ISSN 0798 1015

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Vol. 39 (Nº 49) Ano 2018. Pág. 10

Práticas pedagógicas para desenvolver o espírito crítico científico no aluno

Pedagogical practices for developing the scientific critical spirit in the student

Vanessa Cristhina Gatto CHIMENDES 1; Herlandí de Souza ANDRADE 2; Adriano Carlos Moraes ROSA 3; Yara Cristina Costa Rocha MIRANDA 4; Messias Borges SILVA 5

Recebido: 16/06/2018 • Aprovado: 01/08/2018 • Publicado 08/12/2018


Conteúdo

1. Introdução

2. Referencial teórico

3. Metodologia

4. Resultados

5. Considerações finais

Referências bibliográficas


RESUMO:

O estudo e o conhecimento de várias disciplinas possibilitam a superação dos limites impostos pela própria ciência. Neste sentido, a construção do conhecimento, hoje, exige uma nova postura do pesquisador, exige uma visão mais ampla e holística, com a interação das diversas áreas, tanto na ampliação, quanto no aprofundamento no trato de estudos complexos. Assim, o objetivo deste trabalho é identificar as práticas pedagógicas para o desenvolvimento do espírito crítico científico no aluno e para estimular o espírito empreendedor no ambiente de aprendizagem. Para a realização desta pesquisa, foi elaborado um questionário estruturado e enviado aos pesquisadores que pertencem à base de dados do CNPq. Após discutir sobre os resultados encontrados, pôde-se entender que para a formação do cidadão é importante e necessário o desenvolvimento do espírito crítico científico, que é outro olhar, é olhar o mundo de várias maneiras. Nesse contexto, a nova ordem faz com que a universidade sinta a importância de adotar novos desenhos curriculares, inovações de natureza tecnológica e conhecimentos instrumentais. Desta forma, foi possível concluir que a relação crescente entre ciência, tecnologia e empreendedorismo dá oportunidade às ações multi, inter e transdisciplinares, refletindo sobre sua missão, a articulação com os demais segmentos e sob o alicerce de manifestações justas e socialmente inclusivas.
Palavras chiave: inovação no ensino-aprendizagem, interdisciplinaridade, multidisciplinaridade, práticas pedagógicas, transdisciplinaridade.

ABSTRACT:

The study and knowledge of various disciplines makes it possible to overcome the limits imposed by science itself. In this sense, the construction of knowledge today requires a new posture of the researcher, requires a broader and holistic view, with the interaction of the various areas, both in the expansion and in the deepening of the treatment of complex studies. Thus, the objective of this work is to identify the pedagogical practices for the development of the critical scientific spirit in the student and to stimulate the entrepreneurial spirit in the learning environment. For the accomplishment of this research, a structured questionnaire was elaborated and sent to the researchers that belong to the database of the CNPq. After discussing the results found, it was possible to understand that for the formation of the citizen it is important and necessary to develop the critical scientific spirit, which is another look, is to look at the world in various ways. In this context, the new order makes the university feel the importance of adopting new curricular designs, innovations of a technological nature and instrumental knowledge. In this way, it was possible to conclude that the growing relationship between science, technology and entrepreneurship gives opportunities to multi, inter and transdisciplinary actions, reflecting on its mission, articulation with other segments and under the foundation of fair and socially inclusive manifestations.
Keywords: innovation in teaching-learning, interdisciplinary, multidisciplinary, pedagogical practices, transdisciplinary.

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1. Introdução

Muitas descobertas e inovações que fazem parte do mundo contemporâneo não teriam ocorrido se não fosse pelo modo de pensar transdisciplinar. A disciplinaridade se apresenta nos conhecimentos específicos e no progresso tecnológico. A pesquisa e a inovação por meio de uma visão articulada do conhecimento requerem uma abordagem no campo inter, trans e multidisciplinar. Esta forma de pensar modifica os princípios cartesianos – da fragmentação, passando da redução ao objetivismo, afinal, os temas complexos no mundo contemporâneo demandam diferentes olhares.

