ISSN 0798 1015

logo

Vol. 41 (Nº 10) Ano 2020. Pág. 28

Déficit habitacional: cálculo do coeficiente de concentração relativa para o Brasil entre 2007 a 2012

Housing deficit: calculation of the relative concentration coefficient for Brazil from 2007 to 2012

AMARAL, Fernanda G. 1; FERRAZ, Diogo 2; SILVEIRA, Naijela 3 & OLIVEIRA, Fabíola C.R. 4

Recebido: 27/12/2019 • Aprovado: 15/03/2020 • Postado 26/03/2020


Conteúdo

1. Introdução

2. Política Habitacional no Brasil

3. A Situação Habitacional e Urbana no Brasil na Virada do Século XXI

4. O Programa Minha Casa Minha Vida

5. Déficit Habitacional: Conceito e Definições

6. Metodologia

7. Resultados e Perspectivas Atuais

8. Considerações finais

Referências bibliográficas


RESUMO:

O objetivo deste artigo é calcular o coeficiente de concentração relativa do déficit habitacional no Brasil entre 2007 a 2012. Também se discute o papel do Estado brasileiro na formulação e implementação de políticas públicas na área de moradias. Os resultados demonstraram que apesar de o programa Minha Casa, Minha Vida ter reduzido o déficit habitacional das famílias brasileiras, ainda existem muitas famílias de baixa renda sem condições adequadas de habitação.
Palavras chiave: Déficit Habitacional; Moradia; Setor Imobiliário

ABSTRACT:

The aim of this paper is to calculate the relative concentration coefficient of the housing deficit in Brazil from 2007 to 2012. The role of the Brazilian State in the formulation and implementation of public policies in the area of housing is also discussed. The results showed that although the Minha Casa, Minha Vida program has reduced the housing deficit of Brazilian families, there are still many low-income families without adequate housing conditions.
Keywords: Housing Deficit; Home; Real Estate industry.

PDF version

1. Introdução

Ao longo da história brasileira, a crise habitacional agravou-se paralelamente ao processo de crescimento e urbanização das cidades, uma vez que, as iniciativas governamentais eram pouco abrangentes e tratavam os problemas de forma pontual, sem uma base sustentável necessária para a resolução do problema (NOAL e JANCZURA, 2011).

A crise habitacional no Brasil surge entre o final do século XIX e início do século XX, em virtude da abolição da escravidão, crise da lavoura cafeeira e intensificação do processo de industrialização. Além disso, neste mesmo período, ocorre uma grande atração de migrantes europeus com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento da industrialização no país.

De acordo com Santana e Gonçalves (2009), a profunda desigualdade social e seus determinantes históricos não foi superada pela Constituição de 1988, que tinha como proposta uma legislação democrática a fim de consolidar direitos e de se estabelecer um Estado forte. Desde o início dos anos 1990 configura-se no país um Estado assistencial, no sentido de que não possui compromissos rígidos para efetivação dos direitos sociais.

No entanto, a falta de planejamento e a ausência completa de uma política habitacional, segundo Noal e Janczura (2011), fizeram com que as favelas e os cortiços se proliferassem nos centros urbanos. A participação do governo no ramo da habitação é marcada pela criação do Banco Nacional do Desenvolvimento durante a ditadura militar e pela ausência de outras iniciativas até meados dos anos 1990.

Informações apontadas por Bonduki (2008) evidenciam o fracasso dos programas públicos e a incapacidade do mecanismo de mercado para enfrentamento do problema, visto que, após décadas de políticas habitacionais, o déficit habitacional entre a população de baixa renda continua elevado no início do século XXI.

Diante desse contexto, o objetivo deste artigo é calcular o coeficiente de concentração relativa do déficit habitacional no Brasil entre 2007 a 2012, analisando o papel do Estado brasileiro na formulação e implementação de políticas públicas na área de moradias, destacando a importância das mesmas para a superação deste déficit entre as grandes regiões geográficas e para o desenvolvimento regional no período recente.

2. Política habitacional no Brasil

Segundo Bonduki (2009), o Banco Nacional de Habitação (BNH), criado após o golpe em 1964, foi uma resposta do governo militar à forte crise de moradia presente num país que se urbanizava aceleradamente. Buscava-se, por um lado, angariar apoio entre as massas populares urbanas, segmento que era uma das principais bases de sustentação do populismo afastado do poder e, por outro lado, criar uma política permanente de financiamento capaz de estruturar em moldes capitalistas o setor da construção civil habitacional, objetivo que acabou por prevalecer.

Lannoy (2006) explica que durante o regime militar, o modelo institucional responsável pelas políticas sociais era caracterizado pelo alto grau de centralização do poder público na elaboração de ações governamentais voltadas para o problema habitacional. No entanto, devido à falta de prioridade em relação à questão do déficit habitacional por parte do governo federal, o sistema foi fragmentando-se, o que ocasionou uma ruptura de comunicação entre o governo federal e as esferas de poder local, as quais foram impulsionadas a tratar os seus problemas de habitação com programas específicos.

Foi nos governos de Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso que a descentralização da execução e da formulação dos programas e projetos habitacionais teve estímulo (LANNOY, 2006).

Para Noal e Janczura (2011), a crise habitacional agravou-se paralelamente ao processo de crescimento e urbanização das cidades, uma vez que, as iniciativas governamentais eram pouco abrangentes e tratavam os problemas de forma pontual, sem uma base sustentável necessária para a resolução do problema. Por outro lado, Bonduki (2008) afirma que o papel econômico desta política habitacional promoveu a dinamização da economia, por meio da geração de empregos e fortalecimento do setor da construção civil, transformando-se num dos elementos centrais da estratégia de crescimento da economia dos governos militares.

Segundo Bonduki (2009), este foi o único momento em que o país teve efetivamente uma Política Nacional de Habitação. Os recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), somados aos recursos do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) formaram a base de sustentação do Sistema Financeiro de Habitação (SFH).

Conforme relata Lannoy (2006), o acesso ao financiamento concedido pelo BNH era dividido, pelo Plano Nacional de Habitação, em três níveis de atuação: Mercado Popular (famílias com renda mensal de até três salários mínimos), Mercado Econômico (famílias com renda mensal de até seis salários mínimos) e Mercado Médio (famílias com renda mensal superior a seis salários mínimos).

Segundo Bonduki (2008), os resultados da ação desenvolvida por este sistema, foram muito expressivos, uma vez que, nos vinte e dois anos de funcionamento do BNH, o Sistema Financeiro da Habitação financiou a construção de 4,3 milhões de unidades novas, das quais 2,4 milhões utilizaram recursos do FGTS, para o segmento popular, e os demais 1,9 milhões beneficiaram-se de recursos do SBPE, para o mercado de habitação voltado para a classe média. Se for considerado o período até o ano de 2000, já que o SFH continuou funcionando após a extinção do BNH em 1986, foram financiadas cerca de 6,5 milhões de moradias.

