Espacios. Espacios. Vol. 30 (1) 2009. Pág. 25


Globalização do setor têxtil e de confecção brasileiro: a busca pelo controle de ativos escassos de conhecimento

Globalisation of the textile sector and brazilian preparation: Search of the control of scarce assets of knowledge

Globalización del sector textil y de confección brasileño: Búsqueda del control de bienes de poco conocimiento

Flavio Da Silveira Bruno, Ana Teresa Pinto Filipecki y Enio Soares Júnior


4 Considerações finais

As medidas anunciadas pelo governo são tímidas em relação à ampla reforma estrutural desejada pelos empresários que falam pelo setor. Câmbio, reforma, trabalhista e tributária são áreas que se unem à necessidade de reformas em portos, aeroportos e estradas, de investimentos na matriz energética e na educação. Todos esses setores, entretanto, atingem a todas as empresas de todos os setores da economia. O setor precisa de medidas em esferas mais específicas para sua capacitação interna que possam permitir ganhar o tempo necessário para que o Brasil se torne um país condizente com suas capacidades. Enquanto isso, medidas de capacitação das redes que unem empresas, instituições e sociedade podem ser estimuladas por programas de investimentos estruturais em informação e gestão do conhecimento, e de financiamentos de projetos que estimulem a parceria entre empresas e instituições de pesquisa tecnológica.

Gereffi (2005b, p.57) preconiza que como a globalização econômica deverá se aprofundar, o déficit de governança mundial crescerá ainda mais acentuadamente. Segundo o sociólogo americano, políticas de laissez-faire são insuficientes para promover o desenvolvimento sustentável. Acredita que o sucesso depende de medidas mais sofisticadas sob a forma de colaboração estratégica entre o setor privado e o governo. São necessários mecanismos que promovam a distribuição de renda e de oportunidades, limitando os riscos enfrentados pelos indivíduos. Para ser sustentável, o desenvolvimento deve ser planejado de maneira integrada entre governo e instituições, públicas e privadas de maneira tal que garanta o controle sobre impactos nocivos no ambiente, na saúde, segurança e em outros benefícios sociais irrevogáveis. Gereffi vaticina “explorar trabalhadores e meio ambiente não é uma boa estratégia de desenvolvimento de longo prazo”. As tênues iniciativas que vêm sendo adotadas por empresas da cadeia de valor têxtil e de confecção, levantadas neste estudo, parecem reforçar a idéia de que há, para o Brasil, uma grande oportunidade na exploração consciente de valores sócio-ambientais. Cabe ao governo apoiar a formulação de políticas de estímulo e a regulamentação de normas de comportamento empresarial.

A questão da subvenção ou do financiamento de inovações, e das dificuldades encontradas pelos pequenos negócios para submeter projetos ao BNDES ou à FINEP, faz sobressair a importância de parcerias entre universidades e pequenas empresas. É um exemplo de triangulação construtiva entre governo, empresas e universidades. Segundo Roberto Nicolsky, diretor da Sociedade Pró-Inovação Tecnológica (Protec), entrevistado pelo Valor Econômico (Salgado, 2007, p.A6), devido ao seu alto risco, projetos de inovação promovidos por pequenas empresas devem ser subvencionados e não financiados. O BNDES, segundo Nicolsky, deveria repartir o risco com as empresas, adiantando os recursos. Parte dos royalties seria empregada para financiar outros projetos. Simulações feitas pelo Protec sugerem que o retorno promovido pelos casos de sucesso seria capaz de financiar os demais. Evidentemente, é preciso amparar a iniciativa em uma seleção criteriosa de projetos que enfatizem a geração de renda e de empregos. Assim, devem ser criadas ou revistas as linhas de financiamentos em áreas estratégicas para estimular criação de ativos escassos intensivos em conhecimento, nas dimensões Tecnologia, Recursos Humanos, Gestão e Estratégia. Podem também ser elaborados incentivos dos sistemas normativos de ensino e pesquisa para a parceria entre universidade e empresas, centrados na sistematização de conhecimentos de base tecnológica e de experiências inovadoras no setor.

