ISSN 0798 1015

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Vol. 40 (Nº 31) Ano 2019. Pág. 24

Jogos digitais na educação a distância: motivação e aprendizagem na percepção dos alunos

Digital games in distance education: motivation and learning from students’ perception

RAMOS, Daniela K. 1 e MATTAR, João 2

Recebido: 08/06/2019 • Aprovado: 31/08/2019 • Publicado 16/09/2019


Conteúdo

1. Introdução

2. Metodologia

3. Resultados

4. Conclusões

Referências bibliográficas


RESUMO:

O objetivo deste artigo é analisar as contribuições do uso de um jogo digital em um curso a distância. Envolve uma revisão de literatura e um estudo empírico. Um questionário online foi respondido por 58 alunos do curso. As respostas foram analisadas por estatística descritiva e inferencial e análise de conteúdo. Os resultados mostraram que a motivação gerada pelos jogos pode contribuir para a aprendizagem. Conclui-se que os jogos digitais são recursos inovadores para a educação a distância.
Palavras chiave: games, EaD, e-learning

ABSTRACT:

The purpose of this article is to analyze the contributions of the use of a digital game in a distance course. It involves a literature review and an empirical study. An online questionnaire was answered by 58 students. The answers were analyzed by descriptive and inferential statistics and content analysis. The results showed that the motivation generated by games can contribute to learning. The study concludes that digital games are innovative resources for distance education.
Keywords: games, DE, e-learning

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1. Introdução

A Educação a Distância (EaD) caracteriza-se marcadamente pela flexibilização dos espaços e dos tempos da aprendizagem (Moore & Kearsley, 2008; Coll & Monereo, 2010; Severino, Ailello, Cascio, Ficarra, & Messina, 2011), pela separação geográfica entre alunos e professores envolvidos no processo educacional (Tori, 2017) e pelo uso das tecnologias digitais (Silva & Figueiredo, 2012), o que permite ampliar o acesso e a diversificação de seu público. A combinação dessas características revela algumas vantagens, como conveniência e flexibilidade que possibilitam aprender em qualquer tempo e lugar (Connolly & Stansfield, 2007).

Apesar das contradições e dos desafios recorrentemente relacionados à educação a distância, reconhece-se seu potencial para fomentar o desenvolvimento de novas tecnologias e incentivar a discussão relacionada às necessidades de aprendizagem e aos modelos de acesso à informação, de modo a impulsionar inovações na educação (Unesco, 1997).

Na educação digital, os alunos têm mais possibilidades de escolha, tanto em relação aos recursos e às informações que pretendem acessar, quanto em relação à trajetória a seguir, diferentemente da educação presencial, em que o aluno, em geral, participa do que é proposto pelo professor, o que implica ter mais recursos para engajar o aluno em seu processo de aprendizagem (Fu & Yu, 2006).

Ao considerar-se a importância do engajamento e da postura mais ativa do aluno como condição fundamental para a aprendizagem, destacamos o uso dos jogos digitais como recursos educacionais que podem contribuir com a motivação e a aprendizagem nos contextos da educação a distância. Diante disso, destaca-se que a aprendizagem baseada em jogos digitais (game-based learning) poder contribuir para enriquecer e estimular experiências de aprendizagem, apoiando-se no uso de recursos tecnológicos digitais interativos que criam ricos ambientes de aprendizagem digitais (Connolly & Stansfield, 2007).

O jogo digital (ou game) pode ser definido como uma atividade que envolve uma série de decisões e ações que são limitadas por regras e pelo universo que o contextualiza, o que resulta em uma condição final (Schuytema, 2008). De modo geral, os jogos digitais caracterizam-se pela presença de regras, resultados variáveis e quantificáveis, esforço do jogador, associação entre jogador e resultado e consequências negociáveis (Juul, 2005).

Outra característica importante que precisa ser observada no uso de jogos na EaD refere-se aos níveis de desafio. Segundo Csikszentmihalyi (1991), para o jogo fluir é preciso fornecer ao jogador um nível adequado de desafio, equilibrando as habilidades do jogador e as dificuldades da tarefa, sem que o jogador fique entediado ou frustrado.

