concepção de formação continuada vem sendo experienciado pelos sujeitos da investigação desde início do século XXI, por meio do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (PROFA) e do PNAIC – este em vigência nos dias atuais. E há de se considerar que os professores investigados, em sua grande maioria,  participaram de outros programas de formação de professores, entre eles, o Pro-Letramento (Cavalcante, Santos, Freiras, & Barros, 2015).

Nesse texto, optamos por fazer um recorte temporal sobre a concepção de formação de professores-alfabetizadores no Brasil nos últimos cinco anos, mais especificamente, com foco no PNAIC, considerando o desdobramento que tal política vem se moldando para atender aos interesses do governo central e, nos termos do MEC, intervir nos índices de estagnação do desempenho das crianças ao término do ciclo de alfabetização, aferidos pela Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA). Nossos argumentos, ao longo do texto, e em diágolo com os sujeitos da investigação apontam que as perspectivas sobre a formação de professores-alfabetizadores, tendo como princípio norteador suas práticas curriculares e a formas de redirecioná-las, construídas em seus imaginários sociais, deveriam ser o eixo central da política de formação nacional.

1.1. Singularidades e desdobramentos do PNAIC

Aos professores alfabetizadores no Brasil, mais especificamente, à sua formação contínua no âmbito do PNAIC, são atribuídos os resultados negativos das crianças no desempenho de habilidades de leitura, escrita e matemática, aferidos por meio da aplicação da ANA. Esse entendimento nos parece um equívoco, pois cinco anos de intervenção do governo central, por meio de uma política de formação do professor alfabetizador, não são suficientes para provocar mudanças nas práticas curriculares, e melhorar a qualidade do ensino e o desempenho das crianças em processo de alfabetização.

Numa perspectiva geral, em 2016, os resultados da ANA demonstram que  a maioria das crianças avaliadas em leitura e escrita nas escolas públicas brasileiras, concluíram o ciclo de alfabetização, 53,69% apresentaram resultados insuficientes no que diz respeito às habilidades de leitura avaliadas.

Quando analisamos os resultados por estados brasileiros, tais índices de insuficiência ainda aparecem muito mais preocupantes. No que diz respeito ao Estado Alagoas/Brasil, a avaliação mostra que 86,24 % das crianças avaliadas apresentaram resultados insuficientes em Leitura. Esses níveis de insuficiência em leitura são descritos a partir da dificuldade de as crianças avaliadas em:

Ler palavras dissílabas, trissílabas e polissílabas com estruturas silábicas canônicas, com base em imagem. II) Ler palavras dissílabas, trissílabas e polissílabas com estruturas silábicas não canônicas, com base em imagem. III) Identificar a finalidade de textos como convite, cartaz, texto instrucional (receita) e bilhete. IV) Localizar informação explícita em textos curtos (com até cinco linhas) em gêneros como piada, parlenda, poema, tirinha (história em quadrinhos em até três quadros), texto informativo e texto narrativo. V) Identificar o assunto de textos, cujo assunto pode ser identificado no título ou na primeira linha em gêneros como poema e texto informativo. VI) Inferir o assunto de um cartaz apresentado em sua forma estável, com letras grandes e mensagem curta e articulação da linguagem verbal e não verbal (INEP/MEC, 2013 p. X).

Se quase 90% das crianças não se apropriaram dos conhecimentos necessários para ler e escrever, revelando, assim, as fragilidades do processo de alfabetização no Estado de Alagoas/ Brasil, resta-nos perguntar: por que não conseguimos alfabetizar nossas crianças?

Queremos demarcar a nossa preocupação, como docentes da única universidade federal pública do citado estado, com os rumos das políticas de formação do professor alfabetizador, pois as avaliações externas, que têm como propósito regular o processo de ensino e de aprendizagem das instituições escolares, e consequentemente apontar mudanças curriculares na formação docente, revelam que é necessário repensar o currículo da formação continuada.

Tais resultados, salvaguardando as críticas, pois as referidas habilidades são prescritas pelo MEC, especificamente na Matriz de Referência do Documento Básico da ANA (INEP/MEC, 2013), demonstraram que, historicamente, estão postos os necessários desafios para se reverter os rumos da formação inicial e continuada do professor alfabetizador no Brasil, que implicam, entre outros aspectos, na qualidade dos processos de alfabetização das crianças, de modo a promoverem mudanças educacionais e curriculares mais flexíveis e inovadoras (Leite & Fernandes, 2010).

