ISSN 0798 1015

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Vol. 40 (Nº 36) Ano 2019. Pág. 19

ML-SAI: Modelo pedagógico fundamentado na sala de aula invertida destinado a atividades de m-learning

ML-SAI: Pedagogical model based on inverted classroom intended for m-learning activities

MARTINS, Ernane R. 1 e GOUVEIA, Luís M.B. 2

Recebido: 02/07/2019 • Aprovado: 15/10/2019 • Publicado 21/10/2019


Conteúdo

1. Introdução

2. Metodologia

3. Resultados

4. Conclusões

Referências bibliográficas


RESUMO:

Este artigo relatar a experimentação do modelo pedagógico ML-SAI, que foi fundamentado na teoria da Sala de Aula Invertida (SAI) e visa orientar atividades de m-learning. Define-se, os modelos pedagógicos, os aspectos relacionados à m-learning, os princípios básicos da SAI e apresenta-se a estrutura e estratégias do ML-SAI. A seguir, descreve-se a aplicação do modelo, especificando os recursos pedagógicos utilizados e os procedimentos metodológicos adotados. Finalizando, são apresentados os resultados encontrados e promovidas algumas reflexões e considerações.
Palavras chiave: Sala de Aula Invertida, Modelo Pedagógico, M-learning, Aprendizagem

ABSTRACT:

This article reports on the experimentation of the ML-SAI pedagogical model, which was based on the theory of the Inverted Classroom (SAI) and aims to guide m-learning activities. The pedagogical models are defined, the aspects related to m-learning, the basic principles of the SAI and the structure and strategies of the ML-SAI are presented. Next, the application of the model is described, specifying the pedagogical resources used and the methodological procedures adopted. Finally, the results are presented and some reflections and considerations are promoted.
Keywords: Classroom Inverted, Pedagogical Model, M-learning, Learning

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1. Introdução

M-learning ou mobile learning, diz respeito a aprendizagem por meio de dispositivos móveis que pode ser definido como sendo “um campo emergente, que engloba tecnologias sem fio e computação móvel para permitir que a aprendizagem possa ocorrer em qualquer tempo e em qualquer lugar, maximizando a liberdade dos alunos” (Wains & Mahmood, 2008).

A teoria da Sala de Aula Invertida (SAI), que fundamenta este estudo, é uma metodologia ativa, em que o aluno realiza, em casa, algumas atividades que, normalmente, seriam realizadas na escola, e o tempo em sala de aula é reservado para a realização de atividades mais ativas, tais como: experimentos, debates, atividades em grupo, pesquisas, entre outros (Mattar, 2017).

Conforme Martins et al. (2018) a maioria dos alunos e professores estão fazendo uso dos dispositivos móveis de comunicação para acessar diversos materiais didáticos, ambientes de interação entre alunos e professor, atividades escolares e para o compartilhamento de arquivos. Os dispositivos móveis de comunicação apresentam-se como uma alternativa para ampliar as possibilidades dos estudantes, proporcionando novas formas na construção e desenvolvimento do conhecimento.

As pesquisas recentes apontam que a SAI tem se apresentado mais promissora do que o processo tradicional de ensino, por combinar atividades a distância com práticas ativas, demostrando um grande potencial para melhorar o desempenho acadêmico dos estudantes e consequentemente reduzir a evasão escolar (Silva et al., 2018). P     ara Santos & Tezani (2018), o uso da SAI pode potencializar, personalizar e facilitar a aprendizagem, tornando-a relevante, podendo contribuir no aprimoramento das antigas práticas pedagógicas. O aluno passa a ser protagonista no processo de aprendizagem, enquanto que o professor não é mais um mero expositor, atuando como um condutor e facilitador do processo de aprendizagem.

Sendo assim, este artigo tem como objetivo relatar a experimentação do modelo pedagógico desenvolvido, denominado de ML-SAI. Tendo em vista o objetivo proposto, na seção 2 é definido o que este estudo entende por modelo pedagógico, são discutidos os principais aspectos relacionados à m-learning, são apresentados os princípios básicos da Teoria SAI e apresentada a estrutura e estratégias do ML-SAI. Na seção 3 é estabelecido o método, as técnicas e procedimentos metodológicos utilizados. Na seção 4, apresenta-se os resultados encontrados e algumas reflexões a respeito da experimentação realizada. Finalizando, a seção 5 apresenta algumas considerações sobre o presente trabalho.