Vários argumentos justificam o uso de jogos digitais na EaD. Um deles defende que os jogos podem contribuir para criar estratégias mais desafiadoras, de modo a promover uma aprendizagem dinâmica e interativa (Alves, 2009). Outro se pauta na possibilidade de ocorrer uma aprendizagem mais lúdica e divertida, pelo fato de o game atuar como incentivador da aprendizagem (Fong-Ling, Rong-Chang, & Sheng-Chin, 2008). Esse tipo de aprendizagem acaba exercendo influência sobre a motivação para aprender. Segundo Connolly e Stansfield (2007), por exemplo, o uso de jogos digitais na educação tem efeitos positivos sobre a motivação e a aprendizagem.

Esses argumentos apoiam-se em estudos que vêm sendo realizados sobre o uso de jogos digitais na EaD. Destaca-se, por exemplo, a pesquisa desenvolvida por All, Castellar e Van Looy (2016), pautada em um processo sistemático de investigação para o desenvolvimento de um procedimento padronizado para a condução de estudos de eficácia da aprendizagem baseada em jogos digitais. Foi realizada uma revisão sistemática de literatura e entrevistas com especialistas de psicologia e pedagogia sobre vários aspectos dos jogos digitais, com o objetivo de definir os métodos preferidos para a realização de estudos de eficácia da aprendizagem baseada em jogos. Os resultados mostram as melhores práticas e valorizam aspectos do design e elementos específicos do jogo (All et al., 2016).

Outro estudo desenvolvido por Fong-Ling et al. (2008), baseado no framework Sweetser's & Wyeth, propõe-se a desenvolver uma escala para avaliar o prazer e a diversão dos alunos na interação com jogos digitais na EaD, contemplando oito dimensões: imersão, interação social, desafio, clareza de objetivo, feedback, concentração, controle e melhoria do conhecimento. Para tanto, foram utilizados quatro jogos com diferentes níveis de conteúdo e diferentes estilos de jogo para testar a escala EGameFlow junto a 166 alunos e analisar suas percepções. Os resultados mostraram que a validade e a confiabilidade da escala foram satisfatórias, revelando que a medição pode ser uma ferramenta eficaz para avaliar o nível de diversão proporcionado pelo jogo no contexto de educacional (Fong-Ling et al., 2008).

De outro modo, para explorar o envolvimento do aprendiz ao se utilizar jogos em curso de e-learning, Fu e Yu (2006) realizaram um experimento com três jogos com 120 estudantes de graduação. Os jogos foram projetados com diferentes objetivos de aprendizagem, desafios, estrutura de problemas, conteúdo curricular e recompensas, e as medições incluíram frequência, tempo médio gasto e classificações subjetivas com base no interesse dos alunos. As conclusões do estudo destacam o desafio e a recompensa como motivação positiva para incentivar o envolvimento dos alunos.

>A motivação para a aprendizagem sobressai-se como um forte argumento para o uso de jogos digitais na EaD. Considerando as várias teorias sobre a motivação, cabe mencionar a de Malone e Lepper (1987), que destaca a motivação intrínseca, relacionada ao que fazemos porque é inerentemente interessante e agradável, podendo ser provocada por quatro fatores individuais (desafio, fantasia, curiosidade e controle) e três fatores interpessoais (cooperação, competição e recognição).

Esses fatores podem ser associados e encontrados nas experiências de interação com os jogos digitais, de tal modo que os jogos digitais possam induzir condições no jogador para que continue envolvido com o jogo, o que inclui a satisfação, o desejo, a absorção, o interesse, a diversão, a excitação, a raiva, o orgulho da conquista e a aprovação pelos pares (Connolly & Stansfield, 2007).

Assim, aposta-se que algumas características dos jogos, ao serem aplicadas em cursos de educação a distância, podem provocar alterações na motivação dos alunos (Freitas & Oliver, 2006; Brothers, 2007) e que, por exemplo, o uso de jogos na EaD pode aumentar o período de tempo dedicado aos estudos, ao mesmo tempo em que a aprendizagem no contexto digital reforça o papel dos alunos como construtores ativos de conhecimento, pois proporciona maior autonomia e controle sobre a construção do conhecimento, o que pode influenciar fortemente a eficácia da aprendizagem (Fong-Ling et al., 2008).

A partir das características da aprendizagem na EaD e das contribuições que os jogos podem oferecer à aprendizagem, o objetivo deste estudo é analisar as contribuições do uso de um jogo digital em um curso a distância, desenvolvido para reforçar conteúdos abordados ao longo do processo de formação, procurando verificar se há relações entre a avaliação que o cursista faz de sua aprendizagem, do jogo e do curso sobre os níveis de motivação. Parte-se de alguns questionamentos norteadores: a motivação pode ser relacionada à avaliação que os alunos fazem de sua aprendizagem no curso a distância e na interação com o jogo? As experiências prévias como jogadores podem influenciar a avaliação da aprendizagem? Quais contribuições são percebidas pelos alunos na interação com um jogo digital no contexto de um curso a distância?

