ISSN 0798 1015

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Vol. 41 (Nº 06) Ano 2020. Pág. 16

Desafios na escola brasileira: uma abordagem Weberiana de poder

Challenges on the brazilian school: a Weberian approach to power

ROSA , Sandra Regina Bernardes de Oliveira 1

Recebido: 04/11/2019 • Aprovado: 06/02/2020 • Publicado: 27/02/2020


Conteúdo

1. Introdução

2. Metodologia

3. Resultados

4. Considerações finais

Referencias bibliográficas


RESUMO:

O trabalho é uma tentativa de compreender como a gestão escolar se concebe na disputa que se apresenta no Estado Moderno, no campo educacional e na escola, conforme o sociólogo Max Weber. Com objetivo de perceber a escola pública, como organização e contexto complexo, sobretudo quando analisada à luz das relações de poder que nela emergem e se concretizam em seu dia a dia. A comparação entre a realidade da escola com participação na gestão, amplia possibilidades para atitudes concretas de democratização da organização e gestão escolar e educacional. O texto evidencia a grande necessidade da discussão e participação social ativa nas políticas educacionais brasileiras para superação das desigualdades educacionais, com destaque na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação, promoção do princípio da gestão democrática da educação pública. Promovendo um processo de fortalecimento social, para contribuir com preparação para novos patamares de disputas e debates futuros.
Palavras chiave: Disputa. Estado. Escola. Gestão democrática

ABSTRACT:

The Task is a attempt to understand how the school management is born on the dispute that presents itself on the Modern State, on the educational field and on the school, according the sociologist Max Weber. With the objective of realize the public school, as a organization and complex context, mainly when analysed in the realm of relations of power with in her grown and materialize themselves in the day by day relationships. The comparison between the reality of the school with participation in the management, amplify the possibilities for concrete attitudes of democratization on the school and educational organization and management. The text shows the big necessity of the active social discussion and participation on the brazilian educational politics for the overcoming of educational differences , highlighted in the promotion of the citizenship and in the eradication of all forms of discrimination, promotion of the principle of democratic management of public education. Promoting a process of social empowerment, to contribute with the preparation to new dispute levels e future debates.
Keywords: Dispute. State. School. Democratic Management

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1. Introdução

A atividade humana e a educação é uma questão social, pública, trata-se da organização do sistema da educação nacional de Estado e necessita ser discutida pela sociedade brasileira, na qual nem todos tem o efetivo direito de participação econômica, social, política e cultural.

A educação é um direito de cidadania e bem social, é de responsabilidade do poder público e que cabe à sociedade exigir a oferta pública e a efetiva democratização. O atendimento a educação é feito pelo poder público em todas as suas instâncias federativas: a União, os estados e os municípios. Na atualidade encontra-se expresso legalmente sob o princípio de uma gestão democrática do ensino público.

A Constituição de 1988 reconheceu estados, municípios como entes federativos e as escolas passaram a assumir responsabilidades e também muitas desigualdades.

A política de educação é resultado das modificações econômicas, sociais e políticas do contexto da globalização mundial. Tais modificações na estrutura de poder afetam e determinam os sistemas educacionais, que se adequa de acordo com as forças sociais dominantes expressas no Estado Moderno.

No Brasil, a desigualdade está na falta de investimento em formação nos professores, na ausência de um currículo nacional comum a todas as redes à infraestrutura das escolas e na condição primordial da efetivação do direito à educação, condições de trabalho e salário dos profissionais da educação. Assim, existe a necessidade de estudar, questionar as políticas sociais e educacionais, que conduzem o Estado a reduzir os investimentos, dentre outras áreas, a educação, fazendo com que os profissionais da educação tenham o trabalho intensificado e o salário reduzido, ocasionando a precarização das condições de trabalho.

O referido cenário educacional no Brasil relativo ao exercício do poder, da influência do Estado, exige o diálogo com ciências sociais e política para avançar a condição de produção efetivamente científica.