2. Conceituação científica

Nesta seção são contextualizados os modelos pedagógicos, os aspectos relacionados à m-learning, os princípios básicos da SAI e são apresentadas a estrutura e as estratégias do ML-SAI.

2.1. Modelos pedagógicos

Modelo conforme Behar, Passerino & Bernardi (2007, p.3) “é um sistema
figurativo que reproduz a realidade de forma mais abstrata, quase esquemática, e que serve de referência”. Os modelos pedagógicos por sua vez, são apresentados na literatura como sinônimos de estratégias de ensino, metodologias de ensino, currículo ou como teorias de aprendizagens. É evidente a falta de consenso sobre esta expressão na literatura, conforme apontam Ortiz Ocanã (2009) e Behar, Passerino & Bernardi (2007).

Assim, neste estudo, utiliza a definição de modelo pedagógico como sendo “um sistema de premissas teóricas que representa, explica e orienta a forma como se aborda o currículo e que se concretiza nas práticas pedagógicas e nas interações professor-aluno-objeto de conhecimento”, podendo ser embasado por uma ou várias teorias de aprendizagem, ou suas reinterpretações, discutindo-se este assunto conforme os autores que adotam linhas semelhantes (Behar; Passerino & Bernardi, 2007, p. 4).

Para a construção de um modelo pedagógico segundo Behar (2009), é necessário definir seus elementos. O modelo pedagógico deve estar baseado em duas ou mais teorias educacionais utilizadas como eixo norteador da aprendizagem e nas experiências pessoais, criando o que ela denomina de Modelo Pessoal. Conforme esta mesma autora este é fundamentado em dois elementos: Arquitetura Pedagógica (AP) e Estratégias para a Aplicação da mesma.

A AP é a estrutura principal do modelo e as estratégias para a aplicação da AP são as dinâmicas do modelo pedagógico, que dependem do contexto e variáveis que envolvem o processo educativo. Estas ações didáticas direcionam o professor para colocar em pratica a AP em um contexto particular, tornando-a individualizada. A arquitetura pedagógica (AP) é constituída por:

Aspectos organizacionais, que diz respeito a fundamentação do planejamento ou proposta pedagógica onde estão incluídos os propósitos da aprendizagem, organização do tempo e do espaço e expectativas na relação da atuação dos participantes ou da organização social da classe;

Aspectos relacionados ao conteúdo, que engloba materiais instrucionais e/ou recursos informáticos utilizados, tais como: objetos de aprendizagem, software e outras ferramentas de aprendizagem;

Aspectos metodológicos, que envolvem: atividades, interações, procedimentos de avaliação e a organização de todos esses elementos numa sequência didática para a aprendizagem;

Aspectos tecnológicos, com a definição da plataforma e suas funcionalidades, ferramentas de comunicação, entre outros.

Para desenvolver um projeto pedagógico eficiente é necessário levar em consideração aspectos importantes da mudança paradigmática, principalmente referente a modalidade de ensino m-learning. Segundo Behar (2009, p. 21), “O mundo tem como novos pilares os conceitos de tempo e de espaço”.

2.2. M-learning

Segundo o documento da UNESCO intitulado “O Futuro da Aprendizagem Móvel”, de 2014, a aprendizagem móvel por meio do Ensino a Distância (EaD) se apresenta como área de foco, já que a cada dia mais o uso de dispositivos móveis nos sistemas formais de educação se assume como um modelo popular de estudos e de pesquisas no mundo. Existe pelo menos dois modelos principais de uso da Tecnologia Móvel: Um Computador por Aluno (UCA), em que cada aluno utiliza um computador para uso escolar, e Bring Your Own Device (BYOD), em que cada aluno utiliza seu próprio aparelho móvel.

O modelo BYOD, vem causando mudanças sem precedentes na educação superior e no ensino a distância permitindo que cada vez mais alunos acessem os diferentes materiais pedagógicos através da tecnologia móvel. Aproveitando este aumento do número de pessoas que têm acesso ou possui um dispositivo móvel, as iniciativas BYOD apresentam-se como promissoras para alunos de todos os cantos do mundo (Unesco, 2014).

É notório a importância da inserção de novos instrumentos no contexto escolar, todavia, a mobilidade, característica essencial dos dispositivos moveis, permitem que estes, sejam utilizados também em ambientes fora das salas de aula. Assim, fica visível a necessidade de encorajarmos o processo de aprendizagem para além dos parâmetros tradicionais, propiciando apropriação de conhecimentos também em ambientes extraescolares (Santana, 2016).