Para facilitar a participação do setor na cadeia global de valor, cabe ao governo: estimular e criar formas alternativas e inventivas de acesso a mercados mais ricos e exigentes; revisar e reconfigurar as estruturas das bases de dados atuais; divulgar dados detalhados sobre importação e exportação; promover a formalização de empresas e concomitante centralização e disponibilização de informações sócio-econômicas; fortalecer o controle e a proteção comerciais; realizar investimentos para integração e compartilhamento de informações com associações e instituições de pesquisa; e promover o estímulo à regulamentação de responsabilidade sócio-ambiental.

Como revelou nossa enquete com pequenas empresas, quase a totalidade delas declarou estar aberta a pesquisas. Em nossa experiência nos estudos de caso, tivemos a ratificação desta disposição. Sem que fosse necessário insistir por parte dos pesquisadores para tal, donos de pequenos negócios foram entrevistados ao longo de várias horas, muitas vezes oferecendo-se espontaneamente para novos encontros. A visita às instalações também não apresentou qualquer dificuldade. Pelo que pudemos perceber e interpretar, há espaço a ser explorado na relação de pequenos negócios de confecção com as universidades. Problemas característicos de planejamento e controle da produção, organização da produção e do trabalho, marketing e gestão são campos de conhecimento que poderiam ser mais explorados por alunos de cursos de engenharia da produção. Não se encontram, com facilidade, estagiários de cursos similares nessas empresas. Também as universidades podem estimular a incubação de pequenos negócios inovadores da cadeia da moda intensivos em tecnologias de comunicação e informação, ou em novas técnicas de beneficiamento, de design ou de montagem de peças.

Outro aspecto a ser explorado é a parceria para a inovação. Como vimos, com apoio do BNDES e da FINEP, universidades e empresas podem associar-se para a apresentação de projetos cuidadosos com maior chance de sucesso. O monitoramento do mercado, das tendências de moda, de tecnologias de ponta e de novos materiais pode ser realizado por institutos de pesquisa ou núcleos de departamentos universitários para fomentar as pequenas empresas com novas idéias para produtos e processos. Novas formas de organização do trabalho e de produção enxuta têm sido criadas de maneira artesanal, com o apoio de “consultores”. Há campo para estudo e sistematização, com suporte de alunos de iniciação científica, mestrado e doutorado, e a orientação de professores universitários.

Outra área de conhecimento que carece da parceria entre governo, empresas e instituições é a que se refere às bases de informação. A discrepância de dados entre IEMI, RAIS e sindicatos, sobre o número de pequenos negócios de confecção no Brasil é sintoma da penúria de informações estruturadas. Cabe ao governo atuar inovando em processos de controle e de estímulo para que as empresas registrem-se formalmente. Cabe às instituições de conhecimento modelar estruturas prototípicas de bases de dados mais ajustadas não apenas às práticas internas como também às práticas internacionais, permitindo a integração de dados com a cadeia global de valor; por exemplo, na definição de métodos para estimativa da massa unitária média de peças de roupas. Este é um aspecto fundamental para a realização de pesquisas quantitativas que permitam monitorar e acompanhar a evolução de políticas e o desempenho de estratégias formuladas para o desenvolvimento do setor, assim como das tendências e variações de consumo.

Em curto prazo, o papel a ser assumido pelo setor privado deverá se concentrar na aplicação de seus conhecimentos e competências de forma criativa. A utilização de seus ativos - tecnologia, laboratórios fabris, conhecimento técnico - pode valer como moeda de troca na formação de parcerias com grandes varejistas para compartilhamento de bases de informação sobre consumo. A integração com confecções que detenham conhecimentos-chave de processo e de hábitos de consumo também será uma tendência a ser seguida. Assim como a aproximação com os pequenos estrategistas de moda. Outra parceria que pode render conhecimento novo é aquela estabelecida com marcas que se internacionalizam. Pequenos clientes devem receber informações que não têm orçamento para obter; sua atualização é fundamental para o crescimento da cadeia. A integração com universidade e centros de pesquisa não pode ser vista apenas sob o ponto de vista da obtenção imediata de resultados em pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, trata-se de um processo cultural mais amplo que precisa ser iniciado.