Diante desse cenário, movido pelos resultados da “estagnação” da alfabetização, no período de 2013-2016, o Ministério da Educação brasileiro instituiu, em 2018, por meio da Portaria n. 04/2018, o Programa Mais Alfabetização, “que visa fortalecer e apoiar as Unidades Escolares no processo de alfabetização dos estudantes regularmente matriculados nos 1º e 2º anos iniciais do ensino fundamental” (Resolução 04/2018/Diário oficial da União). Desse modo, os baixos resultados da ANA estão a implicar, hodiernamente, em mais mudanças no encaminhamento das políticas de formação do professor alfabetizador, ainda incertas, no cenário nacional.

Segundo a referida resolução, o Programa Mais Alfabetização será implementado ainda em 2018, com o propósito de garantir apoio adicional aos alunos do ciclo de alfabetização, prioritariamente aos matriculados no turno regular e que apresentam baixos índices de aprendizagens nas áreas avaliadas pela ANA, Língua Portuguesa e Matemática. Esse apoio será assumido por um assistente de alfabetização, e sua intervenção dar-se-á em parceria com o planejamento do professor alfabetizador. Esse assistente de alfabetização estará à disposição das escolas, mais especificamente das turmas do ciclo de alfabetização, por um período de cinco horas semanais. E, em casos excepcionais, por um período de dez horas semanais nas Unidades Escolares mais “vulneráveis, ou seja, nas instituições que apresentaram índices mais baixos de desempenho das crianças na ANA.

Diante da proposta do MEC, questionamos: de que modo um assistente de alfabetização pode contribuir para melhorar a qualidade dos processos de aprendizagens das crianças no ciclo de alfabetização? E esse ator ao inserir-se no cotidiano escolar, contribuirá em quais contextos na gestão curricular da alfabetização?

Segundo a mencionada resolução, a formação do professor alfabetizador, do assistente de alfabetização, das equipes de gestão das Unidades Escolares e das Secretarias de Educação será elemento indissociável no Programa Mais Alfabetização. Essa resolução também mostra que tal formação dar-se-á em consonância com os normativos do PNAIC, o que implica o fomento de uma rede de cultura de colaboração no interior da escola. Mas é preciso entender que a cultura de colaboração “de um modo mais complexo envolve escolhas e dilemas que envolvem “decisões éticas, políticas e pragmáticas profundas, em termos de valores, de propósitos e de orientações” (Hargreaves, 1998, p.280).

Mediante instituição do referido Programa, questionamos ainda: qual modelo/concepção de formação está subjacente à articulação dos diferentes atores (professores, assistente de alfabetização e equipe de gestão) em consonância com os normativos do PNAIC? O apoio adicional de um assistente de alfabetização ao professor alfabetizador se respalda em qual concepção de formação de professores? E, para se modificar os resultados da “estagnação” dos alunos em processo de conclusão do ciclo de alfabetização, o professor alfabetizador precisa, de fato, de um assistente de alfabetização em sua turma?

Se o redirecionar das práticas pedagógicas implica, entre outros aspectos, em mudanças curriculares, incluindo as políticas e práticas de avaliação externa e internas as escolas, há que se questionar os contributos ou não do assistente de alfabetização nos loci das escolas, e de que modo dialogam ou não com os normativos do PNAIC. 

2. Metodologia

Tendo por referência o objeto de investigação enunciado, foi realizado um estudo de natureza qualitativa (Bogdan & Biklen, 1994; Bauer & Gaskel, 2002). Nesse estudo, os dados   analisados consistem em 10 (dez) discursos de professores-alfabetizadores, que na ocasião do PNAIC assumiram a função de orientadores de estudo. Os referidos orientadores de estudo dos grupos de formação foram selecionados por ser professores-alfabetizadores com experiências exitosas no ciclo de alfabetização. Nos termos do MEC, incorporavam a perspectiva “coaching” e da formação entre pares, e cada orientador de estudo coordenaria os encontros de formação com até 30 professores-alfabetizadores em seus loci de atuação.