2.3. Sala de aula invertida

A Sala de aula invertida segundo seus criadores Jonathan Bergmann e Aaron Sams, é o conceito em que, o que antes era feita na sala de aula no modelo tradicional, agora é executado em casa, enquanto que as atividades que eram realizadas sozinhas pelos alunos como tarefa de casa, agora são executadas em sala de aula (Bergmann & Sams, 2016). Ou seja, os professores disponibilizam os conteúdos de forma on-line aos alunos, que estudam previamente, e durante a aula são realizadas atividades práticas como resolução de problemas, projetos, discussões em grupo, e laboratórios (Valente, 2014).

Nesta metodologia, o aluno tem o primeiro contato com o conteúdo virtualmente, fora da escola, e posteriormente discute e tira dúvidas durante a aula. Na sala de aula invertida existe uma quebra de paradigma. A premissa é considerar o conhecimento que o aluno é capaz de construir de forma autônoma quando fornecido condições por parte do professor. A consolidação da aprendizagem é, efetivada em sala de aula, funcionando para a elucidação de dúvidas, problematização de questões em discussões fomentadas pelo conteúdo fornecido pelo professor ou disponibilizado pelos próprios alunos (Souza, 2015).

Neste contexto, o professor tem uma grande responsabilidade na escolha do tipo de recurso tecnológico que utilizará como suporte em seu programa de ensino, dedicando-se ao planejamento de práticas relevantes para que a tecnologia em uso seja uma ponte para construção de aprendizagens significativas (Souza, 2015).

2.4. Apresentação do ML-SAI

Esta seção apresenta o modelo pedagógico construído a partir dos estudos preliminares por meio de pesquisa exploratória com estudos de casos em conjunto com a revisão bibliográfica realizada. Os estudos de caso exploratórios preliminares, utilizaram os conceitos de sala de aula invertida combinados com alguma tecnologia móvel, tais como: Kahoot, WhatsApp e Facebook. Estes estudos de caráter exploratórios investigaram as possibilidades e potencialidades da utilização da Teoria da Sala de Aula Invertida com o auxílio de Tecnologia Móvel, sendo estes estudos fundamentais na construção do modelo pedagógico proposto.

Assim, como resultados encontrados nestes estudos preliminares, tiveram destaque: as limitações e dificuldades de ordem financeira e técnica que podem excluir alguns alunos que não dispõem de smartphones, planos de Internet em seus celulares ou mesmo Internet em suas residências, dificultando o uso e principalmente o acesso dos alunos às ferramentas e aos recursos digitais disponíveis; benefícios significativos como o baixo custo, a acessibilidade, a interatividade e a aprendizagem colaborativa; a mediação pelo professor sendo um fator fundamental, propondo temas e estimulando a participação dos alunos, identificando o contexto da sala de aula, dos alunos e da turma, estabelecendo regras e normas para utilização dos dispositivos móveis, deixando claro os objetivos e os motivos das atividades propostas, verificando as limitações relevantes e os recursos tecnológicos necessários que serão utilizados, assim como, os papeis dos professores e dos alunos neste processo; e por fim, a confirmação de que é fundamental um planejamento bem estruturado por parte do professor.

O modelo pedagógico foi formatado para fornecer algumas sugestões de estratégias a professores e pesquisadores interessados em utiliza-lo, orientando estes no desenvolvimento das atividades de m-learning. Neste estudo a AP foi reestruturada e fundamentada levando em consideração os conceitos da Sala de Aula Invertida, os aspectos relacionados a utilização dos dispositivos móveis e os estudos exploratórios preliminares realizados, assim, a AP foi estabelecida em seis aspectos, sendo estes: contexto, normatização, papeis, tecnologias, ações e limitações. A AP e as estratégias para a Aplicação da AP definidas para as atividades de m-learning estão apresentadas na Tabela 1.

Tabela 1
Modelo pedagógico proposto: ML-SAI
(Martins & Gouveia, 2019).

