ISSN-L: 0798-1015 • eISSN: 2739-0071 (En línea)
https://www.revistaespacios.com Pag. 24
Vol. 43 (08) 2022 • Art. 3
Recibido/Received: 28/06/2022 Aprobado/Approved: 10/08/2022 Publicado/Published: 15/08/2022
DOI: 10.48082/espacios-a22v43n08p03
Leitura social e cárcere: um estudo no contexto da
socioeducação na pandemia
Social reading and prison: a study in the context of socio-education in the pandemic
LASCOSKI, Sonieli P.
1
ANGNES, Juliane S.
2
GEHRKE, Marcos
3
Resumo: Este artigo tem como finalidade apresentar algumas considerações sobre a leitura social que o
Estado e a sociedade realizam de adolescentes marginalizados, na conjuntura atual da sociedade
brasileira, em meio a um acontecimento pandêmico. Esta é uma pesquisa bibliográfica e documental,
pautada pela metodologia da análise de conjuntura (Souza, 2014). Destacamos que esse estudo ocorreu
por meio do Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE), da Universidade Estadual do Centro-
Oeste do Paraná (Unicentro).
Palavras-chave: leitura social; cárcere; pandemia
Abstract: This study has the scope of presenting some considerations about the social reading that the
State and society perform of marginalized adolescents, in the current conjuncture of Brazilian society,
in the midst of a pandemic event. This is a bibliographic and documentary research, guided by the
methodology of situation analysis (Souza, 2014). The research was developed in the Postgraduate
Program in Education of the Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná (State University of the
Midwest of Paraná).
Key words: social reading, prison, pandemic
1. Introdução
Este trabalho objetiva realizar uma análise sobre a leitura social, da conjuntura pandêmica, bem como a leitura
que a sociedade e o Estado realizam de um cenário de “cárcere”, vivenciado por adolescentes que se encontram
em internamento em unidades de socioeducação, cumprindo medidas socioeducativas. Para fundamentar os
aspectos da leitura social, contamos com as concepções de Freire (1982). Em relação à socioeducação e à
criminalidade de adolescentes, nos embasamos nas considerações de Mocelin (2016). O estudo ocorreu em meio
a uma conjuntura pandêmica, causada pelo vírus Covid-19. Considerando ese período singular da história, é
necessário entender alguns acontecimentos no tempo e no espaço da sociedade e em sua organização social,
1
Mestranda em Educação pela Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná (UNICENTR0).
2
Doutora em Educação pela Universidade Federal do Paraná. Docente da Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná (UNICENTR0).
3
Doutor em Educação pela Universidade Federal do Paraná. Docente da Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná (UNICENTR0.
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política e econômica. Para tanto, recorremos à análise de conjuntura como recurso análitico da pesquisa,
utilizando como referencial teórico as concepções de Souza (2014).
1.1. A leitura social e a sua relevância na sociedade
Falar, escrever, ler, ou seja, estudar sobre a leitura, por vezes, pode ser algo habitual, desde a infância. Durante
esse processo, quase que instantaneamente, aprendemos a associar a leitura apenas ao seu sentido escolar e
não social. Delimitamos neste estudo à ação de ler, em seu sentido geral e amplo. Com base nessa definição,
inferimos que o ato de ler ultrapassa a noção popular de leitura como a decifração de símbolos escritos, podendo
a ação de ler englobar em todo o sentido da vida, como as vivências e as experiências em sociedade (Freire,
1982). A partir dessas considerações determinamos que a definição de leitura presente neste trabalho não será
abordada em seu sentido escolar, mas sim em seu aspecto social e amplo de reflexão.
A partir das considerações de Freire (1982), o qual compreendia a leitura em uma perspectiva social, como um
instrumento de libertação diante de uma sociedade alienada e autoritária. Enfatizamos a necessidade de
comprender a leitura em seu sentido social e não apenas pedagógicamente. As vivências do sujeito antecedem
à leitura da palavra, iniciam com as experiências da infância e continuam ao longo da vida. A primeira leitura
acontece em meio às percepções da infância, ao contexto vivenciado e às experiências adquiridas, observando
aqueles que estão ao redor. Esses elementos ajudam o sujeito a construir quem ele é e a sua criticidade perante
a sociedade. Para Freire (1982), “[...] re-crio e re-vivo, no texto que escrevo, a experiência vivida no momento
em que ainda não lia a palavra” (p. 12).
Partindo da nossa análise de conjuntura, é essencial compreendermos de que forma essa nova organização social
resultante da pandemia contribui para a leitura ampla dos sujeitos no convívio social e no ambiente de cárcere.
Levando-se em consideração os aspectos supracitados, identificamos a necessidade social desta pesquisa,
principalmente, em um contexto de pandemia, cuja conjuntura social brasileira tem potencializado, por meio de
discursos e comportamentos, uma discrepância na conquista de direitos básicos. Além disso, vivemos em um
momento ainda mais crítico no tocante à alienação, à censura e à desigualdade social e à violência.
Na contemporaneidade, a violência tem se tornado uma questão de potencial crescimento em diversos níveis e
extratos sociais, nas mídias jornalisticas e sociais acompanhamos diariamente notícias que retratam a presença
da violência na conjuntura, em seus mais variados crimes e idades. De tal modo, acompanhar as informações
que retratam a brutalidade na sociedade virou algo frequente, mas que precisa ser repensado e questionado
socialmente. O Mapa da Violência (Waiselfisz, 2015) tece algumas reflexões sobre o cenário hostil que
vivenciamos: ‘’[…] contínuo incremento da violência cotidiana configura-se como aspecto representativo e
problemático da atual organização social, adquirindo formas específicas de manifestação nas diversas esferas da
vida cotidiana” (p. 7).