No entanto, embora a produção habitacional tenha sido significativa, ela não foi suficiente para atender as necessidades geradas pelo acelerado processo de urbanização, que ocorreu no Brasil, na segunda metade do século XX. Entre 1950 e 2000, a população urbana brasileira vivendo em cidades com mais de 20 mil habitantes cresceu de 11 milhões para 125 milhões. No intervalo de 1964 a 1986 de funcionamento do BNH, foram financiadas cerca de 25% das novas habitações construídas no país, percentual expressivo, embora insuficiente para enfrentar o desafio da urbanização brasileira.

Segundo Bonduki (2008), a partir do início dos anos 1980, houve recessão, inflação, desemprego e queda dos níveis salariais. Este processo teve enorme repercussão no Sistema Financeiro da Habitação, com a redução da sua capacidade de investimento, devido à retração dos saldos do FGTS e da poupança e forte aumento na inadimplência, gerado por um maior descompasso entre o aumento das prestações e a capacidade de pagamento dos mutuários.

Essa conjuntura criou um ambiente favorável para o acirramento das críticas ao BNH. Segundo Bonduki (200), organizou-se, de um lado, o Movimento de Moradia e dos sem-terra (urbano), que reunia os que não conseguiam ter acesso a um financiamento da casa própria e, por outro, o Movimento Nacional dos Mutuários, que agregava mutuários de baixa renda e classe média, incapacitados de pagar a prestação da casa própria. Com o fim do regime militar, o BNH foi extinto no ano de 1986.

Com o fim do BNH, perdeu-se uma estrutura de caráter nacional que, com todos os problemas, vinha acumulando enorme experiência na área, formando técnicos e financiando a maior produção habitacional da história do país. A política habitacional do regime militar podia ser equivocada, mas era articulada e coerente. Na redemocratização, ao invés de uma transformação, ocorreu um esvaziamento e pode-se dizer que deixou propriamente de existir uma política nacional de habitação (BONDUKI, 2008, p. 75).

Segundo os dados da Caixa Econômica Federal, publicados no trabalho de Arretche (2002), os recursos do FGTS para financiamento de imóveis foram distribuídos da seguinte maneira: 11,5% para o Programa Pró-Moradia, 28% dos recursos foram destinados ao Programa Carta de Crédito Associativo, e o Programa de Carta de Crédito Individual recebeu 76% desses recursos, utilizados majoritariamente para a aquisição de imóveis usados.

O Programa Pró-Moradia foi paralisado em 1998, quando se proibiu o financiamento para o setor público e foi criado um programa voltado para o setor privado, que foi denominado de Programa de Apoio à Produção de Habitações, que segundo Bonduki (2008) teve um desempenho pífio. Em 1999, foi criado o Programa de Arrendamento Residencial (PAR), que era voltado à produção de unidades novas para arrendamento que utilizava um mix de recursos formado pelo FGTS e recursos de origem fiscal.

As alterações promovidas, embora à primeira vista pudessem implicar certa renovação na maneira como a questão da habitação passou a ser tratada pelo governo federal, rompendo com a rígida concepção herdada dos tempos do BNH.

Além disso, o financiamento para aquisição de imóvel usado, que absorveu 42% do total de recursos destinados à habitação, correspondendo a cerca de 9,3 bilhões de reais, é um programa de impacto limitado, pois segundo o autor, não foi capaz de gerar empregos e de dinamizar a atividade econômica. O financiamento para material de construção, embora tenha o mérito de apoiar o enorme conjunto de famílias de baixa renda que auto empreende a construção da casa própria e de gerar um atendimento massivo, em torno de 567 mil beneficiados no período, tende a estimular a produção informal da moradia, agravando os problemas urbanos. Ademais, o baixo valor do financiamento e a ausência de assessoria técnica não permitem que as famílias beneficiadas alcancem condições adequadas de habitabilidade.

Bonduki (2008) salienta que, a implementação desses programas não interferiu positivamente no combate ao déficit habitacional, em especial nos segmentos voltados para as famílias de baixa renda, visto que a preponderância destas modalidades de acesso ao crédito está vinculada à consolidação de uma visão bancária no financiamento habitacional, personificado no papel central que passou a ter a Caixa Econômica Federal, o único agente financeiro a operar os recursos destinados à habitação. Essa instituição, ao se nortear pela preocupação de evitar rombos nos fundos destinados à habitação, sobretudo o FGTS, passou a privilegiar a concessão de créditos em condições de maior garantia e de mais fácil acompanhamento, o que explica a preferência pelo financiamento do imóvel usado.

De uma maneira geral, pode-se dizer que se manteve ou mesmo se acentuou uma característica tradicional das políticas habitacionais no Brasil, ou seja, um atendimento privilegiado para as famílias de classe média. Entre 1995 e 2003, 78,84% do total dos recursos foram destinados a famílias com renda superior a 5 salários mínimos, sendo que apenas 8,47% foram destinados para a baixíssima renda (até 3 salários mínimos) onde se concentram 83,2% do déficit quantitativo (BONDUKI, 2008, p. 80).

Lannoy (2006) defende que o Estado, além de estabelecer as regras do jogo, através de decisões sobre a exigência de renda familiar, prazos, juros e sistema de amortização, também regula o mercado, credenciando instituições para atuar como seus agentes. Dito em outros termos, o Estado atua como regulador, provedor e avalista dos recursos destinados aos empreendimentos imobiliários.

            Portanto, percebe-se que desde o início, o BNH procurou delinear uma política para os setores de baixa renda que permitisse o retorno do capital aplicado, mas não conseguiu. O insucesso da atuação, no chamado Mercado Popular, deve-se principalmente à política salarial adotada a partir de 1964, a qual aumentou a concentração de renda e diminuiu significativamente o salário mínimo real.

3. A Situação habitacional e urbana no Brasil na virada do século XXI

A sessão anterior evidencia o fracasso dos programas públicos e a incapacidade do mecanismo de mercado para enfrentamento do problema habitacional no Brasil. Após décadas de políticas habitacionais, o déficit entre a população de baixa renda continua elevado. Baseando-se nas informações do Censo Demográfico de 2000, sabe-se que a necessidade de novas moradias em todo o país era de 6,6 milhões, sendo 5,4 milhões nas áreas urbanas e 1,2 milhão na área rural. Em números absolutos, a maior parte dessa necessidade concentrava-se nos estados do Sudeste (41%) e do Nordeste (32%), regiões que agregavam a maioria da população urbana do país, e dispunha da maior parte dos domicílios urbanos duráveis, sendo que 83,2% do déficit habitacional urbano estava concentrado nas famílias com renda mensal de até três salários mínimos (US$ 260).