Arquitetura Pedagógica (AP)

Estratégias para a Aplicação da AP

Contexto

Definir os objetivos e motivos das atividades e ações proposta, deixando-os claros para todos os envolvidos;

Identificar os instrumentos, recursos, características das atividades e ações, dos alunos e do curso;

Normatização

Organizar regras e procedimentos para orientar as ações e interações;

Estabelecer normas para utilização dos dispositivos móveis (quando utilizar, qual a finalidade, etc.);

Papeis

Compreender o papel do aluno no processo de aprendizagem, suas motivações, interesses e habilidades;

Entender o papel do professor como condutor e facilitador da aprendizagem;

Tecnologias

Definir os dispositivos móveis, aplicativos e recursos tecnológicos que serão utilizados, considerando as características físicas, técnicas e funcionais dos mesmos, tais como: ambiente virtual, Sílabe, Moodle, Facebook, Khan Academy, YouTube, vídeo-aula, músicas, slides, fotografias, áudios, textos, entre outros, estabelecendo prioridade para aplicativos livres e gratuitos;

Verificar a necessidade e disponibilidade de conexão com a Internet;

Ações

Especificar se as ações serão individuais, em grupo ou ambas, se estas serão comuns a todos os alunos ou diferenciadas por aluno ou grupo de alunos;

Definir ferramentas de comunicação e sistemas de apoio para dar suporte aos alunos em caso de dificuldades;

Definir se as ações serão realizadas em um mesmo local, ao mesmo tempo ou em locais e momentos distintos;

Estabelecer práticas educacionais favoráveis ao aprendizado (situações problemas, aplicações práticas, colaborativas, autônomas, críticas, em contextos reais, pesquisas), levando em consideração os ambientes de aprendizagem (on-line, salas de aula, laboratórios) de preferência com os dispositivos móveis dos próprios alunos;

Incentivar a interação entre os alunos e com o professor, por meio do uso de dispositivos móveis, com foco no desenvolvimento da atividade proposta;

Determinar os mecanismos de avaliação de desempenho e certificação da aprendizagem, se individuais ou em equipes, de preferência continua, e disponibiliza-los para os alunos;

Estabelecer momentos de reflexão e análise das atividades realizadas, buscando colaborar na melhoria continua de novas atividades;

Estruturar os conteúdos que serão disponibilizados em ambiente virtual, para que os alunos possam acessa-los por meio de um dispositivo móvel, quando e quantas vezes quiserem, se possível com o acompanhamento das visualizações pelo professor;

Realizar uma curadoria dos conteúdos já existentes na Internet, por meio de plataformas como Khan Academy e o YouTube em busca de bons vídeos educativos, ou caso não sejam encontrados, gravar vídeos ou áudios utilizando as ferramentas que existem no próprio dispositivo móvel;

Estimular diferentes formas de aprendizado por meio de diferentes fontes de conteúdo, tais como: vídeos, áudios, imagens, textos, slides, questões, entre outras;

Elaborar um roteiro de atividades do que será feito dentro da sala de aula, de modo a otimizar o tempo em sala de aula, utilizando projetos, trabalhos ou solução de problemas, que se conectem com o que foi visto previamente na plataforma;

Limitações

Levantar os principais pré-requisitos das atividades e possíveis distratores do aprendizado;

Identificar quais conteúdos podem ser melhor trabalhados com tecnologias móveis;

Verificar se os materiais pedagógicos podem ser utilizados em dispositivos móveis, considerando tamanho da tela, usabilidade, capacidade de armazenamento e modelos de dispositivos diferentes;

Verificar a disponibilidade de dispositivos móveis, tomadas para recarregar as baterias dos celulares, conexão com a Internet, quando necessário, e se os aplicativos apresentam interface adequada a aprendizagem do conteúdo.

Observa-se que o modelo pedagógico proposto pode se adaptar e colaborar com o desenvolvimento de diversas atividades de m-learning envolvendo diferentes conteúdos e dispositivos móveis. Fazendo com que os aplicativos, funcionalidades e facilidades dos celulares que já auxiliam as pessoas no contexto pessoal, também possam ser mais facilmente inseridos no ambiente escolar, visto que a maioria dos smartphones atuais possuem inúmeros recursos que podem ser utilizados para este propósito, tais como: câmeras, gravador de voz e acesso à Internet, entre outros.

A utilização dos dispositivos móveis em contexto escolar pode ser benéfica tanto para os alunos em termos de extensão da sala de aula, quanto para os professores, sendo possível aproveitar esses aparelhos para atualização de conteúdo, preparação das aulas e realização de avaliações. Esclarece-se que são possíveis e recomendadas reestruturações e ajustamentos no modelo pedagógico proposto, mesmo durante a execução das ações planejadas, sempre levando em consideração as necessidades dos alunos, ressaltando ainda a importância do professor condutor neste processo.