Mocelin (2016) questiona o quanto a prática da violência afeta o próprio direito da cidadania, sendo o ato de
praticar violência uma negação dos direitos e dos deveres do cidadão. A constante sensação de medo presente
nas classes sociais, sobretudo na população mais pobre, faz parte do cotidiano nacional. Essa problemática, de
ordem social e estrutural, não encontra no sistema brasileiro alternativas de seguridade e de proteção,
evidenciando falhas em toda a sua organização. Nesse sentido, observamos, ainda, que a prioridade não está
nas estratégias de prevenção à criminalidade, nem mesmo em estratégias educacionais de combate prévio, mas
sim em benefício do capital, que prioriza os atos de punição ao invés da educação (Mézsáros, 2008).
As correlações entre a discriminação racial e a violência são evidentes na sociedade brasileira, entretanto, essa
é uma realidade que ainda não é reconhecida, devido ao próprio preconceito. De fato, a violência está presente
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em todas as classes sociais, mas é evidente que as classes mais baixas, os pobres e os negros sejam os mais
suscetíveis, pois são os mais vulneráveis.
A probabilidade de ser uma vítima da violência no país altera-se em função da condição econômica, da cor e/ou
do gênero. Não faz sentido dizer que, de fato, vive-se em um Estado que garante segurança e políticas públicas
para todos. A leitura que se faz da própria realidade nacional exterioriza um cenário desigual e excludente,
marcado pela violência. De acordo com Barros (2021), uma das autoras do Anuário Brasileiro de Segurança
Pública (Forúm Brasileiro de Segurança Pública, 2021),
Assim, em que pese não se tenha as condições estatísticas necessárias para que se possa isolar o fator
“raça/cor” dos demais fatores que aumentam a probabilidade de ser vítima de uma morte violenta no
país, como gênero, idade e demais condições socioeconômicas o que também decorre das fragilidades
dos bancos sobre segurança pública que ainda remanescem, conforme apontado no início deste texto
, a disparidade entre a distribuição populacional do país em termos de raça/cor e aquela verificada entre
as vítimas de MVI’s é um indicativo que merece toda a atenção das políticas públicas de segurança.
Afinal, enquanto os negros são 56% da população brasileira, continuam a representar, ano após ano, pelo
menos 70% do total de vítimas de mortes violentas no país. (Barros, 2021, p. 39).
Em 2020, essa condição de instabilidade social e vulnerabilidade, que era visível, ficou ainda mais acentuada
com o aparecimento do novo Coronavírus (SARS-CoV-2), gerando a pandemia da COVID-19. O Brasil, assim como
todos os outros países, precisou adotar medidas severas de reclusão e de isolamento social, que a pandemia
veio com força e sem grandes perspectivas para amenizar os seus impactos. Em meados de fevereiro de 2022,
de acordo com o Ministério da Saúde
1
, mais de 640 mil pessoas perderam a vida em decorrência dessa doença.
Nesse contexto pandêmico, a violência, o caos e a miséria alcançaram ainda mais espaço, acentuando as
desigualdades de um país já demarcado pela diferença de classe. Esse período tem sido acompanhado pela dor
da perda e pela luta em busca da sobrevivência, que milhões de brasileiros não tinham a opção de escolha
entre se arriscar, ao sair de casa para trabalhar e garantir o sustento da família, ou ficar em seu lar, colaborando
com o isolamento social, mas sem renda, sem alimento e, por vezes, sem esperança de dias melhores (Matta,
Raego, Souto & Segata, 2021).
Destacamos em nosso estudo, o papel da leitura social como um instrumento de libertação. De acordo com Silva
(2017), “Mais especificamente, a leitura reveladora da palavra e do mundo se constitui em mais um instrumento
de combate à ignorância e a alienação, como calculadas e impostas pelo regime dominante.” (p. 17). Quando
vinculamos essa reflexão à realidade dos adolescentes que cumprem medidas socioeducativas, notamos as
incoerências de uma conjuntura marcada pela desigualdade social. A necessidade de sobreviver, em meio a
tantas adversidades, por vezes se sobressai à demanda da reflexão da própria vida e do contexto social
vivenciado.
2. Metodologia
Com relação ao desenvolvimento metodológico da pesquisa, optamos pela abordagem qualitativa, de cunho
bibliográfico e documental, mediada pela análise da conjuntura, como orienta Souza (2014). Com a intenção de
compreender as especificidades do nosso objeto de estudo, utilizamos o método qualitativo, que consiste na “[...]
1
Informação extraída do site oficial do Ministério da Saúde do Brasil. Disponível em: https://covid.saude.gov.br/. Acesso em: 1 jun. 2021.
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compreensão dos fenômenos nas suas especificidades históricas e pela interpretação intersubjetiva dos eventos
e acontecimentos” (Gamboa, 2003, p. 394).