Outro componente das necessidades habitacionais é o déficit qualitativo, constituído por moradias que apresentam deficiências no acesso à infraestrutura ou adensamento excessivo. Trata-se de famílias que não necessitam, com prioridade, de uma nova moradia, mas precisam de intervenções que garantam condições dignas para sua habitação.

Note-se que a dimensão do problema habitacional não poderia ser equacionado apenas com a oferta de novas unidades, como foi feito durante o período do regime militar, mas faz-se necessário desenvolver ações articuladas com as políticas urbana, fundiária e de saneamento, as quais apenas poderiam ser implementadas pelo poder público. No entanto, desde 1998, por imposição da política macroeconômica, os financiamentos do FGTS destinados ao poder público foram paralisados, tornando reduzida a possibilidade de estados e municípios receberem recursos da União para enfrentar este tipo de deficiência.

Outro aspecto relacionado a este problema é a expressiva quantidade de domicílios urbanos vagos e depreciados no país. Tendo como base os dados do Censo de 1991, verifica-se que neste período existiam 2,963 milhões de domicílios particulares urbanos (9,36% do estoque total) vagos e de 1991 a 2000, a porcentagem de domicílios vagos nas áreas urbanas cresceu, alcançando cerca de 4,580 milhões (10,33%).  Este fato gera, além de deterioração do edifício e do entorno, um grave problema urbano, com o despovoamento de áreas bem servidas de equipamentos e empregos, enquanto a população vai se abrigar em regiões periféricas e desprovidas dos serviços básicos.

Para Bonduki (2008), se fosse possível utilizar esse número expressivo de imóveis vagos para alojar famílias necessitadas de moradia, seria possível sanar 83% do déficit nacional de unidades urbanas, sendo que em algumas regiões metropolitanas o número de domicílios vagos ultrapassa o deficit quantitativo.

4. O Programa Minha Casa Minha Vida 

A partir da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), de 2008-2009, D`Amico (2011) verificou que as famílias com renda de até dois salários mínimos comprometem 37,2% da renda com despesas de m

oradia, enquanto as familiais que ganham mais de 15 salários mínimos empregam 25,1% da sua renda para esse tipo de despesa. Constata-se, portanto, que, além de a moradia ser um bem de difícil acesso, as famílias de baixa renda são aquelas que mobilizam mais recursos para esse bem.

Cardoso et al. (2011) afirmam que após a dissolução do BNH, a política habitacional brasileira passou por longo período sem dispor de aparato institucional e de recursos consolidados que possibilitassem ações contínuas e integradas. A partir de 1986, foi atribuída ao Conselho Monetário Nacional (CMN) a função de orientar, disciplinar e controlar os agentes participantes do SFH, cujas aplicações de recursos, principalmente daqueles alocados no SBPE, mostraram-se inadequadas, desestimulando o financiamento de imóveis até entre as camadas sociais de renda média, que é a parcela da população que historicamente mais utilizou as fontes de financiamento habitacionais existentes no mercado. Essa conjuntura provocou um movimento de “elitização” dos financiamentos imobiliários, já que a maior parte dos recursos do FGTS foi utilizada para financiar as moradias das famílias com renda acima de cinco salários mínimos, parcela esta da população que mais contribui com a alocação de recursos para o FGTS.

Em 1997, foi criado o Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), que segundo D`Amico (2011), pretendia aproximar o mercado imobiliário do mercado financeiro e de capitais através da emissão de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), com o objetivo de expandir a captação de recursos a serem aplicados na habitação.

Rolnik e Klink (2011) mostram a importância de se discutir a dinâmica econômica não somente relacionada com a questão da moradia, mas de um modo mais abrangente, envolvendo as condições de urbanização das cidades. Apesar da aprovação do Estatuto da Cidade em 2001, o qual, em tese, daria aos municípios maior poder sobre o processo de urbanização, como zoneamento e parcelamento do solo, poucas foram as modificações efetivas. Já no contexto do governo federal, modificações importantes ocorreram com o significativo aumento no volume de recursos disponibilizados para o desenvolvimento urbano. Além disso, houve uma combinação de subsídios diretos ao beneficiário final com acessibilidade ao crédito, propiciando, assim, um aumento na oferta de casas e apartamentos, especialmente na faixa de renda familiar entre 5 e 10 salários mínimos, mas incluindo também extratos de renda que se encontravam fora do mercado formal.

Em 2003, segundo Cardoso et al. (2011), baseando-se nos princípios da participação popular, do planejamento e da integração das políticas urbanas, foi criado o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), o qual pretendia criar fluxo de recursos para habitação e estruturar os mecanismos de gestão para a implantação de uma política habitacional sólida para o país. No entanto, a crise econômica internacional de 2008 interferiu nas decisões políticas e fez com que o governo iniciasse o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), que também tem como objetivo alavancar a economia através do setor da construção civil.

O PMCMV engloba dois programas nacionais: o Programa Nacional de Habitação Urbana (PNHU) e o Programa Nacional de Habitação Rural (PNHR). O PNHU é destinado às famílias com renda mensal de até dez salários mínimos, sendo que aquelas com renda de até seis salários mínimos têm direito aos subsídios habitacionais do programa, cuja finalidade é complementar a capacidade financeira do proponente para o pagamento do imóvel ou garantir o equilíbrio econômico-financeiro das instituições financeiras e agentes financeiros do SFH. Já as famílias que recebem entre seis e dez salários mínimos têm direito a condições especiais de financiamento imobiliário com os recursos do FGTS. Com relação ao PNHR, seu propósito era conceder subsídios aos agricultores rurais para a construção de moradia em área rural, por meio da aquisição de material de construção.

O Programa Minha Casa Minha Vida foi implementado, a partir de um conjunto de princípios descritos na Política Nacional de Habitação com a pretensão de resolver as principais causas estruturais do déficit habitacional brasileiro.

De forma mais específica, o programa tem como finalidade atender as famílias com renda bruta mensal de até R$ 4.650,00 (dez salários mínimos em 2009), priorizando as famílias com renda mensal bruta de até R$ 1.395,00, valor este que correspondia a três salários mínimos nos preços de 2009. Os recursos utilizados provêm do FGTS, do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR) e do Fundo de Desenvolvimento Social (FDS). É gerido pelo Ministério das Cidades e operacionalizado pela Caixa Econômica Federal (CEF).

Para o plano foram disponibilizados 34 bilhões de reais, os quais foram divididos em: 16 bilhões de reais para subsídio direto para a construção de moradias; 10 bilhões de reais para subsídio para financiamento através do FGTS, sendo R$ 7,5 bilhões do FGTS e R$ 2,5 bilhões do orçamento; 5 bilhões de reais para financiamento à infraestrutura; 2 bilhões de reais foram destinados ao fundo garantidor em financiamentos através do FGTS; e 1 bilhão de reais para  financiamento à cadeia produtiva (CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, 2015).