2. Metodologia

O método utilizado nesta pesquisa foi o estudo de casos múltiplos ou multicaso. Segundo Gil (2002) um multicaso é definido como um procedimento racional e sistemático em que seu escopo é proporcionar respostas a problemas propostos, de modo a contribuir com o conhecimento específico. Em favor da metodologia Gil (2002) e Yin (2005) concordam que ao se utilizar mais de um caso é possível demonstrar tendências, pois as evidências obtidas são mais convincentes.

O estudo de caso foi escolhido por ser um estudo de natureza empírica que investiga um determinado fenômeno, geralmente contemporâneo, dentro de um contexto real de vida, tratando-se de uma análise aprofundada de um ou mais objetos (casos), permitindo seu amplo e detalhado conhecimento (Gil, 2002). O seu objetivo é aprofundar o conhecimento acerca de um problema não suficientemente definido, visando estimular a compreensão, sugerir hipóteses e questões ou simplesmente desenvolver a teoria.

A presente pesquisa caracteriza-se como exploratória. De acordo com Gil (1999), a pesquisa exploratória visa desenvolver, esclarecer ou modificar conceitos e ideias sobre determinado assunto. Para a coleta de dados, além da técnica de observação das atitudes dos alunos e professores, também foi elaborado e aplicado um questionário junto aos alunos. Os dados coletados foram tabulados e analisados com enfoque quantitativo e qualitativo.

O ML-SAI foi utilizado durante o segundo semestre de 2018, nos cursos presenciais noturnos de Sistemas de Informação (SI) e Química, com a participação de 90 alunos. Os dispositivos móveis adotados foram os celulares dos próprios alunos, para permitir uma aproximação com o que os alunos estão habituados a utilizar em seu dia a dia e assim facilitar a aprendizagem.  O ambiente de aprendizagem utilizado foi o edmodo, escolhido por ser o que os alunos já utilizavam nas aulas normais e por estar disponível por meio de aplicativo para acesso por smartphones.

A observação consistiu nos seguintes aspectos: i) o uso de recursos tecnológicos; ii) o desenvolvimento das atividades individuais ou em grupo; iii) discussão dos conteúdos abordados; iv) o entendimento dos papeis, em que o aluno é agente do seu processo de aprendizagem e o professor é mediador do processo de aprendizagem; v) a troca de conhecimentos entre alunos; vi) a responsabilidade dos alunos com sua aprendizagem; vii) a autonomia dos alunos em buscar novos conhecimentos. Na seção seguinte é apresentada a experimentação realizada com o ML-SAI e algumas reflexões sobre a mesma.

3. Resultados

O primeiro passo da experimentação foi estruturar os conteúdos que seriam passados pelo ambiente virtual edmodo, para possibilitar aos alunos acessar no tempo deles, quando eles quiserem e quantas vezes eles quiserem. De modo a buscar instigar o aluno a ser mais ativo a partir de diferentes formas de aprendizado, as atividades foram realizadas com os seguintes tipos de materiais: Vídeos de canais educativos do YouTube sobre o conteúdo a ser abordado; Aplicativos de conversas instantâneas, sendo utilizados para este fim, WhatsApp, Facebook e Skype; Artigos em PDF; Questionário aplicado pelo edmodo, no final de cada conteúdo com o objetivo de avaliar o aprendizado da turma e posterior debate das questões em sala de aula; Sites e blogs para pesquisa;

O segundo passo foi realizar uma curadoria dos conteúdos já existentes na Internet, mas como não foram encontrados materiais conforme os desejados, estes foram gravado em formato de vídeo e áudio em ferramentas dos próprios celulares dos professores. Em seguida, foi estabelecido um roteiro das atividades, projetos, ou trabalhos conectados com o que os alunos viram na plataforma.

Por fim, foi explicado aos alunos como funciona esta nova proposta e como esta seria boa para eles, visando quebrar a barreira natural de resistência à mudança e esclarecendo que eles teriam papel ativo na aprendizagem. A Tabela 2 apresenta algumas das questões utilizadas, que consideram a seguinte escala de avaliação (5 – concordo plenamente, 4 – concordo, 3 – não concordo nem discordo, 2 – discordo e 1 – discordo completamente).

