Espacios. Vol. 29 (1) 2008. Pág. 10

A diversidade biológica – uma potencial fonte de vantagem competitiva para a indústria farmacêutica brasileira

The biological diversity – a potential source of competitive advantage for brazilian pharmaceutical industry

La diversidad biológica - una posible fuente de ventaja competitiva para la industria farmacéutica brasileña

Vera Maria Costa Marinho, Peter Rudolf Seidl y Waldimir Pirró e Longo


5. A PARTICIPAÇÃO GOVERNAMENTAL NA EVOLUÇÃO DA INDÚSTRIA NO BRASIL

No Brasil, como em muitos outros países, as mudanças tecnológicas logo após a 2ª. Guerra Mundial e a supremacia norte-americana na indústria (baseada, principalmente, na intensificação das atividades de P&D e nas descobertas cientificas), deram início a um acelerado e intenso processo de desnacionalização do setor. O cenário nacional apresentava nos anos 70, segundo Bermudez (1997), uma participação de 75% de empresas multinacionais realizando somente as etapas finais da produção no País. O comportamento das empresas estrangeiras era como regra geral, realizar P&D nas matrizes e/ou filiais localizadas nos países do primeiro mundo, onde usufruíam de uma extraordinária infra-estrutura científica e tecnológica e vigorosos incentivos governamentais (LONGO & SEIDL, 1999).

Em todos os países que conseguiram desenvolver fortes indústrias farmacêuticas nacionais as políticas públicas de estímulo ao setor representaram um papel essencial. No caso do Brasil, algumas importantes iniciativas neste sentido foram implementadas e os itens abaixo relacionam os principais marcos legais/institucionais que afetaram a indústria farmacêutica nacional:

As políticas adotadas nos anos 80 conseguiram, em certa medida, estimular o setor. De acordo com Magalhães et al (2003), em 1985 as empresas nacionais investiram quase 60 milhões de dólares em aquisições e melhorias no ativo imobilizado - representando cerca de 57% do investimento total da indústria para tal fim – o que parece refletir a reação das empresas aos incentivos governamentais da época, principalmente através da CEME. A importância da criação da CEME é que não pode ser considerado um evento isolado, mas sim era parte integrante de uma estratégia federal voltada para o “desenvolvimento de uma indústria farmacêutica genuinamente nacional e alcançar autonomia na produção de fármacos” (LUCCHESI, 1993).

Os anos 80 pareciam apontar para uma real expansão do setor com a entrada de novas empresas na indústria farmacêutica, a maioria delas oriundas de outros setores da indústria química nacional e, a ausência de proteção patentária permitiu que empresas nacionais tentassem desenvolver tecnologias próprias. A CODETEC/UNICAMP (Companhia de Desenvolvimento Tecnológico), com apoio da CEME, desenvolveu na época um total de 140 tecnologias de processo, privilegiando os produtos da RENAME (Relação Nacional de Medicamentos Essenciais) (LISBOA, 2001).

Ainda de acordo com Lucchesi (1991) a CEME era parte de uma estratégia mais ampla de desenvolver uma indústria farmacêutica “genuinamente nacional” e alcançar a autonomia na produção de fármacos. Portanto, em 1990 já existiam mais de 30 empresas produzindo fármacos no Brasil e a CEME lançava um programa de estímulo à pesquisa de produtos existentes na biodiversidade brasileira (o Programa PPPM - Programa de Pesquisa de Plantas Medicinais) estimulando o surgimento de importantes estudos em farmacologia e toxicologia de plantas presentes nos diversos ecossistemas nacionais. Com o passar dos anos, políticas adotadas fizeram com que a CEME se transformasse num mero comprador e distribuidor de medicamentos (94,26% de seu orçamento) e, finalmente, fosse extinta em 1997. Nos trabalhos iniciais, o PPPM selecionou 65 espécies vegetais para realização de P&D voltada para medicamentos fitoterápicos. Os projetos aprovados (114 projetos no período 1983-1996) contavam com recursos destinados a implantação de núcleos para coleta, cultivo e fornecimento das plantas. Embora contasse com competências científico-tecnológicas para tal, o Programa não consegui lançar nenhum fitoterápico inteiramente nacional no mercado devido, principalmente, a descontinuidade do aporte de recursos a partir de 1990 e a extinção da CEME em 1997.