Os discursos revelam concepções de formação continuada dos participantes, e foram selecionados entre 295 (duzentos e noventa e cinco) questionários de avaliação da formação, aplicados ao término do primeiro encontro de formação continuada do PNAIC, ocorrido no ano de 2016 em Alagoas/Brasil, gerenciada por uma equipe de coordenadores do Plano de Formação do referido Pacto do Centro de Educação, da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Esses questionários, cujos dados coletados permitiram o (re)pensar o processo de formação, entre outras indagações, problematizava: Qual a sua concepção sobre formação continuada? E, em termos teórico-metodológico, como deveria acontecer o processo de formação continuada do professor alfabetizador?

Os dados qualitativos foram analisados com base no princípio da análise textual discursiva (Moraes & Galiazzi, 2013), considerando os aspectos dialógico da linguagem, relação eu-outro, e partindo do princípio de que a “experiência verbal individual do homem toma forma e evolui sob o efeito da interação contínua e permanente com os enunciados individuais do outro” (Bakhtin, 1986, p.313).

3. Resultados

Como discorreremos ao longo da análise e discursão dos dados, os discursos sinalizaram que a formação do professor-alfabetizador implicaria em: continuidade da formação inicial; desenvolvimento profissional; momentos de estudos e aprendizagens da docência; espaço de socialização e troca de experiências de alfabetização; reflexão sobre a prática; mudanças educativas; melhoria qualidade da educação e, sobretudo, valorização da carreira docente.

3.1. Concepções de formação do profesor alfabetizador

Uma análise das perspectivas discursivas sobre a formação continuada do professor alfabetizador no âmbito do PNAIC no Brasil é primordial por dois motivos: primeiro, essa política/programa/pacto de formação oficial, defende um modelo de formação em cascata, multiplicadores, e regulador das temáticas problematizadas nos encontros de formação; e, em segundo, os professores partícipes da referida formação “clamam” por outros modelos formativos. E que estes, ao serem vivenciados na escola, tenham por essência a reflexão sobre as suas experiências profissionais e gestão do processo de alfabetização, em especial constituídas por/na vivência de práticas curriculares durante o desenvolvimento profissional, e que se materializa em uma cultura docente (Santos, 2017).

Hargreaves (1998, p. 9) afirma que “a qualidade, a amplitude e a flexibilidade do seu [professor] trabalho na sala de aula estão estreitamente ligados ao seu crescimento profissional, à forma como se desenvolvem enquanto pessoa e enquanto profissional”. E a forma como ensina, prática curricular, também “está enraizada nos seus antecedentes, nas suas biografias e no tipo de docentes em que se tornaram (idem, ibidem)”. Nesse caso, em diálogo com os discursos dos professores-alfabetizadores, que na ocasião da coleta de dados, assumiram a função de orientadores de estudo, tentaremos mostrar que os discursos dos professores apontam para o entendimento de que a formação do professor-alfabetizador para a mudança educativa implica no seu crescimento pessoal e profissional no movimentum de reflexão-ação-reflexão sobre a prática docente a partir de uma gestão curricular ativa, na sala de aula e no âmbito da escola. Partindo do princípio de que “o reconhecimento do professor como prático reflexivo reconhece a riqueza da experiência que reside em bons professores” (Zeichner, 1993, p,17) e que podem ser problematizadas e ressignificadas em seus contextos de formação.

3.1.1. Concepções de formação de professores alfabetizadores: um encontro interdiscursivo entre discursos

Como temos defendido ao longo do texto, o professor-alfabetizador tem uma concepção de formação continuada que nem sempre dialoga com os modelos implementados pelo governo central. E a medida que começam a compreender que a formação contínua pressupõe o seu desenvolvimento profissional e o (re)direcionamento de suas práticas afirmam que:

O processo de formação continuada é o refinamento das nossas práticas através de estudos e troca de experiências, com nossos pares e com outras profissionais (PROFESSOR 1).

A concepção de formação continuada se configura num momento de compartilhar experiências, no sentido de refletir a prática, visando à restruturação didática e metodológica. Ampliando, assim, nossas concepções de alfabetização (PROFESSOR 2).

A formação continuada deve ocorrer sempre. E é importante que ocorra dentro da escola. E que a própria escola possa proporcioná-la (PROFESSOR 3).