Tabela 2
Respostas das principais
questões utilizadas.

Perguntas

5

4

3

2

1

O uso de diversos recursos tecnológicos contribuiu para a aprendizagem.

48%

33%

15%

4%

0%

Em particular, os Smartphones foram recursos importantes para a aprendizagem.

33%

47%

20%

0%

0%

Os aplicativos do Smartphone utilizados foram fáceis de usar.

42%

40%

16%

2%

0%

Acessar os conteúdos fora da sala de aula pelo Smartphone, foi satisfatório.

38%

40%

18%

2%

2%

A proposta de uso do Smartphone, em geral, foi importante para a disciplina.

40%

42%

14%

4%

0%

A estratégia de disponibilizar materiais diversos referente ao conteúdo antes da aula contribuiu para o bom andamento da disciplina e para o aprendizado.

48%

33%

17%

2%

0%

As atividades realizadas em sala com o auxílio do professor, colaboraram para a aprendizagem do conteúdo.

42%

40%

14%

0%

4%

Sua participação foi séria e comprometida, realizando as atividades propostas.

42%

42%

14%

0%

2%

A ajuda dos colegas de turma foi importante para a sua aprendizagem.

38%

45%

15%

2%

0%

A atuação do professor foi importante para sua aprendizagem.

45%

40%

13%

2%

0%

A metodologia utilizada permitiu aos alunos com dificuldade melhor aprendizado.

54%

38%

8%

0%

0%

A metodologia utilizada favoreceu o aprendizado.

45%

45%

6%

4%

0%

A metodologia utilizada proporcionou maior autonomia e interesse dos alunos.

38%

49%

11%

0%

2%

A metodologia utilizada estimulou a participação dos alunos.

54%

42%

2%

2%

0%

Foram utilizados recursos tecnológicos adequados.

47%

40%

13%

0%

0%

Os conteúdos formativos estavam adequados à plataforma de aprendizagem.

45%

47%

4%

2%

2%

As atividades propostas alcançaram os objetivos determinados.

49%

38%

11%

2%

0%

A partir das respostas dos alunos, é possível indicar, uma boa aceitação do modelo pedagógico adotado. A Tabela 3 mostra os percentuais de respostas sobre se “A proposta apresentada envolvendo o uso de celulares e a metodologia da Sala de Aula Invertida, de maneira geral, foi importante para o aprendizado”.

No curso de Sistemas de Informação cerca de 90% dos alunos concordaram plenamente ou concordaram. Sendo que neste curso, por todos os alunos possuíam celulares e por todos fazerem parte de um curso de informática, estes fatores podem ter contribuído para que a proposta, tenha uma forte aceitação e considerada importante pela quase totalidade dos alunos, com poucos alunos que não concordam nem discordam e nenhum aluno contrário à proposta.

No entanto quando a pergunta foi aplicada no curso de Química, o percentual dos alunos que concordaram plenamente ou concordaram ficou a baixo dos 70%. Neste caso é importante observar que nem todos os alunos do curso possuíam celulares, apesar que todos tenham participado, mas pode ter contribuído para que a proposta, embora considerada importante pela maioria, não tenha obtido um percentual mais significativo.

Tabela 3
Respostas se a proposta foi importante para o aprendizado por curso.

Curso

Concordam plenamente

Concordam

Não concordam nem discordam

Discordam

Discordam plenamente

Química

29%

33%

24%

8%

6%

SI

43%

47%

10%

0%

0%

Por meio da observação verificou-se que em ambos os cursos os alunos se envolveram mais fortemente na resolução de situações-problema, facilitadas pelo apoio fornecido pelas tecnologias utilizadas. O modelo facilitou as interações entre alunos e professores, promovendo maior participação dos discente, maior número de perguntas e discussões sobre os temas abordados, visto que os estudantes estavam mais preparados para tirar as dúvidas. Os alunos mostraram-se favoráveis a utilização de vídeos on-line como primeiro contato com o conteúdo, por permitir determinar o momento mais adequado para vê-los, revê-los quando julgarem necessários e poderem parar ou controlar a velocidade destes.

O tempo livre em sala de aula para a realização de aprendizagem ativa, foi satisfatória tanto para estudantes como para os professores, visto que a aula pode ser dedicada a aprofundar o tema e a desenvolver os assuntos mais importantes, o professor pode ter maior percepção das dificuldades do aluno e utilizar o tempo de aula presencial para ajudá-los. Os alunos se viram como protagonistas no processo de aprendizagem, com toda a autonomia para adquirir novos conhecimentos e habilidades no momento em que julgar mais conveniente, graças ao uso das tecnologias móveis.