Em relação a distribuição de recursos por faixa de renda, 400 mil moradias foram destinadas a faixa de renda com o maior déficit, ou seja, as famílias com renda de até 3 salários mínimos, as quais correspondem a 90,9% da população e receberam, além do subsídio integral, isenção do seguro obrigatório do financiamento. Para a faixa intermediária, isto é, as família entre 3 e 6 salários mínimos, também foram  construídas 400 mil moradias, as quais receberam um aumento do subsídio parcial do financiamento com redução dos custos do seguro, além do acesso ao Fundo Garantidor. Por fim, para as famílias entre 6 e 10 salários mínimos foram destinadas 200 mil moradias, com redução dos custos com seguro e acesso ao Fundo Garantidor (CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, 2015).

Ainda segundo a CEF (2015), para as famílias com renda mensal de até R$ 1.600,00, o Programa MCMV ocorre através da indicação pela Prefeitura ou Governo do Estado/Distrito Federal. O contrato de financiamento é celebrado em120 meses, sem taxa de juros e as prestações são limitadas a 5% da renda familiar mensal, com valor mínimo de R$ 25,00 mensais.

As famílias com renda mensal de até R$ 5.000,00 podem financiar através deste programa imóvel novo, construção em terreno próprio ou aquisição de terreno e construção, em um prazo de até 360 meses, com uma taxa de juros que pode variar entre 5% e 7,16% ao ano, dependendo da renda familiar bruta, e com comprometimento mensal de até 30% da renda bruta (CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, 2015).

Os recursos do programa foram distribuídos para as regiões brasileiras de acordo com as duas necessidades.  Sendo o Nordeste e o Sudeste as regiões com os maiores déficits, receberam, respectivamente, 34% e 37% dos recursos. Já as regiões Sul, Norte e Centro-Oeste, receberam, respectivamente, 12%, 10% e 7%. 

Mas será que este programa, com a meta de construir 1 milhão de moradias utilizando um volume 34 milhões de reais, conseguiria atender a demanda habitacional da baixa renda e combater o desemprego diante da crescente crise? Naquele momento, muitos analisavam a situação a partir das informações, medidas e instruções normativas que eram divulgadas no ano de 2009 (ARANTES e FIX, 2009).

5. Déficit habitacional: Conceito e definições 

Genevois e Costa (2001) afirmam que, em 2000, mais da metade dos paulistanos (52%) viviam em favelas, cortiços e loteamentos clandestinos. Nota-se que, a ocupação desordenada do solo urbano, nos chamados loteamentos clandestinos, reflete-se em áreas com infraestrutura inadequada, com carência de áreas verdes e grande concentração de moradias, transformando bairros inteiros em locais impróprios para a moradia de grande contingência de pessoas e famílias.

De Lannoy (2006) afirma que o termo “déficit habitacional” pode sugerir a ideia de um parâmetro único, o que não corresponde à realidade das necessidades habitacionais, que diferem em função dos diversos segmentos sociais envolvidos, bem como variam e transformam-se com a dinâmica da sociedade. O autor ressalta que a falta da casa própria não deve ser confundida com a definição de déficit habitacional. Para ele, mesmo considerando a importância da propriedade da moradia para o cidadão, como fator de extrema segurança econômica, a redução do conceito de déficit habitacional a “ser ou não proprietário” reveste-se de um caráter de precariedade, porque a propriedade do imóvel não garante a qualidade do mesmo, tampouco a provisão da infraestrutura adequada.

Prado e Pelin (1993), por outro lado, propõem como definição de déficit o que seria um padrão mínimo de habitação e, para tal definição, fazem uso da noção inversa de uma moradia adequada, isto é, o que uma moradia não deve ser. Uma moradia adequada não deve ser desprovida de redes de água e esgoto; não deve ser uma moradia improvisada, tais como meras salas, prédios em construção, viadutos e pontes; não deve ser uma moradia precária como casas de taipa não revestida ou de madeira aproveitada, casas cobertas de palha ou sapé, meros quartos ou cômodos; finalmente uma moradia adequada não deve ser ocupada por mais de uma família.

Para atender algumas dessas especificidades conceituais apontadas em termos metodológicos, Lima Neto et al. (2013) usam a definição do déficit habitacional que vem sendo construído no Brasil pela Fundação João Pinheiro (FJP) e que é adotado pelo Ministério das Cidades como indicador para acompanhamento da política nacional de habitação. A Fundação tem desenvolvido, desde a década de 1990, uma metodologia que pode ser empregada aos microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Desta forma, entende-se déficit habitacional como sendo o indicador que informa a sociedade e aos gestores públicos sobre a necessidade de reposição do estoque de moradias existentes, assim como sobre a necessidade de aumentar o número de moradias dignamente habitáveis. Dito de outra forma, este indicador deve orientar os agentes públicos responsáveis pela política habitacional na construção de diversos programas capazes de suprir esta necessidade nas esferas municipal, estadual e federal.

6. Metodologia

6.1. O Déficit habitacional no Brasil

A Tabela 1 mostra que, ao mesmo tempo em que houve um incremento do número total de domicílios, houve uma redução sistemática do indicador do déficit habitacional, com maior redução percentual no componente de habitações precárias e coabitação familiar. No entanto, houve uma elevação do componente ônus excessivo com aluguel neste período, visto que o mercado de locação de imóveis urbanos pode ter sido vítima da mesma alta que foi observada no mercado de compra e venda de imóveis, o que indica uma maior parcela de famílias com comprometimento acima dos 30% de renda familiar.

Tabela 1
Déficit habitacional geral e por
componentes. Brasil, 2007-2012

 

2007

2008

2009

2011

2012

Número de domicílios

55.918.038

57.703.161

58.684.603

61.470.054

62.996.532

Déficit habitacional

5.593.191

5.191.565

5.703.003

5.409.210

5.244.525

Precárias

1.244.028

1.139.729

1.074.637

1.163.631

870.563

Rústico

1.135.644

1.039.445

1.005.875

1.034.725

785.887

Improvisados

108.384

100.284

68.762

128.906

84.676

Coabitação

2.307.379

2.032.334

2.315.701

1.808.314

1.757.160

Cômodos

214.476

190.213

224.120

237.914

178.433

Conviventes com intenção de mudar

2.094.410

1.842.670

2.094.953

1.571.581

1.579.263

Excedente aluguel

1.756.369

1.735.474

2.020.899

2.110.409

2.293.517

Adensamento aluguel

526.900

500.925

539.582

512.925

510.197

Estimativas relativas

Déficit habitacional

10,00%

9,00%

9,72%

8,80%

8,53%

Precárias

2,22%

1,98%

1,83%

1,89%

1,42%

Coabitação

4,13%

3,52%

3,95%

2,94%

2,86%

Excedente aluguel

3,14%

3,01%

3,44%

3,43%

3,73%

Adensamento aluguel

0,94%

0,87%

0,92%

0,83%

0,83%

Fonte: Elaborado a partir dos dados da PNAD/IBGE 2007-2012 com base em Lima Neto et al. (2013, p.4)

