ISSN 0798 1015

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Vol. 40 (Nº 36) Ano 2019. Pág. 22

A visão da comunidade escolar sobre a participação dos pais na gestão da escola

The perception of the school community on the participation of parents in school management

DIETER, Daiana Silveira Colombo 1 e PEREIRA, Antonio Serafim 2

Recebido: 10/07/2019 • Aprovado: 18/10/2019 • Publicado 21/10/2019


Conteúdo

1. Introdução

2. Metodologia

3. Resultados e Discussão: participação dos pais expressa no PPP e na visão da comunidade escolar

4. Conclusões

Referências bibliográficas


RESUMO:

O presente trabalho descreve o estudo que buscou compreender as perspectivas de participação dos pais na gestão de uma escola pública catarinense a partir da comunidade escolar. Realça, também, que da análise do Projeto Político-Pedagógico da escola (análise documental) e entrevista com os pesquisados emergiram a participação representativa (a mais proeminente), a informativa e a direta (a menos evidenciada). Tece, ainda, considerações sobre a problemática que envolve a concretização da gestão escolar na perspectiva sociocrítica no contexto da escola pesquisada.
Palavras chiave: Gestão Escolar. Participação. Pais

ABSTRACT:

This article describes the study that sought to understand the parental participation perspectives, in the management of a public school in Santa Catarina, from the school community. It also emphasizes that from the analysis of the School's Political-Pedagogical Project (documentary analysis) and interview with the researched, emerged the representative participation (the most prominent), the informative and the direct (less evidenced). It also makes considerations about the problematic that involves the accomplishment of the school management from the sociocritical perspective in the context of the researched school.
Keywords: School Management. Participation. Parents

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1. Introdução

Neste trabalho descrevemos o estudo realizado numa escola pública estadual do extremo sul catarinense (Brasil) que, buscou compreender as perspectivas de participação dos pais no processo de gestão da escola na visão da comunidade escolar. Inicialmente, analisando as significações do Projeto Político-Pedagógico (PPP) [3] referentes à participação dos pais (análise documental). Posteriormente, identificando as concepções da equipe gestora, professores, alunos, pais e comunidade externa (entrevista semiestruturada) sobre essa participação, no confronto com as significações evidenciadas no PPP.

Dessa maneira, discutimos, a seguir, as concepções de gestão escolar e os mecanismos de participação dos pais nesse processo e suas implicações nas diferentes concepções de gestão escolar.

1.1. Gestão escolar: concepções

Sobre as concepções de gestão escolar tomamos como referência a sistematização de Libâneo, Oliveira e Toschi (2012), estruturada em técnico-científica e sociocrítica. Para os autores, na concepção técnico-científica, a gestão fundamenta-se numa visão burocrática e hierárquica (determinação de funções), visto que os planos de ação são elaborados de cima para baixo, produzindo, por isso, baixo nível de participação das pessoas. Tal perspectiva acaba gerando relações de subordinação, o que pode diminuir a possibilidade de as pessoas pensarem e decidirem coletivamente sobre seu trabalho.

Para definir a gestão escolar sociocrítica, Libâneo, Oliveira e Toschi (2012) partem da premissa de que a escola tem como objetivo básico possibilitar o acesso aos bens culturais, o desenvolvimento da capacidade cognitiva do aluno, visando sua conscientização para se inserir criticamente no contexto social. Nesse sentido, a escola não é um espaço neutro, mas uma instituição constituída pela sociedade educativa, onde a tomada de decisão decorre da discussão dos seus agentes sociais.

Para os autores acima mencionados, essa concepção de gestão comporta três subdivisões, a saber: autogestionária, interpretativa e democrático-participativa, que têm como característica comum negar as relações construídas com base na dominação das pessoas e se opor, portanto, à lógica  da concepção técnico-científica. Sobre este aspecto, assim se pronunciam:

Elas consideram essencial levar em conta o contexto social e político, a construção de relações sociais humanas e justas e a valorização do trabalho coletivo e participativo, ainda que divirjam sobre as formas mais concretas de organização e gestão (LIBÂNEO, OLIVEIRA e TOSCHI, 2012, p. 448).