Assim, o trabalho realizado na escola é determinado pelos aspectos conjunturais e estruturais da sociedade, tendo em vista que se refletem nos processos decisórios da política educacional, que, por sua vez, impactam na escola. Portanto, há necessidade de mediar e articular o trabalho escolar com o processo de democratização social, no sentido de  favorecer aquisição dos conhecimentos e a compreensão da realidade social, política e econômica. Destaca-se importante a Sociologia Compreensiva de Weber que busca o sentido da ação social, na efetividade concreta das relações sociais do sujeito. Para Weber,

Sociologia (no sentido aqui entendido desta palavra empregada com tantos siginificados diversos) siginifica: uma ciência que pretende compreender interpretativamente a ação social e assim explicá-la causalmente em seu curso e em seus efeitos (Weber, 1994, p.3)

Desde que a educação se tornou um direito garantido pela Constituição Brasileira, há quase 30 anos, as políticas públicas foram responsáveis pela universalização do ensino básico, que garantiu a matrícula das crianças na escola. Faz-se necessário avançar na questão gestão e na qualidade, elementos em disputa no complexo quadro da política educacional, pois a disputa colabora com a democracia.

1.1. O Estado Moderno na perspectiva teórica de Max Weber

A construção histórica, político e social do Estado moderno encontram-se vinculada às profundas transformações ocorridas no decorrer dos séculos, a gradativa superação do modo de produção feudal e o surgimento do capitalismo mercantil. Neste momento histórico, o poder de Deus, era justificativa das relações econômicas, sociais e políticas e começam a ser substituída pelos direitos naturais e a atribuição ao Estado da realização do bem para todos. A concretização do Estado moderno de direito historicamente iniciado pela burguesia emergente no século XVII, que pretendia conter o poder tradicional impondo nova ordem política. Neste período o Estado começa compreender-se como organização distinta da Sociedade Civil, instituição humana e sua legitimidade a ser entendida como oriunda da "vontade popular".

Weber (1994) conceitua Estado e poder político, como uma estrutura política que reivindica o monopólio da volência física legítima, um agrupamento político de domínio dentro de um delimitado território, que monopoliza, em seus limites, o controle legítimo do uso da força. O Estado moderno demarca o poder da cobrança de impostos que possibilita a despesa do governo. Ocorre o processo, no plano jurídico, a separação entre direito público e direito privado; no plano administrativo, a constituição de uma burocracia racional.

A gestão patrimonialista caracteriza-se por uma gestão firmada pela tradição, na qual o gestor toma decisões conforme influências e preferências pessoais. A administração do Estado e suas instituições, sob o princípio do patrimonialismo é uma questão pessoal do gestor público, inexistindo diferenciação entre as esferas pública e privada (Weber, 1994, p.155).

Sendo que a gestão considerada democrática é baseada no Estado de direito, caracteriza- se por uma gestão do tipo racional-legal onde se obedece não à pessoa em virtude de seu direito próprio, mas a regra intituída, que estabelece a obediência. Neste modelo de gestão também quem ordena, obedece, pois, ao emitir uma ordem, esta se transforma em regra universal para todos.

Um princípio básico de uma gestão democrática é a separação do quadro administrativo e os meios administrativos, que significa dizer, que os funcionários, empregados e  trabalhadores de uma organização pública não são proprietários dos meios materiais de administração e produção, mas remunerados em espécie ou dinheiro, e estão sujeitos à prestação de contas (Weber, 1994).

Na gestão com princípio democrático, a relação entre o funcionário público e o gestor  tem contrato com regras fixas e universais. Nesta relação de trabalho existe a menor  influência de motivos pessoais, seguindo regras racionais. Com a ordem racional-legal, representada pelo Estado de direito cuja legitimidade repousa no exercício do poder impessoal e de acordo com as leis.

Weber (1994) identificou três tipos ideais ou puros de dominação, a tradicional (com base nos costumes, na tradição), a carismática (com base no carisma pessoal do líder) e a racional- legal (com base nas normas legais, estatutos). Estes tipos de dominação, que muitas vezes apresentam-se de forma mesclada, ajudam a compreender as relações que se estabelecem entre as pessoas e a consequente relação na predominância das decisões. Porém, não são encontrados na realidade social específica e histórica. São tipos ideais, ou melhores domínios puros, ferramentas imprescindíveis para análise presente e passado do desenvolvimento dos sistemas políticos.