Para desenvolver qualquer tipo de investigação é fundamental recorrermos a uma metodologia de pesquisa que
nos permita traçar o caminho que será percorrido durante o estudo. Ademais, a metodologia contribui para quo
pesquisador explicite as finalidades e os procedimentos que serão necessários para gerar e analisar dados, uma
trajetória percorrida que dará credibilidade à pesquisa científica. Ao iniciar um estudo científico, focamos em
uma pergunta que ainda não se tem uma resposta consistente de forma evidente e, a partir disso, construímos
o ponto de partida da pesquisa científica, almejando encontrar respostas às questões pendentes (Gatti, 2001).
Na ótica de André (2005), toda pesquisa deve apresentar um caráter de relevância na área científica e social, a
partir de uma temática bem engajada e definida, que apresente uma análise com resultados e conclusões
baseadas em evidências. Além disso, a pesquisa precisa estar muito bem estruturada e articulada. Para tanto, é
preciso que haja “[...] um objeto bem definido, que os objetivos ou questões sejam claramente formulados, que
a metodologia seja adequada aos objetivos e os procedimentos metodológicos suficientemente descritos e
justificados” (p. 32).
O objetivo geral desta pesquisa é compreender a leitura social que o Estado e a sociedade realizam com dos
adolescentes que se encontram em internamento? Os objetivos específicos, por sua vez, são: (i) descrever de que
forma os documentos históricos e atuais contemplam os adolescentes que cumprem medidas socioeducativas;
ii) discutir o papel da leitura, em seu aspecto social, em meio à conjuntura proposta; (iii) identificar de que forma
a ausencia da criticidade influencia na sociedade.
Articulado aos nossos objetivos, apresentamos as indagações que norteiam a nossa pesquisa: qual a leitura social
que o Estado e a sociedade realizam com relação aos adolescentes que se encontram em internamento cumprinco
medidas socioeducativas? Como o ato de ler a sociedade influencia a sua própria organização em um
acontecimento pandêmico?
Para alcançar os objetivos propostos e responder às perguntas levantadas, recorremos, metodologicamente, à
análise de conjuntura, a partir das concepções de Souza (2014), que a conceitua como “[…] uma mistura de
conhecimento e descoberta, é uma leitura especial da realidade e que se faz sempre em função de alguna
necessidade ou interesse” (p. 8). Para Souza (2014), as categorias de análises são importantes elementos na
busca por dados. As categorias podem contemplar os acontecimentos, os cenários, os atores, a relação de forças
e a articulação entre estrutura e conjuntura.
A análise de conjuntura deve ocorrer a partir dos acontecimentos, que indicam a razão e a percepção que a
sociedade, o grupo social ou classe têm da sua própria realidade e de si mesmos (Souza, 2014). No caso deste
estudo, o acontecimento pandêmico é intitulado a partir da análise de conjuntura como um acontecimento, uma
vez que a sua proporção e seus efeitos afetaram a vida em sociedade, não apenas no Brasil, mas em todos os
continentes (Souza, 2014). Esse acontecimento se iniciou no final de 2019, a partir da propagação de uma nova
cepa do Coronavírus, que gera uma grave infecção respiratória, doença popularmente denominada de COVID-19.
Os primeiros casos foram registrados em Wuhan, na China, e em poucos meses o vírus se espalhou pelo mundo.
Esse contexto pandêmico perdura até os dias atuais, no ano de 2022.
É relevante explicitar o porquê escolhemos a análise de conjuntura como recurso analítico desta pesquisa. Ao
falarmos sobre a análise de conjuntura, é necessário entender que a realizamos todos os dias, em diversos
momentos da nossa rotina; mesmo sem perceber estamos sempre observando e analisando o que está em nossa
volta. Estamos sempre buscando informações e avaliando as possibilidades para tomar decisões. Portanto, a
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análise acontece a partir de um conjunto de informações, considerando-se os elementos sociais, políticos,
econômicos e culturais, porém, neste estudo, é utilizada de uma maneira mais formal, em uma pesquisa
científica (Souza, 2014).
Segundo as concepções de Souza (2014), a nossa vida toda é repleta de análises, uma vez que avaliamos a nossa
própria rotina e os acontecimentos durante a vida. Ademais, tomamos decisões a partir da análise que fazemos
a partir de informações recebidas, sempre prevendo e avaliando as possibilidades do que pode acontecer de
bom ou ruim. Sendo assim, não é possível desenvolver uma análise de conjuntura neutra, uma vez que ela
sempre estará vinculada a uma determinada visão de mundo e de sociedade.
Partimos de um estudo exploratório em dois nos bancos de dados do Banco de Teses e Dissertações [BDTD] e da
Base de Dados Referenciais de Artigos de Periodicos em Ciência da Informação [BRAPCI], a fim de realizar um
levantamento de obras publicadas sobre o tema em pauta. Para delimitar um período de publicações, no
sentido de observar com cuidado as pesquisas existentes, optamos por demarcar a busca em um período mais
atual, abrangendo os anos de 2010 a 2021.
Optamos por realizar a busca utilizando dois termos conceituais nos descritores. Primeiramente, referimo-nos
ao espaço de reclusão como cárcere e posteriormente como internamento. Dessa forma, os descritores utilizados
foram: leitura; socioeducação; cárcere; internamento unidades socioeducativas.
O levantamento bibliográfico feito nas duas bases de dados evidenciou que a temática de pesquisa proposta
(menores infratores, “cárcere” e leitura social) ainda apresenta poucas produções, principalmente no estado do
Paraná, o que aponta para a necessidade de se direcionar um olhar mais objetivo e específico.