Todavia, os autores consideram a concepção democrático-participativa como a que combina as relações humanas e a participação nas decisões com as ações efetivas para atingir os objetivos da escola de forma coletiva, visando sua democratização. Essa, entendida como

ampliação das oportunidades educacionais, difusão dos conhecimentos e sua reelaboração crítica, aprimoramento da prática educativa escolar visando à elevação cultural e científica das camadas populares, contribuindo, ao mesmo tempo, para responder as suas necessidades e aspirações mais imediatas (melhoria de vida) e a sua inserção num projeto coletivo de mudança da sociedade  (LIBÂNEO, 2004, p. 122).)

Libâneo (2004), por conseguinte, considera que a valorização da escola pública não está somente no propósito de reivindicá-la para todos, mas no trabalho pedagógico diferenciado de docentes e gestores, que possibilite ao aluno apropriar-se do conhecimento produzido historicamente para que, a partir deste, tenha condições de intervir criticamente, na sociedade da qual faz parte, de forma democrática participativa.

1.2. Perspectivas  e mecanismos de participação

Discutidas as concepções de gestão escolar, consideramos pertinente relacioná-las às perspectivas e mecanismos de participação enquanto possibilidades de participação efetiva dos pais nas discussões e decisões da escola.

Segundo Bordenave (2013), o movimento pela participação vem acompanhando as transformações históricas da sociedade e se intensifica devido ao descontentamento pela ausência da população nas decisões. Para o autor, o segredo da participação está em como se toma parte. Para ele:

A democracia participativa seria então aquela em que os cidadãos sentem que, por ‘fazerem parte’ da nação, ‘têm parte’ real na sua condução e por isso ‘tomam parte’ – cada qual em seu ambiente – na construção de uma sociedade da qual se ‘sentem parte’ (BORDENAVE, 2013, p. 23).

O desejo da população em querer tomar parte no processo de decisão pode ser explicado pelos movimentos contra a democracia representativa. A luta desses movimentos tem como base ampliar o nível de participação nas decisões que envolvem a construção de uma sociedade menos desigual, superando o nível de participação informativa e representativa que temos hoje.  Afinal, a participação é conquista e, por essa razão, não pode resultar de simples concessão ou doação (DEMO, 2009), mas de sua prática e aprendizagem. Conforme Paro (1992), os atores sociais da escola, em especial os pais, terão maiores chances de se aproximar dessa conquista se existir mecanismos de participação no contexto escolar, que a promovam sem perder de vista a autonomia dos envolvidos. Entre eles, citamos: conselho escolar, associação de pais e professores, projeto político pedagógico, conselho de classe participativo. 

Paro (2001) considera que o conselho escolar – deliberativo para o Sistema Estadual de Ensino de Santa Catarina (SANTA CATARINA, 2008) – pode criar essa possibilidade de participação, porém, precisa superar a questão burocrática para se potencializar como espaço democrático. Condição que pode ser também atribuída à associação de pais e professores (APP). Não pode, portanto, constituir-se em mecanismo de representação de professores, alunos e pais a serviço da direção escolar ou de quem esta representa. Sua constituição justifica-se para que seus integrantes analisem, discutam e tomem decisões sobre questões políticas e pedagógicas da escola (SANTA CATARINA, 2008).

O Projeto Político-pedagógico também se constitui instrumento democrático, que orienta o trabalho pedagógico da escola, se elaborado coletivamente, representando o compromisso de todos os seus segmentos em busca da melhoria da qualidade do ensino. Assim, o PPP propicia a vivência democrática e o exercício da cidadania ao oportunizar a participação da comunidade escolar na sua construção (VEIGA, 2013).

O conselho de classe pode configurar-se participativo se, além de professores, envolver os alunos e seus pais na discussão e deliberação relativas à avaliação discente e ao encaminhamento de ações para a melhoria da qualidade dos serviços educacionais prestados e à melhoria do desempenho dos alunos (LIBÂNEO, 2004).