O fim dos anos 90 foi marcado por profundas mudanças macroeconômicas e na própria estrutura da indústria farmacêutica brasileira. O aumento em grande escala das importações de princípios ativos e medicamentos prontos resultante da abertura econômica, o fim da política de controle de preços sobre medicamentos, a nova Lei de Propriedade Industrial de 1996 (que reintroduzia a proteção para produtos e processos farmacêuticos) e a introdução dos medicamentos genéricos foram fatores decisivos para o desmantelamento da indústria de química fina no Brasil.

Mudanças recentes nas políticas brasileiras resultaram no lançamento, em março de 2004, de uma política industrial – denominada Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) - que inclui a indústria de fármacos e medicamentos como uma de suas prioridades e opções estratégicas (Quadro 2). A PITCE, elaborada como parte de um conjunto de ações que compõem a estratégia de desenvolvimento adotada pelo Governo Federal do Brasil, objetiva aumentar a eficiência da estrutura produtiva, a capacidade de inovação das empresas e a expansão das exportações.

Quadro 2: Eixos da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior - PITCE

Fonte: Elaboração dos autores

Dentre as ações previstas na PITCE para o setor de fármacos e medicamentos algumas já se encontram em execução, como por exemplo:

6. A BIODIVERSIDADE, A CONVENÇÃO DA DIVERSIDADE BIOLÓGICA E AS LEGISLAÇÕES NACIONAIS

Questões relativas ao uso e preservação dos recursos naturais têm sido, cada vez mais, objeto de estudos nos mais diversos fóruns – desde os debates acadêmicos sobre questões de aproveitamento econômico e de manutenção da vida de espécies ameaçadas ao uso de meios de comunicação de maior abrangência para informação e conscientização da sociedade sobre os benefícios da biodiversidade para a vida humana e sobre as crescentes ameaças à sua conservação. Buscando uniformizar o entendimento sobre o termo, a Convenção da Diversidade Biológica (CDB), realizada em 1992, definiu Biodiversidade como sendo “A variedade de organismos vivos de todo o tipo de fonte, incluindo, inter alia, organismos terrestres, marinhos e de outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos dos quais fazem parte; isso abrange a diversidade dentro das próprias espécies, entre as espécies e os ecossistemas.” (CDB, 1992). Portanto, ela pode ser entendida como a variedade de vida, incluindo as diversas populações geneticamente distintas presentes em cada espécie, todas as espécies, todas as comunidades nas quais estão inseridas e, portanto, inclui todos os ecossistemas, seus funcionamentos e evolução.

O objetivo principal da CDB foi estimular e auxiliar todos os países a conservarem suas biodiversidades, usarem seus componentes de maneira sustentável e repartirem eqüitativamente os benefícios advindos de sua utilização. Por sua qualidade estrutural, suas decisões são aplicáveis no nível nacional de cada um dos países signatários. Para disciplinar a correlação entre as atividades econômicas, inclusive as de caráter extrativo, e a preservação dos recursos naturais, a CDB - e suas posteriores revisões - tentou montar um elenco de estratégias globais e orientações para que empresas pudessem montar planos de ação baseados na conservação e/ou recuperação de tais recursos, incorporando a biodiversidade nos seus modelos de negócios.

Até a assinatura da CDB, os recursos naturais eram tidos como patrimônio comum da humanidade e, portanto, as empresas farmacêuticas não eram obrigadas a dar nenhum tipo de retorno para os países onde fossem encontrados os recursos naturais que originaram produtos comercializados (REID ET AL, 1993). A entrada em vigor da Convenção, em 1993, incorporou diversas diretrizes relacionadas a acesso, conhecimento tradicional e repartição de benefícios e os países signatários se comprometeram a segui-las, estabelecendo, para tal, legislações especificas que obedecessem também as condições sobre seus patrimônios biológicos.