Elegem-se conceitos de acordo com Weber são construções tipos-ideais: dominação legal, patrimonialismo e burocracia. Na realização de uma comparação do conceito de dominação legal à análise da problemática da escola brasileira na atualidade, verifica-se que existe o tipo de dominação. O direito é implementado da racionalidade legal, e procede do Estado, a legitimidade do poder que reside em os dominados aceitar na legalidade a ordem que é a dominação legal. Este tipo de dominação caracteriza-se pela formalidade da lei, que deve obedecer a regras estabelecidas pelo Estado, para obedecer a Constituição.

No plano político, a qualificação para o exercício do poder, depende da aprovação popular por meio do sufrágio universal. De acordo com Weber, o sufrágio universal tem importância, pois admite a participação das massas. Na complexidade do Estado Moderno, a representatividade possibilita a participação, viabilizando a soberania do cidadão, por outro lado, a soberania torna-se decrescente devido ao domínio da burocracia, porque a forma administrativa permanece com os técnicos. Na obra Economia e Sociedade (1994), Weber aludiu a concepção restrita de democracia:

A participação das elites só entra em consideração na medida em que eles são adaptados e escolhidos segundo as possibilidades de atrair votos (...) Eliminar a luta entre os partidos é impossível, entretanto, a não ser que se queira eliminar qualquer representação ativa do povo. (WEBER, 1994)

Os dominados são titulares de deveres e de direitos, podendo não apenas escolher os dominantes, como também se habilitar a concorrer a essa escolha. De fato, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, consagra, em seu artigo 5o, que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, os dominados são cidadãos” (dominação legal).

Segundo Weber, o tipo mais puro de dominação legal é "aquele que se exerce por meio de um quadro administrativo burocrático", já que é a forma de administração mais racional e é o germem do Estado moderno. Este tipo puro de dominação legal, exercida através de um quadro administrativo burocrático, é a característica fundamental do Estado moderno. A burocracia, de acordo com Weber, é a única forma eficaz de dotar a administração dos negócios públicos e privados de racionalidade.

Ainda, conforme o referido autor, o poder e ação política, são alternativas para que as pessoas não entrem em guerra ao lutarem por diferentes interesses. A luta, segundo Weber, pode ser pacífica ou violenta. A luta pacífica não é exercida por meios chamados violentos, ou seja, quando não se verifica o uso da força física efetiva (legítima do Estado). A luta pacífica pode ser entendida como concorrência, disputa e representa a vontade de adquirir um poder visando a dispor de oportunidades desejadas também por outros. O controle político se traduz em domínio e o domínio está no cerne da política. (Weber, 1994, pag. 23).

Assim, a política é a forma de conciliar diferentes visões, na qual envolve poder e dominação, que garante o efetivo funcionamento do Estado. Weber define dominação, como, "Probabilidade de encontrar obediência a uma ordem de determinado conteúdo, entre determinadas, pessoas indicáveis; disciplina é a probabilidade de encontrar obediência pronta, automática e esquemática a uma ordem". (WEBER, 1994, P. 33).

Weber buscou entender as relações de poder e por qual motivo uma pessoa consegue impor, mesmo sob-resistência, sua vontade aos demais. A dominação representa um dos elementos mais importantes da ação social, entretanto, segundo o autor, nem toda ação social se caracteriza como dominação, que é um tipo especial de poder, no sentido da possibilidade de impor ao comportamento de terceiros a vontade própria.

Para que a obediência se configure em domínio, é necessário produzir legitimidade, sendo assim, a imposição de um comportamento a terceiros só é concretizada com o aceite à verdade representada. Todavia, na política, não existe apenas uma força unilateral, há uma disputa constante de poder e uma política pública que resulta das diversas forças que tensionam o Estado, através dos atores políticos.