Os dados da PNAD/IBGE (2007-2012) revelam ainda que o déficit habitacional brasileiro é predominantemente dos domicílios que estão no extrato de renda mais baixo, visto que a redução de déficit, neste período, ocorreu nas faixas de renda entre 3 e 5 salários mínimos. Enquanto o déficit, entre 2007 a 2012, sempre foi superior a 70% para famílias com renda de até 3 salários mínimos, o déficit para famílias de classe média (entre 3 e 5 salários mínimos) e média alta (entre 5 e 10 salários mínimos) e alta (mais de 10 salários mínimos) é bem menor, sendo 11,6%, 9,4% e 2,9%, respectivamente, em 2012.

6.2. O Déficit por Unidades da Federação

As tabelas expostas abaixo, descrevem o déficit total (A) e relativo ao total de domicílios (B em %) por unidade da federação no período de 2007 a 2009 e 2011 e 2012, tendo por base os dados da PNAD publicados no trabalho de Lima Neto et al. (2013). Uma breve análise das cinco grandes regiões brasileira – Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro Oeste – mostra que houve uma redução no déficit habitacional na maioria dos estados brasileiros, com destaque para as unidades da federação das regiões Norte e Nordeste.

Na região Norte, o estado que teve maior redução do déficit habitacional foi o Amapá. Nesse estado, em 2007 o déficit relativo era de 16,9%, passando para um déficit de 8,6%, representando uma variação de −49,0%. No mesmo período, nos estados do Acre e Roraima houve aumento do número de domicílios deficitários, que passaram de 19 mil para 28 mil (elevação de 21,2% do déficit relativo), no primeiro caso, e de quase 13 mil para 16 mil (elevação de 4,6 do déficit relativo), na segunda unidade da federação (ver Tabela 2).

Tabela 2
Déficit total (A) e relativo ao total de domicílios (B em %)
por unidade da federação da região Norte, 2007 a 2012

UF

2007

2008

2009

2011

2012

Evol. 02/07

A

Evol.

02/07

B

A

B

A

B

A

B

A

B

A

B

RO

40.652

9,3

29.401

6,3

68.048

14,8

43.408

8,7

34.621

6,9

−14,8

−25,5

AC

19.468

11,0

19.107

9,8

25.480

13,1

21.516

10,3

28.188

13,4

44,8

21,2

AM

128.177

16,1

116.907

14,4

155.026

17,7

136.091

14,9

145.587

15,6

13,6

−3,0

RR

13.577

11,6

13.598

10,8

18.524

14,6

20.481

15,3

16.446

12,1

21,1

4,6

PA

279.349

14,9

269.048

13,6

255.211

12,7

283.938

13,5

246.372

11,3

−11,8

−24,2

AP

26.272

16,9

18.960

10,6

27,212

16,6

23.341

13

16.495

8,6

−37,2

−49,0

TO

59.441

15,8

60.085

15,0

47.773

11,7

55.166

12,8

49.226

11,1

−17,2

−29,5

Fonte: Elaborado a partir dos dados da PNAD/IBGE 2007-2012 com base em Lima Neto et al. (2013, p.9).

Na região Nordeste, o estado do Piauí foi o que mais reduziu o déficit absoluto, já que havia em 2002 um total de 133 mil habitações deficitárias, chegando a 96 mil em 2007. Também foi o estado com maior redução do déficit relativo, que teve uma diminuição de 36,2% no período. Para o Ministério das Cidades (2015) essa redução do déficit habitacional no Piauí está associada à implementação do Programa Minha Casa Minha Vida a partir de 2009, que atraiu o investimento governamental de 3,8 bilhões de reais na construção de 79.704 casas e apartamentos no referido estado.  O estado de Sergipe teve aumento do déficit total (16,2%) e não mudou o déficit relativo em relação ao total de domicílios, que continuou em 10,9% (ver Tabela 5).

Tabela 3
Déficit total (A) e relativo ao total de domicílios (B em %)
por unidade da federação da região Nordeste, 2007 a 2012

UF

2007

2008

2009

2011

2012

Evol. 02/07

A

Evol.

02/07

B

A

B

A

B

A

B

A

B

A

B

MA

444.881

27,6

417.294

25,2

411.547

23,6

449.861

24,9

399.381

21,2

−10,2

−23,1

PI

133.436

16,1

112.134

13,0

112.458

12,8

108.587

12,2

96.352

10,3

−27,8

−36,2

CE

282.546

12,6

253.261

10,7

297.109

12,5

243.338

9,5

242.268

9,3

−14,3

−25,7

RN

108.081

12,7

98.524

11,1

112.512

12,2

112.644

11,5

111.308

11,3

3,0

11,0

PB

112.569

11,0

98.660

9,2

103.079

9,7

122.485

10,3

111.895

9,5

−0,6

−13,8

PE

252.730

10,4

243.266

9,8

279.388

10,8

235.985

8,7

232.071

8,3

−8,2

−20,6

AL

106.189

12,8

79.101

9,1

113.717

13,1

99.42

11,1

87.719

9,5

−17,4

−26,1

SE

61.738

10,9

63.374

11,0

72.082

11,9

64.292

9,8

71.732

10,9

16,2

0,0

BA

438.016

11,2

436.512

10,8

421.684

10,2

416.711

9,6

355.973

7,9

−18,7

−29,6

Fonte: Elaborado a partir dos dados da PNAD/IBGE 2007-2012 com base em Lima Neto et al. (2013, p.9)

Na região Sudeste, o estado do Espírito Santo se destacou tanto na redução do déficit total como na redução do déficit relativo, uma vez que haviam 85 mil habitações deficitárias em 2007 passando para 71 mil em 2012. São Paulo foi o estado que menos evoluiu em termos relativos (10,2%) e, ao menos tempo, sofreu aumento do déficit de moradias em termos absolutos. Note-se que, esta foi a região de recebeu mais recursos do Programa Minha Casa Minha Vida em 2009, 37% do total disponibilizado que corresponde a R$ 12,5 bilhões (ver Tabela 4).