Para Limaverde (2012), os conceitos de multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade são distintos e, por vezes, antagônicos em suas propostas e objetivos metodológicos, porém ainda muito confundidos.

O estudo e conhecimento de várias disciplinas possibilitam a superação dos limites impostos pela própria ciência. Para Hoff et al. (2007), as novas fronteiras com que a ciência se depara indicam que o conhecimento específico sozinho não é suficiente para entender a complexidade dos fenômenos estudados. Nicolescu (1999) afirma que existe uma necessidade indispensável de pontes entre as diferentes disciplinas, o que foi traduzido pelo surgimento, na metade do século XX, da pluridisciplinaridade e da interdisciplinaridade.

Segundo Antônio (2002) a transdisciplinaridade é um modo de conhecer e de conhecer o conhecimento. Um modo de pensar e de pensar o pensamento. Recusa a separação rígida dos saberes e os especialismos cegos. Religa o que o pensamento cartesiano separou e os mecanicismos dilaceraram.

Com essas considerações, pode-se afirmar que a construção do conhecimento hoje exige uma nova postura do pesquisador, uma visão mais ampla e holística, com a interação das diversas áreas do conhecimento, tanto na ampliação, quanto no aprofundamento no trato de estudos complexos. Conforme Hoff et al. (2007), a necessidade de desenvolver novos paradigmas e métodos, essenciais para assegurar o rigor e a confiabilidade do conhecimento gerado, exigirá a renúncia de paradigmas e métodos já consolidados nos diversos campos disciplinares, bem como a constituição de equipes multidisciplinares. Para Vieira (2008), a pesquisa do futuro é inerentemente multidisciplinar e interdisciplinar.

Assim, este trabalho tem por objetivo, identificar as práticas pedagógicas para o desenvolvimento do espírito crítico científico no aluno e para estimular o espírito empreendedor no ambiente de aprendizagem.

Este trabalho está dividido em seis partes. A segunda parte traz o referencial teórico sobre os conceitos de disciplinaridade, multidisciplinaridade, interdisciplinaridade, transdisciplinaridade e pluridisciplinaridade, a inovação e a articulação dos saberes, como mola propulsora da economia. A terceira parte traz a metodologia. A quarta parte traz os resultados e a quinta parte as considerações finais.

2. Referencial teórico

2.1 Os conceitos de disciplinaridade, multidisciplinaridade, interdisciplinaridade, transdisciplinaridade e pluridisciplinaridade

Há um constante desafio na era da informação e do conhecimento, onde novos contextos sociais demandam novas habilidades e várias formas das relações sociais assustam os mais conservadores. Desta forma novos modos de pensar, e novas maneiras de fazer e sentir fazem com que os conceitos apresentados ajudem na compreensão das análises das partes e nas análises do todo, não esquecendo que tudo está interagindo em todos os planos.

Para Japiassu (1976), a disciplinaridade é a exploração científica e especializada de determinado domínio homogêneo de estudo. Um conjunto sistemático e organizado de conhecimentos com características próprias em seus planos de ensino, de formação, dos métodos e das matérias.

Conforme afirma Nicolescu (1999), a pesquisa disciplinar diz respeito, no máximo, a um único e mesmo nível de realidade, na maioria dos casos, a fragmentos.

Japiassu (1976) define a multidisciplinaridade como uma gama de disciplinas propostas simultaneamente, mas sem fazer aparecer diretamente às relações que podem existir entre elas. É um tipo de sistema de um só nível e de objetivos múltiplos; não há nenhuma cooperação entre as disciplinas. Isto se resumiria a um conjunto de disciplinas a serem trabalhadas simultaneamente, sem que as relações entre as partes sejam explícitas por meio de objetivos pedagógicos claros e bem definidos.

Em relação a interdisciplinaridade, Japiassu (1976) define como a descrição geral que envolve uma axiomática comum a um grupo de disciplinas conexas e definidas em um nível hierárquico imediatamente superior, o que introduz a noção de finalidade. É um tipo de sistema de dois níveis e de objetivos múltiplos com a coordenação procedendo de um nível superior. Conforme Maheu (2000), a interdisciplinaridade vem a ser o resultado da articulação entre duas ou mais disciplinas com objetivos pedagógicos comuns, já que as disciplinas não podem ser consideradas como ilhas isoladas num arquipélago perdido. É, nessa perspectiva, a unidade do saber que se realiza na especificidade de cada uma das disciplinas.