2. Metodologia

Para a pesquisa foi adotada a realização de uma pesquisa documental e bibliográfica por meio de análise de conteúdos em documentos selecionados, estabelecendo estudo crítico das fontes. Os dados foram problematizados com apoio nas obras de Castro (1995), Max Weber (1994, 1999), Souza (2009, 2014, 2017), entre outros, buscando compreender, analizar e refletir os desfios na escola sob uma abordagem Weberiana de poder.

2.1. Política Educacional: Disputas pelo poder na gestão democrática na escola

A escola pública segue a regra da administração burocrática, tem sua fonte única no Estado, esta produzida, administrada e aplicada burocraticamente, conferindo impessoalidade à administração pública. É a enfâse do comportamento do burocrata, por um lado garante a imparcialidade do poder público face ao conjunto da sociedade, por outro determina que a relação entre as instituições e os particulares seja marcada pela impessoalidade e indiferença. O burocrata é relevante no Estado, um vínculo entre a política e os cidadãos.

No caso da escola pública, na qual o direito é administrado, manifesta-se um problema, no qual a administração do direito de forma burocrática transforma a escola numa máquina. A imparcialidade requerida pela máquina burocrática tem um custo que se traduz pelo distanciamento de qualquer aspecto axiológico, isso significa, na visão de Weber, que a ciência é neutra, pois não envolve juízo de valor.

Reflete-se neste momento a ideia sobre a ciência  na  modernidade  e  o  sentido  à vida e ao mundo, podendo significar uma contraposição entre a legalidade  e  princípios éticos. A individualidade das partes desaparece, a máquina burocrática exige imparcialidade, que se desvincule qualquer necessidade singular. Na escola o direito tem uma vertente legal burocrática; e, uma tradicional patrimonialista. Enquanto a burocracia, muitas vezes, traduz-se na prática pela insensibilidade de uma máquina, a prática patrimonialista, ainda existe, tornando-se uma barreira para a adoção de parâmetros de igualdade para todos, somente perante a lei.

Este é um aspecto da dominação racional legal e, portanto, burocrática em termos de funcionamento da escola. O exercício da ciência é viável se os princípios subjacentes à ordem forem acessíveis à compreensão de todos; porém, é preciso que todos sejam concebidos, de modo que a regra formulada intencionalmente seja para todos.

O direito racional identificado por Weber no Ocidente permitiu a modernidade e aumentou o controle dos indivíduos sobre a vida social, todavia, ao mesmo tempo, aumentou o desconhecimento crescente por parte de muitos da sociedade atual. A burocracia como poder na educação, nas disputas, precisa constituir processos de maior organização política.

A gestão da educação pública envolve alunos, professores, diretores e pedagogos, funcionários, familiares de alunos, administradores do sistema de ensino, lideranças políticas da comunidade, refere-se às relações de poder no trabalho educativo

Então, compreendendo poder como a “oportunidade existente dentro de uma relação social que permite a alguém impor a sua própria vontade mesmo contra a resistência e independentemente da base na qual esta oportunidade se fundamenta” (WEBER, 1994, p.33) a capacidade de levar o outro a agir como se deseja que ele aja, independente da vontade dele próprio. O poder está nas relações que se estabelecem entre pessoas na realidade e na autoridade que controla as relações que estabelece com os outros. O poder acompanha a autoridade, porém a autoridade não garante poder, pois existe a probabilidade de estar cumprindo ordens de outra pessoa, que no caso da escola, ordens do sistema educacional.

Para ampliação da política educacional, os atores políticos pressionam de diversas formas para ter visibilidade e legitimarem-se na agenda política. A sociedade também se constitui em ator político à medida que os diversos segmentos da sociedade se agrupam por uma causa, dando origem à sociedade civil organizada. Exemplo é, quando na escola estudantes e pais constituim-se e organizando-se como força política na busca de soluções para os conflitos sociais. Porém, o compromisso necessita de ações estabelecidas e possibilidades concretas de efetivação, para conquistas e experiência de participação democrática nas políticas educacionais.