2. Metodologia

O estudo foi desenvolvido junto ao Curso de Extensão a Distância Formação Continuada em Conselhos Escolares, ofertado na modalidade a distância pela Universidade Federal de Santa Catarina (Brasil). Este curso constitui-se como uma das ações do Programa Nacional de Fortalecimento dos Conselhos Escolares, é ofertado em parceria com várias instituições de ensino do Brasil e tem objetivo formar técnicos das secretarias estaduais e municipais de educação para fomentar a implantação e o fortalecimento de conselhos escolares.

O curso foi organizado em duas fases, cada fase com a carga horária de 100 horas, pautando-se no uso de ambiente virtual de aprendizagem. Teve como base de estudo cadernos sobre temáticas relacionadas aos conselhos escolares e proposições de atividades individuais e em grupo, incluindo ao final do curso a elaboração de um plano de ação. Na oferta analisada neste estudo, foi proposta a interação com um jogo educativo desenvolvido para integrar o curso.

2.1. Participantes

A amostra por conveniência compôs-se por 58 cursistas do Curso de Extensão a Distância Formação Continuada em Conselhos Escolares, que responderam a um questionário enviado pelo ambiente de aprendizagem.

Os participantes caracterizavam-se por serem em sua maioria do sexo feminino, cerca de 90%, e com idades entre 41 e 50 anos. De modo geral, os alunos atuam como técnicos ou gestores em secretarias de educação ou escolas.

2.2. Instrumentos e procedimentos

A coleta de dados foi realizada por meio da aplicação de um questionário online composto por questões objetivas, afirmações para avaliação com base na escala de Likert e questões abertas. Parte das questões era relacionada à caracterização do perfil, e outras relacionadas à avaliação do curso e do jogo.

As afirmações para avaliação foram agrupadas em três categorias: avaliação do jogo, avaliação da aprendizagem no jogo e avaliação da aprendizagem no curso. Em cada afirmação, os participantes escolhiam uma das opções da escala Likert, sendo que, para cada opção, foi atribuída uma pontuação de 1 a 5, de acordo com o nível de concordância. A partir da soma desta pontuação, obtivemos um escore.

2.3. Jogo Saga dos Conselhos

O jogo utilizado foi Saga dos Conselhos, desenvolvido pela Universidade Federal de Santa Catarina. O jogo desafia o aluno a avançar em uma trilha composta por vários minigames, com o objetivo de formar um conselho escolar, agregando novos representantes de cada categoria envolvida na educação. A cada etapa cumprida, o jogador conquista um novo membro para o conselho (professores, alunos, técnicos-administrativos, gestores e pais). Na segunda fase do jogo, a tarefa do jogador é tomar decisões que influenciem direta ou indiretamente o ambiente escolar, zelando pelo melhor aproveitamento da instituição e de seus envolvidos e pelo fortalecimento do conselho escolar instituído.

Figura 1
Visão geral do jogo.

O jogo estrutura-se por uma trilha sequencial e linear, na qual são apresentados desafios em cada etapa da trilha, a qual dá acesso a um dos cinco minigames que são combinados ao longo do jogo.

Quadro 1
Descrição dos minigames que compõem
o jogo Saga dos Conselhos.

Tela

Objetivo do jogo

Liga três

Combinar três imagens iguais e acertar uma questão objetiva com três alternativas que aparece a cada combinação para sua validação.

 

Biblioteca

Escolher e posicionar corretamente os livros que completam corretamente a frase; para tanto, é preciso analisar e selecionar, dentre várias opções, os livros certos.

 

Labirinto

Pegar as chaves, movimentando o personagem João no labirinto para salvá-lo dos corruptos (fantasmas) e responder se a afirmação que aparece é verdadeira ou falsa.

 

Mapa Conceitual

Completar o mapa conceitual escolhendo e posicionando corretamente as palavras e frases que aparecem.

 

Categorias

Alocar características, conceitos, ações e objetos corretamente nas categorias, com base em um enunciado apresentado.