Para Nicolescu (1999), a interdisciplinaridade tem uma ambição diferente. Ela diz respeito à transferência de métodos de uma disciplina para outra. Pode-se distinguir três graus de interdisciplinaridade: a) um grau de aplicação. Por exemplo, os métodos da física nuclear transferidos para a medicina levam ao aparecimento de novos tratamentos para o câncer; b) um grau epistemológico. Por exemplo, a transferência de métodos da lógica formal para o campo do direito produz análises interessantes na epistemologia do direito; c) um grau de geração de novas disciplinas. Por exemplo, a transferência dos métodos da matemática para o campo da física gerou a física matemática; os da física de partículas para a astrofísica, a cosmologia quântica; os da matemática para os fenômenos meteorológicos ou para os da bolsa, a teoria do caos; os da informática para a arte, a arte informática. A interdisciplinaridade ultrapassa as disciplinas, mas sua finalidade também permanece inscrita na pesquisa disciplinar.

A partir do conceito de Nicolescu (1999) a transdisciplinaridade, como o prefixo “trans” diz respeito àquilo que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina. Seu objetivo é a compreensão do mundo presente, para o qual um dos imperativos é a unidade do conhecimento. Já, Caon (1998) afirma que a transdisciplinaridade é um desafio colocado pelo interesse de uma equipe de profissionais que estão reunidos pela metáfora proposta por uma situação de transdisciplinaridade, na qual cada pesquisador problematiza os conceitos de diferentes campos. Os dispositivos utilizados para equacionar o problema são mais importantes do que a solução do mesmo.  Isto é, vários olhares através de dispositivos práticos e teóricos.

Pode-se concluir através da reflexão de Menezes e Vaccari (2005) que a transdisciplinaridade deve perpassar a formação e a atitude enquanto formador. Corresponde a uma reforma de pensamento e não apenas a uma reforma estrutural e institucional.

Neste sentido, as pesquisas disciplinares e transdisciplinares não são antagônicas, mas complementares. Para os autores é certo que não se pretende quebrar a idéia de disciplinaridade. É importante manter a estrutura de uma disciplina com o seu objeto, como categoria que organiza o conhecimento científico. O que não se pode admitir é o isolamento da totalidade de um ramo do conhecimento. E, é isso o que ocorre quando determinados programas de pós-graduação recusam profissionais graduados em outras áreas, como que se apropriando daquela esfera do saber. A circulação de idéias e conceitos entre disciplinas distintas permite a evolução do conhecimento.

Segundo Morin (1999), é impossível criar uma ciência unitária do homem, é importante que cada disciplina estabeleça conexões de forma a não reduzir a noção mais genuína que se possa estabelecer a respeito desse homem. Trata-se de reconhecer a interdisciplinaridade existente entre as ciências.

Para Santos, Fujiki e Costa (2016) a comparação de pluridisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade é apresentada no Quadro 1 conforme as definições de Nicolescu (1999).

Quadro 1
Definições

Pluridisciplinaridade

Interdisciplinaridade

Transdisciplinaridade

Um mesmo objeto de estudo ou tópico de pesquisa investigado simultaneamente por várias disciplinas. Vai-se além do paradigma disciplinar sem, todavia, superá-lo ou colocá-lo em suspenso.

Intercâmbio de métodos de pesquisa oriundos de distintas disciplinas. Apesar de estar além das disciplinas e de poder gerar novas disciplinas, enquadra-se no modelo da pesquisa disciplinar

Define-se como a busca pelo que está, ao mesmo tempo, entre, através e além de toda e qualquer disciplina, representando, portanto, uma quebra com o paradigma disciplinar, uma nova forma de ver o mundo.