Grandes produtores precisam rever os processos atuais de comercialização de seus produtos, onde ocorre transição acentuada de sua base de clientes, de grandes atacadistas para pequenas e médias confecções. As relações de confiança e familiaridade entre vendedores e compradores precisam ser estruturadas e apoiadas por sistemas e tecnologias de informação integradas com seus pequenos e numerosos clientes.

As experiências têm mostrado que o setor têxtil deverá se capacitar em novas tecnologias, mais flexíveis e versáteis. Apesar de ter feito grandes investimentos nos últimos quinze anos na aquisição de tecnologias de produção de massa, o sistema deverá se ajustar a uma nova ordem orientada não só por grandes varejistas mas por pequenas e médias empresas de moda com marca forte no mercado, lançadoras de tendências, que precisarão de curtas metragens e de prazos menores do que aqueles que o sistema, atualmente, é capaz de oferecer.

Para que modelos de produção enxuta, ágeis, flexíveis e versáteis possam ser adotados, é preciso que sejam acompanhados de modelos de organização do trabalho compatíveis, capazes de produzir novas combinações de recursos de maneira mais rápida do que as organizações concorrentes de maior inércia, que atuam priorizando apenas processos eficientes e de redução de preços. Nesse caso, em que novas funções surgem e desaparecem para atender a um projeto ou uma oportunidade efêmera, o escritório de criação e de desenvolvimento de produtos deve estar ligado em tempo real às mudanças de comportamento de seus consumidores potenciais, e as relações internas devem ser de plena confiança nas competências-chave que possui, seu maior capital. Nesse modelo, são as pessoas que assumem a maior importância. Mais do que seus capitais de relacionamento, nesse caso, é necessário observar a possibilidade de multiplicação de redes sociais para além das fronteiras da empresa que emulem o seu conhecimento. É em parte pela falta dessas redes sociais que as parcerias estratégicas com universidades não ocorrem. Se os perfis profissionais selecionados pelo setor de RH da empresa não valorizam o ambiente acadêmico, é pouco provável que estabeleçam redes sociais com profissionais dessa área. Dificilmente criarão laços de confiança com estagiários ou pesquisadores universitários. Este aspecto é essencial para a integração entre a universidade e a empresa. É uma forma de incorporação tácita de conhecimentos, gratuita e informal, baseado em um processo de troca não sistematizado e não controlado pela empresa, mas que resulta das redes sociais de seus funcionários.

Devemos lembrar que nosso ambiente de competitividade não é feito apenas de problemas de infra-estrutura, logística deficiente, excesso de burocracia e câmbio valorizado. Diversidade cultural e técnica de processos artesanais, estrutura fabril e experiência técnica e comercial secular da grande indústria, novos talentos reconhecidos no mundo da moda pelo design inovador, e imagem positiva de símbolos nacionais são ativos escassos que precisamos aprender a utilizar. Mas isto é o que todos sabem. O que é preciso aprender é a trabalhar de forma integrada, reunindo e preservando competências ao invés de reduzi-las por sobreposição ou de simplesmente eliminá-las por racionalização econômica. Trabalhos futuros podem ser suscitados pelas seguintes questões: (a) as empresas têxteis e de confecção percebem todas as competências em formação que podem lhes ser úteis? É possível inventariar o conhecimento disperso no sistema (b) que formas de relacionamento com universidades podem estimular a criação de estágios e de atividades de pesquisa no meio empresarial de T&C? Alunos de cursos de engenharia de produção, design de moda, administração e economia podem criar vínculos e germinar redes sociais com professores e pesquisadores de universidades, assim como alunos de mestrado e doutorado podem desenvolver estudos de baixo custo para as empresas. Essas possibilidades estão sendo cogitadas? (c) que métodos estão sendo elaborados para sistematizar o conhecimento empírico das empresas? (d) que projetos de pesquisa e desenvolvimento podem ser criados em um núcleo estratégico de monitoramento de informações, bases de notícias, e de pesquisa de comportamento de consumidores? (e) os perfis contratados são movidos apenas pelo salário, sendo facilmente adaptáveis às razões da autoridade administrativa e ao conforto intelectual da adoção incondicional do princípio de racionalização de tempo e de recursos? Ou as organizações têm arriscado mais, contratando pessoas mais arrojadas, críticas e criativas, reativas ao fazer um pouco mais do mesmo a cada dia?

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