A escola, como instituição que tem o compromisso de promover o diálogo, a humanização e a emancipação humana, necessita pautar-se em processos de gestão democrática e tomadas de decisão do coletivo, pois é permeada por relações de poder, uma organização burocrática que reflete a legislação e os regulamentos, projeto pedagógico, plano de ação, plano de organização.

Contudo, ao ser controlada pelo Estado, a mobilização de interesses de grupos antagônicos, pode tornar-se complicada, no entanto, existe brecha e estratégia para os atores educativos. Mesmo que, não representem a essência da democracia, é possibilidade para soltar a voz em ação no sentido de resistência, contestação e luta.

A escola é interação de um grupo de pessoas, com relativa automia e poder de disputa. Porém, um poder, não legitimado, para algumas pessoas deste grupo. De acordo com Souza:

As pessoas também não controlam o domínio ao qual estão submetidas porque  há ainda, na escola, poderes não legítimos (...). A falta de conhecimento da maioria das pessoas sobre os seus direitos e, mais importante, sobre suas próprias potencialidades no enfrentamento ao poder constituído, legítimo ou não, é um ponto importante a ser contemplado na análise do campo da política escolar. SOUZA (2012, p. 169)

As relações de poder, em contexto escolar, são exercidas de forma hierárquica por um conjunto de atores sobre outros. Os gestores pouco se contrapõem ao sistema, pois se sentem solitários, pela burocracia a ser enfrentada, pela intenção de fazer carreira em outras secretarias. Conforme Weber no Estado moderno a coerção é delegada ao Estado o direito detentor do monopólio da força e violênia legítima. O que legitima o uso da violência pelo Estado é a questão do poder legal. A gestão é um processo político, como perspectiva da gestão democrática, um poder decorrente da capacidade humana de agir em conjunto com outros, construindo uma vontade comum.

Assim, na situação que há poder em questão, existe a política e lidar com o poder pode ser mais ou menos democrática, sendo por meio do processo uma conquista. Entretanto, operar com a política na escola representa compreender a disputa e que a gestão escolar, se faz com pessoas e grupos que pensa e age diferente, na busca pelo controle da escola, ação política e poder no sentido que fala Weber. Porém, a política sendo reconhecida na escola como um poder em questão e que envolve todas as pessoas que compõem a instituição, considerando uma pré-disposição para o diálogo, torna-se ação política com direção democrática.

Entende-se a necessidade de compreender a gestão de forma democrática e, para isso, é preciso interpretar a legislação, ruptura com o tradicional de administrar a escola, enfrentando os problemas de forma coletiva, com o envolvimento de todos os profissionais que fazem a educação. A construção de uma gestão educacional que favoreça  o fortalecimento do sujeito no coletivo e a superação e a mudança social pretendida.

Souza (2009, p.125) compreende gestão democrática como um processo político no qual as pessoas que atuam na/sobre a escola identificam problemas, discutem, deliberam e planejam, encaminham, acompanham, controlam e avaliam o conjunto das ações voltadas ao desenvolvimento da própria escola na busca da solução daqueles problemas. Sendo tal processo, sustentado pelo diálogo, na alteridade e no reconhecimento às especificidades técnicas das diversas funções presentes.

A gestão democrática na escola se expressa participação efetiva de todos os segmentos da comunidade escolar, o respeito às normas coletivamente construídas para os processos de tomada de decisões e a garantia de amplo acesso às informações aos sujeitos da escola. Significando que a gestão da escola pública pode ser entendida pretensamente como um processo democrático, no qual a democracia é compreendida como princípio, posto que se tenha em conta que essa é a escola financiada por todos e para atender ao interesse que é de todos; e também como método, como um processo democratizante, uma vez que a democracia é também uma ação educativa, no sentido da conformação de práticas coletivas na educação política dos sujeitos.

A gestão democrática, como um tipo ideal, pode ser utilizada como referência para a melhor compreensão da realidade. Entretanto, existem dificuldades para a constituição da educação política. A escola, como todas as demais instituições, está solidificada pelos  mesmos princípios instituidores da sociedade, uma vez que é parte dela, instituinte dela e instituída por ela. Dessa maneira, expressa formas de manutenção e reprodução da cultura muito próxima do que acontece fora dos seus domínios.