A seguir, no Quadro 1, indicamos alguns dos trabalhos que foram encontrados na BDTD, que de algum modo
dialogam com a nossa área de estudo:
Quadro 1
Síntese do Levantamento Bibliográfico da BDTD
Trabalho
Título
Ano
Autor
Universidade
Dissertação
O mundo como prisão e a prisão no
mundo: Graciliano Ramos e a
formação do leitor em presídios do
Distrito Federal
2012
Ribeiro, Maria
Luzineide P. da
Costa
Universidade de
Brasília
Tese
Adolescência em conflito com a lei:
socioeducação no Paraná
2014
Mocelin, Márcia
Regina
Universidade
Tuiuti do Paraná
Dissertação
O mito do cárcere resocializador
2017
Silva, Ana Clara
Pedroso Fernandes
Valentim
Pontifícia
Universidade
Católica de São
Paulo
Dissertação
A socioeducação e direitos humanos:
um estudo do projeto a arte do saber
2017
Silva, Clawdemy
Feitosa
Universidade de
Brasília
Dissertação
Leitura crítica: um caminho para a
ressocialização
2018
Dantas, Doneves
Fernandes
Universidade
Federal de
Campina Grande
Dissertação
Análise do perfil do adolescente em
uma unidade socioeducativa de
internação do Paraná
2012
Lopes, Geniela
Universidade
Estadual de
Londrina
Fonte: Elaborado pela autora (2021).
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Na BDTD, a partir do descritor de busca leitura (no sentido amplo da palavra), localizamos 47.985 trabalhos. Ao
delimitarmos para a área de Ciências Humanas e Educação, o número foi reduzido para 674. Esses estudos são
muito pertinentes, mas não envolvem de forma específica a temática desta pesquisa. Já o descritor cárcere,
quando utilizado na busca, gerou 498 resultados toais. Também refinamos a busca por delimitar a área - de
Ciências Humanas e Educação -, resultando em 13 trabalhos, dos quais um se insere no objeto deste estudo. Ao
unificar os descritores de busca leitura e cárcere localizamos 71 pesquisas, das quais cinco estabelecem diálogos
com a nossa investigação. Com relação ao termo socioeducação, dos 155 resultados verificados, somente um se
enquadra em nosso objeto de estudo. Com o descritor internamento unidades socioeducativas, encontramos 80
estudos, ao delimitar para pesquisas relacionadas ao estado do Paraná a busca apontou 5 trabalhos.
No banco de dados da BRAPCI, ao utilizar como descritores de busca leitura no cárcere, encontramos apenas
cinco trabalhos que foram publicados em revistas, contudo, esses destacam como objeto de estudo a biblioteca
em um contexto de cárcere. Ao buscar por leitura e internamento unidades socioeducativas, não encontramos
nenhum resultado.
Ao procedermos a esse levantamento bibliográfico do que está sendo produzido em nossa área de interesse,
constatamos que os estudos na temática ainda são bem limitados e podem ser expandidos com outras
considerações e reflexões relevantes para a sociedade. Durante as buscas, notamos que existem vários estudos
que discutem o sujeito adulto que se encontra recluso em penitenciárias, mas poucas são as pesquisas que se
dedicam a o adolescente no espaço da socioeducação.
No tocante aos trabalhos que destacam a leitura, percebemos que, em grande medida, abordam-na somente
em seu sentido pedagógico/escolar, em um contexto de biblioteca e literatura. Isso ressalta a importância de
produzir mais estudos voltados à área da leitura social. Notamos ainda, um número pequeno de pesquisas que
destacam o cenário de cárcere, demonstrando assim a necessidade de investigar mais ese objeto de estudo.
Com relação à pesquisa documental, realizamos um levantamento de documentos históricos, destacamos no
nosso estudo o Estatuto da Criança e do Adolescente [ECA] (Lei n. 8.069, 1990), e a Lei n. 12.594 (2012), derivada
do ECA instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo [SINASE], o qual establece direitos e deveres
dos menores que comete matos infracionais. A conquista de direitos integrais de proteção somente foi
assegurada a partir do ECA, que entrou em vigor no ano de 1990. Tendo em vista que, esse é o documento mais
atual e um marco na luta pelos direitos e deveres dos menores, concentramo-nos nesse estatuto e em suas
contribuições para o entendimento da leitura social dos adolescentes que cumprem medidas socioeducativas.
O ECA proporcionou de forma concreta a preservação de direitos das crianças e adolescentes, encarregando
como dever da família e do Estado garantir a proteção integral, sendo assim, reconhecidos como sujeitos de
direitos e deveres na sociedade. O estatuto ainda diferencia a idade biológica entre a criança e adolescente. Esse
novo contexto de mudanças, proporcionou novas discussões a respeito do compromisso social e da
responsabilidade estatal perante a igualdade entre todos, sem nenhum tipo de discriminação e, proteção dos
menores de zero a dezoito anos incompletos. O estatuto apresenta as medidas socioeducativas, as quais são
denominadas como medidas repressivas que devem ser aplicadas aos menores que cometem atos infracionais
perante a lei civil.
De acordo com o ECA, a infância e a adolescência devem ser priorizadas e protegidas por meio de todos os
direitos legais assegurados, os quais prevalecem, mesmo em situação de reclusão. O estatuto define por meio
da idade que o termo criança deverá ser utilizado para aquele que tem até 12 anos incompletos; o adolescente
se caracteriza como a pessoa entre 12 e 18 anos incompletos. No que se refere aos direitos, o ECA, em seu Art.