Os professores-alfabetizadores em seus discursos reúnem o entendimento do cerne de um processo de formação contínua, o que implica em mudanças nas práticas curriculares por meio de troca de experiências com os seus pares e com outros profissionais da escola, de modo que, essas mudanças, possam mediar uma reestruturação didática, metodológica e curricular, ampliando seus saberes docentes (Tardif, 2002). Evidenciam, assim, o entendimento de que no processo de formação contínua nos lócus da escola, nas dimensões didática, curricular, sociológica e epistemológica, a colaboração entre os professores pode se constituir em um aliado às mudanças curriculares.

No entanto, estamos a pensar em contextos formativos propulsores de mudanças em um cenário de complexidades, na certeza de que

 [...] discutir formação de professoras alfabetizadoras na atualidade exige considerar a constituição multifacetada da profissionalidade docente, as formas de organização das instituições escolares, aspectos históricos do fenômeno alfabetização em suas variadas acepções e as políticas públicas para a educação demandadas por organismos internacionais com forte influência sobre a ação docente (Aguiar, 211, p.566).

Para além das generalizações, os professores ajudam a reconstruir culturas e identidades nacionais (Hargreaves, 1998). Desse modo, seus processos de formação contínua, como temos afirmado, implicam e são implicados pelo movimentum de reflexão-ação-reflexão com/sobre a prática no cerne de uma gestão curricular ativa. Nesse pensar, os excertos que seguem introduzem novos argumentos ao texto:

o processo de formação é caracterizado como formação em serviço. Assim sendo, deve contemplar as necessidades de minimização dos problemas do cotidiano escolar para implementação de ações capazes de garantir uma educação contextualizada, inclusiva e de qualidade. Ao meu ver um grande desafio (PROFESSOR 4).

[formação continuada] são momentos de orientação, discussão, avaliação e aquisição de novos conhecimentos sobre pressupostos teóricos e metodológicos da alfabetização essenciais para a mudança da nossa prática pedagógica (PROFESSOR 5).

em se tratando de ser alfabetizador, esse deve estar em formação permanente a fim de atender as demandas sociais modernas, apresentadas à escola. E que remetem a reformulação de novas aprendizagens, aquisição e/ou revisitação do conhecimento sobre alfabetização (PROFESSOR 6).

Esses excertos apontam para a necessidade de mudanças na prática docente, e no êxito da formação profissional para atender as demandas das práticas curriculares cotidianas, na certeza de que para ser professor na atualidade não é suficiente dominar apenas um determinado conhecimento (da matéria), mas é necessário compreendê-lo em todas as suas dimensões (Shulman, 1986) e as complexidades do fazer docente cotidiano. Defender um processo de formação continua, por si só, não dá conta de ressignificar as práticas curriculares cotidianas, a medida que implicam pensar e fazer uma “escola curricularmente inteligente” (Leite, 2003). Com esse conceito a autora defende que uma

instituição que não depende exclusivamente de uma gestão que lhe é exterior, porque nela ocorrem processos de tomada de decisão participados pelo colectivo escolar e onde, simultaneamente, ocorrem processos de comunicação real que envolvem professores e alunos e, através deles, a comunidade na estruturação do ensino e na construção da aprendizagem (LEITE, 2003, p. 125).

Como se compreende, com base no postulado da autora, uma gestão curricular ativa é capaz de gerenciar os processos formativos dos seus professores no interior da escola, a partir de decisões do coletivo escolar. No entanto, os discursos dos professores partícipes da investigação e os rumos dos processos de formação do professor no Brasil, ainda, em muitos contextos, implementados por meio de programas oficiais, estão a construir um sentido para o coletivo escolar. E que esperamos um envolvimento ativo dos professores-alfabetizadores, os quais são capazes de propor uma formação mediada pelos desafios e êxitos da gestão dos processos de alfabetização na escola. Nesse sentido, defendemos que:

o envolvimento dos docentes no processo de mudança educativa é vital para o seu sucesso, especialmente se a mudança é complexa e se se espera que afecte muitos locais, durante longos períodos de tempo. Se desejamos que este envolvimento seja significativo e produtivo, então ele deve representar mais do que novas técnicas de ensino (Hargreaves, 1998, p.12). 