Essa contradição, de ser adaptadora e reprodutora da sociedade e, ao mesmo tempo, permitir condições de superação da sociedade pelos indivíduos, não é verdadeiramente o problema, mesmo porque o próprio ato educativo formal, como desenhado ao longo da modernidade, é um fenômeno de repetição do antigo e de construção do novo, constantemente, expressões que favorece o autoritarismo.

As possibilidades de superação das desigualdades sociais, reproduzidas, entre outras formas, pelo sistema de ensino, são pauta de uma ação social/coletiva, por meio da qual, os atores da educação escolar necessitam organizar-se, na defesa de democracia, por meio da construção e efetivação nos currículos, como às formas mais democráticas de organização e gestão da escola pública.

Contudo, os mecanismos da organização escolar necessitam igualdade formal, considerando, no sentido mais clássico, a igualdade de direito presente na maioria das constituições do mundo ocidental. Com esse movimento, mesmo discursando muitas vezes  em favor das diferenças individuais, a escola regulamenta e legitima a desigualdade social. Assim sendo, o poder necessita ser socializado nas relações humanas, controlado por todos os envolvidos, que todos assumam com autoridade parte das responsabilidades sobre os destinos das suas próprias relações.

A democracia se faz menos nas definições formais, constitucionais, dos direitos dos indivíduos e mais pela ampliação real das condições de superação das desigualdades sociais. Entretanto, o modelo de democratização da sociedade, remeta à ideia individual de superação dessas dificuldades, ou seja, a possibilidade de ascensão social, nesse mesmo mecanismo que provoca e conserva o indivíduo na condição de excluído.

A democracia moderna representativa de toda a sociedade está presente nas elites em disputa pelo poder, pela legitimidade do voto, não ocupa espaços da vida social que não o poder público. A democracia moderna tem o poder de controlar a população, deixando-a no limite vida política com seus direitos e interesses.

A análise da democratização da gestão escolar deve estar articulada da compreensão sobre as diferentes formas de participação legítima das pessoas nos segmentos, sendo a democracia depende das formas participativas dialogadas de todos envolvidos nos processos da gestão escolar.

Utilizando-se de Weber conclui-se que existe uma forma de Estado misturado, marcado de um lado pela dominação legal burocrática e, de outro, pela dominação tradicional patrimonialista. A análise tipo-ideal weberiana mostra que a realidade social, possibilita a coexistência dessas duas esferas da dominação em uma dada formação social. A dominação legal burocrática está no fato de não aceitar o carisma e de ser uma instituição durável e contínua, embora a norma preexistente à qual ele se refere não tenha nada de racional nem de técnica, mas possua um conteúdo concreto, a saber, a validade do costume. Tal referência insere esta forma de gerir a escola em uma reflexão mais ampla sobre a evolução da esfera pública, na qual, ainda, mesmo sob o ordenamento legal proposto, é possível encontrar nas práticas dos gestores escolares elementos próprios de uma gestão patrimonialista.

No caso do Estado brasileiro prevalece, ainda, a burocratização, com característica do domínio da sociedade pelo Estado, a articulação, ainda não legitimada, das massas, o exercício do poder continua a integrar as reivindicações da sociedade brasileira, a centralização governamental, o despotismo do poder executivo sobre o exercício cotidiano do poder.

Weber aprova burocracia como forma necessária de implementação de direitos à cidadania, contra a administração pessoal, característica do patrimonialismo. Sua preocupação maior residia no controle da burocracia, uma vez que o capitalismo secularizado e liberto das amarras religiosas, não iria nunca poder se desvencilhar do aparelho burocrático para funcionar com eficácia e previsibilidade.

A crise decorre do excesso de formalidade. Com efeito, e retomando a análise com base nos conceitos de Weber, todos esses movimentos que questionam o modelo de Escola, a racionalidade acaba sendo instrumentalizada para atender aos interesses do sistema em detrimento dos interesses dos indivíduos.