2.4. Análise de dados

A partir da base de dados organizada em função das respostas obtidas e válidas, procedeu-se à análise estatística descritiva e inferencial no software SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) versão 23.0 para análise estatística. Investigou-se a influência de dois fatores — (1) a experiência prévia como jogador e (2) o nível de motivação sobre a percepção dos cursistas — sobre três variáveis — (a) a avaliação do jogo, (b) a avaliação da aprendizagem pelo jogo e (c) a avaliação da aprendizagem no curso como um todo.

Dada a normalidade dos dados, averiguada pelo teste Shapiro-Wilk, o fator relacionado à identificação de ser ou não jogador foi analisada utilizando-se o teste t de Student para amostras independentes O teste estatístico One-Way ANOVA foi utilizado para os níveis de motivação. Em ambos os testes, atribuiu-se como intervalo de confiança 95%.

Aplicou-se ainda a correlação de Pearson entre os escores obtidos na avaliação do jogo, na avaliação da aprendizagem pelo jogo, na aprendizagem no curso e no nível de motivação, utilizando-se o intervalo de confiança de 95%.

Os dados qualitativos foram analisados com base na nas orientações da metodologia de análise de conteúdo (Bardin, 2011) com o apoio do software NVivo 11. Para tanto, as respostas passaram por uma leitura flutuante, o que auxiliou na definição dos códigos para posterior categorização.

3. Resultados

Os resultados do teste t de Student para amostras independentes sugeriram que o fator relacionado a experiências prévias com jogos digitais (ser jogador ou não jogador) não possui influência significativa no modo como os alunos avaliaram o jogo (t = 0,637, p > 0,05). Não se observou influência significativa deste fator também nos escores de avaliação da aprendizagem pelo jogo, nem na avaliação da aprendizagem no curso (p > 0,05), conforme observado na Tabela 1.

Tabela 1
Resultado do teste t de student para amostras
independentes para o fator jogador ou não

 

Jogador

Média (DP)

Não jogador

Média (DP)

t

p

Avaliação do jogo

23,85 (3,14)

23,29 (2,93)

0,637

0,528

Avaliação da aprendizagem pelo jogo

25,88 (2,50)

24,57 (3,07)

1,637

0,108

Avaliação da aprendizagem no curso

24,44 (2,79)

25,23 (2,71)

- 0,988

0,328

A análise dos níveis de motivação associados aos escores resultantes das avaliações dos alunos, por meio da One-Way ANOVA, sugere que o fator nível de motivação possui influência significativa na avaliação da aprendizagem no curso (F = 9,950, p < 0,001). Entretanto, não foram observados efeitos significativos deste fator nas variáveis dos escores de avaliação do jogo e da avaliação da aprendizagem pelo jogo (p > 0,05).

Tabela 2
Resultado do teste One-Way ANOVA
para o Nível de Motivação

 

Nível

Motivação 3

Média (DP)

Nível

Motivação 4

Média (DP)

Nível

Motivação 5

Média (DP)

F

p

Avaliação do jogo

22,00 (2,82)

22,43 (2,50)

24,23 (3,20)

1,354

0,269

Avaliação da aprendizagem pelo jogo

-

25,21 (2,04)

25,48 (3,22)

0,249

0,862

Avaliação da aprendizagem no curso

23,00 (1,41)

23,71 (1,81)

25,70 (2,36)

9,950

0,000*

Nota.* p < 0,001

Os resultados da correlação de Pearson entre a avaliação do jogo e a avaliação da aprendizagem pelo jogo (Tabela 3) revelam que há uma correlação moderada positiva (r = 0,694, p = 0,000), indicando que a avaliação que o aluno faz do jogo interfere sobre o modo como percebe as contribuições do jogo à aprendizagem. Outra correlação moderada positiva pôde ser observada entre a avaliação do curso e o nível de motivação (r = 0,614, p = 0,000), sugerindo que quanto mais motivado o aluno se percebe, melhor avalia a sua aprendizagem no curso. Não foram observados resultados significativos na correlação entre os outros escores de avaliação dos alunos.

Tabela 3
Resultados da correlação entre a avaliação do jogo, a avaliação da
aprendizagem pelo jogo, a avaliação do curso e o nível de motivação.

 

1

2

3

4

1. Avaliação do jogo

1

0,694**

0,178

0,194

2. Avaliação da aprendizagem pelo jogo

 

1

0,244

0,116

3. Avaliação da aprendizagem no curso

 

 

1

0,614**

4. Nível de motivação

 

 

 

1

Nota. ** p < 0,001

O instrumento utilizado incluiu uma questão aberta sobre o conteúdo do jogo e as contribuições para aprendizagem. As respostas foram analisadas por meio da codificação e categorização, registrando-se a frequência com que as categorias identificadas foram classificadas na análise. No Gráfico 1, podemos observar as categorias e as frequências registradas.