No que se refere à avaliação participativa, Libâneo (2004) e Paro (1992) se aproximam no entendimento de que todo processo que envolve a escola, passando pelas atividades meio e fim, deve ter o olhar atento da avaliação. Essa visão cria a possibilidade de solucionar possíveis falhas ao longo do processo educativo e dá oportunidade para que os envolvidos tomem decisões no sentido de reorganizem o trabalho em prol de objetivos coletivos. Esse encaminhamento é importante para superar o espaço de participação dos pais, limitado a reuniões informativas de ordem administrativa ou que tratem apenas da execução de tarefas relacionadas à manutenção da escola.

Tais princípios são também defendidos por Melo (2004), ao salientar a necessidade de mudar a forma como a gestão educacional está fundamentada e organizada. No novo contexto de sociedade, a escola precisa ter compromisso com o desenvolvimento do ser humano, devendo passar de uma abordagem integradora para a libertadora. A educação deve ter como uma de suas funções fomentar a participação, aperfeiçoada pela prática e pela reflexão.

Segundo a autora referenciada, é necessário diferenciarmos gestão compartilhada de gestão democrática, entendendo que o modelo de gestão que tem sido defendido pelas políticas de governo se caracteriza por ser uma gestão compartilhada, na medida em que a preocupação não está centrada em explicar as causas dos problemas que se enfrenta na educação, mas sim, transferir a responsabilidade da educação para a sociedade; na qual o PPP está em segundo plano, se sobressaindo à preocupação em atingir metas, tendo como parâmetros os resultados estatísticos. Essa concepção tem sido vivenciada na escola, por meio dos diversos programas impostos pelo governo e por seus parceiros.

Eis os indicadores destacados por Melo (2004), que podem contribuir com o processo de construção da gestão democrática: a autonomia escolar a partir da elaboração coletiva do PPP; a descentralização do poder e o rompimento da hierarquização presente na escola; a responsabilidade social dos Conselhos e Colegiados; o controle social da gestão ligado aos mecanismos de representatividade social; a escolha dos dirigentes escolares por processo de eleição; e a inclusão de todos os segmentos da comunidade escolar.

Vale ressaltar, que a participação e os mecanismos que a favorecem, especialmente, em relação à participação dos pais na escola revela obstáculos e potencialidades. Segundo Paro (1992), há determinantes imediatos dessa participação que podem ser identificados no interior da escola e na comunidade onde se insere. Quanto aos condicionantes ligados à organização interna da escola, o autor destaca os materiais, institucionais, político-sociais e ideológicos.

Ao se referir aos condicionantes materiais, Paro (1992) ressalta que não se pode negar sua importância para a melhoria da educação, mas não se pode deixar de promover a relação entre escola e comunidade por não possuir um ambiente adequado para isso. Quanto aos condicionantes institucionais, destaca o papel de autoridade do diretor, visto que a comunidade o vê como detentor das decisões e ações na escola.

Ao tratar dos condicionantes político-sociais, o autor enfatiza que nenhuma escola se desenvolve sem conflitos e disputa de interesses, porém é preciso compreender esse processo, suas causas e implicações na busca da democratização da gestão escolar. Ao se referir aos condicionantes ideológicos, o autor afirma que é importante considerar a visão da escola a respeito da comunidade e da importância de sua participação em sua organização.

 Além dos condicionantes internos, Paro (1992) refere-se aos condicionantes externos, que partem da comunidade para a escola, sendo eles: econômico-sociais, culturais e institucionais.

Os condicionantes econômico-sociais concernem às condições de vida da população que determinam suas preocupações imediatas. A cultura está diretamente ligada a esse condicionante, pois caracteriza o comportamento das pessoas no seu cotidiano. Os condicionantes institucionais, por sua vez, estão relacionados à influência ou não de associações da comunidade na participação dos pais na escola.

Entre os mecanismos de participação, inclusive dos pais, na gestão escolar, o PPP enquanto espaço coletivo de exercitar/experimentar o discutir, o sugerir, o decidir, o intervir, o avaliar – elementos fundamentais da gestão participativa – pode constituir-se em estratégia significativa de reflexão e crítica para desvendar os condicionantes que determinam a participação da comunidade na escola, especialmente aqueles que a dificultam.