Tabela 4
Déficit total (A) e relativo ao total de domicílios (B em %)
por unidade da federação da região Sudeste, 2007 a 2012

UF

2007

2008

2009

2011

2012

Evol. A

Evol. B

A

B

A

B

A

B

A

B

A

B

MG

469.480

8,1

432.185

7,2

504.261

8,3

415.680

6,5

464.881

7,1

−1,0

−11,7

ES

85.852

8,1

81.292

7,5

99.599

9

83.353

7,3

71.068

6,0

−17,2

−26,1

RJ

434.948

8,3

409.487

7,7

384.550

7

378.246

6,7

396.060

7,0

−8,9

−15,5

SP

1.106.552

8,8

991.704

7,6

1.140.207

8,7

1.067.204

7,8

1.113.673

7,9

0,6

−10,2

Fonte: Elaborado a partir dos dados da PNAD/IBGE 2007-2012 com base em Lima Neto et al. (2013, p.9)

A região Sul foi a única em que todos os estados tiverem redução no déficit habitacional no período de 2007 a 2012. Nesta região, o estado com maior redução no número de moradias deficitárias foi o Rio Grande do Sul, o qual reduziu o déficit de 248 mil para 182 mil domicílios, uma variação de −26,6%, em termos absolutos e de −31,8% em termos relativos (ver Tabela 5).

Tabela 5
Déficit total (A) e relativo ao total de domicílios (B em %)
por unidade da federação da região Sul, 2007 a 2012

UF

2007

2008

2009

2011

2012

Evol. A

Evol. B

A

B

A

B

A

B

A

B

A

B

PR

227.794

7,1

198.317

6,0

228.373

6,8

212.723

6,1

217.701

6,1

−4,4

−13,3

SC

138.187

7,1

136.932

6,8

129.299

6,4

137.076

6,4

132.839

6,0

−3,9

−15,3

RS

248.961

7,1

216.684

6,0

216.977

6,0

219.755

5,9

182.624

4,8

−26,6

−31,8

Fonte: Elaborado a partir dos dados da PNAD/IBGE 2007-2012 com base em Lima Neto et al. (2013, p.9)

Por fim, na região Centro-Oeste o único estado que apresentou efetivamente redução do déficit habitacional total foi Mato Grosso do Sul, com evolução de 9,9%. Esse estado se destacou também na redução do déficit relativo, saindo de 9,4% em 2007 para 7,3% em 2012. Os estados de Mato Grosso, Goiás e o Distrito Federal tiveram aumento significativo no número total de domicílios deficitários, somando os três estados 53 mil domicílios a menos. Esta foi a região que menos recebeu recursos do Programa Minha Casa Minha Vida, apenas 7% do total disponível, visto que era a região com menor número total de déficit. (ver Tabela 6).

Tabela 6
Déficit total (A) e relativo ao total de domicílios (B em %) por
unidade da federação da região Centro-Oeste, 2007 a 2012

UF

2007

2008

2009

2011

2012

Evol. A

Evol. B

A

B

A

B

A

B

A

B

A

B

MS

71.077

9,4

74.788

9,9

79.404

10,3

78.844

9,6

64.070

7,3

−9,9

−22,6

MT

65.306

7,2

68.475

7,4

101.678

10,6

69.138

6,9

78.763

7,7

20,6

7,6

GO

141.633

7,8

153.933

8,1

183.003

9,7

191.273

9,3

161.290

7,7

13,9

−1,1

DF

96.279

12,8

98.536

12,9

114.172

14,4

118.532

13,6

115.922

13,6

20,4

6,7

Fonte: IBGE/PNAD 2007-2012 apud Lima Neto et al. (2013, p. 9)

6.3. O Coeficiente de Concentração Relativa

Esta sessão analisa a questão do déficit habitacional por meio do cálculo do coeficiente de concentração relativa (CR), que será construído através da razão entre o déficit relativo (como percentual do número de domicílios) estimado em cada região ou estado, e o déficit relativo do Brasil, conforme mostra a equação abaixo:

Esses indicadores serão obtidos tendo-se por base os dados apresentados no estudo de Lima Neto et al. (2013) para o período de 2007 a 2009 e 21011 e 2012 e a técnica utilizada e publicada no trabalho de Gonçalves (1998). O referido autor destaca que é interessante comparar a dispersão dos valores estimados para o déficit relativo nas diferentes regiões geográficas, de modo que a heterogeneidade entre estados é tão mais marcante quanto maior o próprio déficit habitacional relativo observado nas respectivas regiões. Em outras palavras, quanto maior o déficit relativo em uma região, maior a dispersão dos valores estimados para o déficit entre estados.

Ademais, em termos interpretativos, Gonçalves (1998) mostra que valores superiores à um para o indicador CR demonstram uma concentração relativa maior do déficit, enquanto que valores inferiores à um demonstram uma concentração relativa menor do déficit habitacional.

Pela comparação do coeficiente de concentração, o déficit habitacional na região Norte tinha maior concentração no estado do Amapá no ano de 2007, mas em 2012 esse indicador tem valor mais alto para o estado do Amazonas. Note-se que em 2007, o Amapá tinha o maior déficit relativo dentre os estados do Norte. Contudo, houve uma grande diminuição (quase 50%) do déficit relativo, o que contribuiu para a redução da concentração de 1,69 para 1,01, como observa-se na Tabela 7.

Tabela 7
Concentração relativa do déficit habitacional por
unidade da federação da região Norte, 2007 a 2012

UF

CR (2007)

CR (2008)

CR (2009)

CR (2011)

CR (2012)

Acre

1,10

1,09

1,35

1,17

1,57

Amapá́

1,69

1,18

1,71

1,48

1,01

Amazonas

1,61

1,60

1,82

1,69

1,83

Pará

1,49

1,51

1,31

1,53

1,32

Rondônia

0,93

0,70

1,52

0,99

0,81

Roraima

1,16

1,20

1,50

1,74

1,42

Tocantins

1,58

1,67

1,20

1,45

1,30

Fonte: Elaboração própria obtida a partir dos dados da PNAD
2007-2012 publicados no trabalho de Lima Neto et al. (2013, p. 9)

Na região Nordeste, também pela comparação do coeficiente de concentração, o déficit habitacional tinha concentração discrepantemente maior no estado do Maranhão no período de 2007 a 2012, apesar da redução relativa de 2,76 em 2007 para 2,49 em 2012. O estado do Piauí teve uma redução de 36% do déficit relativo, o que contribuiu para a redução da concentração de 1,61 para 1,21, como observa-se na Tabela 8.