Fonte: Santos, Fujiki e Costa (2016)

Assim, Rocha e Filho (2007) afirmam que, a transdisciplinaridade é uma atitude empática de abertura ao outro e seu conhecimento, que como Limaverde (2012), assume a transdisciplinaridade com um conceito amplo em que o tema pesquisado passe pelas disciplinas, sem ter como objetivo final o conhecimento específico dessa mesma disciplina ou a preocupação de delimitar o que é o seu objeto de estudo ou o que é de outra área inter-relacionada. A transdisciplinaridade se preocupa com a interação contínua e ininterrupta de todas as disciplinas, em um mesmo momento e em um mesmo lugar.

Para Amaral (2011) é possível utilizar a multidisciplinaridade, interdisciplinaridade, transdisciplinaridade e a pluridisciplinaridade como estratégia de aprendizado. A Figura 1 apresenta as estratégias entre as disciplinas.

Figura 1
Estratégia entre as disciplinas

Fonte: adaptado de Amaral (2011)

2.2. A transdisciplinaridade e a inovação

A busca de uma nova percepção de mundo, a partir de uma nova ótica depende das transformações que ocorrem no mundo e dos processos ainda em transformação. Dependem da conscientização dos homens, da complexidade do novo mundo e da perspectiva do novo conhecimento. Esse novo saber utiliza de vários conceitos, de pensamentos complexos e de várias disciplinas como possíveis caminhos de busca.

Para Morin (2000), existe uma inadequação cada vez maior e mais grave entre os saberes separados, fragmentados e compartimentados entre disciplinas. O autor afirma que realidades ou problemas cada vez mais polidisciplinares, transversais, multidimensionais, transnacionais, globais e planetários, tornam invisíveis os conjuntos complexos, as interações e retroações entre as partes e o todo; e entre as entidades multidimensionais e os problemas essenciais. Sendo assim, a hiperespecialização impede de ver o global, bem como o essencial.

Esse retalhamento impede a complexidade de fato, quando os componentes constituem um todo na existência da interdependência das partes, do interativo. Para Coelho (2003), não há dúvida de que esse é o grande problema do Ensino e da Pesquisa, em nossos dias: o do conhecimento a ser descoberto, não mais isolado, como algo-em-si, mas em suas complexas relações com o contexto a que pertence.

Na busca por respostas referentes à falta de unidade do conhecimento, a necessidade, de ligar as diversas disciplinas gerou o surgimento da pluridisciplinaridade, que é o estudo de uma dada disciplina na visão de outras, e da interdisciplinaridade, onde se transfere os métodos adotados por uma disciplina. Esta é a visão de Basarab Nicolescu, físico teórico do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França (C.N.R.S.) e Fundador e Presidente do Centro Internacional de Pesquisas e Estudos Transdisciplinares (CIRET).

Para Nicolescu (1999), a cultura transdisciplinar se sustenta em quatro pilares de um novo tipo de educação: a) aprender a conhecer – significa ter o entendimento do espírito científico numa distinção clara do real e do ilusório, com valorização das indagações constantes e da qualidade do procedimento científico como, também, ser capaz de estabelecer correlações entre os diversos saberes e significados; b) aprender a fazer – denota a flexibilidade diante das intensas mudanças ocorridas, na busca por uma maior criatividade no campo profissional de forma a estruturá-lo de acordo com as potencialidades interiores e necessidades externas; c) aprender a viver em conjunto – respeitando a coletividade e as normas que permeiam as relações de forma efetiva por meio da validação da experiência interior de cada ser e do reconhecimento de si mesmo na face do outro e d) aprender a ser – a dimensão transpessoal é valorizada de modo a descobrir se há harmonia ou a desarmonia entre a vida individual e a vida social, em constantes indagações acerca dos condicionamentos, respeitando aquilo que liga o Sujeito e o Objeto.

Com a transdisciplinaridade é possível incluir no currículo os diferentes campos do conhecimento, trabalhando com problemas do mundo real. Pois, nos processos das atividades pedagógicas e diante dos novos paradigmas de ensino e aprendizagem situam a ciência, a pesquisa e a tecnologia, como núcleos de estudo na produção do conhecimento.

O espaço entre ensino e aprendizagem é apresentado na Figura 2.