É preciso, pois, termos clareza de que se vive em uma sociedade capitalista classista e comandada pelo mercado, que manipula discursos e cerceia a autonomia das organizações e das pessoas para que, respectivamente, não favoreçam e não tenham acesso aos seus direitos fundamentais. Assim, o que resta às pessoas é acatar, de maneira geral, o que lhes é oferecido, sem, muitas vezes, questionar ou reivindicar participação significativa em prol de maiores transformações da escola que se tem.

        Na sequência, fazemos considerações sobre a metodologia e procedemos à discussão dos dados da pesquisa no diálogo com o referencial teórico e apresentamos, nas conclusões, uma síntese  sobre o estudo desenvolvido.

2. Metodologia

Para atingir o propósito do estudo, desenvolvemos uma pesquisa qualitativa, utilizando-nos, como dissemos, da análise documental do PPP da escola e entrevista semiestruturada. Os dados de ambos os instrumentos foram submetidos à análise de conteúdo (BARDIN, 2014).

Primeiramente, procedemos à leitura do PPP, destacando os núcleos de sentido relativos à participação da comunidade, particularmente, dos pais na gestão escolar para, a partir daí, confrontar com as falas dos entrevistados. Neste sentido, cabe salientar, que participaram do processo investigativo mediante entrevistas: três representantes da equipe diretiva; professores do Ensino Fundamental, três dos anos iniciais e oito dos anos finais, totalizando onze docentes; doze alunos dos anos finais do Ensino Fundamental, por estarem por mais tempo na escola; três representantes da comunidade externa.

Quadro 1
Participantes da pesquisa sob forma de entrevista

Participantes da pesquisa

          Representantes da equipe diretiva

03

          Professores do Ensino Fundamental – anos iniciais

03

          Professores do Ensino Fundamental – anos finais

08

          Alunos do Ensino Fundamental – anos finais

12

          Representantes da comunidade externa

03

         Total de participantes

29

As questões que compuseram a entrevista foram elaboradas a parir dos objetivos da pesquisa, a saber: a) analisar a participação dos pais na gestão da escola, identificando a concepção de participação; b) identificar os condicionantes que envolvem a participação dos pais na gestão escolar; c) analisar as significações do PPP e confrontá-las com os sentidos identificados na fala dos entrevistados referentes à participação dos pais.  A partir destes objetivos, foi possível elencar as categorias de análise do PPP e das entrevistas, sendo elas: significações do PPP sobre participação; b) concepção de participação: visão da escola; c) condicionantes sociais da participação dos pais.

 

3. Resultados e Discussão: participação dos pais expressa no PPP e na visão da comunidade escolar

A apresentação/análise dos dados abrange os significados de participação expressos no PPP da escola pesquisada; a visão da comunidade escolar (gestores, professores, alunos, pais e comunidade externa) sobre a participação dos pais na gestão escolar; os condicionantes internos e externos que envolvem a participação.

3.1. Concepções de participação no PPP da escola

Na análise do PPP da escola pesquisada, foi possível identificar os significados de participação na gestão escolar (núcleos de sentido), especialmente dos pais, tendo em vista o foco deste estudo, que permitiu agrupá-los em três concepções de participação, a saber: representativa, informativa e direta. Importa dizer, que as duas primeiras foram as mais evidenciadas neste documento.

Pelo PPP, considerou-se participação representativa (a mais destacada) a que se dá nos conselhos e associações, como a Associação de Pais e Professores (APP) e o Conselho Deliberativo, por meio da representação dos segmentos que os compõem. Tal participação emerge mais aos chamados dos membros representantes quando a escola necessita de algo. Por exemplo, para licitar reformas e/ou acompanhar a aplicação das verbas, como na seguinte passagem: “solicitação e acompanhamento da verba destinada para o material de consumo” (PPP, p. 86). Dito dessa forma, o que preconiza a Lei Complementar nº 170/98 (SANTA CATARINA, 1998) de que o Conselho Deliberativo Escolar tem como atribuições, dentre outras, deliberar previamente a aplicação de verbas, fiscalizando-a e participar da elaboração do PPP, inclusive das suas avaliações, não aparecem claramente expressas.