Tabela 8
Concentração relativa do déficit habitacional por unidade
da federação da região Nordeste, 2007 a 2012

UF

CR (2007)

CR (2008)

CR (2009)

CR (2011)

CR (2012)

Alagoas

1,28

1,01

1,35

1,26

1,11

Bahia

1,12

1,20

1,05

1,09

0,93

Ceará

1,26

1,19

1,29

1,08

1,09

Maranhão

2,76

2,80

2,43

2,83

2,49

Paraíba

1,10

1,02

1,00

1,17

1,11

Pernambuco

1,04

1,09

1,11

0,99

0,97

Piauí

1,61

1,44

1,32

1,37

1,21

Rio G. do Norte

1,27

1,23

1,26

1,31

1,32

Sergipe

1,09

1,22

1,22

1,11

1,28

Fonte: Elaboração própria obtida a partir dos dados da PNAD
2007-2012 publicados no trabalho de Lima Neto et al. (2013, p. 9)

Na região Sudeste, a redução da concentração relativa do déficit habitacional ocorreu no estado do Espírito Santo, o qual era de 0,81 em 2007 e passou para 0,7 em 2012. Nos estados de Minas Gerais e São Paulo houve aumento dessa concentração relativa e no estado no Rio de Janeiro a concentração manteve-se constante (ver tabela 9).

Tabela 9
Concentração relativa do déficit habitacional por unidade
da federação da região Sudeste, 2007 a 2012

UF

CR (2007)

CR (2008)

CR (2009)

CR (2011)

CR (2012)

Espírito Santo

0,81

0,83

0,93

0,83

0,70

Minas Gerais

0,81

0,80

0,85

0,74

0,83

São Paulo

0,88

0,84

0,90

0,89

0,93

Rio de Janeiro

0,83

0,86

0,72

0,76

0,82

Fonte: Elaboração própria obtida a partir dos dados da PNAD
2007-2012 publicados no trabalho de Lima Neto et al. (2013, p. 9)

Na região Sul, o déficit habitacional tinha igual concentração nos 3 estados no ano de 2007, mas em 2012 esse indicador tem valor mais alto para o estado do Paraná e menor valor para o Rio Grande do Sul, como observa-se na Tabela 10.

Tabela 10
Concentração relativa do déficit habitacional por
unidade da federação da região Sul, 2007 a 2012

UF

CR (2007)

CR (2008)

CR (2009)

CR (2011)

CR (2012)

Paraná

0,71

0,67

0,70

0,69

0,72

Santa Catarina

0,71

0,76

0,66

0,73

0,70

Rio Grande do Sul

0,71

0,67

0,62

0,67

0,56

Fonte: Elaboração própria obtida a partir dos dados da PNAD
2007-2012 publicados no trabalho de Lima Neto et al. (2013, p. 9)

Na região Centro-Oeste, na comparação do coeficiente de concentração, o Distrito Federal registrou o maior déficit habitacional no período entre 2007 e 2012. Observa-se na Tabela 11, que em 2007 o estado do Mato Grosso possuía a menor concentração relativa, mas em 2012 era menor no Mato Grosso do Sul.

Tabela 11
Concentração relativa do déficit habitacional por unidade
da federação da região Centro-Oeste, 2007 a 2012

UF

CR (2007)

CR (2008)

CR (2009)

CR (2011)

CR (2012)

Distrito Federal

1,28

1,43

1,48

1,55

1,59

Goiás

0,78

0,90

1,00

1,06

0,90

Mato Grosso

0,72

0,82

1,09

0,78

0,90

Mato G. do Sul

0,94

1,10

1,06

1,09

0,86

Fonte: Elaboração própria obtida a partir dos dados da PNAD
2007-2012 publicados no trabalho de Lima Neto et al. (2013, p. 9)

7. Resultados e Perspectivas Atuais

Apesar de o programa Minha Casa, Minha Vida ter reduzido, em um período de cinco anos, o déficit habitacional das famílias brasileiras em 8%, o número de famílias de baixa renda que continuam sem condições adequadas de habitação continuará crescendo, conforme o aumento da população. Estudo feito pela Fundação Getúlio Vargas estima que serão necessários R$ 760 bilhões em investimentos em habitação popular até 2024, sendo este o volume necessário para atender 1 milhão de famílias em estado de necessidade habitacional deficitária ao ano, se for considerado que até 2024, esse déficit terá crescido para 20 milhões de famílias em estado de necessidade. Os resultados foram obtidos através do estudo que utilizou os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), de 2013, o qual registrou a existência 68,4 milhões de famílias no país. A estimativa do crescimento da população brasileira para 2024 é que 16,4 milhões de novas famílias sejam constituídas, das quais 10 milhões farão parte da faixa mais dependente atualmente das políticas de habitação popular, aquelas que ganham de um a três salários mínimos (ELIAS, 2014). 

Um estudo da Fundação João Pinheiro, revelou que no ano de 2008, o número de famílias sem moradia no país era de 5.546.000 de acordo com o Ministério das Cidades e que no final de 2010, após um ano do lançamento do Programa MCMV e com o atingimento da meta de 1 milhão de casas construídas ou contratadas, o número de famílias sem habitação era de 6.940.000.

Este aumento no número de famílias deficitárias é consequência direta do crescimento expressivo, na última década, do setor imobiliário estimulado pelo poder público, isto é, construtoras, incorporadoras e proprietários de terra urbana. Houve também, nas grandes construtoras, injeção de recursos públicos através do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDES). Com esses recursos, essas construtoras adquiriram um grande número de terras (neste período de 2008 a 2013, o investimento no setor imobiliário superou a rentabilidade de todos os outros investimentos financeiros e rendeu cinco vezes acima da inflação) e passaram a controlar a expansão e a remodelação das cidades.

O crescimento descontrolado em investimento de mercado mudou o perfil dos moradores e provocou um desequilíbrio inflacionário que resultou em uma explosão no valor dos aluguéis inclusive nas periferias urbanas. Diante disso, não restaram outras alternativas, ou a família comprometia mais da metade dos seus ganhos mensais para arcar com este aumento, ou teve de ir viver em condições muito precárias, ainda mais longe, ou ainda recorria ao cômodo do fundo da casa de um parente, ao barraco em uma ocupação.

Em síntese, apesar da construção de 1 milhão de novas casas, outras 2,5 milhões de famílias foram jogadas à própria sorte devido a ofensiva do capital imobiliário e o déficit habitacional continuará aumentando se a política urbana não estabelecer limites às forças do mercado, ao invés de estimulá-las. Um exemplo de política urbana, é o controle dos preços dos aluguéis.

8. Considerações finais

A partir da constatação de realização de várias políticas públicas ao longo de vários governos, o governo federal reconhece a importância de resolver o problema do déficit habitacional.

Verificou-se que o déficit habitacional é mais expressivo nas regiões Sudeste e Nordeste do país, e que este é mais elevado nas famílias cuja renda mensal vai de zero a dez salários mínimos, sendo maior quanto mais baixa for a faixa de renda, ou seja, 70% está concentrado nas famílias com até 3 salários mínimos. Diante disso, devem ser estes nichos o foco das políticas habitacionais.