3. Resultados

Observa-se que esta especificidade inerente à formação do Estado brasileiro constitui- se em elemento presente até hoje nas representações e práticas dos gestores da escola pública. Por este motivo, o modelo de gestão democrática da escola proposto no atual ordenamento legal enfrenta impasses e retrocessos quando se trata de traduzir-se em prática social de organização da unidade escolar.

Sendo que opera em meio a essas relações de poder e tem como objeto o cotidiano da sua prática como ator político da educação. A função dos atores políticos escolares é de natureza política. Também existe a dualidade, na qual os papéis de administrador-burocrata, por vezes se contrapõem como também ocorre com os papéis de representante dos interesses da comunidade escolar em contrapartida aos interesses do poder público, os quais nem sempre são coincidentes. Sendo assim, a tradição de pensamento que associa poder e dominação é presente na educação, em especial pelo controle exercido, propositalmente ou não, legalmente ou não, nas escolas.

Necessita-se vincular a necessidade da responsabilidade pela articulação pedagógica, política, administrativa e institucional do cotidiano escolar e que represente autoridade face ao poder público, que coordene as relações de trabalho público para os professores e funcionários. Este vínculo maior decorre da autoridade que o Estado impõe aos dirigentes escolares, devendo prestar conta das atividades pelas quais é responsável, expressando de forma contraditória, posições que devem estar a favor dos interesses da educação pública e dos educandos.

A gestão democrática da educação, enquanto fruto de um processo de lutas e disputas por um modelo de gestão para a escola, exige o compartilhamento das decisões sobre os modos de organização escolar, implicando a participação legítima da comunidade escolar e local. Gestão processo em construção que envolve toda a organização da educação brasileira. É uma atividade meio que pretende estruturar um modelo de educação que permita a emancipação social dos sujeitos tendo como base a democracia participativa.

A problemática da gestão democrática também advém de várias questões que se situam também no âmbito da escola, devido o desconhecimento dos princípios democráticos e os métodos que organizam e criam condições para obtenção de resultados aos objetivos propostos de alcance a eficácia e eficiência do sistema educacional.

Ressalta-se a organização escolar numa perspectiva teórica e prática do sistema e de gestão, onde se busca esclarecer os conceitos da organização escolar, a partir dos princípios  de racionalização do trabalho e procedimentos de ações intencionalmente sistematizadas para a efetiva consecução de objetivos.

Assim aponta-se, a gestão democrática e participativa, tendo como conceito o princípio da autonomia, o que se constitui o meio principal de assegurar a gestão democrática na intensificação do envolvimento de todos os integrantes da escola e da comunidade no processo de tomada de decisões, e no funcionamento da organização escolar.

O conceito de participação fundamenta-se no princípio da autonomia, que significa a capacidade das pessoas e dos grupos para a livre determinação de si próprios, isto é, para a condução da própria vida. Como a autonomia opõe-se às formas autoritárias de tomada de decisão, sua realização concreta nas instituições dá-se pela participação na livre escolha de objetivos e processos de trabalho e na construção conjunta do ambiente de trabalho. Destaca- se a ação participativa de todo coletivo envolvido no processo, como princípio e atributo da gestão democrática, por significar uma das funções do processo organizacional do sistema de ensino, e o direcionamento intencional da ação educativa rumo aos objetivos de forma deliberada, consciente, planejada, integrada e de consenso sobre normas e atitudes comuns ao processo educacional.

Considera-se a escola como núcleo da gestão, uma agência de transformação, a sua função social de atendimento as constantes transformações da sociedade e das políticas educacionais, que se destinam aos objetivos sociopolíticos e pedagógicos diretamente ligados ao trabalho escolar, a organização e administração dos sistemas de ensino. Necessita-se de profissionais da educação com a organização escolar articulada ao compromisso sociopolítico e a compreensão da dimensão política de sua ação administrativa. O que resulta numa gestão comprometida com o exercício da democracia, da qualidade do ensino e aprendizagem significativa para a formação do aluno.