A concepção informativa emerge neste documento em expressões que se reportam à informação dos pais sobre o desempenho escolar e comportamento dos filhos, inclusive sobre o próprio PPP, mediante reuniões ou chamados individuais. A seguinte passagem serve para ilustrar o que se disse a respeito do PPP: “a partir do ato da matrícula, o aluno, pai, ou responsável tomarão conhecimento dos dispositivos do Plano Político-Pedagógico e Regimento da Unidade Escolar” (PPP, p. 55).

A concepção de participação direta colaborativa identifica-se com o auxílio a ser prestado pelos pais à escola, especialmente, no que concerne à manutenção e preservação do espaço escolar, diferindo da concepção direta democrática, que em nosso entendimento, refere-se à efetiva participação destes na discussão e tomada de decisões em questões de ordem administrativa e/ou pedagógica.

A participação direta colaborativa se evidencia no PPP como busca de “parcerias para ampliar os projetos da escola” (PPP, p. 86), isto é, para atingir metas por ela traçadas. Nessa configuração, Melo (2004) a denomina de participação compartilhada, por reduzir-se à gestão ao compartilhamento de tarefas, bem próprio das políticas de educação atuais, que objetivam eximir o Estado de suas responsabilidades, bem ao modo dos interesses neoliberais.

Por nossas apreensões, podemos dizer que a participação expressa no PPP dá mais suporte à gestão escolar técnico-científica (LIBÂNEO, OLIVEIRA e TOSCHI, 2012), cuja dinâmica centrada na execução de planos e metas, previamente, estabelecidos, mediante o expediente da informação e colaboração, tende a produzir um contexto de participação de baixa intensidade, no caso desse trabalho, dos pais.

3.2. A participação na visão da comunidade escolar

Na análise da fala dos participantes da pesquisa, do mesmo modo, foi possível identificar as concepções representativa, informativa e direta concernentes à participação dos pais na gestão escolar. Das três concepções, a que mais se sobressaiu, especialmente na fala da equipe diretiva, professores e pais, foi a representativa, seguindo-se a informativa e a direta.

Na fala dos entrevistados, a concepção representativa vincula-se à participação dos pais no Conselho Deliberativo e Associação de Pais e Professores por meio de seus representantes, seja para apoiar a escola em decisões relacionadas a problemas com professores e alunos ou para decidir sobre o uso das verbas recebidas pela escola, com bem expressa o Membro da Equipe Diretiva C:

No conselho, o pai participa junto com a APP nas decisões que a gente toma em relação às verbas que vêm para a escola. Também é chamado na hora em que é preciso, quando temos um problema muito grave com o professor. O conselho é chamado também quando temos um problema com os alunos.

 Importa destacar, que os pais reafirmam o dito acima, quando dizem que são  chamados a participar do Conselho Deliberativo e APP em caso de extrema necessidade, evidenciando que a participação nesses dispositivos serve para que a escola resolva assuntos de caráter emergencial. Os alunos e a comunidade externa sequer mencionaram a participação desse modo, talvez não o tenham feito por não terem experimentado outra forma de participação que não a informativa.

A centralidade do Conselho Deliberativo e APP nas questões apontadas acima, em detrimento da discussão de questões pedagógicas e curriculares, restringe a participação política dos agentes sociais da escola, em particular dos pais (PARO, 2001), o que pode ser indício de uma gestão técnico-científica (LIBÂNEO, OLIVEIRA e TOSCHI, 2012).

A participação informativa caracteriza-se por priorizar a informação, chamamento ou contato com os agentes sociais da escola, entre eles, os pais. Essa concepção evidencia-se quando os representantes da equipe diretiva mencionam que os pais são informados das regras e chamados a comparecer na escola quando necessário, mediante palestras e reuniões de informações sobre o desempenho escolar dos filhos e entrega de boletins.

A participação informativa, no relato dos pais, via de regra, “na maioria das vezes, se dá em reuniões e entrega de boletim” (PAI N) e de forma restrita, conforme o Pai B: “É pouca, porque quase não chamam para conversar”.