Os resultados alcançados, neste período, mostram que houve uma redução do déficit habitacional, passando de 10% do total dos domicílios brasileiros em 2007 para 8,53% em 2012. Entretanto, o comportamento foi distinto para os componentes do déficit se analisados isoladamente. Houve diminuição, tanto em termos relativos quanto absolutos, da precariedade, da coabitação e do adensamento excessivo em imóveis locados, havendo, porém, aumento do ônus excedente de aluguel, que passou de 1,75 milhões de domicílios em 2007 para 2,293 milhões em 2012.

Nesse contexto, a implantação do Programa Minha Casa Minha Vida, cujo objetivo era facilitar o acesso das famílias mais pobres à habitação e promover o desenvolvimento do país através da construção civil, resultou na concessão de vários benefícios, entre os quais: subsídio econômico para o pagamento das prestações; criação de um fundo de garantia contra a perda da capacidade de pagamento; isenção das custas cartorárias. Com esta finalidade foram disponibilizados recursos de vários fundos, como: o PNHU, o qual tende a complementar a capacidade financeira do beneficiário para o pagamento das prestações mensais de financiamentos habitacionais dos imóveis localizados na área urbana; o PNHR, destinado às famílias localizadas nas áreas rurais, a fim de proporcionar condição de reforma de suas moradias por meio da concessão de subsídios para a compra de materiais de construção; e o FGHab, um fundo garantidor dos empréstimos habitacionais que pode ser utilizado pelos agentes financeiros para cobrir eventuais inadimplências dos financiamentos habitacionais contratados através do PMCMV.

Devido à escassez de dados recentes sobre a atual situação do país, pouco ainda se sabe sobre a eficiência do programa do governo federal na redução do déficit habitacional brasileiro, mas pode-se considerar que ainda muito a ser feito e que o Programa Minha Casa Minha Vida deve sofrer uma revisão considerando a possibilidade de algumas alterações em suas regras, a fim de realmente beneficiar as famílias mais necessitadas. Portanto, sugere-se que novos estudos sejam feitos com dados atualizados.

Dessa forma, conclui-se que enquanto não houver um enfrentamento ao setor imobiliário, por meio de uma política urbana ousada e regulatória, as políticas públicas de habitação e urbanização continuarão pouco eficientes. Toda vez que o capital imobiliário for o grande agente da remodelação urbana, livre de regulamentações mais efetivas, qualquer política está fadada ao fracasso, ou seja, não será efetiva. Aumentam os recursos para urbanização de favelas e saneamento, mas novas favelas surgem em escala ainda maior em outras periferias. Aumentam a meta do MCMV, mas a cada dia surgem novos sem-teto que não podem mais suportar os aluguéis abusivos.

Funding/Acknowledgment: The first author acknowledges Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) for his funding from Program 6492 – Ph.D. Student CAPES/DAAD/CNPQ / Process nº. 88887.161388/2017-00, the Lions-Club-Förderpreis (Stuttgart/Germany), and the the Friedrich-Naumann-Stiftung für die Freiheit.

Referências bibliográficas

ARRETCHE, M. Federalismo e Relações Intergovernamentais no Brasil: A Reforma de Programas Sociais. 2002.Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, 45(03), p.431 a 458.

BONDUKI, N. Política habitacional e inclusão social no Brasil: revisão histórica e novas perspectivas no governo Lula. 2008. Revista Eletrônica de Arquitetura e Urbanismo, São Paulo, n. 1, p. 70-104.

BONDUKI, N. 2009. Do Projeto Moradia ao Programa minha Casa Minha Vida. Teoria e Debate, n. 82, p. 8-14.

CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. Perguntas e respostas. Disponível em: <http://mcmv.caixa.gov.br/perguntas-e-respostas/>.Acesso em: 12 ago 2015.

D’AMICO, F. 2011. O Programa Minha Casa, Minha Vida e a Caixa Econômica Federal. Rio de Janeiro: Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento: Caixa Econômica Federal.

ELIAS, J. FGV: Brasil precisa de R$ 76 bi ao ano para zerar déficit habitacional. Disponível em: <http://www.valor.com.br/brasil/3733244/fgv-brasil-precisa-de-r-76-bi-ao-ano-para-zerar-deficit-habitacional>.Acesso em: 24 set. 2015.  

GENEVOIS, M.L.B.P.; COSTA, O.V. 2001. Carência habitacional e déficit de moradias: questões metodológicas. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, 15(01), p. 73-84.

GONÇALVES, R.R. O déficit habitacional brasileiro: um mapeamento por unidades da federação e por níveis de renda domiciliar. Rio de janeiro: IPEA, 1998. 21 p. (IPEA. Texto para discussão, 1998).

DE LANNOY, C. P. 2006. 151 f.  O descompasso das políticas públicas para a solução do déficit habitacional. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de Brasília, Brasília, 2006.

LIMA NETO, V.C.; FURTADO B.A.; KRAUSE, C. Estimativas do déficit habitacional brasileiro (PNAD 2007-2012). Brasília: IPEA, nov. 2013, 17 p. (IPEA. Nota Técnica, 5).

NOAL, E.B.; JANCZURA, R. 2011. A política nacional de habitação e a oferta de moradias. Textos & Contextos, Porto Alegre, 10(01), p. 157-69.

PRADO, E. da S.; PELIN, E.R. Moradia no Brasil: reflexões sobre o problema habitacional brasileiro.  1. ed. São Paulo: FIPE/USP e CBMM, 1993.

ROLNIK, R.; KLINK, J. 2011. Crescimento econômico e desenvolvimento urbano. Revista Novos Estudos, São Paulo, ed. 89, p. 89-109.

SANTANA, C.B.; GONÇALVES, V.L.C. O desafio de se efetivar o direito à moradia no Brasil. ENCONTRO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA, v. 5, n. 5, 2009. Anais... Presidente Prudente: ETIC, 2008.


1. Economista pela Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP – e-mail: famaral@unimep.br

2. University of Hohenheim (Germany), University of São Paulo (USP). Professor at the Department of Business Administration at the Federal Rural University of Amazonia (UFRA). Address: PA 275, Km 13, Zona Rural, Zipcode: 68515000 - Parauapebas, PA - Brasil. E-mail: diogoferraz@alumni.usp.br

3. Doutora em Engenharia de Produção – UFSCar – e-mail: naijelajanaina@gmail.com

4. Doutora em Economia Aplicada ESALQ/USP, Professora na Pontifícia Universidade Católica de Campinas – e-mail: fbcoliveira@hotmail.com


Revista ESPACIOS. ISSN 0798 1015
Vol. 41 (Nº 10) Ano 2020

[Índice]

[Se você encontrar algum erro neste site, por favor envie um e-mail para webmaster]

revistaespacios.com

Licencia de Creative Commons
This work is under a Creative Commons Attribution-
NonCommercial 4.0 International License