Na continuidade das reflexões, reconhecendo que os professores são aprendizes sociais, e que os seus saberes também são sociais (Tardif, 2002), podemos entender que a formação do professor-alfabetizador ainda pode ser pensada como:

um processo que permite ao professor continuar ou dar continuidade a sua formação ao longo da carreira, favorecendo o acesso e a reflexão sobre os aspectos atuais que contribuirão para facilitar sua vida profissional. Uma formação em que seus pares sejam também protagonistas das aprendizagens, porque o resultado dos processos formativos mudou a realidade da escola (gestão/ professores/ alunos/comunidade escolar) (Professor 7).

Chama-nos a atenção o reconhecimento de que a formação do professor provoca mudança na realidade escolar, pois “os professores não são apenas aprendizes técnicos: são também aprendizes sociais” (Hargreaves, 1998, p.12). Dessa forma, estamos a entender que os professores-alfabetizadores têm um importante papel, enquanto atores sociais, nos processos de formação implementados pelo governo central. E o protagonismo do professor perpassa pela compreensão de que “educar é sempre, repete-se, um processo complexo, ambíguo e desafiante que acontece através de situações muitas vezes difíceis, inesperadas, por vezes contraditórias” (Cortesão & Torres, 2018, p.20).

Como estamos a problematizar, neste artigo, os discursos dos professores sinalizam aspectos subjacentes aos seus processos formativos, vividos em contexto reais, e colocando-os como protagonistas das ações de formação, embora atravessados pelos encaminhamentos teórico-metodológicos oficiais, e que podem estar a reprimir o desejo básico de ensinar (Hargreaves, 1998). Indo ao encontro de processo de formação impostos, eis mais uma concepção de formação entrelaçada pelos discursos já dito, mas ainda silenciados,

a formação continuada possibilita ao profissional da educação, refletir e discutir sobre a sua prática diária em sala, ou fora de sala, num contexto formativo de leituras, de socializações de experiências e das discussões sobre as pesquisas baseadas em teorias e metodológicas inovadoras (Professor 8).

Parece-nos que, às vezes, estamos a girar em círculo, pois não concebemos mais um processo de formação que não implique em reflexão e discussão sobre a prática, momentos de estudos e aprofundamentos teóricos, “exigem-se”, na verdade uma formação que possa nascer das necessidades formativas do professor no que diz respeito       à reflexão e ao fomento do redirecionamento das práticas curriculares em função da equidade do processo de aprendizagem da língua escrita na escola.  Nesse contexto, a que se considerar o próprio movimento da sociedade, como afirma o professor 9:

um processo de formação continuada consiste em nos deixar constantemente antenados com as mudanças sociais. E também preparados para articular os saberes do passado com o contemporâneo, para propormos práticas curriculares de aprendizagens significativas.

Temos aqui um discurso representativo de tantas vozes, sobretudo, dos professores que participaram de processos formativos nos quais seus saberes do passado, de uma tradição escolar, que em certos momentos constituíram-se em uma cultura docente (Hargreaves, 1998), foram negados, ou entendidas como ultrapassados, considerando ainda que “a formação do professor nunca acaba, sendo assim importante que a cada um sejam oferecidas situações de formação e que cada um tenha à sua disposição materiais que o enriqueçam e estimulem a reflexão sobre a sua prática profissional” (Cortezão & Torres, 2018 p. 17).

Segundo Labarre (2000), com quem concordamos, as práticas docentes são extremamente complexas e difíceis. E em se tratando de processos de formação do professor, há que se ter medo dos extremismos, dos discursos sobre o que estaria certo ou que estaria errado em contextos de práticas curriculares. Poderíamos reafirmar o princípio defendido pelo professor que a formação continua deve permitir o diálogo entre saberes de uma tradição escolar e de “novas” orientações teórico-metodológica, de modo a abordarmos e vivermos a construção de saberes docentes (Tardif, 2002).

E em diálogo com mais um excerto selecionado, vamos dar a voz ao professor:

Defino formação continuada como um processo indispensável na vida profissional, considerando que a formação inicial não deu conta de repassar ou trabalhar todas as questões pertinentes ao processo educativo, que é vivo e dinâmico!! A formação continuada vem contribuir para a melhoria das práticas pedagógicas do professor. Pois, ele quer ser um bom e atual profissional da educação (Professor 10).