Quanto à participação dos pais, os alunos, apontam a diretora e os professores como responsáveis pelo contato, consideram que este deve ser feito quando os discentes estão com problemas de comportamento ou de aprendizagem. Observe-se o comentário de um aluno do 5º ano em relação à participação dos pais: “[...] é, se ir para diretoria, a escola chama, daí eles vêm” (ALUNO A). A comunidade externa, também segue esta lógica, expressa nessa posição: “eu acho que tudo é dentro da escola, é preciso saber dos professores como é que está o comportamento” (COMUNIDADE EXTERNA C). Para esse grupo de entrevistados, assim como para os alunos, a participação acontece por meio da informação e a escola, por meio do diretor e professores, são os responsáveis pela participação dos pais.

A participação direta, distinta da representativa e da informativa, refere-se ao envolvimento dos pais na discussão e tomada de decisão da escola em relação ao currículo, à avaliação, à proposta pedagógica (direta democrática), mas que na fala dos entrevistados desvela-se com forte teor de colaboração (direta colaborativa). Sobre a primeira, identificamos, apenas nas entrevistas dos membros da equipe diretiva, tênues indícios ao se referirem que os pais participam na elaboração do PPP oferecendo sugestões. O que soa contraditório, porque a maioria dos pais nos disse desconhecer esse documento.

A participação direta colaborativa, por sua vez, aparece relacionada à participação dos pais em campanhas e mutirões. A passagem a seguir, representa bem esta concepção

A comunidade participa muito quando a escola faz uma campanha para arrecadação de fundos, ou pra ajudar famílias carentes; a comunidade aí participa bastante. Quando a escola faz algum evento, o comércio ajuda bastante, patrocina os eventos da escola, inclusive doação de material em obra, coisa assim, nessa parte a comunidade ajuda muito (MEMBRO EQUIPE DIRETIVA A).

A participação direta, que aparece nas entrevistas, vinculada fortemente à colaboração, pode ceder maior lugar à participação direta democrática, segundo Melo (2004), se criar espaços de participação efetivos. Um deles está relacionado diretamente à elaboração do PPP de forma coletiva para que a escola tenha maior possibilidade de cumprir o compromisso com uma educação para a conscientização crítica do mundo.

Confrontando o que disseram os participantes da pesquisa e a expressão do PPP se pode afirmar que, de certo modo, a escola cumpre com o descrito no referido documento em termos de participação informativa e representativa. Na verdade, as prescrições e determinações do Estado em relação à proposta pedagógica, à organização curricular e à avaliação escolar cerceiam a autonomia da escola no processo de discussão e elaboração do seu PPP.

Cabe enfatizar, que o quadro evidenciado, que distorce o sentido democrático da participação, pode ser explicado no contexto da sociedade capitalista, que colabora para que a participação na gestão escolar, mormente a dos pais, mantenha-se no plano restrito da informação e da representação, amparada no dispositivo da chamada descentralização. Esta longe de democratizar as relações, transfere responsabilidades da educação para a sociedade civil e repassa grande parte do serviço burocrático para as escolas, centralizando o poder das decisões nas mãos do Estado.

3.3. Condicionantes de participação na expressão da comunidade escolar

De início, esclarecemos que os condicionantes de participação (ideológicos, institucionais e econômicos/culturais) para a análise das entrevistas foram tomados de Paro (1992; 1995). Para o autor, os condicionantes ideológicos tratam das concepções e crenças construídas historicamente em cada pessoa, que facilitarão ou dificultarão a participação. Os institucionais se referem ao caráter hierárquico da autoridade na escola e os condicionantes econômicos/culturais estão relacionados às condições de vida dos usuários da escola. Dos condicionantes apontados, o ideológico sobressaiu-se nas falas dos participantes da pesquisa, seguido do institucional e do condicionante econômico/cultural.

O condicionante ideológico se evidencia na fala dos membros da equipe diretiva, ao se referirem à trajetória e ao contexto no qual a escola se insere e à questão de que os pais não participam de eventos pedagógicos, mas que comparecem, quando convidados para trabalhar na manutenção da escola. Ou justificam que a escola faz a sua parte, chamando os pais para reuniões e eventos. Nesse sentido, assim se refere um dos membros da equipe diretiva:

Nesta escola ainda é tímida a participação, até porque é uma escola que vem de uma outra trajetória [...], porque em função do bairro atende muito à periferia. Há alguns anos atrás, ficou tomada pelos marginais. Então, tinha problema sério de segurança; os professores não conseguiam trabalhar; as três últimas direções é que foram trabalhando pra resgatar a escola (MEMBRO EQUIPE DIRETIVA A).