3º, estabelece que:
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[...] a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem
prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios,
todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral,
espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. (Lei n. 8.069, 1990).
Na sequência do estatuto, no Art. 4º, determina-se quem deverá garantir o amparo à criança e ao adolescente,
assim como os direitos que lhe devem ser assegurados com prioridade na sociedade. Em outras palavras, o
Estado não assume sozinho essa responsabilidade, mas enfatiza que a sociedade e o poder público devem
assegurar, com prioridade, todos os direitos da criança e do adolescente.
É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta
prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte,
ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária. (Lei n. 8.069, 1990).
O SINASE, elaborado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos e pelo Conselho Nacional dos Direitos da
Criança e do Adolescente [SEDH/CONADA], a partir das compreensões do ECA, passou a regulamentar a execução
das medidas socioeducativas para os adolescentes que cometem atos infracionais. Entende-se como ato
infracional o mesmo conceito de crime praticado por um adulto. A lei do SINASE é destinada exclusivamente
para os menores que cometem atos infracionais (crimes) perante a lei civil. Nas disposições gerais da lei
observamos o seguinte formato:
Art. 1º Esta Lei institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) e regulamenta a
execução das medidas destinadas a adolescente que pratique ato infracional. § Entende-se por
SINASE o conjunto ordenado de princípios, regras e critérios que envolvem a execução de medidas
socioeducativas, incluindo-se nele, por adesão, os sistemas estaduais, distrital e municipais, bem como
todos os planos, políticas e programas específicos de atendimento a adolescente em conflito com a lei.
(SEDH/CONADA, 2021, p. 135).
Partimos do processo de análise da conjuntura para analisar os documentos selecionados, sobretudo no que diz
respeito à leitura social e à reflexão sobre o cárcere em um contexto de pandemia perante a visão do Estado e
da sociedade. Sendo assim, é necessário estipular como se definiram as categorias analíticas na pesquisa. De
acordo com Souza (2014), “Para se fazer análise de conjuntura são necessárias algumas ferramentas próprias
para isso, as categorias: acontecimentos, cenários, atores, relações de forças e articulação entre estrutura e
conjuntura” (p. 9). O autor compara essas categorias a representações da vida humana. A partir das categorias
analíticas, refletimos sobre a complexidade do contexto investigado.
De acordo com as considerações apresentadas até aqui, evidenciamos a seguir um quadro conjuntural da
pandemia da COVID-19 no Brasil e os seus reflexos no cenário do país e, de modo específico, no cenário
socioeducativo do estado do Paraná. É importante enfatizar que os dados relacionados aos números de mortes
infelizmente crescem todos os dias no mundo e em nosso país.
O acontecimento da pandemia, trouxe uma nova realidade à vida da população humana. A utilização de
máscaras faciais, que cobrissem a boca e o nariz, passou a ser uma das principais alternativas de proteção
individual e coletiva contra a nova doença. A situação de calamidade passou a ser vivenciada, o medo de sair às
ruas, as máscaras e as mortes evidenciavam as consequências da pandemia. Por outro lado, uma parcela da
sociedade ainda acreditava em informações equivocadas e desconsideravam as evidências científicas,
desprezando, por exemplo, a utilização da máscara e o próprio isolamento social. A ausencia da criticidade da
população agravou a conjuntura pandêmica.
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Nesse contexto da sociedade, destacamos o cárcere como um dos cenários que enfatizamos, o qual é um
ambiente de isolamento, cercado de estigmas e preconceitos. Um espaço que também sofreu os reflexos desse
período com a ausencia dos familiares, profissionais e com a discriminação por estarem nos grupos prioritários
de vacinação.
Quadro 2
Elementos da conjuntura e sua aplicação ao objeto, conforme Souza (2014)
Análise
Pandemia da COVID-19;
5.640.000 mil mortos no mundo;
625.000 mil mortes contabilizadas no Brasil;
Capitalismo;
Brasil;
Contexto de violência;
Pesquisas cientificas para descoberta da vacina;
Hospitais lotados, com falta de respiradores e insumos para os atendimentos;
Estados brasileiros em colapso pela quantidade de casos graves da doença, os quais
demandam leitos de Unidade de Tratamento Intensivo e enfermaria;
Isolamento social para a contenção do rus;
Desemprego e diminuição na renda de milhões de brasileiros.
O isolamento no cárcere: os CENSES paranaenses restringem o acesso às unidades e
passam a tomar medidas de prevenção e contenção na circulação do vírus;
Socioeducação;
Governo negacionista;
Políticos;
Médicos, enfermeiros, técnicos de saúde e outros;
Cientistas e pesquisadores;
Burguesia e empresários;
Sociedade civil;
As mídias sociais e meios de comunicação;
Adolescentes reclusos nos CENSES;
Conflito de interesses entre a direita e esquerda;
Conflitos entre município, estado e federação;
Confronto entre o negacionismo e a ciência;
Relações de conflito entre o Estado e os grupos sociais;
Luta da ciência para a adesão da vacinação;
Embate da sociedade em fornecer a vacina, para aqueles que se encontram em cárcere,
como um grupo prioritário no início da vacinação;
Controle e influência da informação nas mídias sociais e nos meios de comunicação;
Desestruturação da ciência: os interesses partidários sobressaem a saúde pública da
população;
Resistência do Estado para reconhecer a seriedade da doença no período pandêmico;
Estado
pressionado pelas forças populares e a mídia para desenvolver a
operacionalização do plano de vacinação da população;
Fonte: Elaborado pela autora (2021).