O Brasil tem buscado construir instrumentos em tal sentido e, dentre as medidas existentes, foi estipulada a exigência de registro prévio junto ao CGEN (Conselho de Gestão do Patrimônio Genético) para qualquer pesquisa em recursos biológicos – o que inclui, entre outras coisas, a comprovação de consentimento prévio em caso de envolvimento de conhecimento tradicional, mantendo-se o debate sobre a precisa diferenciação entre pesquisa de cunho puramente cientifico e atividade relacionada à bioprospecção. Uma outra medida disciplina as sanções aplicáveis às condutas e atividades lesivas ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado. A dificuldade de se estabelecer legislação especifica para o tema não é, “privilégio” brasileiro já que poucos países entre os 17 que juntos possuem 70% da diversidade biológica do planeta conseguiram êxito pleno na tarefa.

7. A BIODIVERSIDADE BRASILEIRA E SEU POTENCIAL USO ECONÔMICO

Em termos de biodiversidade, o Brasil oferece imensas possibilidades na área de pesquisa e desenvolvimento. A Amazônia, por exemplo, reúne 20% de toda a água doce do planeta e 35% das espécies vegetais superiores, além de 220 mil organismos vivos já catalogados. O crescente interesse pelos fitoterápicos tem feito com que diversos laboratórios aumentem o número de pesquisas neste segmento e, consequentemente, o número de patentes de produtos desenvolvidos no Brasil tem aumentado gradualmente (embora ainda seja pequeno e o potencial do País não esteja sendo plenamente utilizado).

No Brasil, a biodiversidade existente, principalmente na Amazônia e redutos remanescentes da Mata Atlântica, tem atraído a atenção de pesquisadores e empresas de todo o mundo. No País são encontradas cerca de 55.000 espécies de plantas superiores e muitas plantas medicinais estão incluídas no arsenal terapêutico utilizado por boa parte da população. De acordo com pesquisas realizadas em universidades e institutos de pesquisa, tanto no País quanto no exterior, muitas das espécies revelam conter substâncias ativas promissoras para desenvolvimento de agentes terapêuticos oncológicos, antibióticos e antiretrovirais, entre outros (MARINHO, 2004).

Na Amazônia Brasileira, a floresta contem espécies nos quais são encontrados princípios ativos, muitas das quais identificadas a partir de relatos de uso das populações indígenas, sem contudo, em boa parte dos casos, ter ocorrido o reconhecimento do direito a participação de benefícios. Outros biomas brasileiros também são importantes fontes de espécies únicas cujo mapeamento e localização ainda são disponibilizadas de forma incipiente. O conhecimento tradicional existente – entendido como a informação dinâmica sobre plantas, seus usos e o meio-ambiente ao qual pertencem, acumulada através das gerações de uma dada comunidade – é muitas vezes composto de arranjos específicos de diferentes elementos da flora que apresentam uma dada sinergia ainda não de todo compreendida pelos pesquisadores.

O estudo de representatividade ecológica nos biomas brasileiros já apontou a existência de 49 ecorregiões e concluiu que, o Brasil – ao se considerar as unidades de conservação de proteção integral federais–, além de ser um dos países com a menor porcentagem de áreas especialmente protegidas, apenas 1,99%, tem esta rede mal distribuída entre seus biomas. Dentre outras conclusões, o estudo demonstrou que o Cerrado, o segundo maior bioma brasileiro, é um dos mais ameaçados do mundo e tem somente 0,85% de sua área em unidades de conservação. O bioma Mata Atlântica, o mais ameaçado de todos, com apenas 73% da sua cobertura original, tem 0,69% de áreas especialmente protegidas. O bioma Caatinga possui, também, apenas 0,65% conservado por unidades de conservação. (IBAMA, 2006)

Atualmente, a anteriormente citada Far-Manguinhos executa um programa de pesquisa baseado na biodiversidade e já identificou e patenteou 20 moléculas (RICHÉ, 2006). Além disso, de acordo com ENRÍQUEZ (2004), existem no País algumas experiências de interação entre comunidades indígenas e empresas internacionais para exploração dos produtos naturais, que resultaram em estudos e uso de espécies nativas com aplicações medicinais (anticoagulantes, tratamento de glaucoma, etc...) mas que muitas vezes, infelizmente, respeitam questões relativas à sobrevivência das espécies e à correta repartição de benefícios com as comunidades envolvidas.