Gráfico 1
Frequência contabilizada
na categorização.

A categoria conhecimento incluiu duas subcategorias: conselhos e conceitos. Na subcategoria conhecimento/conselhos, foram codificadas contribuições dos aspectos e temas relacionados aos conselhos escolares, contabilizando oito registros. Como exemplos, o cursista 2 afirmou que: “O jogo foi fundamental para adquirir mais conhecimentos sobre os Conselhos Escolares” e o cursista 19 afirmou que “a interação com o jogo contribui com a aprendizagem de maneira muito significativa porque nos possibilitou a junção da teoria com a prática mostrando as dificuldades enfrentadas no dia-dia pelo conselho gestor”. Já a subcategoria conhecimento/conceitos inclui descrições mais gerais em relação à apropriação de conhecimentos, contabilizando 10 registros. Exemplos: “Trouxe clareza em vários assuntos trabalhados” (Cursista 37) e “Consegui fixar melhor alguns conceitos que antes eu não tinha concretizado muito” (Cursista 16).

A aprendizagem foi codificada quando expressos termos que remetiam a esse processo, como contribuições expressas da seguinte forma: “Aprofundar através do jogo o que estamos aprendendo no curso” (Cursista 8) e “Acredito que o uso de jogos educativos pode contribuir para uma aprendizagem significativa” (Cursista 23).

Nessa categoria diferenciou-se a referência à aprendizagem relacionada especificamente ao jogo ou à sua importância para o processo de aprendizagem na educação. Nessa subcategoria incluíram-se contribuições como: “Muito bom mesmo, a gente fala que através do jogo a criança aprende, imagine se não, até nós aprendemos!!!” (Cursista 18) e “Aprender brincando é tudo de bom. Falamos tanto em aprender através do lúdico e estar vivenciando o fato é muito bom” (Cursista 42).

Apesar de a questão abordar as contribuições do jogo para aprendizagem, codificamos oito respostas que relacionavam a aprendizagem à diversão. Nessa perspectiva, o Cursista 1 afirma: “Aprender jogando é muito mais divertido” e o Cursista 46: “A passagem de níveis foi o grande desafio, foi super animador para prosseguir testando o conhecimento e desenvolvendo outros”.

Destacam-se no Gráfico 1 as categorias habilidades cognitivas, conhecimento e aprendizagem. No que se refere às habilidades cognitivas, as respostas foram codificadas também em relação às subcategorias atenção, imaginação, lógica e resolução de problemas, e memória.

Gráfico 2
Subcategorias das
Habilidades Cognitivas

A memória destaca-se como a habilidade mais citada, codificada na descrição feita pelos cursistas como recapitulação, fixação, reforço, relembrança ou revisão dos conteúdos abordados no curso. Destacam-se descrições como: “O jogo busca revisar muitos conteúdos estudados ao longo do curso” (Cursista 11) e “Penso que consegui recordar até algumas coisas e reforçar os conhecimentos adquiridos ao longo do curso” (Cursista 22).

A atenção e a imaginação são citadas de forma direta pelos cursistas. A lógica e a resolução de problemas foram codificadas a partir de respostas como: “O jogo sempre propicia uma forma lúdica de resolver problemas, com interatividade” (Cursista 4).

3.1. Discussão

A educação a distância, ao flexibilizar espaços e tempos de aprendizagem (Moore & Kearsley, 2008; Coll & Monereo, 2010; Severino et al., 2011), bem como gerar maiores possibilidades para que os alunos possam fazer escolhas e definir suas trajetórias de aprendizagem (Fu & Yu, 2006), pode atender de modo mais conveniente um maior número de alunos com diferentes experiências e condições de aprendizagem. Os resultados deste estudo revelaram que é possível utilizar jogos digitais com cursistas que não são jogadores, e que os mesmos são capazes de reconhecer as contribuições que a interação com o jogo oferece, independentemente de suas experiências prévias. Isso permite posicionar os jogos digitais como estratégia apropriada à EaD, pela capacidade de trabalhar com alunos com diferentes experiências prévias.