3. Considerações sobre o Estado: discussões e resultados
Ainda que o Estado, em sua legalidade, assegure em sua constituição a concepção de igualdade, a realidade da
população brasileira é desigual e excludente. Quando analisamos as disparidades sociais relacionadas aos jovens,
a desigualdade se torna ainda mais notável, visto que muitos vivem em condições precárias, em meio à violência,
ao preconceito, à instabilidade financeira, à entrada precoce ao mundo do trabalho e, de uma maneira geral,
com baixas perspectivas de progredir. Dito de outro modo, eles não têm grandes perspectivas para o futuro, pois
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a sociedade que condena é a mesma que exclui e se isenta dessa problemática social (Mocelin, 2016). Se é um
problema social, está subentendido que diz respeito a todos os sujeitos que vivem em sociedade. Um contexto
violento, resulta na criminalidade, por isso enfatizamos como um dos atores em nosso estudo, os adolescentes
que estão em um espaço de internamento, cumprindo medidas socioeducativas, os quais vivenciaram a
pandemia em um ambiente de “cárcere”.
A partir das nossas buscas nos documentos, principalmente no ECA analisarmos a concepção de proteção que
foi construída ao longo da história, o ECA, ao contrário dos documentos que o antecedera, efetiva a rede de
proteção integral, a qual garante aos menores um conjunto de direitos, tais como: o direito à sobrevivência, ao
desenvolvimento, à liberdade, ao respeito, à dignidade, e à conivência familiar e social. O estatuto ainda endossa
a prioridade absoluta do menor, visto que esse sujeito ainda se encontra em desenvolvimento, não tendo ainda
os meios de suprir sozinho as suas necessidades básicas. Para além dos direitos, o ECA também enfatiza os
deveres que estão estabelecidos na lei (Mocelin, 2016).
Mesmo com os avanços legislativos, tornando os menores sujeitos de direitos, nem todos conseguem ter seus
direitos garantidos. As crianças e os adolescentes são, por vezes, desassistidos pela própria família, pelo poder
público e por toda a sociedade. Esse contexto de negligência certamente afeta o crescimento integral desses
sujeitos, seja no campo intelectual e/ou físico, impedindo que muitos frequentem ou permaneçam no sistema
público de ensino, o que também afeta o futuro ingresso no mercado de trabalho (Mocelin, 2016).
Compreendemos que, a partir da implementação do ECA, ocorre o reconhecimento da criança e do adolescente
como sujeitos que estão em desenvolvimento para se tornarem cidadãos. Entretanto, para que a construção da
cidadania aconteça, é necessário oferecer todos os elementos para um desenvolvimento pleno. Para Mocelin
(2016), o ECA é uma das leis mais bem escritas do Brasil, e serve inclusive como inspiração para outros países.
Não obstante a isso, as contradições e desigualdades em nosso país podem fazer com que o ECA se torne apenas
mais uma lei em um amontoado de tantas outras publicadas. Essa autora faz uma série de indagações no que
se refere à efetivação das políticas públicas de atendimento às crianças e aos adolescentes no Brasil:
[...] Como é possível falar em ética com crianças fora da escola? Como é possível falar de compromisso
ético da sociedade se temos crianças trabalhando para garantir a subsistência de suas famílias
pauperizadas e à margem da sociedade? Como é possível falar em ética quando crianças sendo
exploradas sexualmente por adultos que detêm esclarecimento de seus direitos e deveres de cidadão e
que se encontram na posição de orientadores do desenvolvimento infantil? Como é possível falar em
ética quando tantas crianças morrem de fome? [...] Como transformar esse compromisso ético com
vontade política? (Mocelin, 2016, p. 28).
É notavel que uma parcela da sociedade, desprovida de direitos, sentiu mais os efeitos do acontecimento. O
contexto de pandemia, a desigualdade social chegou ao extremo. A mão de obra dos trabalhadores passou a ser
ainda mais explorada.O Brasil não pode parar”, dizia o presidente do país; os donos dos grandes comércios e a
classe alta foram os que menos sofreram diretamente com os impactos do isolamento, que seus padrões de
vida são permeados de luxo das suas casas, o que lhes permitiu permanecer no seio em seus lares durante os
períodos de isolamento. Por outro lado, de maneira paralela, a população trabalhadora foi sendo intimidada pelo
governo, que criticava o isolamento social e não viabilizava um auxílio emergencial que fosse suficiente para
cobrir os gastos mensais das famílias. Nessa realidade de miséria, a população mais afetada foi às ruas em busca
de trabalho e de condições mínimas para viver, e por veces não eran capazes de realizar uma leitura da sua
própria realidade.