Figura 2
Visão Espacial Ensino-Aprendizagem

Fonte: Adaptado Bretag (2011)

Com as novas metodologias de ensino, o processo de transformação da educação tem contribuído para um ensino mais interativo, no qual não está mais centrado no professor, mas em um ensino colaborativo, por meio de projetos interdisciplinares, onde o professor é um pesquisador e orientador, e o aluno mais ativo com mais autonomia, mais reflexivo. Diante disso, para Mohrman e Mohrman Junior (1995), a inovação acontece diante de um método criativo de aproveitamento para o conhecimento existente, que oportuniza elementos menores de conhecimento na criação de novas respostas ou habilidades e, com essa visão, a inovação e a busca por mudanças precisam ser inseridas, também, pelos processos educacionais, em que demanda atualizações constantes por parte dos professores/pesquisadores, que devem sempre estar situados em todos os contextos da sociedade e esferas da vida humana já que tudo no universo se relaciona.

2.3. A inovação e o avanço tecnológico como mola propulsora da economia

Para Forcadell e Guadamillas (2002) e Plonski (2005) o processo da inovação é caracterizado como interativo e vinculado de particularidades distintas de cada envolvido e de sua respectiva habilidade de geração, aprendizagem e assimilação de conhecimentos e, a dinâmica da tecnologia manifesta-se por meio das ocorrências dos grandes avanços tecnológicos, decorrentes do processo de inovação, resultando em processos produtivos cada vez mais complexos.

Gerbasi e Cavalcante (2017) afirmam que na dinâmica produtiva do capitalismo contemporâneo a inovação e o avanço tecnológico necessitam de realizar diálogos interdisciplinares, transdisciplinares de forma a ampliar o escopo teórico e conceitual na complexidade do paradigma produtivo.

Se forem considerados que, ao longo da história, o homem tem conhecido diferentes sistemas técnicos de produção e que inovação tecnológica é uma das bases fundamentais do crescimento econômico, gerar inovações de alto impacto é o grande desafio das empresas sendo uma das principais forças dos países industrializados e responsável por grande parte do aumento da produtividade.

Conforme Teixeira Filho (2006), Stefanovitz (2006) e Castells (1999), em todos os setores da economia global observam-se mudanças significativas, onde os conhecimentos científicos e tecnológicos, postura e gestão exigidas pelos novos processos de industrialização, geram um aumento da competitividade e crescimento econômico.

Se ciência e tecnologia – entendidas no sentido amplo – constituem a base de qualquer projeto de nação, como elemento básico para o desenvolvimento sustentável é claro que a Universidade ocupa um papel fundamental, neste contexto, pois ela é o centro de geração e difusão de conhecimento.

A Lei de Diretrizes e Bases e o anteprojeto de LEI do Ministério da Educação e Cultura em seu artigo 5º estabelece que a “instituição de ensino superior cumprirá seu compromisso social mediante disseminação, e transferência de conhecimento e tecnologia, visando o crescimento econômico sustentado e a melhoria da qualidade de vida...”.

Para Schumpeter (1934), a existência de um processo dinâmico de produção atrelado a competitividade das empresas e a necessidade de ganhos de mercado ou mesmo apenas a permanência nele, na qual a inovação passa ser uma ferramenta importante nesse processo, faz com que a economia esteja em constante transformação. Para o autor, o crescimento econômico acontece de forma espontânea e descontínua, criando novas combinações por meio das inovações.

Portanto, é fundamental conectar a produção científica com a inovação e a tecnologia.

3. Metodologia

Para análise da pesquisa foi utilizado a análise de conteúdo, pois este tipo de instrumento permite múltiplas aplicações e é um elemento importante de investigação social. Amado (2000), afirma que a análise de conteúdo permite uma rigorosa e objetiva representação dos conteúdos das mensagens por meio de um leque variado de comunicações, fazendo a tradução das visões subjetivas do mundo. Conforme Bardin (2002), a análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise das comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens. Assim, foi elaborado um questionário estruturado com perguntas claras e objetivas para garantir a uniformidade de entendimento dos entrevistados. Os dados foram coletados por meio das respostas do questionário enviado por e-mail aos pesquisadores, que pertencem à base de dados do CNPq - Diretório do Grupo de Pesquisa do Brasil. As questões trabalhadas foram: O que tem feito para desenvolver o espírito crítico científico no aluno? O que tem feito para estimular o espírito empreendedor no ambiente de aprendizagem?