A motivação relacionada à aprendizagem no curso foi relacionada à avaliação que os alunos fizeram do jogo, da aprendizagem pela interação com o jogo e da aprendizagem no curso, o que permitiu identificar que quanto maior a motivação, melhor foi a avaliação que os alunos fizeram de sua aprendizagem. A motivação, de acordo com estudos de All et al. (2016) e Fu e Yu (2006), em experiências de EaD, podem ser associadas ao uso dos jogos por incentivarem o engajamento e a maior satisfação (Connolly & Stansfield, 2007). Desse modo, pode-se inferir que o nível de motivação influencia o modo como os alunos avaliam sua própria aprendizagem.

Neste estudo, a relação entre a motivação e a avaliação da aprendizagem foi reforçada pela correlação positiva identificada, o que sugere que quanto mais motivado, melhor o aluno avalia a sua aprendizagem. Cabe destacar, ainda, que a motivação e a satisfação percebidas pelo aluno podem ser um fator fundamental para a permanência e a aprendizagem do aluno adulto na EaD (Choi & Park, 2018).

Considerando que, neste estudo, o jogo compôs a organização do curso, pode-se supor que contribuiu com motivação, como destacam Freitas e Oliver (2006) e Brothers (2007) ao enfatizarem a importância das características dos jogos na educação a distância. Aspecto reforçado na análise dos resultados neste estudo, que identificou correlação positiva entre a avaliação do jogo e as contribuições que o aluno percebeu para sua aprendizagem, ou seja, quanto melhor o aluno avaliou o jogo, mais reconheceu as contribuições à sua aprendizagem. O jogo digital associado à diversão e à aprendizagem ativa (Connoll &; Stansfield, 2007) supõe qualidades que consideram as dimensões descritas por Fong-Ling et al. (2008), como o desafio, a clareza de objetivo e o feedback. Diante disso, reforça-se que o design e a qualidade do jogo, incluindo suas características, podem influenciar a aprendizagem.

Neste estudo, a aprendizagem reconhecida pelos alunos não se restringiu apenas aos conteúdos abordados, mas também às habilidades cognitivas, reforçando as contribuições dos jogos em relação ao treinamento cognitivo apontado por vários estudos (Feng, Spence, & Pratt, 2007; Boot, Kramer, Simons, Fabiani, & Gratton, 2008; Dye & Bavelier, 2010). Dentre as habilidades cognitivas citadas pelos alunos neste estudo, destacou-se a memória, relacionada com a fixação do conteúdo. Esse aspecto reforça o papel do jogo digital enquanto multimídia utilizada em contexto de aprendizagem. Segundo Mayer (2009), considerando os dois principais objetivos da aprendizagem multimídia, o jogo utilizado no contexto de um curso cumpre o objetivo de relembrar os conteúdos, enquanto capacidade de reproduzir ou reconhecer o material apresentado, revelando a retenção do conhecimento.

Os resultados reforçam que o uso de jogos digitais na educação a distância pode favorecer uma aprendizagem mais ativa e significativa, por contextualizar os conteúdos em uma narrativa e desafios vinculados as práticas profissionais. As experiências do jogo favorecem a aproximação entre a teoria e a prática.

4. Conclusões

Este artigo revisou estudos sobre os efeitos gerados pelo uso de jogos digitais em educação a distância. Investigou também o uso de um jogo digital em um curso a distância. Os resultados da investigação mostraram que a motivação gerada pelo uso de um jogo pode contribuir para o processo de aprendizagem na EaD. O fator nível de motivação mostrou-se uma influência significativa na avaliação da aprendizagem no curso por parte dos alunos. Além disso, quanto mais motivado o aluno se percebeu, melhor avaliou a sua aprendizagem no curso. Essas relações foram demonstradas quantitativamente (por análise estatística) e qualitativamente (pela análise de respostas a perguntas abertas).

Nesse sentido, este estudo contribui para a literatura que estuda os efeitos do uso de jogos digitais na educação a distância. A pequena amostra (58 alunos) e os resultados pautados apenas na percepção dos alunos, sem analisar seu desempenho no curso, podem ser consideradas limitações do estudo.

Para trabalhos futuros, sugere-se uma análise mais detalhada das relações entre a motivação dos alunos ao utilizarem jogos digitais na EaD e os resultados de aprendizagem.

Referências bibliográficas

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1. Departamento de Metodologia de Ensino e Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade Federal de Santa Catarina — UFSC. E-mail: dadaniela@gmail.com

2. Programa de Pós-Graduação em Educação e Novas Tecnologias, Uninter. Programa de Pós-Graduação em Tecnologias da Inteligência e Design Digital, PUC–SP. E-mail: joaomattar@gmail.com


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