Essa visão é ideológica na medida em que justifica a pouca participação dos pais na trajetória histórica da escola e da comunidade. Nesse caso, os condicionantes ideológico e econômico/cultural aparecem relacionados. Como se vê, pouca participação e pobreza andam juntas, na posição apresentada. Sabe-se que a escola faz parte do contexto social da comunidade e que, dessa forma, intervém nas suas ações (HORA, 2012), favorecendo ou dificultando a participação dos seus atores sociais (PARO, 1995). Desse modo, a melhor posição a ser tomada pela escola, ao invés de justificar e legitimar a pouca participação, é a articulação com a comunidade, visando a intensificar a participação de forma democrática.

Boa parte dos professores diz que a baixa participação se dá pelo fato de que os pais entregam seus filhos à escola como forma de se descomprometer com a educação deles. Nesse sentido, um dos professores alega que “hoje, muitos pais largaram os filhos na escola; eles pensam que a escola é um depósito, eles dizem: eu não dou conta do meu filho, tenta resolver” (PROFESSOR H).

A preocupação dos professores pode relacionar-se ao argumento de Paro (1995) de que os pais se preocupam com a educação dos filhos ao seu modo; preocupam-se com a merenda, a falta de segurança, entre outros aspectos. Essas questões, no entanto, segundo o autor, não justificam, por si só, a baixa participação dos pais na escola, que pode decorrer do contexto histórico em que vivem – pouco favorável à participação – e/ou da política assistencialista aplicada pelo Estado à escola pública.

Os pais, por sua vez, relacionam sua participação à necessidade decorrente do comportamento e aprendizagem dos filhos. Entendimento do qual os alunos também compartilham, expresso nesta fala, entre outras: “Eles não vêm, porque a minha mãe fala que não é preciso e que ela nunca foi chamada na escola por causa de reclamação” (ALUNA B).

No que diz respeito à comunidade externa, apenas um de seus representantes, insinuando a pouca participação dos pais, recomendou que estes devem participar mais da educação dos filhos e da escola, observando os problemas e levando sugestões. Sabe-se da importância dessa recomendação, mas se sabe também que o contexto da escola pesquisada é pouco favorável ao recomendado fortalecimento da participação dos pais, conforme descrito anteriormente.

Os condicionantes ideológicos, como se sabe, não se constroem fora dos contextos em que seus atores se movimentam, isto é, estão relacionados aos condicionantes institucionais.

Os membros da equipe diretiva e os professores mencionam que os pais são chamados quando a escola considera importante e/ou necessário, seja para informá-los do rendimento escolar dos filhos, para participar de “festas/eventos para arrecadar alguma coisa”, ou de reuniões “quando dá problema” (PROFESSOR O). Por este prisma, a participação dos pais está condicionada ao chamamento da escola (condicionante institucional). Por suas falas, pais e alunos já incorporaram a ideia de que a participação está vinculada ao comando da direção escolar. A passagem a seguir sintetiza o afirmado: “Depende da diretoria, porque eles que decidem se os pais participam ou não” (ALUNO A). Qual, então, a possibilidade/autonomia que os pais e demais segmentos da escola têm para exercitar a participação como conquista oposta à participação como tutela? (DEMO, 2009).

A comunidade externa, por sua posição particular, alude ao fato de que a escola deve apresentar aos pais seu funcionamento, reafirmando a condição de expectadores a que ficam relegados – característica de uma participação informativa, em que apenas fazem parte da instituição; não tomam parte dela (BORDENAVE, 2013).

Os condicionantes econômicos/culturais aparecem na fala da equipe diretiva como justificativa da ausência dos pais na escola, primordialmente, devido ao trabalho: “o problema é aquela efetiva participação, porque a gente sabe que hoje em dia é complicado, todos trabalham” (MEMBRO EQUIPE DIRETIVA C). Os alunos, do seu lugar, da mesma forma que a direção, justificam a ausência dos pais na escola, “porque não têm tempo, ficam trabalhando” (ALUNO C).