4. Resultados

Na análise, as questões foram agrupadas por entender que são atitudes dos docentes/pesquisadores em relação à sala de aula. O Quadro 2 apresenta algumas atitudes docentes levantadas nas pesquisas respondidas.

Quadro 2
Práticas destacadas pelos docentes

Práticas destacadas

  • Estimulado o aluno sempre a se perguntar o porquê e para que está desenvolvendo tal pesquisa, incentivar a ler e pesquisar bastante e nem sempre concordar com o que está escrito em papers, comparando e indagando sempre, para mudar para melhor, pois o que a Ciência diz como afirmativa hoje, pode não ser amanhã;
  • Muita leitura estabelecendo paralelos, análise de semelhanças e diferenças entre as várias correntes de pensamento ou várias maneiras de solucionar um problema; aplicando a interdisciplinaridade;
  • Colocando-o diante de um problema real, um problema no plano intelectual; um problema transdisciplinar;
  • Procuro incentivar a reflexão própria, evitando a adoção de soluções já consagradas e a repetição inconsciente do que já consta em livros-textos; levando para sala de aula questões que exijam que o aluno mais do que memória, mas raciocínio. Procuro levar para a sala de aula situações concretas e fazer visitas com os alunos;
  • Instigo os alunos a deixarem de pensar apenas como potenciais futuros colaboradores de empresas, mas sim como donos dos seus negócios;
  • Trabalho minhas disciplinas na direção da “além da ementa”, ou seja, incitando os alunos a olharem o mundo socioeconômico do ponto de vista dessas ciências; por exemplo, criticando o lugar comum que reina na política local e nacional (procuro mostrar que “ciências exatas” tem tudo a ver com cidadania);
  • Aqui sim, está o verdadeiro papel do professor universitário! Não é só o espírito crítico científico do aluno, mas o espírito crítico no geral.  O professor deve libertar a mente do aluno;
  • De minha parte, falo de tudo na aula, fazendo “viagens” que vão além do conteúdo programático;
  • Há sempre uma ponte entre a “viagem” e o conteúdo programático, e sempre fazendo com que o aluno saia da aula diferente do que entrou, tanto no conteúdo programático como em algum aspecto extra; Incentivo a interdisciplinaridade, o trabalho colaborativo;
  • Estudo de cases, análises críticas de textos selecionados, minidebates com sugestões construtivas, pesquisa em temas diversos e formação de artigos técnicos e/ou científicos.

Fonte: Chimendes (2011)

Discutindo os resultados encontrados, entende-se que para a formação do cidadão é importante e necessário o desenvolvimento do espírito crítico científico, que é outro olhar, é olhar o mundo de várias maneiras.

Para Chimendes (2011) o conhecimento, a ciência, a tecnologia e a técnica são importantes insumos para a produção, nessa nova fase do capitalismo, em que o conhecimento é um importante fator na competitividade. Para Silva Júnior (2002), a universidade tem um papel fundamental na formação de conhecimento e de recursos humanos, vive o desafio de ampliar e diversificar a sua atuação na sociedade, no sentido de atender às urgências colocadas pela complexidade social.

Para a autora nesse contexto, a nova ordem faz com que a universidade sinta a importância de adotar novos desenhos curriculares, inovações de natureza tecnológica, conhecimentos instrumentais. Essa nova visão da universidade precisa estar pautada na construção de uma consciência crítica do aluno, e dos professores em que, conforme Gadotti (1999), educador e educandos aprendem juntos numa relação dinâmica, na qual a prática, orientada pela teoria, reorienta essa teoria, num processo de constante aperfeiçoamento. Esse pensar crítico leva a refletir sobre a autonomia intelectual e com isso o cidadão pode intervir e transformar a realidade. É o “saber pensar” que, conforme Demo (2000), não está somente relacionado com a lógica, mas igualmente na não linearidade da realidade e da vida, é saber manter-se crítico, sobretudo autocrítico, é a arte de argumentar e contra argumentar.