Nesse sentido, o coletivo da escola deve ser competente, inovadora, integrada e interativa, exercendo liderança na sua linha de projeções de ações, aliando-se as opções filosóficas, políticas e técnicas-científico, para que se venha a compreender a atual realidade social. Para identificar os avanços tecnológicos ligados aos processos pedagógicos que ocorrem em nível das relações sociais mais amplas, em comum com as diferentes instâncias, secretarias de educação e respectivos órgãos regionais e articulando-se com a sociedade, o  que constitui a base para uma dinâmica de gestão do sistema educacional.

Com a mudança de paradigma, desenvolve-se o destaque a dimensão política e social, ação para a transformação, participação legítima, práxis e cidadania.

A gestão democrática visa promover a participação e intensificar o envolvimento de todos os integrantes da escola no processo de tomada de decisões e nas ações no funcionamento da organização escolar. Esse envolvimento está relacionado aos órgãos deliberativos, aos pais, professores, alunos, conselhos de classe, colegiados e a comunidade que se faz presente no espaço escolar, o que resulta na formação de uma comunidade educativa que interage com a sociedade civil e assegura a qualidade do processo de ensino e de aprendizagem.

4. Considerações finais

O texto buscou evidenciar a necessidade da contínua discussão e participação social nas políticas educacionais brasileiras. Em meio ao movimento de luta, o que emerge é a teoria weberiana de poder, pois, apesar do vigoroso embate entre Estado e sociedade, as políticas são impostas. O motivo pelo qual a sociedade se sujeita a elas é a dominação racional legal, a qual permite que o sujeito imponha sua vontade, mesmo encontrando resistência, baseado numa legislação que o sustenta. O Estado, por meio do monopólio da violência e uso legítimo da força, contem a sociedade, que em processo dinâmico, busca a disputa pelo poder.

Ao articular a escola pública com a política, o poder e a democracia, identificou elementos que possibilitaram a construção de um conceito de gestão escolar democrática, reconhecendo-a como um processo político que é mais amplo do que apenas as tomadas de decisão e que é sustentado no diálogo e na alteridade, na participação legítima dos sujeitos do universo escolar, na construção coletiva de regras e procedimentos e na constituição de canais de comunicação, de sorte a ampliar o domínio das informações a todas as pessoas que atuam na/sobre a escola.

Assim, a comparação entre a realidade das escolas com e gestão democrática, participação do coletivo na gestão, amplia possibilidades para atitudes concretas de democratização da organização e gestão escolar e educacional.

A Emenda Constitucional 95/2016 desconstrói o consenso sobre a necessidade da expansão contida no Plano Nacional de Educação 2014, também rompe com o papel da União no pacto federativo, consequentemente desestrutura o sentido do direito à educação.

A síntese das disputas continua por meio do PNE/2014, um instrumento construído no consenso sobre a necessidade de expansão do sistema, aumento de recursos para a universalização do atendimento escolar, melhoria da qualidade da educação, valorização dos profissionais, erradicação do analfabetismo, superação das desigualdades educacionais, com destaque na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação, promoção do princípio da gestão democrática da educação pública.

A participação política legítima, garantida pelos sistemas de ensino, não se efetiva somente pela existência desses instrumentos, faz-se necessário que os atores educativos tomem o diálogo como princípio e fundamento, transformando o princípio da democracia da constituição de 1988 em ampla participação na educação. Promovendo um processo de fortalecimento social, para contribuir para uma formação política, com preparação para disputas e debates futuros. As políticas são movimentos necessários, saudáveis, enriquecidas à medida que se amplia a discussão. Discutir a gestão democrática e a perspectiva de direito à educação, bem como, o sentido das proposições e ações do poder público, qualifica o debate e à construção de novos patamares da disputa.

Referencias bibliográficas

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1. Professora da Rede Estadual de Ensino do Paraná-Brasil. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação Stricto Sensu da PUCPR, integrante do projeto de pesquisa a Formação dos Gestores das Instituições de Educação no Paraná. PUCPR. Contato de contato: bernardesrosa72@gmail.com  


Revista ESPACIOS. ISSN 0798 1015
Vol. 41 (Nº 06) Ano 2020

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