Pensar dessa forma e considerar que este fato dificulta a participação, pode eximir a escola de criar outras estratégias que possibilitem a participação dos pais. A situação de trabalho dos pais, conforme Paro (1995), realmente foge ao controle da escola, porém, não a impede de criar mecanismos de participação mais efetiva. Nesse sentido, o autor sugere que se criem espaços de participação que vão além de reuniões informativas e colegiados representativos, de modo a garantir a efetiva participação dos pais nas decisões da escola, no que se refere à qualidade político-pedagógica da oferta educacional.

É preciso, pois, compreender o contexto histórico da educação, analisar e compreender as perspectivas de participação dos pais a partir daí para construir uma concepção de gestão escolar centrada na educação verdadeiramente emancipatória, como afirma Pereira (2014), que se liga à concepção sociocrítica de gestão definida por Libâneo; Oliveira; Toschi (2012).

 

4. Conclusões

Na busca por compreender as perspectivas de participação dos pais na gestão da escola na visão da comunidade escolar, inicialmente, na análise do PPP da escola, identificamos que seu texto dá ênfase à participação representativa e informativa dos pais, vinculada à representação no conselho escolar e APP no que diz respeito aos recursos para manutenção/conservação da escola e acompanhamento da aprendizagem dos alunos, ou ainda, mediante informação aos pais sobre o PPP e rendimento escolar dos seus filhos. Portanto, tem-se, na expressão do PPP, do ponto de vista democrático, uma participação dos pais de baixa intensidade.

Da mesma maneira, nas entrevistas realizadas, emergiram a concepção representativa, seguida da informativa e a direta. Este quadro pode ser explicado pelo contexto social em que vivemos, no qual as políticas educacionais se contradizem. São exemplos dessa contradição, os documentos legais que trazem a proposta de democratização da gestão escolar prevista nas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica (BRASIL, 2010), mas que, na prática, não a considera de forma mais intensiva. Na verdade, se tem a centralização do poder e a descentralização das responsabilidades, caracterizando uma gestão gerencialista (OLIVEIRA, 2010).

Tais concepções, como visto, estão influenciadas pelos condicionantes ideológicos, institucionais e econômicos/culturais (PARO, 1995). Esses aparecem nas falas dos pesquisados ligados à pouca participação dos pais, que se configuram pela trajetória histórica da escola e da comunidade, o repasse do compromisso da família para a escola, o trabalho dos pais e o desempenho escolar.

Na fala da equipe diretiva e professores não aparecem indícios de mobilização da escola para a participação dos pais, que qualifique uma gestão democrática, como considerada neste trabalho. Talvez um dos fatores que respondam a essa questão seja a política de gestão implementada no Estado de Santa Catarina, mencionada anteriormente, que centraliza as orientações e normativas da educação delegadas às direções, até há pouco tempo indicadas, apesar da antiga reivindicação dos trabalhadores da rede pública estadual de ensino para que diretores escolares fossem eleitos. O que se conquistou em 2015, ano do primeiro processo eleitoral (voto direto da comunidade escolar) dos planos de gestão apresentados pelos candidatos à direção das instituições escolares.

O estudo desenvolvido reafirmou a convicção de que a escola precisa desenvolver consciência política democrática e, a partir daí, construir espaços para a discussão sobre temas de interesses coletivos que mobilizem os pais, no sentido de garantir sua efetiva participação. [4]

 

Referências bibliográficas

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1. Mestre em Educação. Professora da rede municipal de ensino de Criciúma, SC/Brasil. E-mail: daianacd.edu@gmail.com

2. Doutor em Educação e Pós-doutor em Ciências Humanas e Sociais. Docente pesquisador do Programa de Pós-Graduação da Universidade do Extremo Sul Catarinense, UNESC/Brasil. E-mail: asp@unesc.net

3. Corresponde ao plano curricular e pedagógico da escola pesquisada.

4. Realizado com apoio do FUNDES (Fundo de Apoio à Manutenção e ao Desenvolvimento da Educação Superior).


Revista ESPACIOS. ISSN 0798 1015
Vol. 40 (Nº 36) Ano 2019

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