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Em meio a essa conjuntura, a sociedade vivenciou o isolamento social, como forma de evitar a propagação e a
circulação do vírus. Nesse contexto, a melhor forma de se comunicar passou a ser digital. A virtualização ocorrida
durante a pandemia explicitou uma acentuação de problemas vivenciados pela dependência da tecnologia
como a profusão de informações falsas veiculadas principalmente por redes sociais, aplicativos de mensagens e
sites não confiáveis. Toda essa (des)informação agravou ainda mais a situação sanitária no país (fez com que
muitos não buscassem tratamento médico e não se vacinassem contra a covid-19) e demonstrou o quanto a
população brasileira não consegue ler com clareza as questões políticas e sociais do próprio país. As incertezas
disseminadas por noticias falsas, o acontecimento pandêmico escancarou um problema muito presente no país:
a pandemia da desinformação, um desconhecimento social que foi acentuado por um governo omisso e relapso.
Partimos do entendimento de que a solução para garantir um futuro com dignidade e direitos assegurados na
sociedade, em meio a uma pandemia ou não, pode estar na intenção do sentimento descrito como vontade.
Uma vontade política que seja capaz de administrar com democracia para liberdade e que garanta políticas
públicas e condições para que isso aconteça. É necessário também investir em capacitação profissional para
conselheiros e responsáveis (Mocelin, 2016). “A ética, a vontade política e a competência técnica far-se-ão
presentes se as pessoas que trabalham com políticas sociais básicas compreenderem, aceitarem e colocarem em
prática [...] direitos e deveres.” (Mocelin, 2016, p. 28).
Ao realizarmos uma leitura dessa conjuntura, a condição de “fracasso”, em aspectos sociais e profissionais, é
atribuída apenas ao sujeito e/ou ao seu núcleo familiar. Perante a sociedade, o Estado não tem responsabilidade;
a família é considerada pela sociedade a única culpada pelo fracasso individual do adolescente (Aurino, Siquiera,
Ribeiro & Vieira, 2016). As relações entre a estrutura e a conjuntura demonstram que as condições de um
desenvolvimento pleno vão muito além do contexto familiar. Diante dessa realidade, algumas políticas sociais
são organizadas com a intenção de proteção social às famílias, como é o caso da Política de Assistência Social
(PNAS). Aurino e outros. (2016), referindo-se a essa política, destacam que “[...] a proteção social deve se ocupar
em garantir a segurança de sobrevivência (de rendimento; de autonomia), de acolhida; de convívio ou vivência
familiar.” (p. 26).
A atualidade é marcada pela incoerência; uma sociedade que julga o sujeito e a sua família antes de tentar
prevenir e proteger. De acordo com o ECA, em seu, “Art. 70. É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça
ou violação dos direitos da criança e do adolescente” (SINASE, 2021, p. 47). Em um cenário social violento,
capitalista e desigual, observamos os menores de idade, por inúmeros motivos, ingressarem na criminalidade.
A leitura feita pela sociedade engloba muitas ideologias e estigmas relacionadas aos jovens, e no caso daqueles
que estão em um cenário de cárcere para cumprir medidas socioeducativas, a leitura social realizada pela
sociedade é ainda mais intolerante e hostil.
O cárcere é o resultado de uma falha ou várias falhas que sobressaem ao aspecto individual do sujeito. A
consequência da criminalidade pode estar vinculada ao conflito entre o capital e o trabalho, resultando na
desigualdade social, na miséria e na ausência de políticas públicas e educacionais que garantam proteção integral
e uma melhor perspectiva de vida, com capacitação pessoal e profissional (Mocelin, 2016).
Em todos os cenários sociais, inclusive no ambiente do cárcere, os direitos devem ser assegurados de modo a
restituir esse sujeito que foi corrompido pela criminalidade. Para tanto, ele precisa conhecer e compreender o
que é ser um cidadão, e um dos elementos essenciais para que isso ocorra é o respeito. “A principal forma de
manter a dignidade humana é respeitar o ser humano em todos os seus direitos. A violação dos direitos humanos
em qualquer instância é a porta aberta para a não humanização e total ausência da cidadania.” (Mocelin, 2016,
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p. 23). A ressocialização do sujeito começa nesse espaço, se o mesmo não ofrecer condições dignas o sistema irá
falhar mais uma vez e possivelmente o menor retorne para a criminalidade. Compete a esse departamento
proporcionar o atendimento integral à criança e ao adolescente que cumpre medida socioeducativa, sendo
responsabilidade do sistema propiciar toda a assistência necessária, seja pedagógica, profissional, médica e para
a reinserção social do menor.
As políticas públicas do departamento da socioeducação viabilizam a articulação entre ações de prevenção de
fatores de risco e a promoção de fatores de proteção, com o objetivo de propiciar um novo recomeço para o
sujeito longe da criminalidade. O plano de atendimento precisa contemplar alguns aspectos importantes, tais
como: proporcionar o acesso a direitos, à formação de valores e a oportunidades para superar a situação de
exclusão social. Sendo assim, entendemos que os Centros de Socioeducação e Casas de Semiliberdade [CENSEs]
mantidos pelo Estado precisam oferecer todo o suporte necessário para a qualidade de vida dos adolescentes
que se encontram reclusos, sendo a educação algo fundamental para a ressocialização.
Em nossa conjuntura atual, notamos adversidades para efetuar essa proteção. Devido à pandemia, as políticas
públicas, que eram “sucateadas”, tornaram-se ainda mais escassas. Esse período marcado por mudanças, em
diferentes esferas, principalmente no contexto sanitário, os papéis dos atores em meio aos cenários do Brasil
são redefinidos. Entretanto, como argumentam Aurino e outros (2016), “Mediante este contexto de fortes
transformações, onde o papel do Estado é redefinido, os direitos são diminuídos.” (p. 23). Um período marcado
para a preocupação com o capital e pouca valorização da vida.