Ao dialogar com o discurso do professor supracitado, nos perguntamos: no Brasil, de que modo as políticas curriculares que implicam na formação inicial e continuada do professor permitem um diálogo entre universidade-escola, entre o professor da educação básica e o professor dos cursos de formação para a docência? Poderíamos questionar ainda: os saberes construídos nos cursos de formação inicial são referenciados ou considerados durantes os processos de formação continuada? E nessa direção, deixamos mais um questionamento para trabalhos futuros: os saberes dos professores da formação inicial realmente interessam em contextos de formação continuada oficial? A compreensão dos limites da prática educativa demanda indiscutivelmente a clareza política dos educadores dos rumos dos processos de ensino e aprendizagem vivido na escola.

Estamos a caminho das nossas conclusões, que também nos convidarão a rever o modelo/concepção de formação de professores vivenciado em rede nacional, em parceria com estados e municípios, e nos loci das instituições de formação de professores no País. E assim, façamos nosso o questionamento de Cortezão e Torres (2018), “apesar de tudo... que podemos nós professores, fazer?

4. Concluções

Face ao quadro conceitual e as percepções dos professores-alfabetizadores, constata-se, então, que o PNAIC mesmo se configurando como uma política de formação continuada, que já vem sendo implementada no Brasil há 5 (cinco) anos, não tem se configurando para os professores investigados como uma formação, de fato, contínua. Essa continuidade não implicaria apenas tempo decorrido, mas na continuidade dos processos formativos vivenciados em prol de mudanças nas práticas curriculares no processo de alfabetização.

E, mesmo considerando que o PNAIC, tenha definido os cadernos temáticos a serem trabalhados nos contextos de formação, e em seus princípios norteadores defendiam a interdisciplinaridade entre as áreas do conhecimento, perpassada pelas práticas de letramento, num movimentum de continuidade e de retomada dos referidos cadernos ao longo dos encontros de formação, caso fossem necessários, precisamos investigar como seus princípios chegam à escola, e como foram entendidos pelo professor alfabetizador. Pois, os discursos dos professores investigados apontaram para o entendimento de não haver unidade e nem continuidade, além da desvalorização dos seus saberes docentes, mais especificamente os experienciais (Tardif, 2002).

Neste sentido, o PNAIC, enquanto política de formação de professores-alfabetizadores, implementadas pelo governo central, acaba por impactar no cotidiano da sala de aula permitindo ao docente a compreensão de que sua formação não se restringe àquela recebida antes de iniciar a atuação profissional, mas sobretudo durante a sua atuação profissional. Porém, seria necessário colocar o professor como protagonista do seu processo de formação continuada. E para isso, como estamos a defender, essa formação deveria conduzida no movimentum de uma gestão curricular ativa, na certeza de que os desafios e êxitos das práticas curriculares de alfabetização deveriam ser postos para a reflexão e delineamento do percurso formativo.

Tal como defendemos ao longo do texto, os discursos (vozes) dos professores ecoaram a percepção de que, por meio da formação continuada, é possível o movimento de reflexão-ação-reflexão, e que este contribuía para as mudanças das práticas curriculares e da postura do professor mediante o conhecimento a ser ensinado.

Desse modo, perante os nossos achados, ao pensarmos na formação continuada do professor-alfabetizador no Brasil, considerando à reflexão sobre os processos formativos implementados pelo governo central, há necessidade de preocuparmo-nos com a qualidade das ações de formação a fim de que seja significativa para o desenvolvimento profissional. E ao promover e garantir um novo olhar do profissional sobre o ato de ensinar, a perspectiva é de que ele possa romper com seus conceitos do senso comum sobre suas práticas curriculares, provocando mudanças educativos. 

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1. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação e do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Alagoas-Brasil. adricavalcanty@hotmail.com

2. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação e do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Alagoas-Brasil. auxiliadora.s.cavalcante@gmail.com

3. Professora do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática da Universidade Federal de Alagoas-Brasil. silvanapaulina@uol.com

4. Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação e do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Alagoas-Brasil. elton@cedu.ufal.br


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