Os principais desafios encontrados para a implementação do modelo incluem: a necessidade de preparação e treinamento dos professores; a aceitação tanto por parte dos professores quanto dos alunos, visto a forte mudança de paradigma; a necessidade dos smartphones e da disponibilidade de Internet; e formas de gerar motivação aos alunos para se prepararem antes da aula. 

Alguns alunos relataram que é importante a realização de uma revisão em sala de aula sobre o que foi visto na plataforma on-line, com o objetivo de tirar algumas dúvidas. Mas o grande problema evidenciado foi que alguns alunos não assistem os vídeos e nem mesmo pesquisam, não tendo um contato inicial com o conteúdo, e ao chegar em sala tendem a exigir do professor a explicação do conteúdo, ao invés de retirar suas dúvidas.

O que acontece é que muitos alunos são extremamente dependentes da explicação do professor, estão acostumados a receber tudo pronto, sem esforço, e agora neste novo modelo precisam ser mais ativos. Alguns relataram que ao verem os demais colegas comentando sobre um determinado conteúdo nos vídeos, se interessavam em acessa-los. Outros disseram que demoraram um pouco para aceitar e entender como funcionava a proposta, porque a novidade naturalmente gerou uma certa resistência, sendo importante que o professor vá com calma na incorporação do modelo, para que os alunos sejam aos poucos convencidos dos benefícios da adoção deste.

Os professores se mostraram favoráveis da utilização de ferramentas que possibilitem o feedback de quando os alunos acessaram os conteúdos, simplesmente postar o material não resolve, é necessário o acompanhamento. Algumas ferramentas também permitem criar fóruns de discussões, o que foi extremante relevante e bastante elogiadas pelos professores das turmas.

4. Conclusões

Este trabalho teve como objetivo relatar a experimentação do modelo pedagógico desenvolvido, denominado de ML-SAI nos cursos de SI e Química. Assim, analisando a implementação do modelo, foi possível observar pelo desenvolvimento das atividades e dos dados do questionário, que as orientações do ML-SAI estão adequadas aos seus objetivos, que são contribuir com orientações para o planejamento e a realização de ações de m-learning por professores e pesquisadores de diferentes áreas.

A proposição do ML-SAI se mostra importante por levar em consideração os fundamentos da SAI, que vem apresentando ótimos resultados em trabalhos atuais, permitindo colaborar no planejamento e desenvolvimento consistente das práticas pedagógicas e melhor aproveitamento dos recursos tecnológicos. Sendo utilizada e aprovada há um bom tempo em vários países, tais como: Finlândia, Singapura, Holanda e Canadá. Com comprovada eficácia em instituições, tais como: Duke, Stanford, Harvard e Massachutsetts Institute of Tecnology (Ramal, 2015).

A cada dia mais alunos tem acesso a dispositivos móveis conectados à Internet, abrindo cada vez mais oportunidades educativas e interativas, assim, este modelo é uma proposta e uma forma de auxilio no planejamento e execução destas novas abordagens pedagógicas, visto o impacto das tecnologias na educação, aliando as vantagens do digital ao presencial, buscando tornar este processo muito mais completo e eficiente.

Deste modo, este trabalho verificou que embora a utilização do modelo exija maior planejamento, os benefícios alcançados são muito interessantes tanto para os alunos quanto para os professores, indicando uma receptividade favorável ao modelo. Posteriormente, pretende-se realizar novas experimentações em públicos mais abrangentes e com características diversas, de modo a validar e consolidar mais fortemente o modelo pedagógico desenvolvido. Logo após, pretende-se disponibiliza-lo em forma digital e divulga-lo, possibilitando a sua ampla utilização.

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1. Professor de Informática do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás – IFG. Doutorado em andamento em Ciência da Informação, na Universidade Fernando Pessoa, em Porto/Portugal. Email: ernane01@gmail.com

2. Professor catedrático da Universidade Fernando Pessoa, em Porto/Portugal. Coordenador do doutorado em Ciência da Informação. Doutor em Ciência da Computação


Revista ESPACIOS. ISSN 0798 1015
Vol. 40 (Nº 36) Ano 2019

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