4. Conclusões
Pesquisar sobre a leitura no seu sentido social e amplo de reflexão nos fez analisar ainda mais os aspectos sobre
a nossa própria vida e a leitura que fazemos da nossa realidade. Apontamos a leitura como um instrumento de
libertação social, na perspectiva de ler o mundo antes de decodificar as palavras (Freire, 1982), destacando-se a
importância das experiências vivenciadas na construção do sujeito, como cidadão que sabe ler e compreender
os aspectos políticos e sociais. No panorama da conjuntura, em meio à pandemia, a ausência da leitura crítica
acentuou a ignorância e evidenciou a alienação e a desinformação.
Diante de tantos cenários a serem discutidos, enfatizamos neste trabalho a sociedade violenta e o cárcere,
vivenciado no ambiente da socioeducação por adolescentes que cumprem medidas socioeducativas. Com auxílio
da análise de conjuntura (Souza, 2014), investigamos e refletimos alguns aspectos das categorias que compõem
a conjuntura atual, na intenção de compreender qual a leitura social dos documentos e da sociedade em relação
aos adolescentes que cumprem medidas socioeducativas, em um ambiente de cárcere. Durante a discussão
sobre a conjuntura atual no país, foi necessário destacar alguns aspectos a respeito da nossa sociedade e da sua
realidade desigual, com políticas públicas insuficientes que não garantam o bem-estar da população, incluido
aqueles que se encontram privados da liberdade, cumprindo medidas socioeducativas.
A partir dos nossos questionamentos iniciais, entendemos que a nossa leitura da conjuntura perpassa diferentes
considerações. a contradição de um Estado capitalista, que está fortemente vinculado à aquisição de bens,
em meio a uma população desempregada que busca condições mínimas para a sobrevivência. Essa realidade
perturbadora não é lida corretamente na maioria das vezes por aqueles que a vivenciam, por isso, defendemos
a necessidade da leitura social como condição de libertação de ideologias e preconceitos estabelecidos. A
sociedade vivenciou a pandemia causada por um vírus, juntamente com a pandemia da desinformação, marcada
por um contexto de notícias falsas e um governo omisso e negacionista.
A partir dos documentos que norteiam o menor de idade e a socioeducação, observamos um avanço da
legislação direcionada à proteção do menor ao longo dos anos. Atualmente, uma preocupação em oferecer
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condições para a formação do cidadão em seu meio social. Todavia, a leitura apresentada nos documentos ainda
não retrata a realidade, uma vez que as políticas públicas de proteção, de saúde, de educação e de segurança
não são totalmente contempladas em nosso país.
O objetivo geral desta pesquisa foi compreender a leitura social que o Estado e a sociedade realizam dos
adolescentes que se encontram em cárcere. Ao longo do estudo, ficou evidente o preconceito e os estigmas
enraizados com relação a esses atores, demonstrando o quanto a ausência da leitura social interfere na visão
sobre esses sujeitos. Para a sociedade, a criminalidade é vista apenas como uma escolha, o que desconsidera
todos os aspectos sociais que levam o sujeito a adentrar ao mundo do crime.
O Estado é incoerente, pois anuncia em seus dispositivos legais que protegerá o adolescente durante o período
de reclusão; todavia, não se mostra capaz de disponibilizar condições que assegurem a efetivação de políticas
públicas para que esse menor não ingresse na criminalidade. A falta de direitos assegurados, a carência de bens
materiais e a revolta pelas injustiças sociais contribuem de forma negativa para um desenvolvimento do cidadão.
A leitura que esse adolescente faz da própria vida reflete aquilo que está ao seu redor. Se ele enxerga no crime
uma oportunidade, de alguma forma, a sua vida já foi acometida de alguma forma.
A ideia de estar seguro, bem e livre em meio a um ambiente de cárcere é discordante. A leitura que o Estado faz
é delimitada, enxerga no cárcere uma solução para um problema estrutural da própria sociedade. A intenção é
transformar o sujeito, fazendo com que esse desconsidere a sua trajetória e assuma, ilusoriamente, uma vida
nova de agora em diante. O trabalho deveria ser voltado primeiramente para a construção de uma sociedade
que fosse pautada na igualdade e no acesso a políticas públicas eficazes para todos. A partir disso, o trabalho
poderia ser desenvolvido levando-se em consideração as particularidades de cada sujeito, para cada que cada
um reconheça a sua história e aprenda com ela, realizando uma leitura dos acertos e dos erros ao longo da vida.
Diante das questões levantadas, é preciso evidenciar a necessidade de políticas públicas eficazes que garantam
direitos para toda a população, mas especialmente para as crianças e os adolescentes que estão em plena fase
de desenvolvimento sico e intelectual. No momento entre a legislação e a realidade vivenciada, observamos
uma grande contradição por parte do Estado em relação a direitos e políticas públicas essenciais para a
população.
Discutir acerca da leitura social, em uma conjuntura marcada por uma pandemia, evidenciou o quanto a
criticidade é necessária a todos. Saber ler a própria história e os aspectos que regem a sociedade é essencial para
a construção do cidadão, independentemente da sua idade o do seu lugar de origem. Na rua ou no cárcere, a
leitura social é um instrumento de libertação da alienação.
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