A realização dos chamados “acordos de bioprospecção” para o aproveitamento comercial da biodiversidade tem sido alvo de amplas discussões. Alguns apontam que tais acordos são feitos de modo a que a parceria entre as empresas e as comunidades locais é bastante desigual: as comunidades gradativamente estão perdendo o acesso aos recursos e as empresas ficam praticamente com todo o lucro gerado, inclusive com os direitos decorrentes das patentes. Os defensores de tais acordos afirmam que a atividade de bioprospecção pode ser útil para o desenvolvimento dos países ricos em biodiversidade bastando que sejam bem definidos os direitos de propriedade intelectual e royalties que resultariam dos processos biotecnológicos derivados da exploração de amostras de produtos naturais extraídos da biodiversidade nacional.

Uma iniciativa importante foi a construção, concluída em 2001 do CBA (Centro de Biotecnologia da Amazônia), com modernas instalações para implantação de laboratórios e incubação de empresas de biotecnologia. Os objetivos essenciais do CBA são promover o conhecimento da biodiversidade amazônica com agregação de valor na região amazônica; incentivar o desenvolvimento regional de produtos, processos e serviços biotecnológicos; incubar, consolidar e projetar empresas de base biotecnológica e estabelecer parques bioindustriais de projeção internacional.

Com relação à propriedade industrial, como regra geral, os produtos da diversidade biológica não são patenteáveis no Brasil (Lei 9279/96) por não atenderem ao requisito da inventividade necessário à concessão de uma patente. A Lei não considera invenção “o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais” (Art.10) e não reconhece como patenteáveis “o todo ou parte dos seres vivos, exceto os microorganismos transgênicos que atendam os três requisitos de patenteabilidade: novidade, atividade inventiva e aplicação industrial “ (Art.18).

No caso de composições, para serem patenteáveis, o extrato aquoso ou etéreo de uma determinada planta, quando diluído em outro solvente necessário (como, por exemplo, utilizado para tornar o ativo absorvível) tem que representar uma composição de fato, e não uma “mera diluição”, isto é, tem que ser demonstrado que a composição é composta de mais de um ingrediente, todos apresentando efeito técnico novo de fato. Além disso, compostos químicos obtidos sinteticamente que possuam correspondentes de ocorrência natural (dos quais não podem ser distinguidos) também não são considerados invenção.

Nos Estados Unidos, produtos e processos naturais eram considerados como “produtos da natureza” e, portanto, não patenteáveis. A partir de 1977, foram permitidos pedidos de patentes para “novas” formas ou composições de produtos naturais, mas não para os produtos naturais per se, ou seja, na forma como se encontravam na natureza e, consequentemente, os produtos naturais purificados (extraídos de matéria viva) passaram a ser considerados “novos” e, portanto, passíveis de patenteamento. Para o Escritório Europeu de Patentes, uma substância que ocorra livremente na natureza é mera descoberta e, portanto, não-patenteável. Mas, se tal substância foi isolada do seu meio e um processo foi desenvolvido para obtê-la, o processo pode ser patenteado. Uma outra exceção é quando uma substância, após sua caracterização, é considerada como “nova” (no sentido absoluto da palavra, isto é, não havia tido até então sua existência reconhecida) pode ser patenteada “per se”.

Estudo sobre patentes realizado por Moreira et al (2006), analisou solicitações de patentes ou patentes concedidas relacionadas às plantas brasileiras, identificando o tipo de invenção envolvida (processo, produto e/ou uso) e quem eram os detentores das patentes. Como resultado foi identificado que 186 de 278 plantas brasileiras (67%) são objeto de patentes (pedidos ou concessões); 94,2% dos 738 documentos analisados eram solicitações feitas por empresas estrangeiras; 89,3% dos pedidos foram para aplicações terapêuticas (principalmente para para uso dermatológico) e 57,4% dos pedidos era relacionado ao uso dos extratos ou ingredientes ativos na forma de composições farmacêuticas (enquanto 24,6% eram associados a métodos terapêuticos, 12,5% a processos de extração, 4,3% aos próprios extratos e 1,2% a moléculas).

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