Acredita-se que somente com essas ações é que se desenvolve o espírito crítico e empreendedor nos alunos.

A pesquisa é um princípio científico e educativo em que o pesquisador, de modo crítico e criativo, por meio de métodos científicos, reúne informações sobre um determinado problema sempre com a intenção de produzir, aumentar conhecimentos ou até mesmo descobrir algo novo. Para Damasceno (1999), a pesquisa é uma atividade problematizadora da realidade em que se relaciona o fato e permite as interpretações, contribuindo para novas visões de mundo. É uma construção coletiva que precisa ser compreendida e compartilhada, demonstrando assim o compromisso com a realidade social.

Para Libâneo (1991), o conhecimento é condição para a liberdade intelectual e política. E para construir uma sociedade democrática, a democracia para todos, é preciso que um número cada vez maior de pessoas participe da criação de novos conhecimentos. Isso, todavia, depende da apropriação dos conhecimentos existentes.

Trabalhar com pesquisa é trabalhar com a dúvida, é percorrer um caminho de investigação; é reconhecer e aplicar os conceitos da multi, inter, trans e pluridisciplinaridade. E por meio desses conceitos e aplicações, desenvolver o espirito crítico e científico no aluno, estimulando o empreendedorismo no ambiente de aprendizagem.

5. Considerações finais

Para responder quais as práticas pedagógicas para o desenvolvimento do espírito crítico científico no aluno e para estimular o espírito empreendedor no ambiente de aprendizagem, vale considerar o papel dos professores.

O pesquisador faz o diálogo com a realidade, onde se apropria do conhecimento, desenvolvendo competências e faz a produção do saber. Os saberes desenvolvidos podem resultar em progresso para uma nação. Assim, o pesquisador é aquele que identifica, integra e sistematiza o conhecimento, produz e divulga conhecimentos e experiência, além de estimular o desenvolvimento de novas pesquisas.

O professor é aquele que ministra aula, organiza programas de conteúdo e avalia os alunos. Esse profissional tem também que buscar novos conhecimentos através da pesquisa para exercitar plenamente seu exercício profissional, não apenas transmitindo conhecimento, mas também produzindo conhecimento. Não ser apenas professor, mas sim, professor pesquisador.

A inovação como mola propulsora só será desenvolvida se incentivar e despertar interesses nos alunos para que possam utilizar as várias visões dos saberes.

É imperativo questionar a relevância estratégica que o ensino desempenha na construção de uma nação soberana, solidária e independente.

Com base nos resultados, cabem algumas reflexões importantes: tanto as universidades como os docentes devem trabalhar com os alunos questões que dizem respeito à manutenção dos valores humanos, traduzir para a sociedade os conhecimentos adquiridos com a prática da inter, multi, transdisciplinaridade, contribuindo para uma sociedade autônoma, transformando  o conhecimento tácito em conhecimento explícito para servir como instrumento básico para o desenvolvimento social, com capacidade para compartilhar e incorporar as novas tecnologias e assim disseminá-las para a sociedade fazer a sua transformação econômica e social.

A relação crescente entre ciência, tecnologia e empreendedorismo dá oportunidade às ações multi, inter e transdisciplinares, refletindo sobre sua missão, a articulação com os demais segmentos e sob o alicerce de manifestações justas e socialmente inclusivas.

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1. Faculdade de Tecnologia de Guaratinguetá, Brazil. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Brazil

2. Faculdade de Tecnologia de Guaratinguetá, Brazil. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Brazil. Faculdade Anhanguera de Pindamonhangaba, Brazil

3. Faculdade de Tecnologia de Guaratinguetá, Brazil.

4. Faculdade de Tecnologia de Guaratinguetá, Brazil.

5. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Brazil. Universidade de São Paulo, Brazil


Revista ESPACIOS. ISSN 0798 1015
Vol. 39 (Nº 49) Ano 2018

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